LIÇÃO 12 – A INTEGRIDADE DA DOUTRINA CRISTÃ


3º Trim. 2011 - Lição 12: A Integridade da Doutrina Cristã I

                                           Como agência do Reino de Deus, a Igreja tem de manter-se fiel à doutrina da Bíblia Sagrada.
INTRODUÇÃO
Para bem cumprir a sua missão, a Igreja nunca pode abrir mão da doutrina, que se encontra na Bíblia Sagrada.
A Igreja é “coluna e firmeza da verdade” e, como tal, deve propagar a verdade, custe o que custar.
I – O QUE É DOUTRINA E A PALAVRA “DOUTRINA” NA BÍBLIA SAGRADA
- Após termos visto como a Igreja se constitui em instrumento do reino de Deus, numa lição de transição do último bloco de nosso trimestre, estudaremos, desta feita, como a Igreja poderá chegar à plenitude do reino de Deus.
- Para que a Igreja possa chegar à plenitude do reino de Deus, que será estudada na próxima lição, é indispensável que ela seja “a coluna e firmeza da verdade” (I Tm.3:15), ou seja, deve não só proclamar a verdade, mas vivê-la. E o que é a verdade? O Senhor Jesus responde: a Palavra de Deus (Jo.17:17). Por isso, a Igreja, como agência do reino de Deus, deve zelar pela integridade das Escrituras, pela integridade da doutrina.
- Doutrinaé palavra de origem latina, cujo significado é “conjunto coerente de ideias fundamentais a serem transmitidas, ensinadas”. Em latim, “doctrina” significa “ensino, instrução dada ou recebida, arte, ciência, doutrina, teoria, método”. Assim, a doutrina é um ensinamento, uma instrução que alguém dá a outrem. Aliás, a palavra “doctrina” é derivada de “docere”, que significa ensinar. Doutrina, portanto, é um ensinamento, um ensino, uma instrução que alguém que sabe (o sábio ou “doutor”) dá a alguém que não sabe (o aprendiz).
- Vemos, portanto, pelo seu significado latino, que “doutrina” significa ensino e, portanto, quando falamos em “doutrina bíblica” estamos a falar no “ensino da Bíblia”. Ora, a Bíblia é a Palavra de Deus e, portanto, o “ensino da Bíblia” nada mais é que o ensino da Palavra de Deus, o ensino de Deus ao homem. “Doutrina”, portanto, é o ensino que Deus dá ao homem a partir da Sua Palavra, da revelação divina à humanidade, que consta da Bíblia Sagrada.
- A primeira vez que surge a palavra “doutrina” nas Versões Almeida (Revista, Corrigida, Fiel e Contemporânea) é em Dt.32:2, onde, no cântico de Moisés, consta a expressão “goteje a minha doutrina”, palavra que é a tradução de “leqach” (לקח), cujo significado é “ensino”, “instrução”, tanto que a palavra é traduzida por “ensino” em outras versões bíblicas (como a Tradução Brasileira, a Nova Tradução na Linguagem de Hoje e a Nova Versão Internacional). Neste primeiro aparecimento da palavra, ainda que em um contexto poético, percebe-se claramente que Moisés considera que todos os ensinos que havia dado ao povo de Israel, ensinos estes que eram resultado da revelação divina ao próprio Moisés, constituíam ensinos que deveriam ser continuamente ministrados ao povo e que representavam para este povo a sua própria fonte de vida, a sua própria renovação, pois deveriam estes ensinos “gotejarem”, ou seja, pouco a pouco, de forma contínua e permanente, cair sobre o povo, a fim de lhe dar vida, assim como a chuva e o orvalho, pela manhã, fazem em relação à terra.
- Esta expressão de Moisés, também, mostra-nos que a doutrina é algo que vem do alto, que vem do céu, seja na forma de chuva, seja por meio da condensação do vapor d’água encontrado no ar(o orvalho), indicando-se que a doutrina não é obra do homem, mas resultado da revelação divina, de um ensino vindo diretamente da parte do Senhor.
- Por fim, a expressão de Moisés dá-nos a nítida noção de que o trabalho da doutrina é manter a vida e uma vida renovada no ser humano,pois é comparada ao chuvisco sobre a erva e a gotas d’água sobre a relva. Todos nós já divisamos, pela manhã cedinho, o orvalho que está a manter molhadas as ervas e a relva, mantendo-as bem verdes, dando-lhes vida, vigor e exuberância (i.e., beleza). Os campos verdes, pela manhã, aquele frescor que sentimos quando nos encontramos em uma área verde logo pela manhã, que tão bem nos faz à saúde, é o resultado desta ação refrescante da chuva e do orvalho. Este é o papel da doutrina em nossa vida espiritual: refrigério para a nossa alma, renovação de nossas forças espirituais, concessão de beleza e de prazer aos nossos corações e a todos quantos travam contacto conosco. Bem se vê, portanto, que bem ao contrário dos que dizem que a doutrina torna o homem insensível a Deus, vemos que o papel da doutrina é precisamente o de nos conceder vida, vida abundante, refrescor e sensibilidade diante de Deus e dos homens.
- A segunda vez que vemos a palavra doutrina nas Versões Almeida é em Jó 11:4(é importante lembrarmos que Jó seja, talvez, o livro mais antigo da Bíblia e, portanto, a sua referência seria anterior mesmo a de Dt.32:2), que é a mesma palavra “leqach” já mencionada. Aqui, um dos “amigos” de Jó, Zofar, acusa Jó de dizer que a “sua” doutrina era pura e que ele se sentia limpo aos olhos de Deus. A palavra “doutrina”, aliás, também é empregada pela Tradução Brasileira, pela Nova Tradução na Linguagem de Hoje e pela Nova Versão Internacional. Temos o mesmo significado do texto anterior. Embora se esteja a referir a um conjunto de ensinos de Jó, Zofar está a considerar que o patriarca é presunçoso ao querer dizer que seus ensinos são provenientes da parte de Deus. Doutrina continua a ser considerada como um ensino vindo da parte de Deus, um ensinamento com origem no céu.
- A palavra “doutrina” somente reaparecerá no livro de Provérbios, onde, na Versão Almeida Revista e Corrigida e na Edição Contemporânea de Almeida, é encontrada em Pv.1:8, 4:2, 13:14 e 16:23. Em Pv.1:8, é tradução da palavra “muwcar”(מוסך), que a Versão Almeida Revista e Atualizada preferiu traduzir por “instrução” e a Fiel e Corrigida por “ensinamento”.  Com efeito, aqui se tem, basicamente, a ideia de uma orientação, de um ensino feito com base em repreensão e castigo, algo próprio da autoridade paterna.
- Já em Pv.4:2, temos a repetição da palavra “leqach” e a opção das versões pelo uso da palavra “doutrina”, que, no contexto, se refere ao ensino da Sabedoria, verdadeira personificação de Deus na linguagem do proverbista. Este ensino, além de vir do alto, é tido como bom. Fala-se da “boa doutrina”, a nos indicar que o ensino de Deus ao homem é bom por duas razões: a primeira, porque sendo um ensino de um ser que é bom (e não há ser bom a não Deus – Mt.19:17; Mc.10:18, Lc.18:19), ele só poderia, mesmo ser bom; a segunda, porque é um ensino que produz o bem aos que o aprendem. Além do mais, o proverbista faz uma correlação importantíssima: a boa doutrina não nos permite que deixemos a Sua lei. “Boa doutrina”, portanto, não é aquela que se apresente brilhante do ponto-de-vista intelectual nem que consegue acomodar as nossas crenças e o nosso modo de vida, mas única e exclusivamente aquela que estiver de acordo com a lei do Senhor, com a Palavra de Deus.
- Em Pv.13:14, na Versão Almeida Revista e Corrigida bem como na Almeida Fiel e Corrigida, a palavra “doutrina” é utilizada  para traduzir “torah”(תוךח), palavra que é comumente traduzida por “lei”, mas cujo significado é mais precisamente “instrução”, “ensino”. Aqui se diz que “a doutrina do sábio” é fonte de vida para se desviar dos laços da morte. A doutrina do sábio não é, propriamente, do sábio, pois, como nos ensina o próprio proverbista, o temor do Senhor é o princípio da sabedoria (Pv.9:10), no que é acompanhado pelo salmista (Sl.111:10). Portanto, a “doutrina do sábio” outra não é senão a Palavra de Deus e só ela é capaz de dar origem à vida e nos desviar dos laços da morte. A doutrina, como se vê, portanto, é o próprio fator criador da vida espiritual e da sua manutenção até o fim.
OBS: A propósito, ensina-nos Nathan Ausubel que a Bíblia, para os judeus, no seu sentido singular de Torah, “…tem sido considerada pelos fiéis como redentora, quando entendida como forma total de vida…” (AUSUBEL, Nathan. Bíblia. In: A JUDAICA, v.5, p.77).
- Jesus, certa feita, disse que tinha vindo para trazer vida e vida em abundância (Jo.10:10). Disse, também, que Ele próprio era a vida (Jo.14:6), bem como o pão da vida(Jo.6:48). Ao Se dizer a vida, também disse ser a verdade (Jo.14:6) e a verdade, disse em outra oportunidade, é a Palavra de Deus(Jo.17:17). Por isso, a doutrina, enquanto ensino da Palavra de Deus, só pode, mesmo, ser a fonte de vida, de modo que não tem qualquer sentido alguém vir a dizer que o estudo, o aprendizado da Palavra de Deus seja causa de morte (interpretando, fora de contexto e sem qualquer fundamento, a expressão “a letra mata” de II Co.3:6). Bem ao contrário, é a doutrina quem nos desvia dos laços de morte, tanto que só o conhecimento da doutrina da Palavra de Deus nos impede de sermos enganados pelas falsas doutrinas, heresias e modismos que proliferam com cada vez maior intensidade à medida que se aproxima o dia da volta de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
- Em Pv.16:23, a Versão Almeida Revista e Corrigida utiliza a palavra “doutrina”, que é a mesma palavra hebraica “leqach”. Entretanto, tal versão ficou isolada nesta tradução, pois a Versão Atualizada traduziu o termo por “persuasão”, a Fiel e Corrigida por “ensino” e a Edição Contemporânea por “instrução”. De qualquer modo, em que pese o isolamento da versão, temos aqui um outro ensino relevante a respeito da doutrina. É a circunstância de que a doutrina vem do coração, ou seja, o que o sábio ensina é o que lhe vem do coração e, sabemos, que o princípio da sabedoria é o temor do Senhor. Por isso, o que vem do coração do sábio é o que aí foi colocado pelo próprio Espírito Santo e, portanto, temos que a doutrina nada mais é que o resultado da operação do Espírito Santo na vida de alguém. O próprio Jesus nos ensina isto ao dizer que o Espírito Santo, que Ele mandaria para ficar com os Seus servos, nos ensinaria todas as coisas e nos faria lembrar de tudo quanto Jesus, a Palavra, havia dito (Jo.14:26). Vemos, pois, que a doutrina nada mais é que o resultado do ensino do Espírito Santo, o nosso Mestre por excelência. Mais uma vez, portanto, sem qualquer fundamento quem acha que o estudo doutrinário é uma exaltação humana. Bem ao contrário, o que temos é uma demonstração de submissão do homem, de reconhecimento da soberania e supremacia divinas.
- A palavra “doutrina” reaparece na Versão Almeida Revista e Corrigida em Is.29:24, onde, mais uma vez, traduz “leqach”, sendo seguido pela Fiel e Corrigida, já que a Atualizada e a Edição Contemporânea traduzem o termo por “instrução”. No texto, é dito que os murmuradores aprenderiam doutrina quando houvesse a santificação que o profeta prometia para o povo do Senhor. A santificação e o temor a Deus fariam com que os murmuradores, ou seja, aqueles que se queixam de Deus, que se rebelam contra o Senhor, viessem a aprender “doutrina”. Vemos que a “doutrina” só é aprendida por quem se separa do pecado, por quem se submete ao Senhor, por quem prima por uma vida de comunhão com Deus. Por isso, sentimos muita preocupação ao saber que muitos crentes, na atualidade, fogem dos “cultos de doutrina”, dos “cultos de ensino”, prova de que não estão a se santificar.
- A Versão Almeida Revista e Corrigida menciona “doutrina” em Is.42:4, para traduzir, desta feita, “torah”, sendo seguida pela Versão Atualizada. Já a Edição Contemporânea e a Fiel e Corrigida preferiram traduzir o termo por “lei”, mas, como dissemos supra, o termo “torah”, embora tenha adquirido a conotação de “lei” tem como seu significado o de “instrução”, de “doutrina”.
OBS: “…Há entre muitos judeus, e também cristãos, uma noção errônea muito difundida de que a tradução exata de ‘Torah’ é ‘Lei’. Esse erro, provavelmente involuntário em sua origem, foi sem dúvida cometidos pelos tradutores judeus de Alexandria, no século III a.E.C., que prepararam a versão grega da Bíblia, denominada Septuaginta. Estimulados, provavelmente, pela predileção  pela lei característica do ambiente cultural helenista, traduziram de maneira incompleta o conceito da palavra hebraica, fazendo-a aparecer como ‘Lei’. Uma vez que a versão Septuaginta das Escrituras era quase universalmente usada pelos judeus fora da Judéia e das regiões de língua aramaica do mundo greco-romano — poucos judeus ali sabiam hebraico ou mesmo aramaico (targum) — era natural que a tradução de Torah como ‘Lei’ entrasse nas obras judaicas pós-bíblicas escritas em grego ou traduzidas do hebraico para a língua grega.(…). O conceito de Torah entre os judeus, no entanto, é muito mais amplo e mais profundo do que tão somente a ‘Lei’: no seu sentido etimológico completo, ‘Torah’ também tem a conotação de ‘doutrina’, ‘instrução’ e ‘orientação’. Mesmo o exame mais superficial do Pentateuco comprova que a Torah tenta ser um inspirado guia absoluto para toda a crença e o culto, e abranger todas as ramificações da conduta individual e social. É, portanto, uma supersimplificação encarar a Torah como sendo somente ‘Lei’. A Torah também é uma crônica genealógica dos primórdios de Israel e inclui as biografias de seus ilustres antepassados e dos primeiros líderes. Além disso, é um sermão fervoroso: ensina e moraliza ininterruptamente. Exorta, incansavelmente, o israelita como indivíduo como a coletividade inteira de Israel, a esquivar-se das más ações e tomar os caminhos da verdade, da virtude, da misericórdia e da justiça, imitando os próprios atributos de Deus; a abandonar a adoração de ídolos e a encontrar Deuys vivo na prática do preceito ‘Ama teu próximo como a ti mesmo’, o qual, como disse Rabi Akiva no século II, é o princípio central da religião judaica.…” (AUSUBEL, Nathan. op.cit., p.81-2).

- Ao nos depararmos com este texto do profeta Isaías, vemos claramente que o Servo do Senhor prometido para o futuro seria alguém que traria a “doutrina” de Deus para as ilhas, isto é, até as extremidades da Terra. Neste texto, vemos que a missão de Jesus, o Messias, o Servo do Senhor, era o de levar a “doutrina” do Senhor para toda a Terra, “torah” que havia sido dada inicialmente só a Israel. Por isso, ao iniciar Sua pregação, o Senhor conclamou Seu povo ao arrependimento e a crer no Evangelho(Mc.1:14,15), o mesmo que determinou que fizéssemos depois de Sua ascensão ao céu (Mc.16:15). O “evangelho” é a “doutrina de Cristo”, é a “doutrina de Deus”. Por isso, não podemos crer em qualquer outra doutrina, em qualquer outro evangelho, ainda que seja trazido por anjos (Gl.1:8).
- Já vemos aqui, pois, dentro do contexto de nosso trimestre, que a “doutrina” é fundamental para que a Igreja cumpra a sua missão sobre a face da Terra e para que o reino de Deus seja percebido e prossiga a caminho de sua plenitude entre os homens.
- Após o prenúncio da atuação de Cristo com relação à doutrina em Isaías, encontraremos apenas a palavra “doutrina” em o Novo Testamento, mais precisamente, em Mateus, onde o termo aparece, na Versões Almeida (Revista e Corrigida, Fiel e Corrigida, Atualizada e Contemporânea) em 7:28, 16:12 e 22:33(neste versículo, a Edição Contemporânea traduz a palavra ‘didaché’ por “ensino”), termo que é tradução de “didaché” (διδαχή), cujo significado é muito similar ao de “leqach”, pois quer dizer “instrução”, “ensino”, “o que é ensinado”.
- Nas três referências de Mateus, a palavra “doutrina” é utilizada para designar o conjunto de ensinamentos ministrados ao povo, sejam os ensinos de Jesus (7:28 e 22:33), seja os ensinos dos fariseus (16:12). “Doutrina”, portanto, é um conjunto de ensinos, a coleção dos ensinamentos que os mestres dos tempos de Cristo ensinavam, seja o d’Ele próprio, seja o dos fariseus.
- Nas referências de Mateus, a doutrina de Jesus é apresentada como algo que admira, que causa assombro para os ouvintes, mostrando ser algo diferente, algo que não se confundia nem com a religiosidade existente, nem com as filosofias que também faziam parte dos discursos e ensinos ministrados naquela época. A doutrina de Jesus, portanto, como se pode observar é algo que não obedece a culturas, a costumes, nem à lógica humana.
- Em Mateus, também, vemos que a doutrina religiosa baseada na formalidade, na aparência exterior, no preconceito, nos rituais, nas cerimônias é uma doutrina que não tem o amparo nem a aprovação divinos, tanto que o Senhor fez questão de chamar tal doutrina de “fermento”, determinando aos Seus discípulos que jamais acolhessem, em seus corações, uma doutrina desta natureza. Já aqui vemos que o Senhor bem diferençava entre doutrina e costumes, entre doutrina e aspectos de somenos importância criados pelos homens para seu engrandecimento próprio.
- É assaz importante observar que a palavra grega “didaché” possui um significado passivo, ou seja, em muitas ocasiões seu significado é “o que é ensinado”, como a demonstrar que a “doutrina” não é algo que seja criação humana, mas, sim, algo que é recebido pelo homem da parte de Deus. A “doutrina”, portanto, não é algo que venha da imaginação ou da mentalidade de um homem, mas, sim, única e exclusivamente aquilo que tem origem em Deus. Não foi à toa que, no mesmo evangelho segundo Mateus, vemos a expressão esclarecedora do Senhor: “aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para as vossas almas” (Mt.11:29b).
- Este é o mesmo significado que encontramos nos outros dois evangelhos sinóticos. Em Marcos e em Lucas, a doutrina é apresentada como o conjunto de ensinamentos de Cristo, ensinamentos estes que causavam admiração por parte do povo, que também sentia que era um ensino que vinha de quem tinha autoridade, ou seja, de quem vivia aquilo que ensinava (Mc.1:27; 4:2; 11:18; Lc.4:32).
- Não é diferente no evangelho segundo João. Neste evangelho, escrito para mostrar que Jesus é o Filho de Deus, está uma das mais importantes afirmações bíblicas a respeito da doutrina. Interpelado sobre Seus ensinos, o Senhor Jesus limitou-se a dizer: “…A Minha doutrina não é Minha, mas d’Aquele que Me enviou. Se alguém quiser fazer a vontade d’Ele, pela mesma doutrina, conhecerá se ela é de Deus ou se Eu falo de Mim mesmo.” (Jo.7:16,17).

Jesus mostra-nos, claramente, que a Sua doutrina outra não era senão a doutrina do Pai. A doutrina não fala do próprio doutrinador, mas, sim, de Deus e somente quem vivenciar a doutrina, quem nela crer e por ela viver, verá que esta doutrina é a verdade, que esta doutrina é a vontade de Deus. A doutrina é a manifestação da vontade de Deus para o homem. Seguir a doutrina é seguir a vontade de Deus para o homem e é por isso que muitos se têm levantado contra a doutrina, porque ela implica na renúncia do eu, na renúncia do ego, na renúncia de nós mesmos, sem o que é impossível seguir a Jesus (Mt.16:24). Daí porque Jesus foi interrogado pelo sumo sacerdote a respeito de Sua doutrina (Jo.18:19).
- Se temos a doutrina de Cristo, se a seguimos, não podemos, portanto, ser diferentes. A doutrina tem de ser a mesma e, neste passo, os doutrinadores não podem querer aparecer ou dizer o que é certo ou o que é errado, como muitos têm feito e já o faziam nos tempos apostólicos, onde já se registravam doutrinas de homens (Mt.15:9; Mc.7:7; Cl.2:22) e até doutrinas de demônios (I Tm.4:1). Devemos permanecer na doutrina de Cristo, pois quem não persevera nesta doutrina não tem a Deus (II Jo.9).
Esta doutrina foi mantida pelos apóstolos e tal circunstância nos mostra, claramente, que é a doutrina que deve ser seguida pelo povo de Deus, pela Igreja. A primeira nota característica que se escreve a respeito dos salvos reunidos para fora do mundo, a partir do dia de Pentecostes, foi o fato de que “perseveravam na doutrina dos apóstolos” (At.2:42). Na igreja primitiva, o trabalho dos crentes outro não era senão encher Jerusalém da doutrina (At.5:28). A preocupação dos apóstolos era orar e ensinar a Palavra de Deus à igreja, ou seja, dar doutrina (At.6:2,4). Com estas informações que nos vêm do texto sagrado, temos alguma dúvida por que a igreja prosperava e a todo instante o Senhor acrescentava aqueles que haviam de se salvar (At.2:47)? Simplesmente porque dava o primeiro lugar, em sua atividade, à doutrina !
- Esta primazia da doutrina foi sempre uma característica da igreja nos tempos apostólicos. Vemos que o procônsul Sérgio Paulo se admirou da doutrina pregada por Paulo (At.13:12), que não era de Paulo, mas do Senhor, como também, em Atenas, quiseram os filósofos do Areópago ter conhecimento da nova doutrina, precisamente a que era ensinada pelo apóstolo (At.17:19). Paulo, por sinal, em seus escritos, sempre demonstrou sua preocupação para que a doutrina tivesse sempre um espaço privilegiado não só na vida de cada crente, mas nas igrejas locais, pois entendia que ser salvo era ter adotado uma nova doutrina (Rm.6:17), que os inimigos dos crentes são os que promovem dissensões e escândalos contra a doutrina (Rm.16:17), que um culto não tem sentido se não houver doutrina (I Co.14:6,26), que a vida familiar deve ser construída, notadamente a educação dos filhos, pela doutrina do Senhor (Ef.6:4), que a vida do ministro está indissociavelmente vinculada ao ensino e à observância da sã doutrina (I Tm.1:3,10; 4:6,16; 5:17; 6:1,3; II Tm.4:2,3; Tt.2:1,7,10).
- O autor aos hebreus também demonstrou sua preocupação para com a doutrina, mostrando ser ela o verdadeiro alicerce que impede a apostasia do crente (Hb.6:1,2). O apóstolo João, também, mostrou a necessidade de o crente sempre observar a sã doutrina e nela perseverar (II Jo.2,9), bem assim, no Apocalipse, registrando as palavras do Senhor Jesus para as igrejas da Ásia, mostrou quão abominável é ao Senhor que os santos se desviem dos santos caminhos por causa de outras doutrinas (Ap.2:14,15 e 24).
II – A IMPORTÂNCIA DA DOUTRINA PARA A VIDA CRISTÃ
- Pelo que vemos das menções bíblicas à doutrina, é ela de fundamental importância para a vida espiritual de um servo de Deus. Em primeiro lugar, a Bíblia nos afirma que a doutrina é a fonte da vida espiritual, ou seja, não há sequer vida espiritual, não há comunhão com Deus se não houver a doutrina. Com efeito, como sabemos, a fé vem pelo ouvir e o ouvir pela palavra de Deus e a exposição e pregação da Palavra de Deus faz parte do ministério da palavra, que era tão considerado pelos apóstolos. Para que alguém ouça a palavra, é preciso que alguém a pregue e, quando pregamos a Palavra de Deus, estamos expondo a doutrina, pois a Palavra de Deus é o ensino que Deus deu aos homens para que estes possam obter a sua salvação.

- Como se não bastasse a doutrina ser a própria fonte da vida espiritual, temos que a sua continuidade é fundamental para que nos mantenhamos separados do pecado. Jesus disse que deveríamos ser santificados na verdade, ou seja, na doutrina e Moisés, como já dissemos supra, também afirmou que a doutrina deveria gotejar, cair como chuvisco e como orvalho, operando a renovação espiritual que é necessária para cada servo de Deus. Como dizem os judeus, devemos estudar a “Torah” até a morte, porque o homem esquece e, se esquecermos dos ensinos do Senhor, fatalmente pereceremos. A doutrina, portanto, além de ser a fonte da vida espiritual, é a base para o seu crescimento, de forma que a sobrevivência do cristão está vinculada à doutrina, ou seja, ao seu constante aprendizado da Palavra de Deus. Uma das características da igreja primitiva era a perseverança na doutrina dos apóstolos (At.2:42)
- Mas a doutrina, além de ser fonte e base de crescimento é, também, o alicerce da nossa vida espiritual. Jesus, no sermão do monte, disse que aquele que ouve e pratica as Suas palavras é semelhante ao sábio que edifica sobre a rocha. A rocha, portanto, nada mais é que o próprio Cristo, que a própria Palavra que por Cristo foi dita e que é lembrada e anunciada a nós por obra do Espírito Santo (Jo.14:26). Sem este fundamento, não poderemos crescer, pois são os rudimentos da doutrina (Hb.6:1). A Igreja, este povo de Deus, é edificado sobre a doutrina de Cristo e dos apóstolos, que já havia sido prenunciada pelos profetas (Ef.2:20). Sem doutrina, portanto, não se tem como possível a construção de uma edificação espiritual sobre a rocha, que resista aos abalos das provações, das tentações e das conseqüências dos nossos atos.
- A doutrina, portanto, é fonte, base de crescimento e alicerce da vida espiritual do cristão. Mas, além de tudo isto, vemos que a doutrina, também, é um guia de direção para todos os crentes. Somente pela doutrina sabemos como proceder nas muitas e diversas situações que vivemos a cada dia. A doutrina é nosso guia de comportamento, é nosso critério de ação, a nossa única regra de fé e prática, como se costuma dizer. O cristão não confia em homens, nem segue orientações humanas, mas tem à sua disposição o ensino do Salvador, a doutrina, que se encontra registrada na Palavra de Deus. Que privilégio sabermos que nosso Mestre é o próprio Senhor Jesus, Que, aliás, sempre reconheceu esta Sua qualidade (Jo.13:13). Por isso, não podemos admitir crentes que se espelham em outros homens, seguem preceitos e mandamentos humanos, com muito mais ardor do que a doutrina bíblica, residindo aí, aliás, um dos grandes focos de decepções e de escândalos, para não dizer de desvios espirituais e, mesmo, de apostasia. O verdadeiro crente tem de ser um conhecedor da doutrina e uma pessoa dirigida única e exclusivamente pelo Espírito Santo, cuja direção nada mais é que nos fazer lembrar o que Jesus anunciou em Sua Palavra.
- A importância da doutrina, da Palavra de Deus é tanta que o salmista afirmou que o Senhor pôs a Sua Palavra sobre Ele próprio, acima d’Ele mesmo (Sl.138:2). Se Deus dá tamanha importância à Sua Palavra, que, quando ensinada para nós, torna-se doutrina, por que haveríamos de menosprezá-la?
Uma das características dos dias em que vivemos é o abandono da sã doutrina. Muitos dentre os que crentes se dizem ser, como nos afirmam as Escrituras, terão comichões nos ouvidos e não sofrerão mais a sã doutrina (II Tm.4:3), ou seja, não quererão se dobrar aos ensinos da Palavra de Deus e o distorcerão, a fim de poderem praticar os seus pecados, construindo para si doutores que justifiquem seus pecados e iniquidades. São dias difíceis, mas nós, que conhecemos a Palavra, que fomos ensinados na boa doutrina, sabendo que estas coisas que iriam mesmo acontecer, só devemos ser cautelosos e, sobretudo, submissos aos ensinos do Senhor, pois, como aprendemos, a doutrina é essencial à vida cristã.
OBS: Neste ponto, aliás, é interessante aqui reproduzir as palavras do chefe da Igreja Romana em discurso proferido na recente Jornada Mundial da Juventude em Madrid, capital da Espanha, que, por sua biblicidade, aqui se faz: “…Queridos jovens, escutai verdadeiramente as palavras do Senhor, para que sejam em vós ‘espírito e vida’ (Jo 6, 63), raízes que alimentam o vosso ser, linhas de conduta que nos assemelham à pessoa de Cristo, sendo pobres de espírito, famintos de justiça, misericordiosos, puros de coração, amantes da paz. Escutai-as frequentemente cada dia, como se faz com o único Amigo que não engana e com o qual queremos partilhar o caminho da vida. Bem sabeis que, quando não se caminha ao lado de Cristo, que nos guia, extraviamo-nos por outra sendas como a dos nossos próprios impulsos cegos e egoístas, a de propostas lisonjeiras mas interesseiras, enganadoras e volúveis, que atrás de si deixam o vazio e a frustração.…” (BENTO XVI. Discurso na Festa de Acolhida dos Jovens na JMJ 2011. 18 ago. 2011. Disponível em: http://noticias.cancaonova.com/noticia.php?id=283119 Acesso em 18 ago. 2011).
A doutrina concede poder aos crentes para que vençamos o mundo e possamos ser agência do reino de Deus sobre a face da Terra. Diz o apóstolo Paulo que, quando retemos fielmente a Palavra da vida, conseguimos ser irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio duma geração corrompida e perversa, entre a qual resplandecemos como astros no mundo (Fp.2:15,16), ou seja, temos a autoridade do Espírito Santo em nossas vidas e, por isso, podemos enfrentar e resistir ao mal. A autoridade espiritual acompanha o ensino e o aprendizado da doutrina, como nos dá conta o próprio Senhor Jesus, que, ao ensinar a doutrina, causou a admiração da multidão, por causa de Sua autoridade. Mas não nos iludamos: a exposição da doutrina somente confere autoridade àquele que, além de expor a doutrina, vive-a em sinceridade. Ensinar a Palavra e não viver de acordo com ela nada mais é que reprodução de farisaísmo (Mt.23:2,3).
III – DOUTRINA E COSTUMES
A doutrina é a exposição da Palavra de Deus e não das tradições dos homens. Há muitos que confundem a doutrina com os costumes de uma determinada localidade, de uma determinada região, de um determinado grupo social ou, mesmo, de um segmento religioso. As tradições existem em qualquer grupo social e, como Deus fez o homem um ser social, é natural que, em toda igreja local, tenhamos costumes e tradições. Jesus, por exemplo, tinha o costume de ir à sinagoga (Lc.4:16), sem dúvida, um bom costume, mas que não passava de costume.
- O costume é, ao contrário da doutrina, algo que surge não da parte de Deus para os homens, mas, sim, da parte dos homens para os homens. Costume é uma prática, uma atitude, uma ação que é escolhida por um determinado grupo, que resolve um determinado problema na vida em sociedade e que, por isso, passa a ser praticada ininterruptamente pelos integrantes daquele grupo, adquirindo um caráter obrigatório.
- Sendo uma obra do homem, o costume tem todas as limitações que têm as criações humanas, em especial, o fato de ser algo que está submetido ao tempo e ao espaço. Por causa disto, o costume varia de região para região, de lugar para lugar e, ao longo dos tempos, ao longo dos anos, vai se modificando e, não poucas vezes, acaba se desfazendo, caindo em desuso.
- Como já dissemos, todo grupo social, e as igrejas locais não são exceção, tem seus costumes e tradições (tradição é o costume que se passa de geração para geração, que se entrega — e “tradere”, em latim, quer dizer entregar — de geração para geração). Dizer que uma igreja não tem costumes ou que não os deve ter é uma irracionalidade sem igual, é uma ilusão, para não dizermos que é uma inverdade, pois, se Deus criou o homem para viver em sociedade (Gn.2:18), fez de tal maneira que o homem criaria, nas suas sociedades, os seus costumes e tradições.
O que a Bíblia condena, porém, é que estes costumes e tradições deixem o seu campo próprio, que é o do relacionamento entre os homens, para investir na área do relacionamento entre Deus e o homem. Como disse Jesus, ao comentar a respeito das tradições do seu tempo, a tradição não é um mal em si, mas o mal está em invalidarmos a Palavra de Deus por causa dos costumes e das tradições. No episódio em que os fariseus censuraram os discípulos de Cristo porque não lavaram as mãos antes da refeição, que era um costume do seu tempo, Jesus nem discutiu a respeito do costume, o que nos mostra que o reconheceu, mas, sim, foi a uma questão muito mais relevante, qual seja, o limite do costume e da tradição. Neste particular, mostrou que os fariseus estavam indo além dos limites, invalidando a Palavra de Deus por causa da tradição, a ponto de considerar que a ajuda de um filho a pais necessitados poderia ser negado se já havia um comprometimento de se mandar o dinheiro para o templo, algo que contrariava abertamente o mandamento de honra aos pais (Mt.15:1-9).
- Nos dias em que vivemos, também estamos a notar, para nossa tristeza, a mesma adoração vã denunciada por Jesus no Seu tempo de ministério terreno. Muito se fala, muito se prega, muito se minudencia a respeito de preceitos dos homens, ou seja, de costumes e de tradições, dando margem a toda sorte de discussões, pelejas, dissensões e, não raramente, divisões em diversas igrejas locais, esquecendo-se de que costumes podem se modificar, podem se alterar, variando conforme o tempo e o lugar e, o que é ainda mais relevante, que os costumes jamais podem invalidar a Palavra de Deus.
- Enquanto muitos se engalfinham com o “lavar das mãos”, multidões ficam sem conhecer a doutrina, que é a Palavra de Deus, ficam sem ter conhecimento do que Deus nos revelou na Sua Palavra. Os cultos de doutrina transformam-se em cultos de costumes e os obreiros deixam de ter a mesma visão que tinham os apóstolos, para os quais nada poderia lhes tomar o tempo da oração e do ensino da Palavra.
- Esta ênfase nos costumes e tradições, além do mais, tem permitido que muitas igrejas locais mais pareçam hoje grupos de discípulos de fariseus do que propriamente de Cristo. É preciso reverter esta situação, até porque, além de dar margem a dissensões, pelejas, iras e divisões, que são obras da carne e não do Espírito (Gl.5:19-21), e, portanto, procedimentos que não podem existir entre aqueles que, efetivamente, pertencem ao reino de Deus, uma tal discussão muito enfraquece a própria igreja local, não só internamente, mas também do ponto-de-vista externo, pois, nos dias em que vivemos, com o desenvolvimento intenso da ciência e da tecnologia, presenciamos um nítido relativismo cultural, as culturas, ou seja, o conjunto de costumes e tradições de determinados conjuntos de grupos, estão cada vez mais se entrelaçando, se misturando, o que diminui sobremaneira a própria autonomia de cada cultura.
- A ênfase nos costumes e tradições, portanto, além de desviar o foco da igreja local da doutrina, da Palavra de Deus, o que traz, como vimos supra, a perda da fonte de vida, de alicerce, de crescimento e de autoridade, faz com que a própria igreja se distancie da sociedade onde está, do mundo onde se encontra, o que vai completamente contra aos propósitos divinos para a Igreja que, embora não seja do mundo, está no mundo para anunciar as boas-novas da salvação. Ao pregar costumes e tradições, as igrejas locais deixam de pregar o Evangelho, que é a doutrina, trocando o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (Rm.1:16), por preceitos de homens que nada mais são que vaidade (Mt.15:9).
- Ninguém está aqui dizendo que não devemos primar pelos bons costumes. Como já dissemos, todo grupo tem costumes e, na igreja local, estes costumes devem ser, naturalmente, bons costumes, pois nossa justiça tem de exceder a dos escribas e fariseus (Mt.5:20), tendo de ser a igreja luz do mundo e sal da terra, praticando boas obras que levem os homens a glorificar ao nosso Pai que está nos céus (Mt.5:13-16). Portanto, não há como termos os mesmos costumes do mundo, até porque, como estamos separados do pecado, somos diferentes dos ímpios, temos um caminho distinto do deles (Sl.1).
- No entanto, antes de nosso modo de viver, devemos nos preocupar com a doutrina. O apóstolo foi claro ao mostrar para Timóteo que a primeira coisa que deveria seguir nele era a doutrina e só, depois, o seu modo de viver (II Tm.3:10). Para Tito, o apóstolo disse que suas palavras deveriam ser de acordo com a doutrina, prova de que era a doutrina que determinava como Tito deveria falar e não o costume do lugar onde se encontrava (Tt.2:1). Ainda para Tito, disse que ele deveria ser um exemplo em tudo, o que inclui ter bons costumes, mas que, sobretudo, deveria ter um comportamento de incorrupção, gravidade e sinceridade na doutrina (Tt.2:7).
O cristão tem bons costumesseus costumes são diferentes dos do mundo, sua conduta deve ser mais excelente do que a de qualquer ímpio, pois, em todo costume, deverá mostrar que não existe qualquer tolerância com o pecado. Assim, é evidente que não se pode admitir, entre os crentes, a mesma licenciosidade e libertinagem que existem no mundo, licenciosidade e libertinagem que aumentam a cada dia que passa, já que vivemos dias de multiplicação do pecado (Mt.24:12). Entretanto, se devemos prezar pelos bons costumes, devemos nos lembrar que não são os costumes que dizem respeito à salvação nem ao relacionamento com Deus, mas, sim, a doutrina, pois só quem conhecer a doutrina poderá saber se os costumes do seu grupo social (família, escola, trabalho, cidade, país) estão, ou não, de acordo com a Palavra de Deus.
OBS: O Pacto de Lausanne expressa de forma muito feliz esta realidade, “in verbis”: “…A cultura deve sempre ser julgada e provada pelas Escrituras. Porque o homem é criatura de Deus, parte de sua cultura é rica em beleza e em bondade; porque ele experimentou a queda, toda a sua cultura está manchada pelo pecado, e parte dela é demoníaca. O evangelho não pressupõe a superioridade de uma cultura sobre a outra, mas avalia todas elas segundo o seu próprio critério de verdade e justiça, e insiste na aceitação de valores morais absolutos, em todas as culturas. As missões, muitas vezes têm exportado, juntamente com o evangelho, uma cultura estranha, e as igrejas, por vezes, têm ficado submissas aos ditames de uma determinada cultura, em vez de às Escrituras. Os evangelistas de Cristo têm de, humildemente, procurar esvaziar-se de tudo, exceto de sua autenticidade pessoal, a fim de se tornarem servos dos outros, e as igrejas têm de procurar transformar e enriquecer a cultura; tudo para a glória de Deus.” (item 10).
Somente a observância da doutrina, e não dos costumes, traz salvação à pessoa (I Tm.4:16). Somente a observância da doutrina nos confere santificação, santificação esta que deve perdurar até o fim (Mt.24:13; Jo.17:17; Hb.12:14; Ap.22:11). Por que, então, centrarmos os esforços nos costumes e não na doutrina?
- Por isso, o Pacto de Lausanne afirma, em seu item 2, cujo título é “a autoridade e o poder da Bíblia”, que “A mensagem da Bíblia destina-se a toda a humanidade, pois a revelação de Deus em Cristo e na Escritura é imutável. Através dela o Espírito Santo fala ainda hoje. Ele ilumina as mentes do povo de Deus em toda cultura, de modo a perceberem a sua verdade, de maneira sempre nova, com os próprios olhos, e assim revela a toda a igreja uma porção cada vez maior da multiforme sabedoria de Deus.”.
- Não há, pois, como cumprir um dos objetivos de Deus para a Igreja, que é, conforme diz o próprio Pacto de Lausanne, “estender o Seu reino”(item 1), sem que venhamos a proclamar a Palavra de Deus, a vivê-la, a despeito de todos os ataques que ela sofra por parte do mundo sem Deus e sem salvação.
- Nos dias em que vivemos, são muitos os que deixam de observar a Palavra de Deus e isto tem sido funesto para os propósitos divinos de extensão do reino de Deus sobre a face da Terra. Somente através do cumprimento da Palavra de Deus, de sua observância e proclamação, poderemos estender o reino de Deus entre os homens.
O reino de Deus é o senhorio de Cristo sobre nós, é a realização de Sua vontade em nossas vidas e isto somente ocorre quando observamos a Palavra do Senhor. Não é por outro motivo, aliás, que a igreja do arrebatamento, figurada pela igreja de Filadélfia, no livro do Apocalipse, é, precisamente, a igreja que tem guardado a Palavra apesar de todo o sofrimento e perseguição (Ap.3:10).
- Guardar a Palavra implica em reconhecer que há um só evangelho (Gl.1:6-9) e que não há outro meio de salvação a não ser Cristo Jesus (At.4:12), que é testificado apenas na Bíblia Sagrada (Jo.5:39). Por isso, embora a Igreja deva sempre demonstrar o amor de Deus ao mundo, não pode, em absoluto, comprometer-se com o que não é a Palavra de Deus.
OBS: O Pacto de Lausanne bem expressa esta ideia no seu item 3, que ora reproduzimos: “Afirmamos que há um só Salvador e um só evangelho, embora exista uma ampla variedade de maneiras de se realizar a obra de evangelização. Reconhecemos que todos os homens têm algum conhecimento de Deus através da revelação geral de Deus na natureza. Mas negamos que tal conhecimento possa salvar, pois os homens, por sua injustiça, suprimem a verdade. Também rejeitamos, como depreciativo de Cristo e do evangelho, todo e qualquer tipo de sincretismo ou de diálogo cujo pressuposto seja o de que Cristo fala igualmente através de todas as religiões e ideologias. Jesus Cristo, sendo ele próprio o único Deus-homem, que se deu uma só vez em resgate pelos pecadores, é o único mediador entre Deus e o homem. Não existe nenhum outro nome pelo qual importa que sejamos salvos. Todos os homens estão perecendo por causa do pecado, mas Deus ama todos os homens, desejando que nenhum pereça, mas que todos se arrependam. Entretanto, os que rejeitam Cristo repudiam o gozo da salvação e condenam-se à separação eterna de Deus. Proclamar Jesus como "o Salvador do mundo" não é afirmar que todos os homens, automaticamente, ou ao final de tudo, serão salvos; e muito menos que todas as religiões ofereçam salvação em Cristo. Trata-se antes de proclamar o amor de Deus por um mundo de pecadores e convidar todos os homens a se entregarem a ele como Salvador e Senhor no sincero compromisso pessoal de arrependimento e fé. Jesus Cristo foi exaltado sobre todo e qualquer nome. Anelamos pelo dia em que todo joelho se dobrará diante dele e toda língua o confessará como Senhor.”
- Esta perseverança na doutrina dos apóstolos, característica da igreja desde os seus primórdios, é que permitirá que a Igreja seja arrebatada e guardada da Grande Tribulação, retornando com o Senhor para que se estabeleça, nesta terra, de forma plena o reino de Deus. Somente atingiremos, portanto, a plenitude do reino de Deus, se e somente se fizermos a vontade do Senhor, a Sua Palavra, pois é aquele que faz a vontade de Deus que permanece para sempre (I Jo.2:17).

- A perseverança na doutrina dos apóstolos concede a vida eterna, a continuidade da vida até o dia de nossa glorificação. Se quisermos, pois, entrar no reino de Deus, mantenhamo-nos firmes e perseverantes na doutrina, pois, como afirma o Pacto de Lausanne, “…A nossa confiança cristã é a de que Deus aperfeiçoará o seu reino, e aguardamos ansiosamente esse dia, e o novo céu e a nova terra em que a justiça habitará e Deus reinará para sempre. Enquanto isso, rededicamo-nos ao serviço de Cristo e dos homens em alegre submissão à sua autoridade sobre a totalidade de nossas vidas.” (item 15).

Colaboração para o Portal Escola Dominical – Ev. Profº Dr. Caramuru Afonso Francisco