LIÇÃO 7 – A BELEZA DO SERVIÇO CRISTÃO


3º Trim. 2011 - Lição 7: A Beleza do Serviço Cristão

                                           O salvo é um servo dedicado à obra do Senhor e, neste serviço, manifesta o reino de Deus.
INTRODUÇÃO
- “Bem-aventurado aquele servo que o Senhor, quando vier, achar servindo assim” (Mt.24:46). Nesta expressão da parábola dos dois servos, Jesus nos mostra, claramente, que cada salvo é um servo e que todo servo é alguém que tem de servir, de tem prestar um serviço, serviço que deve ser “assim”, ou seja, segundo um modelo, um padrão estabelecido pelo Senhor.
- A vida cristã é uma vida de serviço, de um serviço em todas as áreas da vida, de um cumprimento de tarefas determinadas pelo Senhor e da qual prestaremos contas quando chegarmos à eternidade. É uma das manifestações do reino de Deus entre nós.
I - O QUE É SERVIÇO
- A palavra “serviço”, no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, tem, entre outros significados, o de “ação ou efeito de servir, de dar de si algo em forma de trabalho”; “exercício e desempenho de qualquer atividade”, palavra que vem do latim “servitium”, cujo significado é “'condição de escravo, escravidão, jugo, obediência”.
- Na Versão Almeida Revista e Corrigida, a palavra “serviço” aparece, pela vez primeira, em Gn.26:14 e, em nas suas aparições, no Antigo Testamento, é tradução da palavra hebraica “ ‘abodah” (עבדה), que tem o mesmo significado do latino “servitium”, ou seja, trabalho a ser executado pelo escravo, jugo.
- É interessante notar que a palavra é utilizada tanto para designar as tarefas que Faraó determinava aos israelitas durante a escravidão (Ex.1:14; 5:9,11), como também as tarefas determinadas por Deus, após a libertação, para a adoração ao Senhor (Ex.27:19; 30:16; 35:21,24; 36:1,3.5; Nm.4:30; 8:24; Js.22:27; I Cr.28:20; 29:7; II Cr.31:21; Ez.44:21).
- Em o Novo Testamento, a palavra “serviço”, no mais das vezes, é tradução da palavra “diakonia” (διακονία), cujo significado é o de “ministério”, “atendimento a comando, ordem de outro na execução de tarefas” (At.12:25; II Co.8:4; 9:12; Ap.2:19), embora, às vezes, seja, também, tradução de “leitourgía” (λειτουργία), cujo significado é de “ofício público, cerimônia para culto de uma divindade feita pelo cidadão às suas expensas” (Fp.2:17, 30; Hb.9:9) e, mesmo, de “latreia” (λατρεία), palavra que significa “culto” (Jo.16:2).
- O que se percebe é que o ser humano, ao ser criado, foi feito para servir. Desde o Éden, um dos objetivos estabelecidos por Deus ao homem era o trabalho (Gn.2:15). O homem foi feito para dominar sobre a criação terrena, mas para servir a Deus, devendo, através do trabalho, do serviço, exaltar o nome de seu Criador e demonstrar que era imagem de Deus, pois um dos principais aspectos da Divindade é, precisamente, o de ser um ser que trabalha (Jo.5:17). Na Bíblia Sagrada, o Senhor aparece, em Gn.1:1, como um ser que trabalha, ao criar os céus e a Terra, daí porque o trabalho ser uma atividade que nos mostra a condição do homem de ser imagem de Deus. Eis o motivo pelo qual se diz que o trabalho dignifica o homem, é uma das demonstrações mais eloquentes da dignidade da pessoa humana.
OBS: Por sua biblicidade, reproduzimos aqui importante afirmação do Compêndio da Doutrina Social da Igreja Romana sobre o tema: “…Mediante o trabalho, o homem governa com Deus o mundo, juntamente com Ele é sempre seu senhor, e realiza coisas boas para si e para os outros. O ócio é nocivo ao ser do homem, enquanto a atividade favorece o seu corpo e o seu espírito. O cristão é chamado a trabalhar não só para conseguir o pão, mas também por solicitude para com o próximo mais pobre, ao qual o Senhor ordena dar de comer, de beber, de vestir, acolhimento, atenção e companhia (cf. Mt.25:35,36). Cada trabalhador, afirma Santo [sic] Ambrósio, é a mão de Cristo que continua a criar e a fazer o bem.…” (PONTIFÍCIO CONSELHO “JUSTIÇA E PAZ”. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 265, p.159).
- Ora, se Deus fez o homem para servi-l’O, para que executasse tarefas que exaltassem o nome do Senhor, é praticamente intuitivo que todo e qualquer ser humano que se disponha a se submeter ao senhorio de Deus seja alguém que tenha no trabalho uma de suas principais marcas. Não é por outro motivo, aliás, que, ao longo da história sagrada, não encontramos jamais alguém que tenha sido chamado por Deus que não estivesse trabalhando. Deus jamais chamou e jamais chamará desocupados para a Sua obra, porquanto o ócio é algo que está em frontal oposição ao que Deus é, ao que Deus representa.
- Em sendo assim, temos que todo povo chamado e constituído por Deus é um povo que tem no trabalho, no serviço um ponto característico. A Igreja, o povo de Deus da atual dispensação, não é exceção. Muito pelo contrário, Jesus sempre deixou bem claro que os Seus discípulos deveriam ser pessoas que estivessem prontas e dispostas a servir, a executar tarefas para a glória do nome do Senhor.
- Ao chamar os Seus primeiros discípulos, Jesus disse que os faria “pescadores de homens” (Mt.4:19; Mc.1:17). Notemos que, embora Jesus tivesse convidado aqueles homens a abandonarem sua atividade profissional de pescadores, não os convidou para a ociosidade, mas apenas lhes disse que estariam a mudar de trabalho e usou, inclusive, de uma expressão bem clara, que demonstrasse àqueles chamados que continuariam a trabalhar, não mais como “pescadores de peixes”, mas como “pescadores de homens”. Jesus, ao contrário de muitos aproveitadores do povo de Deus da atualidade, jamais convidou pessoas para serem ociosas e sem qualquer atividade.
- Ao sintetizar o que significa ser Seu discípulo, Jesus foi bem claro ao mostrar que ser discípulo de Jesus é ser servo, é ter de executar um serviço, uma tarefa determinada pelo Senhor. Jesus afirmou que, quem quisesse vir após Ele, deveria negar a si mesmo (Mt.16:24; Mc.8:34; Lc.9:23), ou seja, passar a ser um “servo”, alguém que não tem vontade própria, que não faz o que quer, mas que atende à vontade do senhor. Além de negar a si mesmo, deveria ser alguém que “tomasse a sua cruz”, ou seja, que assumisse suas responsabilidades, que suportasse o peso de, na execução da vontade do Senhor, fosse aborrecido pelo mundo, fosse considerado um maldito, sofresse a condenação de todo o sistema pecaminoso que a Bíblia chama de “mundo”. Ao chamar de “cruz” o peso de servir a Deus, Jesus bem mostrou que não se trataria de algo fácil, de algo simpático, nem tampouco de algo que fosse compreendido pelo mundo. Bem ao contrário, fazer a vontade de Deus, ou seja, tornar-se Seu servo é algo que é visto pelo mundo como um vitupério, isto é, como uma ofensa, uma afronta, um insulto aos homens deste mundo, visto que nosso bom testemunho, o “bom cheiro de Cristo”, é cheiro de morte para os que espiritualmente estão mortos (II Co.2:15,16). Entretanto, devemos, sim, para sermos verdadeiros servos de Deus, levar o vitupério de Cristo, rejeitando os “tesouros do Egito” (Hb.11:6; 13:13).
OBS:  Em sua feliz alegoria sobre a vida cristã, “O Peregrino”, John Bunyan mostra como a decisão de servir a Deus já causa comoção e reação contrária por parte dos incrédulos. Cristão é imediatamente contrariado em sua decisão de ir para a cidade celeste por Obstinado e Flexível, a demonstrar como o serviço a Deus significa sempre vitupério aos homens pecadores.
- É interessante observar que o serviço do salvo, portanto, está vinculado a esta rejeição do mundo. Serviço cristão é, antes de mais nada, renúncia a si mesmo e rejeição do mundo. Não há como servir a Deus se não se deixar o mundo e, consequentemente, tornar-se inimigo do mundo (Tg.4:4). Moisés, que é o exemplo trazido pelo escritor aos hebreus, para demonstrar que servir a Deus é rejeitar os “tesouros do Egito” e assumir o vitupério de Cristo, é a personagem que mais vezes nas Escrituras é chamada de “o servo do Senhor”, pois, das 22 vezes que esta expressão aparece na Versão Almeida Revista e Corrigida, em 18 delas se refere a Moisés, como uma eloquente mostra que o servo tem de deixar o mundo para ser um servo do Senhor.
- Mas, ser discípulo de Jesus não é apenas negar a si mesmo e a tomar a cruz, mas, também, segui-l’O, ou seja, esta renúncia de si mesmo, esta tomada da cruz deve ser algo contínuo, que não deve cessar. Em At.10:7, é dito que Cornélio chamou alguns criados seus bem como piedosos soldados que estavam a seu serviço para fossem ao encontro de Pedro. No texto original, é dito que tais soldados serviam o centurião continuadamente (o grego é “proskartereo” – προσκαρτερέω). É este tipo de serviço que Jesus exige de Seus discípulos, um serviço contínuo, dedicado, ininterrupto.
- O serviço deve ser contínuo e ininterrupto pois deve durar durante toda a dispensação da graça. A ordem do Senhor para os Seus servos é de que negociem até que Ele venha (Lc.19:13). Mas, além de ser contínuo e ininterrupto, o serviço deve ser dedicado, ou seja, deve ser uma entrega, algo consagrado a Deus. O servo de Deus deve ser alguém que tem “dedicação integral”, ou seja, cujos atos sempre tenham como objetivo a exaltação do nome do Senhor, que faça tudo para o Senhor.
- Este tipo de serviço só é possível se o servo caminha com Jesus a vida toda, ou seja, se não para na primeira milha, que é a milha do dever, mas prossegue na milha do amor (cf. Mt.5:41). O serviço a Deus não pode ser um mero cumprimento de um dever, pois aquele que faz apenas o que lhe é mandado, que apenas cumpre seu dever, é um servo inútil (Lc.17:10). Devemos ir além da “nossa obrigação”, porquanto se formos tão somente justos e corretos, cumprindo o nosso dever, estaremos em falta para com Deus, pois como nada Lhe demos, não podemos exigir qualquer recompensa (Rm.11:35). Por isso, tudo quanto fizermos na obra de Deus, temos de fazer de boa vontade, com dedicação, além do que nos é exigido, para que não caiamos no juízo divino (I Co.9:16,17).
O discípulo de Jesus deve servir continuadamente, deve prestar um serviço ao Senhor, pois, se aceita a Jesus como Senhor e Salvador, assume a condição de “servo” e “servo” é aquele que trabalha, que faz um serviço. O próprio Jesus disse que deveríamos ir a Ele, nós, que estávamos cansados e oprimidos, que seríamos aliviados por Ele (Mt.11:28). A vida com Cristo, porém, não é uma vida sem fardo. Se é verdade que o fardo pesado dos nossos pecados é retirado quando nos encontramos com Cristo, também é fato que Jesus nos dá um fardo e um jugo (Mt.11:29,30). Trata-se de um fardo leve, de um jugo suave, mas não deixa de existir um fardo e um jugo. Este fardo e este jugo nada mais são que o serviço que temos de prestar ao Senhor. Com a salvação, voltamos a ser mordomos do Senhor, Seus servos excelentes na criação, tendo, pois, que realizar algo segundo a vontade de Deus.
- O serviço é, portanto, uma parte indissociável da vida do salvo. Todo salvo tem de servir a Deus, tem de Lhe prestar um serviço e, para que não houvesse qualquer dúvida a respeito, o próprio Jesus foi chamado de “o Servo do Senhor”, notadamente no livro do profeta Isaías, onde há “quatro cânticos do Servo”(Is.42:1-4; 49:1-6; 50:4-9 e 52:13-53:12)a fim de nos dar o exemplo de que como deveríamos nos comportar enquanto Igreja, enquanto corpo de Cristo.(I Co.12:27).
- Jesus, mesmo, mostrou que todo salvo é chamado para servir. Nas Suas últimas instruções aos discípulos, o Senhor disse que chama as pessoas para que elas dessem fruto permanente e dar este fruto, que é o fruto do Espírito, é a finalidade de todo serviço cristão (Jo.15:15,16). Nesta passagem, apesar de Jesus nos chamar de amigos, diante da intimidade que nos oferece, não deixa de considerar que continuamos a ser servos, tendo uma tarefa a realizar na face da Terra, tarefa esta, repita-se, que nos porá em confronto contra o mundo (Jo.15:18-21).
- Podemos, então, dizer que o “serviço cristão” é tudo aquilo que o Senhor determina que façamos pelo fato de O termos aceitado como Senhor e Salvador de nossas vidas, tarefas estas que devemos executar até o dia do arrebatamento da Igreja, demonstração de que, ao aceitarmos a Cristo, renunciamos a nós mesmos, tomamos a nossa cruz e passamos a segui-l’O.
II – AS CARACTERÍSTICAS DO SERVIÇO CRISTÃO
- Se o cristão é servo de Deus e, como tal, deve servir, ou seja, executar tarefas ao Senhor enquanto existir, como deve ser este serviço? Quais as características exigidas pelo Senhor? Para responder a esta questão, nada melhor do que observarmos a figura do “Servo do Senhor”, no livro do profeta Isaías, em que se dizem quais seriam as características de Jesus, características estas que servem também como referencial para a Igreja, visto que devemos seguir as pisadas de Cristo (I Pe.2:21).
- Em quatro trechos, chamados pelos estudiosos da Bíblia de “cânticos do Servo”, o profeta Isaías mostra, com riqueza de pormenores, o ministério terreno de Jesus e a Sua qualidade de servo, pois, como afirmou o apóstolo Paulo, na Sua humilhação, o Senhor despiu-Se da Sua glória e assumiu a forma de servo, para fazer a vontade do Pai e para anunciar a salvação à humanidade (Fp.2:5-9).
- O primeiro destes “cânticos do Servo” encontra-se em Is.42:1-4, onde o texto sagrado nos diz que o “Servo do Senhor” é alguém que foi escolhido por Deus. Este é um dos grandes ensinos que temos: assim como Jesus foi escolhido por Deus para vir ao mundo e nos resgatar, os servos do Senhor são também escolhidos por Jesus para glorificar o Seu nome nesta Terra (Jo.15:16).
Não se pode servir a Deus se não se é escolhido pelo Senhor. O serviço cristão é a resposta a um chamado da parte do Senhor. Não existem “oferecidos” na casa de Deus, não se pode servir a Deus fazendo aquilo que se quer, mas tão somente aquilo que é resultado da “vocação”, da “chamada” do Senhor. Cada um tem um serviço diferente naquilo que, em conjunto, é a obra de Deus. Por isso a Igreja é comparada a um corpo, porque o corpo, embora seja um, possui muitas atividades e funções, que não concorrem entre si mas que se completam, dando vida e crescimento ao organismo (I Co.12:12-31).
- A segunda característica do Servo do Senhor é que Ele seria intensamente agradável a Deus. Deus n’Ele comprazeria a Sua alma, ou seja, ficaria satisfeito com o Seu trabalho, concordaria com tudo o que fosse feito. Esta profecia cumpriu-se literalmente, em relação a Jesus, quando, por duas vezes, o Pai disse estar agradado de Jesus, a saber, no batismo e na transfiguração (Mt.3:17; 17:5).
O serviço cristão é feito para agradar a Deus, não aos homens. Temos de fazer aquilo que Deus nos determinou com o objetivo exclusivo de agradá-l’O. Somente serve a Deus quem quer agradá-l’O (Gl.1:10). Como diz o apóstolo Paulo, quem quer agradar aos homens, não serve a Deus. Tudo quanto fizermos deve ser para agradar a Deus. Não nos esqueçamos que somente os que forem agradáveis ao Senhor poderão herdar com Ele todas as coisas (Mt.25:32-40).
- A terceira característica do Servo do Senhor é que teria o Espírito de Deus sobre Ele. Efetivamente, quando de Seu batismo, Jesus foi ungido com o Espírito Santo e com virtude. Isto nos mostra claramente que, para servir a Deus, não podemos usar de recursos humanos, não temos condições de, por nós mesmos, fazermos coisa alguma, mas dependemos exclusivamente do Espírito de Deus, sendo esta uma das principais razões pelas quais foi Ele mandado para ficar com a Igreja até o arrebatamento.
- Jesus, logo após dizer que deveriam Seus servos produzir fruto permanente e que, nesta produção, seriam aborrecidos pelo mundo, foi claro ao afirmar que o Espírito Santo viria para testificar do Filho e que os salvos também testificariam, pois o Espírito estaria neles (Jo.15:26,27; 16:13). Vemos, pois, que o serviço não pode ser exercido senão através da orientação do Espírito Santo, mediante a unção do Santo (I Jo.2:20).
- A quarta característica do Servo do Senhor, no primeiro cântico, é de que produziria juízo entre os gentios. Aqui vemos que o Servo do Senhor, por Sua obediência e fidelidade, alçaria a condição de juiz. Como já dito supra, o serviço cristão produz condenação àqueles que caminham para a perdição (II Co.2:15,16). Eis o motivo pelo qual o serviço do salvo é sempre combatido pelos homens sem Deus e sem salvação, é sempre um serviço que “navega contra a maré”,  que vai contra “o curso deste mundo” (Ef.2:1-6). Quando servimos a Deus, estamos a testificar contra o pecado e contra o mundo, pois propagamos a Palavra do Senhor, pela qual o mundo há de ser julgado (Jo.12:48).
- A quinta característica do Servo do Senhor é a Sua fidelidade. O profeta diz que o Servo não clamaria, não Se exaltaria, não faria ouvir a sua voz na praça, não quebraria a cana trilhada, não apagaria o pavio que fumega, produziria o juízo em verdade, não faltaria, não seria quebrantado até que pusesse o juízo na terra e as ilhas aguardariam a Sua doutrina. O que vemos nestas expressões do profeta é a fidelidade do Servo do Senhor: Ele, em momento algum, deixaria de fazer o que Lhe havia sido ordenado, não abandonaria a Sua condição humilde, cumprindo rigorosamente a lei, sob a qual haveria de nascer, como também a vontade do Pai. Não deixaria que o Espírito de Deus fosse extinto em Seu ser e não abandonaria a verdade. Que lições para os servos de Deus da atualidade que, por vezes, acabam sendo envolvidos pela vaidade, pela soberba e não seguem obedientes à Palavra do Senhor. Tomemos cuidado para que possamos ser fiéis até o fim!
- No segundo “cântico do Servo” (Is.49:1-6), o Servo do Senhor é apresentado como alguém que fora chamado desde o ventre, ou seja, mais uma vez se ressalta que o servo deve ser chamado, não um oferecido. Muitos, ao longo da história de Israel, notadamente a partir do período interbíblico, ofereceram-se como Messias aos judeus, mas eram “oferecidos”, não “chamados” e, por isso, falsos messias que tanto desencanto e decepção causaram entre os israelitas. Nos dias hodiernos, não é diferente, pois vivemos os dias que antecedem à vinda de Cristo, onde muitos “falsos cristos” têm surgido (Mt.24:24).
- O Servo do Senhor, porém, distingue-Se dos falsos messias porque a Sua mensagem outra não é senão a Palavra de Deus: “fez a Minha boca como uma espada aguda” (Is.49:2). A mensagem do Servo do Senhor é o Evangelho, as boas novas da salvação (Mc.1:15; Jo.12:47), o Seu testemunho é a vida eterna (I Jo.5:11). Por isso, teve sempre a proteção do Senhor e Se apresentou ao mundo como uma “flecha limpa escondida na aljava de Deus” (Is.49:2). Não só pregava a mensagem do Senhor, como também a vivia, apresentando-Se em pureza de coração, em perfeita santidade, merecendo, assim, a proteção do Senhor, como se viu literalmente em duas oportunidades, seja em Nazaré (Lc.4:29,30), seja no alpendre de Salomão, no templo em Jerusalém (Jo.10:39).
A santidade de vida e a Palavra de Deus como única mensagem continuam sendo requisitos para os servos do Senhor. Nisto podemos distinguir os genuínos e autênticos servos de Deus dos falsos mestres, falsos cristos e falsos apóstolos que hoje, como pragas, estão a empestear o ambiente religioso dos nossos dias. Os falsos servos não pregam a Cristo, nem tampouco a autêntica Palavra de Deus, deixando de lado as riquezas eternas para pensar única e tão somente no “aqui e agora”, na “fé inteligente” que só se exerce para as coisas desta vida. Com quem nos parecemos: com Jesus ou com estes falsos mestres?
- O Servo do Senhor é alguém que recebe o testemunho do próprio Deus, pois Seu objetivo será o de glorificá-l’O. O Servo é humilde o bastante para reconhecer que seria rejeitado por Israel, mas esta rejeição não seria qualquer obstáculo ao Seu reconhecimento pelo Senhor, visto que fez o que devia fazer, gastou as Suas forças e o direito e o galardão encontram-se com Deus e não com o povo rebelde e duro de cerviz. A rejeição de Israel, diz o profeta neste segundo cântico, faria com que o Servo do Senhor Se tornasse, também, luz para os gentios, que, assim, teriam a oportunidade da salvação. O Servo não seria derrotado em Seu trabalho, mas, no tempo certo, receberia em herança as herdades assoladas (Is.49:8).
- Notamos aqui como o Senhor é diferente dos homens. Recentemente, ouvimos de um especialista em consultoria de empresas que a remuneração deve ser feita segundo os resultados do esforço de alguém, não em relação ao esforço propriamente dito. Com Deus, porém, é diferente. Ele é justo e sabe de todas as coisas e não está tão preocupado com o resultado do esforço dos Seus servos, mas, sim, com a dedicação e esforço deles. O galardão levará em conta a qualidade desta dedicação, não os resultados, muitos dos quais são enganosos, como se vê na descrição do tribunal de Cristo em I Co.3:12-15. Há, hoje em dia, uma corrida atrás de números e de quantidade, mas não é isto que o Senhor está vendo, mas, sim, o esforço, a dedicação, o trabalho de cada um. Temos sido como o Servo do Senhor?
- O terceiro “cântico do Servo” (Is.50:4-9) descreve o Servo do Senhor como alguém que tem uma língua erudita, língua adestrada para dizer a seu tempo uma palavra ao que está cansado, palavra esta que resultado do aprendizado que se tem com o Senhor, aprendizado este motivado pelo despertar a cada manhã pelo Senhor. Vemos, pois, que o Servo do Senhor era dotado de uma intimidade muito grande com o Senhor, com um contacto diário e permanente, uma vida de oração.
- Muitos, hoje em dia, querem servir a Deus, mas não têm tempo para ser despertados por Ele, para manterem um diálogo diário e contínuo com o Senhor. Não são dedicados à oração, nem tampouco ouvem o Senhor antes de falar. O resultado é que suas línguas não são eruditas, falam o que não convêm, deixam-se dominar pela língua, o que é extremamente perigoso, como nos ensina Tiago (Tg.3:1-12). O Servo do Senhor não é assim, antes, primeiro ouve o que Deus tem a falar, para, só então, falar e falar com sabedoria, acertadamente, pois, como ensina o pastor João da Cruz Parente, articulista do Portal Escola Dominical, sabedoria nada mais é que “saber tomar decisões acertadas”.
- O segredo da obediência do Servo está em que sabe ouvir o Seu Senhor. O profeta afirma que, por ter aberto os ouvidos ao Senhor, o Servo não Lhe é rebelde (Is.50:5). Também daí vem o segredo da perseverança, pois o Servo não Se retirou para trás, mesmo quando injuriado e ferido (Is.50:6,7). Como diz o escritor aos hebreus, Jesus suportou toda a afronta, pelo gozo que Lhe estava proposto (Hb.12:2), gozo este de que tinha conhecimento porque, obedientemente, aprendera do Senhor, ouvira a Sua voz e crera no que havia sido dito. Também todos quantos aprenderem do Senhor, saberão suportar as afrontas, sabendo que nada se pode comparar ao que nos está reservado (Rm.8:18).
Saber suportar o sofrimento apesar de toda a fidelidade a Deus é uma das características do Servo do Senhor (Is.50:6,7). Hoje em dia, porém, não são poucos os que acham que o servo de Deus não pode sofrer coisa alguma e que, se houver sofrimento, há algum pecado ou algum fracasso. Nada mais enganoso. O Servo do Senhor sofreu muito, deu Suas costas aos que O feriam, as Suas faces aos que arrancavam os cabelos, não escondia a Sua face dos que cospiam n’Ele, mas, mesmo assim, não estava confundido nem deixou de ter a ajuda do Senhor, pois o Seu rosto eram um seixo, ou seja, tinha firmeza espiritual, sabia que tudo aquilo Lhe havia sido dito pelo Senhor, mas que Lhe havia, também, prometido a vitória. Temos condições de sermos servos de Deus?
- O Servo do Senhor tudo suportou porque sabia da Sua sinceridade, porque era uma realidade na Sua vida a comunhão que tinha com o Senhor. Ele estava perto e não longe do Senhor, ninguém poderia condená-l’O, ninguém poderia contender com Ele, Sua vida de santidade O permitia desfrutar da vida eterna, e, contra a eternidade, não há como prevalecer as aflições e contrariedades passageiras e momentâneas. Esta é a verdadeira “fé inteligente”, a convicção de que nos está reservada a vida eterna e que nada neste mundo pode ser buscado, querido ou desejado, porque é muito fugaz e passageiro. Ter “fé inteligente” é ter a certeza de que os céus nos estão reservados e que nada neste mundo se pode comparar com o que nos está prometido, por isso, quando “…não tiver luz nenhuma, confia no nome do Senhor e se firma sobre o seu Deus” (Is.50:10, com modificação das pessoas gramaticais).
- O quarto e último “cântico do Servo” (Is.52:13-53:12) é, certamente, o mais conhecido de todos, quando se observa que o Servo do Senhor operaria com prudência, seria engrandecido, elevado e mui sublime, embora não tivesse parecer nem formosura. O Servo do Senhor não impressionaria pela Sua aparência, mas, sim, pela Sua prudência, ou seja, pela ciência do Santo (Pv.9:10).
- O Servo do Senhor não tinha beleza alguma, foi desprezado, considerado o mais indigno dentre os homens, mas, ao ser obediente e fiel a Deus até o fim, suportando toda a afronta e humilhação, tomou sobre Si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre Si. Assumiu o nosso lugar e foi ferido por causa das nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades, fazendo com que pudéssemos estar em paz com Deus novamente. Tudo suportou calado, chegando a morrer e ser sepultado, para que pudéssemos ter acesso ao Senhor. Sem ter cometido qualquer injustiça, por obediência, morreu por nós, assumiu nossas culpas e agradou ao Senhor, que ficou satisfeito com o Seu trabalho. Em consequência, tornou-se o justificador de muitos e vitorioso, podendo agora interceder pelos transgressores.
- Como disse o apóstolo Paulo, o Servo do Senhor foi fiel até a morte e morte de cruz e, por isso, foi posto sobre todo o nome, constituído como Senhor dos senhores, diante de quem todo joelho se dobrará (Fp.2:5-11). Antes da exaltação, porém, veio a humilhação, o sofrimento e a obediência, mesmo caminho que têm de seguir todos quantos desejem ser servos do Senhor. Servir a Deus é suportar a afronta pelo gozo que nos está proposto (Hb.12:2), é saber que o serviço cristão não traz recompensas nem benefícios nas coisas desta vida, mas nos garantirá um galardão nos céus (Mt.5:11,12).
III – O TEOR DO SERVIÇO CRISTÃO
- Mas, após termos visto como é o serviço cristão, mediante a análise dos “quatro cânticos do Servo” do livro do profeta Isaías, temos de verificar o que faz parte do serviço cristão, qual é o seu teor, qual é o seu conteúdo. O que é servir a Deus?
- O apóstolo Paulo afirmou que o eterno propósito de Deus feito em Cristo Jesus nosso Senhor é o conhecimento da multiforme sabedoria de Deus pelos principados e potestades nos céus, anunciando entre os gentios, por meio do Evangelho, as riquezas incompreensíveis de Cristo (Ef.3:8-11).
A primeira razão de ser da Igreja, portanto, é a pregação do Evangelho aos judeus e aos gentios, ou seja, a anúncio da boa-nova, da boa notícia de que Deus enviou o Seu Filho ao mundo para que todo aquele que n’Ele crê não pereça mas tenha a vida eterna (Jo.3:16). Jesus deixou isto bem claro ao determinar aos discípulos que pregassem o Evangelho a toda a criatura por todo o mundo (Mc.16:15).
-A Igreja existe para pregar o Evangelho, para continuar a pregação de Jesus (Mc.1:14,15). Este, aliás, é um dos motivos pelos quais a Igreja é chamada de “o corpo de Cristo”, pois deve continuar a fazer o que Jesus fez. Enquanto esteve em Seu ministério terreno, o Senhor ia por todas as partes de Israel pregando o Evangelho, mas, agora, já que os Seus não o receberam, mandou que a Igreja prosseguisse este Seu trabalho, continuando a pregar o Evangelho, só que agora a todas as nações, inclusive aos judeus.
- Mas a Igreja não serve apenas para pregar o Evangelho. Tem ela também a tarefa de integrar as pessoas que aceitam a salvação no seu interior. Embora a salvação seja imediata e uma operação do Espírito Santo, o fato é que o crente não pode ser deixado à mercê, isolado e sozinho no mundo. Muito pelo contrário, assim que alguém aceita a Cristo como seu Senhor e Salvador, tem de ser integrado na igreja local, no grupo social onde passará os dias aguardando a volta de Cristo (At.2:41,44).
Outra função importantíssima que é a do aperfeiçoamento dos santos (Ef.4:11-16), a começar pelo discipulado (At.11:25,26). O crescimento espiritual do salvo somente se dá na igreja local. Este é o modelo bíblico, de modo que sem qualquer respaldo nas Escrituras o falso ensino do “self-service”, tão em voga nos nossos dias, segundo o qual se pode servir a Deus “sozinho”, pois “antes só do que mal acompanhado”. Muitos têm se decepcionado com escândalos, intrigas e injustiças nas igrejas locais, que, como todo grupo social de seres humanos, têm defeitos e problemas (que o digam as igrejas que receberam epístolas dos apóstolos…) e, em meio a estas decepções, não vigiam e se deixam enganar por esta doutrina demoníaca. Precisamos uns dos outros para crescermos espiritualmente, para perseverarmos na fé.
- A Igreja, como é o povo de Deus na Terra na atual dispensação, é o único povo que pode adorar a Deus, visto que está em comunhão com Ele, já que seus pecados foram tirados por Jesus (Jo.1:29; Rm.5:1). É, portanto, dever da Igreja adorar a Deus, em espírito e em verdade, já que o Pai procura tais adoradores (Jo.4:23). Deve, portanto, a Igreja cumprir este dever de adoração.
- A Igreja é uma nação santa, é o sal da terra e luz do mundo (Mt.5:13,14) e, por isso, por ainda estar no mundo, embora dele não seja (Jo.17:11,15,16), torna-se o porta-voz natural de Deus para os gentios e para os judeus. A Igreja é a “boca” de Deus para o mundo e, por isso, temos o dever de proclamar a Palavra, de dizer ao mundo qual é a vontade de Deus em todos os assuntos e questões que se apresentarem enquanto perdurar a nossa jornada, a nossa peregrinação. Por isso, tem a Igreja uma missão profética, deve proclamar a Palavra de Deus e exigir o seu cumprimento por grandes e pequenos, sem receio, a exemplo do que faziam os profetas do Antigo Testamento.
- Como a Igreja foi chamada para dar fruto e fruto permanente (Jo.15:16), frutos, aliás, que são diferentes dos outros povos (Mt.7:15-20), porque se trata do fruto do Espírito (Gl.5:22) e só a Igreja tem e recebeu o Espírito Santo (Jo.14:17), temos que o comportamento da Igreja é diferente do comportamento dos demais homens, sejam judeus, sejam gentios, de sorte que a Igreja acaba por ter, também, uma missão ética, o dever de se portar de modo a não dar escândalo aos outros povos (I Co.10:32), tendo de ter uma conduta que identifique a sua comunhão com o Pai (Mt.5:16). É por este motivo que tem a Igreja um dever ético, ou seja, um comportamento distinto do mundo.
- É, aliás, neste ponto que devemos realçar que o “serviço cristão” não é apenas o cumprimento de atividades eclesiásticas. Muitos pensam que servir a Deus significa ter uma religiosidade, uma participação nas atividades de sua igreja local. Isto faz parte, sim, do serviço cristão, mas é apenas um aspecto deste serviço. Servimos a Deus em todo o lugar, a todo tempo, pois os verdadeiros adoradores adoram o Pai em espírito e em verdade (Jo.4:23). Desta maneira, não é no templo ou nas atividades realizadas pela igreja local que mostramos nosso serviço cristão, mas em todos os aspectos de nossa vida, pois o verdadeiro servo está a exaltar seu Senhor a todo instante, em tudo quanto faz (Mt.5:16). É preciso haver o que se tem denominado de “integridade cristã”, ou seja, que a nossa vida esteja INTEIRAMENTE dedicada a Deus e, em sua INTEIREZA, seja um motivo para que os homens glorifiquem ao nosso Pai que está nos céus.
- Também por estar no mundo e por se apresentar em grupos sociais, as chamadas “igrejas locais”, a Igreja acaba tendo de ter um papel perante a sociedade, como, aliás, todo grupo social. Os grupos sociais estão reunidos na sociedade, que é o grupo maior, o grupo que tem, por fim, promover a felicidade, o bem-estar, o chamado bem comum. As igrejas locais não fogem a esta obrigação, que decorre da sua própria natureza de ser parte da sociedade. Deus não nos tirou do mundo nem Jesus quis que isto se fizesse (Jo.17:15) e, diante desta realidade, assim como fez Nosso Senhor, devemos, também, ter uma atuação social digna de nota, que sirva de testemunho de nossa comunhão com Deus.
A Igreja é o lugar que o Senhor designou para que sirvamos a Ele, pois, isoladamente, ninguém consegue desenvolver-se espiritualmente e chegar até a glorificação, último estágio de nossa salvação. As imperfeições humanas são tantas que o Senhor fez com que nos uníssemos nas igrejas locais, a fim de que cada um ajudasse o outro a crescer espiritualmente e a resistir ao mal até aquele grande dia. Tem-se, portanto, que um dever de cada cidadão desta nação chamada Igreja é o de ajudar uns aos outros, por intermédio do aconselhamento cristão (Rm.15:14; Cl.3:16; I Ts.5:11; Hb.3:13; 10:25); o de consolar uns aos outros, por intermédio da visitação (I Ts.4:18; Hb.10:24; Tg.5:16); o de promover a comunhão uns com os outros, por intermédio da conciliação (Mt.18:15-17;Ef.5:21; Cl.3:13).
A ajuda aos necessitados, tanto do ponto-de-vista material quanto espiritual, é outro grande elemento do serviço cristão. Quando Jesus disse que Seus discípulos deveriam dar fruto permanente, também mandou que eles se amassem uns aos outros (Jo.15:17), repetindo assim o que é chamado de “o novo mandamento”: “Que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei” (Jo.15:12). Este amor não é comprovado por palavras, mas, sim, por gestos, atos, ações (I Jo.3:18).
- A Bíblia ensina-nos que devemos nos amar uns aos outros (Jo.13:35), preferirmo-nos em honra uns aos outros (Rm.12:10), recebermo-nos uns aos outros (Rm.15:7), saudarmo-nos uns aos outros (Rm.16:16), servimo-nos uns aos outros pela caridade (Gl.5:13), suportarmo-nos uns aos outros em amor (Ef.4:2; Cl.3:13), perdoarmo-nos uns aos outros (Ef.4:32; Cl.3:13), sujeitarmo-nos uns aos outros no temor de Deus (Ef.5:21), ensinarmos e admoestarmo-nos uns aos outros (Cl.3:16; Hb.10:25), não mentirmos uns aos outros (Cl.3:9), consolarmo-nos uns aos outros (I Ts.4:18), exortamo-nos e edificarmo-nos uns aos outros (I Ts.5:11; Hb.3:13), considerarmo-nos uns aos outros para nos estimularmos à caridade e às obas obras (Hb.10:24), confessarmos as culpas uns aos outros (Tg.5:16).
- O serviço cristão envolve, portanto, atos pelos quais demonstremos nosso amor ao próximo. Por isso, não pode o salvo se isentar de toda e qualquer ação que venha a promover o bem-estar da coletividade, a bênção de Deus sobre as pessoas, que venha mitigar o sofrimento daquele que está ao nosso redor. Na parábola do bom samaritano (Lc.10:25-27), Jesus mostrou que próximo é qualquer um que esteja em nosso caminho e, em algumas oportunidades, o apóstolo Paulo ensinou que fazer o bem a outrem é uma qualidade que não pode faltar àqueles que dizem servir a Deus (Rm.12:13-21; Gl.4:31,32; Cl.3:12-14; I Ts.4:9-12).
- Sendo a Igreja a coluna e firmeza da verdade (I Tm.3:14-16), ao mesmo tempo em que tem o dever de proclamar a Palavra, exigindo de gentios e de judeus a observância das Escrituras, internamente, a Igreja deve preservar a sã doutrina (II Tm.4:1-5; Tt.2:7-10), lutando tenazmente contra os falsos mestres que se introduzem no seu meio (II Pe.2:1-3; Jd.4), conservando, assim, a massa pura, não permitindo que se ponha nela o fermento arruinador (Mt.13:33; 16:6,11; Mc.8:15; Lc.12:1).
- Por fim, cumpre-nos observar que a Igreja, como é um organismo vivo, não pode permitir que as coisas desta vida venham a matar a vida espiritual de seus membros. Por isso, é necessário que a Igreja mantenha os seus membros avivados, proporcionando um ambiente de avivamento espiritual contínuo, demonstrando, assim, ter vida em si mesmo, já que é o corpo de Cristo (Jo.5:26).
- Cada um na função que foi estabelecida pelo Senhor, temos de servi-l’O, pregando o Evangelho, integrando os salvos na igreja local, aperfeiçoando os santos mediante o estudo da Palavra de Deus, adorando a Deus, buscando influenciar o mundo para que ele viva de acordo com a vontade de Deus, dando um bom testemunho para que os homens glorifiquem ao Senhor, inclusive ajudando ao próximo, tanto material quanto espiritualmente, lutando pela preservação da sã doutrina e pela manutenção de uma vida avivada na igreja local a que pertencemos. Temos feito isto que o Senhor nos determina? Temos cumprido as tarefas cometidas pelo Senhor?
IV – O SERVIÇO CRISTÃO ENSINADO POR JESUS NA PARÁBOLA DOS TALENTOS
- É bom nos lembrarmos que o Senhor Jesus nos fala a respeito do serviço em algumas de Suas parábolas. Centremos nossa atenção em apenas uma delas: a parábola dos talentos.
- Na parábola dos talentos (Mt.25:14-30), Jesus conta a história de um homem que, partindo para fora da terra, chamou os seus servos e entregou-lhes os seus bens. A um servo deu cinco talentos, a outro, dois e ao terceiro, um. Tendo partido, os dois primeiros servos negociaram os talentos recebidos e obtiveram, ambos, a duplicação dos talentos, enquanto que o terceiro servo enterrou o talento recebido. Quando o senhor voltou, os servos tiveram de prestar contas. Os dois servos foram tidos por servos bons e fiéis e admitidos no gozo de seu senhor. Já o servo que nada granjeou, ao devolver o talento que havia recebido, com justificativas, foi tido por mau e negligente servo, tendo, então, sido tomado o seu talento e dado ao que recebera cinco talentos e granjeara outros cinco, tendo o servo mau sido lançado nas trevas exteriores, onde há pranto e ranger de dentes.
- O primeiro elemento desta parábola é o senhor, que é apresentado como alguém que chamou os seus servos, ou seja, trata-se uma escolha do dono, não uma demonstração de aptidão, capacidade, poder ou qualidade dos servos. Tem-se, aqui uma demonstração de que o homem só é mordomo, só é o administrador supremo das criaturas na Terra, porque assim quis Deus, porque Deus é bom e porque Ele quis que assim fosse. Não há mérito algum por parte do homem. Nós nada merecemos e o que recebemos de Deus é única e exclusivamente por Sua graça.
-          Este homem partiu para fora da terra. Isto nos indica que haveria uma ausência física do dono dos bens e que os servos deveriam cuidar para que o que, normalmente, o dono do patrimônio fazia quando estava fisicamente presente, passasse a ser efetuado pelos servos, por conta e em nome do dono. A vida dos servos, então, durante este período de ausência física do dono, deveria ser fazer o que o dono estava acostumado a fazer, tomar providências para tomar conta do bem-estar do patrimônio do proprietário, até que ele voltasse. É precisamente o que significa a vida do crente enquanto estamos aqui nesta Terra. Nosso trabalho é realizar as obras do dono que se ausentou fisicamente. Desde o momento em que Jesus foi ocultado da visão física dos discípulos (At.1:9), os Seus servos não podem ficar inertes, paralíticos ou perplexos, mas devem fazer o que Ele fazia até a Sua volta (At.1:11-14; 20:24). Jesus não só ensinava, mas também fazia (At.1:1; 10:38), razão por que quer ver, em Seus discípulos, boas obras para que, por elas, o nome do Senhor seja glorificado (Mt.5:16).
-          Este período de ausência física do dono é o período da dispensação da graça (Ef.3:2,9-11), o período em que cabe à Igreja fazer aquilo que Jesus fazia, ter as mesmas atitudes que Jesus tinha enquanto esteve entre nós, de anunciar a salvação como Jesus anunciou, a tal ponto que a Igreja é chamada de "corpo de Cristo" (I Co.12:27), já que realiza aqui a mesma obra que Cristo, através de Seu corpo físico, realizou durante o Seu ministério terreno. Vemos, portanto, que a parábola é, inicialmente, dirigida para a Igreja, para nós, já que a Igreja somos nós.
Os servos receberam os talentos conforme a sua capacidade e, portanto, deveriam tão somente mostrar a sua gratidão para com o senhor, negociando os talentos, a fim de que o patrimônio de seu senhor crescesse enquanto ele estivesse fora. Era, portanto, retribuir a confiança recebida com dedicação e denodo, dedicação e denodo, aliás, que, presumivelmente, estes servos haviam demonstrado anteriormente para fazerem jus a tamanha confiança.
-  Na parábola dos talentos, embora não haja uma explícita afirmação de que tenha havido uma ordem por parte do senhor para que houvesse a negociação dos talentos, como ocorre na parábola das minas (Lc.19:11-27), é dito que, após a entrega dos talentos, dois dos servos passaram a negociá-los, dando, pois, a entender que tinha sido esta a ordem recebida do senhor, o que se depreende, também, pela expressão do senhor quando se dirigiu ao servo infiel (Mt.25:27). Portanto, em ambas as parábolas, aprendemos que a entrega dada pelo Senhor estava vinculada a uma ordem de negociação, ou seja, os servos deveriam receber os bens do senhor e fazê-los dar fruto, ou seja, os rendimentos próprios de uma quantia monetária (como ensinam os cientistas do direito, os rendimentos, os lucros, os juros de uma quantia em dinheiro são frutos do dinheiro, assim como a produção de árvores são os frutos destas mesmas árvores). Deus dá as ordens e a ordem de Deus é que os bens que nos foram confiados deem frutos, deem consequências, gerem efeitos e produtos para o reino de Deus. Jesus foi claríssimo a respeito, ainda nas Suas "últimas instruções", ao revelar aos discípulos que a chamada de cada um tinha um propósito: o de gerar frutos para o reino de Deus. "Não Me escolhestes vós a Mim, mas Eu vos escolhi a vós e vos nomeei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça…" (Jo.13:16a). O objetivo de nossa chamada pelo Senhor é que tenhamos frutos, que geremos frutos para o reino de Deus, frutos estes que são as nossas boas obras que façam com que os homens glorifiquem a Deus que está nos céus (Mt.5:16). Não é por outro motivo que Jesus nos diz que conheceremos a condição espiritual do próximo pelos seus frutos (Mt.7:15-20).
-          Embora os bens fossem do senhor, embora o domínio fosse do senhor, embora a distribuição tenha sido conforme a vontade do senhor, caberia aos servos a negociação, ou seja, a administração dos talentos. "Negociai até que eu venha"  foi a ordem recebida do Mestre (que é explícita apenas na parábola das minas). Assim, os servos deveriam, após a partida do senhor, iniciar uma série de atividades com vistas a fazer render os talentos ou minas recebidas.
Os servos, para que pudessem negociar os talentos ou minas, não poderiam ficar inertes, ou seja, não poderiam ficar sem fazer coisa alguma, era preciso trabalhar e buscar meios para que os talentos ou minas pudessem render, pois, quando voltar, o senhor quererá " saber o que cada um tinha ganhado, negociando." (Lc.19:15).
-          Enquanto estamos neste mundo, aguardando a volta do Senhor, devemos trabalhar para Ele, ganhar almas para o Seu reino, usar das habilidades e dos dons que d’Ele recebemos para que venhamos a dar frutos para o reino de Deus. Tudo o que temos, tudo o que somos, devemos aplicar no reino de Deus. Devemos buscar, primeiramente, o reino de Deus e a sua justiça. Nossas ações devem ter, como propósito primeiro, o de dar frutos para o reino de Deus. Nosso objetivo primeiro, em todas as nossas atitudes, tem de ser o de propiciar um meio para que o nome do Senhor seja glorificado. A liberdade do servo de Deus encontra neste fim, neste propósito, o seu limite. Daí porque ter Paulo nos ensinado que todas as coisas nos são lícitas, mas nem todas nos convêm (I Co.6:12), bem como que devemos levar em conta os outros para que nossas ações não venham a prejudicar a vida espiritual do próximo (Rm.14:13,19,20).
-          Qual tem sido o propósito de nossas ações? Fazer os homens glorificar a Deus? Ganhar almas para o Senhor? Dar bom testemunho de cristãos?  Se estas forem as finalidades de nossos gestos ou ações, certamente estaremos negociando os talentos, as habilidades e os dons que nos têm sido dados pelo Senhor. Se, porém, temos utilizado aquilo que Deus nos tem dado para nosso próprio engrandecimento, para nossa própria vanglória, para nosso próprio prazer ou satisfação, estamos sendo servos infiéis e deveremos, então, ter de prestar contas da inutilidade e da falta de fruto que haverá na negociação de tais talentos e habilidades.
-          A parábola mostra-nos, ainda, que a vida é dinâmica, ou seja, exige uma constante movimentação dos servos. Os servos, uma vez aquinhoados pelo senhor com bens, deveriam correr de uma parte a outra a fim de que pudessem negociar os talentos ou minas recebidos. Era preciso negociar e a negociação não é algo que se faça na inércia, na falta de atividades. Para negociar é fundamental que as pessoas se relacionem com os outros, que seja convincente, que forneça garantias e tenha credibilidade. Tudo isto deve existir na vida do cristão. Ele precisa viver aquilo que prega, aquilo que diz ser a verdade. Não pode ficar parado, apenas usufruindo das bênçãos recebidas, dos dons a ele fornecidos, numa vida rotineira, ensimesmada, sem levar em conta o mundo em que está vivendo. Muito pelo contrário, o servo, para cumprir a ordem do seu senhor, deve ir em direção ao mundo, deve ir em contacto dos outros, a fim de que possa fazer com que as pessoas creiam no seu produto, acreditem na sua mensagem e, assim, aceitem fazer negócio em nome e por conta do dono dos talentos. Muitos têm sido iludidos por um dos maiores ardis de Satanás, que é, precisamente, o da inércia, o da inoperância, em troca de uma "trégua do mal". Assim, se não trabalharmos para o Senhor, também não seremos molestados pelo mal. Trata-se de mais uma das muitas mentiras do "pai da mentira" (Jo.8:44). Quando temos uma vida espiritual paralítica, não ficamos estacionados num determinado estágio espiritual, mas começamos a regredir. A vida com Deus não é parada, não é inerte, mas ou é um constante progresso, ou um constante decréscimo. Dizem-nos as Escrituras que o crescimento espiritual é como a luz da autora que vai clareando até ser dia perfeito (Pv.4:18), mas também dizem que um abismo chama outro abismo (Sl.42:7). Quem aceita a "trégua do mal", desobedece à ordem do Senhor e corre o sério risco de ser lançado nas trevas exteriores, onde há pranto e ranger de dentes (Mt.25:30).
-          A parábola dos talentos mostra-nos que sempre há alguém disposto a negociar os bens que nos foram confiados pelo Senhor. É verdade que, mesmo sendo o texto bíblico omisso, não temos dúvida de que os servos fiéis tiveram de se esforçar para conseguir fazer as negociações, que elas não foram fáceis e que muitos foram aqueles que não quiseram fazer negócio com os servos. A parábola diz que os servos conseguiram duplicar o montante que lhes havia sido confiado, mas não dizem que isto foi fácil ou feito sem qualquer esforço. De qualquer modo, o que fica claro é que o esforço não foi em vão. Toda a dedicação, todo o trabalho, todo o esforço foram recompensados, porque cada um dos que se esforçaram, cada um dos que se dedicaram, obtiveram o mesmo prêmio: o dobro dos talentos que receberam. Isto é promessa de Deus, constante de Sua Palavra, no sentido de que esta Palavra não voltará vazia (Sl.126:6; Ec.11:1; Is.55:10,11), bem como que devemos firmes e constantes, pois o nosso trabalho jamais será vão no Senhor (I Co.15:58).
-          A parábola dos talentos, também, nos mostra que o serviço tem uma duração, um período determinado: da chamada até a volta do Senhor. Desde o momento em que somos chamados pelo Senhor, temos algo a fazer na Sua obra. Não existem crentes que não tenham o que fazer na casa de Deus. Deus não é Deus de ociosos, mas é um Deus de trabalho (Jo.5:17) e, se somos Seus filhos, temos de ter a Sua mesma natureza e a natureza de nosso irmão primogênito, o Senhor Jesus, que dizia ser tão trabalhador quanto Seu Pai. Não encontramos na Bíblia um único exemplo de pessoa que tenha sido chamada por Deus e que estivesse na ociosidade. Saul, quando foi ungido rei, estava procurando as jumentas de seu pai (I Sm.9:3,19,20); Davi, por sua vez, cuidava das ovelhas de seu pai(I Sm.16:11). Eliseu estava, também, cuidando de lavrar a terra de seu pai com doze juntas de boi quando foi chamado para suceder Elias (I Rs.19:19). Pedro, André, Tiago e João foram chamados para compor o colégio apostólico enquanto estavam pescando (Mt.4:18-22). Deus sempre chama homens ocupados para lhes dar mais ocupações ainda. Razão, portanto, tem o poeta sacro Henry Maxwell Wright (1849-1931) quando afirma que "para cada crente, o Mestre preparou um trabalho certo quando o resgatou" e, como o poeta, perguntamos ao(à) querido(a) irmão(ã): " O trabalho a que Jesus te chama aqui, como será feito se não for por ti ?" ( 2ª estrofe do hino 93 da Harpa Cristã). A partir da chamada, nosso serviço somente termina quando o Senhor voltar ou, se Ele tardar mais um pouco, quando formos por Ele chamados para a eternidade, o único instante em que teremos a faculdade de descansar dos nossos trabalhos (Ap.14:13). Para o cristão fiel é verdadeiro como nunca o que se diz ter sido dito pelo presidente brasileiro Tancredo Neves (1910-1985), quando perguntado como, em idade avançada, tinha uma jornada de trabalho extremamente longa: "tenho a eternidade toda para descansar".
-          A parábola dos talentos mostra-nos, ainda, que Deus dá pelo menos um talento, pelo menos um dom a cada servo Seu. Quando vemos ambas as parábolas, não houve servo que não fosse aquinhoado com pelo menos um talento ou uma mina. Não há espaço na igreja para pessoas que não tenham qualquer habilidade ou que não tenham recebido de Deus qualquer dom. Verdade é que nem todos são pregadores, nem todos são intercessores, nem todos são evangelistas, nem todos são mestres. Entretanto, pelo menos um dom, uma habilidade Deus deu a cada um dos Seus servos. Portanto, não é verdadeira a afirmativa de muitos no sentido de que são apenas "crentes de banco", que têm como única tarefa frequentar as reuniões da igreja local (de preferência, somente a de domingo à noite...), que  "não têm chamada"  ou que " Deus ainda não revelou qualquer tarefa que tenha de fazer na casa do Senhor". Biblicamente isto não existe e as parábolas que estamos a analisar são a prova do que estamos dizendo. O verdadeiro e fiel servo do Senhor, o verdadeiro e fiel mordomo, como tem comunhão com Deus, sabe qual é a vontade de Deus para a sua vida e, portanto, sabe, precisamente, o que Deus lhe confiou para que fosse feito. "Pode ser humilde, mas se for pra Deus, ele[o trabalho, observação nossa] é contemplado lá dos altos céus. E o esforço feito não será em vão, se tiver de Cristo plena aprovação." (3ª estrofe do hino 93 da Harpa Cristã). Saibamos do Senhor o que Ele tem nos dado e façamos aquilo que foi ordenado, pois, certamente, granjearemos novos talentos ou minas para o nosso Senhor.
-          A parábola dos talentos ensina que teremos de prestar contas quando o Senhor voltar. Sua volta é certa, demorará, conforme se depreende das parábolas, mas acontecerá de forma inevitável. Quando o Senhor chegar, deveremos nos apresentar com os talentos ou minas que nos foram confiados, pois, como já dissemos há pouco, na eternidade apenas as nossas obras nos seguirão (Ap.14:13). Estas obras serão manifestadas a todos e, no tribunal de Cristo, passarão pelo teste do fogo, pela prova divina e, então, o trabalho que cada um fez por meio do corpo se revelará de forma inapelável diante d’Aquele em que tudo está nu e patente (Hb.4:13). Meditando nestas coisas, tragamos, uma vez mais, as palavras do poeta sacro: " Posso tendo as mãos vazias, com Jesus eu me encontrar ? Nada fiz e vão-se os dias, que Lhe posso apresentar ?" (1ª estrofe do hino 16 da Harpa Cristã).
-          A parábola também ensina que a administração se dá com liberdade, com livre-arbítrio. O senhor chamou os servos e lhes deu os talentos ou as minas, tendo partido para uma terra distante. A administração ficou a exclusivo critério da vontade de cada um dos servos. O senhor fez sua parte, usando de sua soberania, de sua supremacia, distribuindo, conforme a sua vontade, os seus bens, mas deixou inteiramente nas mãos dos servos o destino de cada bem, o uso de cada bem. Em ambas as parábolas, houve aqueles que, crendo na soberania do senhor, resolveram obedecer-lhe, negociando e granjeando novos talentos ou minas, mas houve, também, aquele que preferiu nada fazer, que preferiu enterrar o talento ou guardar a mina em um lenço, embora soubesse que chegaria o dia do acerto de contas. Somos criados com o livre-arbítrio e Deus permite que façamos, ou não, a Sua vontade. Entretanto, chegará o dia em que diante d’Ele nos apresentaremos para que respondamos pela escolha que tivermos feito. Pense nisto, pois ainda não chegou o tempo da prestação de contas, ainda é dia aceitável para que comecemos a trabalhar para o nosso Deus, que coloquemos em ação os talentos e minas que nos foram confiados.
- O terceiro elemento da parábola é o servo negligente, que foi chamado pelo senhor, na prestação de contas, de servo mau e infiel. O servo recebeu um talento apenas, mas não é por isso que fosse mau. Gozava da plena confiança do seu senhor, tanto quanto os outros dois, a ponto de também lhe ser confiado um talento. A confiança do senhor era igual para todos os servos. O servo que recebeu um talento só tinha recebido um talento em virtude de sua capacidade, de sua aptidão. Portanto, em nada era diferente dos demais. Isto é importante deixar bem claro: o senhor não fez acepção de pessoas, mas foi justo na distribuição.
- Entretanto, ao contrário dos outros dois servos, este, ao receber o talento, traiu a confiança do seu senhor, não negociando, o que, em primeiro lugar, representa desobediência ao mandado do senhor, pois, como já vimos, a ordem de negociar, embora não tenha sido explícita por Jesus na parábola dos talentos, deve ser inferida, na medida em que o senhor, na prestação de contas, chama o servo de infiel. A infidelidade é consequência da desobediência. O senhor havia se ausentado, mas continuava sendo o senhor e o servo, mesmo tendo recebido o talento, continuava sendo servo e, portanto, lhe era necessário a obediência. A manutenção de nossa comunhão com o Senhor, mesmo estando ele ausente, depende da obediência. Obedecer é se manter em posição de vigilância, é se credenciar para o reino dos céus.
- O servo, quando resolve desobedecer, perde o temor, entendido aqui não como medo do senhor, pois não há relacionamento sincero quando se tem medo, quando se tem pavor. Temor aqui significa respeito, reverência. O senhor ausentou-se e o servo, então, toma a iniciativa de desobedecer ao senhor, e, em virtude disto, toma o seu caminho. A parábola diz que o que recebeu um talento “foi”. Há um problema muito grande quando vamos sem que, neste caminho, haja a orientação, a direção, a ordem do senhor. Quando decidimos ir sem a presença de Deus, sem a orientação do Senhor, outra coisa não encontraremos senão a derrota. Por duas vezes, o proverbista salienta que o caminho que parece direito ao homem é caminho de morte (Pv.14:12; 16:25). O servo de Deus não pode escolher o seu próprio caminho, mas deve sempre seguir a orientação divina. O segredo da vitória está em não se desviar nem para a direita, nem para a esquerda (Js.1:7), mas em ouvir a voz do Senhor e a ela atentar: “Este é o caminho. Andai nele.” (Is.30:21”in medio”). O servo de Deus sabe qual o caminho em que deve andar (Jo.14:4), não podendo, portanto, traçar o seu próprio caminho.
- Por isso, o serviço cristão manifesta o reino de Deus, visto que, ao revelarmos que somos “servos”, revelamos aos homens o nosso Senhor. Ao fazermos a vontade do Senhor, revelamos que há um “reino de Deus” no meio dos homens e que somos Seus súditos.
- O servo negligente traçou o seu próprio caminho e isto nos mostra que a parábola indica que o início do fracasso espiritual está, precisamente, quando o homem declara a sua autonomia em relação ao seu Senhor. Nada impediu que o servo fosse e cavasse na terra e escondesse o dinheiro de seu senhor. Isto nos fala do livre-arbítrio do homem e que Deus não impede os homens de desobedecerem à Sua Palavra, embora cada um tenha de prestar contas do que fez posteriormente.
- O servo negligente foi, cavou na terra e lá escondeu o talento. Este ato do servo mau e infiel mostra que as pessoas que desobedecem a Deus são pessoas que pensam apenas nas coisas desta vida. A terra aqui simboliza as coisas desta vida, pois as coisas da terra são opostas às coisas que são de cima (Cl.3:1,2). Quem cava na terra é aquele que ainda não está morto para o mundo, quem esconde o talento na terra é aquele que deixa que a morte, isto é, o pecado obscureça, distorça, faça desaparecer a imagem e semelhança de Deus que há em cada um de nós. A inclinação do servo mau é a inclinação da carne, é a inclinação da morte (Rm.8:5,6).
- A desobediência e a inclinação para a morte do servo negligente foram as responsáveis pela sua condenação na continuidade da parábola. Quando o pecado é cometido, parece que tudo se manteve inalterado. O servo mau foi, cavou na terra e escondeu o talento, não tendo sofrido por causa disto qualquer punição, não tendo, aparentemente, tido qualquer problema com esta decisão. O senhor estava ausente e não havia quem lhe pudesse punir. Assim, também, se comportam aqueles que se desviam do caminho, aquele que mudam de rota, deixando de seguir a orientação divina. Chegam, mesmo, como assinala o apóstolo Pedro, a banquetear com os santos (II Pe.2:13), pois são atrevidos, iludidos que estão pela aparente inoperância do senhor em virtude de sua desobediência, mas, para estes, como diz o mesmo apóstolo Pedro, não será tardia a sentença e a sua perdição não dormita (II Pe.2:3 “in fine”). Não nos esqueçamos das contundentes palavras do profeta Jeremias: maldito aquele que fizer a obra do Senhor fraudulentamente ! (Jr.48:10a).
OBS: Nos dias difíceis em que vivemos, têm surgido cada vez mais obreiros desta natureza, como já estava predito pela própria Palavra de Deus (II Pe.2:1). O nosso papel não é esmorecer, mas, enquanto estes cavam na terra e escondem os talentos dados pelo Senhor, prossigamos nossas negociações, granjeemos novos talentos com os que o Senhor nos deu, para que alcancemos a vida eterna.
- Que possamos, no momento da prestação de contas, sermos achados fiéis e diligentes, e não servos negligentes. “Bem-aventurado aquele servo que o Senhor, quando vier, achar servindo assim” (Mt.24:46)
Colaboração para o Portal Escola Dominical – Dr. Caramuru Afonso Francisco