Lição 7: "Tudo Posso Naquele que me Fortalece" I


1º Trim. 2012 - Lição 7: "Tudo Posso Naquele que me Fortalece" I
PORTAL ESCOLA DOMINICAL
PRIMEIRO TRIMESTRE DE 2012
TEMA – A verdadeira prosperidade – a vida cristã abundante
COMENTARISTA: José Gonçalves
LIÇÃO 7 – “TUDO POSSO NAQUELE QUE ME FORTALECE”
                        Deus nos fortalece não para sermos super-homens, mas para tudo suportarmos até nossa ida para o céu.
INTRODUÇÃO
- Na continuidade do estudo dos falsos ensinos da teologia da prosperidade e sua refutação bíblica, analisaremos o triunfalismo, que tem na expressão retirada do contexto da epístola de Paulo aos filipenses que dá título a esta lição um dos principais bordões.
- As palavras de Paulo nada têm que ver com o triunfalismo propalado pelos teólogos da prosperidade, mas, vistas no contexto, ensina-nos que o salvo sabe tudo suportar, inclusive e em especial as adversidades, na sua jornada terrena para o céu.
I – O TRIUNFALISMO E SEU FALSO PRESSUPOSTO
- Um dos mais funestos efeitos da teologia da prosperidade e a sua forma de execução é o “triunfalismo”, que é um comportamento de sutileza típica: aproveitando-se das circunstâncias que estão ao redor do crente, o adversário levanta homens e mulheres que geram expectativas de um “paraíso na terra”, desviando os olhares do povo daquilo que é relevante e permanente: a vida eterna.
- Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa,  a palavra “triunfalismo” surgiu em nosso idioma em 1965, com o significado de “atitude, crença ou doutrina de que determinado credo religioso é superior a todos os outros”. Mas, em 1980, adquiriu novo significado, a saber, “atitude excessivamente triunfante; sentimento exagerado de triunfo”. Já na própria história da palavra, vemos como é recente a sua infiltração no meio do povo de Deus e como se teve uma distorção dos corretos ensinos provenientes das Escrituras Sagradas.
- A palavra “triunfalismo” advém de “triunfo”, palavra de origem latina, “triumphus”, que era o nome que recebia “a entrada solene em Roma de um general vitorioso”, e que, por extensão, passou a significar “vitória”. Em Roma, além da entrada solene em Roma, era costumeiro construir “arcos do triunfo”, ou seja, “…um tipo de monumento introduzido pela arquitetura romana originalmente utilizado como um símbolo da vitória em uma determinada batalha. Cada arco do triunfo romano, portanto, remete-se a uma batalha e a um imperador específicos na história romana e sua memória era celebrada através desta construção.…” (WIKIPEDIA. Arco do triunfo.  http://72.14.203.104/search?q=cache:qJ8-DhbWAdgJ:pt.wikipedia.org/wiki/Arco_do_Triunfo+%22arco+do+triunfo%22&hl=pt-BR&gl=br&ct=clnk&cd=1  Acesso em 26 abr. 2006).
- Ao falarmos em “triunfalismo”, portanto, estamos nos referindo a “uma atitude excessivamente triunfante”, a um “sentimento exagerado de triunfo” que tem tomado conta da vida de muitos crentes, que, insuflados por pregadores de um falso evangelho, evangelho este baseado na “teologia da prosperidade”, passam a se considerar “supercrentes”, pessoas que se encontram acima das dificuldades e das adversidades da vida e que, portanto, confundem vida espiritual com prosperidade material e imunidade aos males desta vida.
- O “triunfalismo” é uma atitude típica dos chamados “movimentos da fé” ou “teologia da prosperidade”. Como já tivemos ocasião de observar neste trimestre, esta falsa doutrina parte da noção de que, na criação do homem, Deus entregou ao homem o domínio sobre a criação terrena, dando-lhe, pois, “direitos” que ele pode reivindicar diante da Divindade. Tanto assim é que, quando do episódio da queda, o que teria havido seria um “legítimo direito” do homem em transferir a Satanás o domínio desta mesma terra. Evidentemente que Deus não iria permitir isto e, por isso, teria elaborado o plano da salvação do homem, a fim de que o homem pudesse, legalmente, reaver o que havia transferido ao diabo.
- Como Jesus veio ao mundo e cumpriu este desejo do Senhor, o homem que aceita a salvação teria retornado a esta qualidade de “detentor de direitos” diante de Deus e, por isso, não há que se falar em adversidades, dificuldades ou quaisquer outros problemas para o salvo, uma vez que ele tornou a ter os “direitos” que lhe advieram pela “nova criação”. É a partir deste conceito, pois, que surge, no bojo da “teologia da prosperidade”, um triunfalismo, vez que o salvo se sente um “mais do que vencedor”, alguém que “triunfou sobre o diabo” e que, por isso, não tem mais que “pagar coisa alguma ao diabo”, que tem, simplesmente, de “fazer o diabo desaparecer da sua vida, dos seus bens, da sua família e da sua saúde”.
- Não obstante, não é isso que dizem as Escrituras Sagradas. Relembrando o que já estudamos, vemos que, em primeiro lugar, o homem não é portador de qualquer “direito” diante de Deus. Quando da criação, Deus fez o homem um simples “mordomo”: o domínio sobre a criação terrena não significa, em absoluto, propriedade, mas, sim, poder de administração. Tanto assim é que o homem foi feito “imagem e semelhança de Deus”, ou seja, embora tivesse pontos de contacto com o Senhor, não fora equiparado a Ele, o que, a propósito, é reconhecido pelo próprio Satanás que, valendo-se desta diferença entre Deus e os homens, levou o primeiro casal a desejar ser igual a Deus (cf. Gn.3:5).
- Ao se verificar o texto de Gn.1:26, vemos que, no hebraico, o verbo utilizado para designar o “domínio” do homem é “radah”(רדה), ou seja, “governar”, “dar regras”, que, na versão grega da Septuaginta é “archétosan” (αρχέτωσαν), que também significa “governar”, “administrar”. Não bastasse este significado, o texto bíblico mostra claramente que Deus mantém o controle de toda a situação, seja porque, encontramos Deus ordenando ao homem (Gn.2:15-17), seja porque a narrativa bíblica demonstra que o homem só exerce suas faculdades mais excelentes, entre as quais, a de dar nome aos demais seres (que é o símbolo de sua superioridade), sob os auspícios e a devida supervisão do Senhor (cf. Gn.2:19-23).
- Como se ainda isto não fosse suficiente, as Escrituras são claras ao afirmar que, enquanto o homem tem o governo sobre a criação terrena, o reino, a soberania permanece sendo de Deus, o “dono”, o “proprietário”, ou seja, aquele que tem “poder absoluto sobre a coisa”, pois esta é a noção de propriedade. É o que se verifica no Sl.24:1; 47:8; 59:13; 93:1; 96:10; 97:1; 99:1; Is.52:7 e Ap.19:6, entre outras referências. Nestes trechos, aliás, os verbos são diversos, pois dão a ideia do domínio absoluto. É o verbo “reinar” que está em foco, que, em hebraico é “mashal”(םשל) e, em grego, “ebasileuein” (εβασιλευειν).
- O “triunfalismo”, portanto, perde já na sua base, pois todo o edifício que dá ao homem uma qualidade de “supercrente” parte do pressuposto de que ele é “detentor de direitos” diante de Deus e que, por isso, Deus é “obrigado” a praticar determinadas ações em favor dos “salvos”, por força dos “direitos” existentes no relacionamento entre Deus e a humanidade. Nada mais falso. Se é verdade que Deus nos resgatou do pecado e da perdição eterna, fê-lo porque é amoroso e tudo nos concede por “graça”, ou seja, “favor não merecido”, conceito bem diverso do de “direito”. Para nos utilizarmos da linguagem jurídica, tão ao gosto dos “triunfalistas”, a salvação do homem e as bênçãos decorrentes dela são fruto de uma “liberalidade” divina, não de uma “obrigação”.
OBS: “Liberalidade”, como nos diz o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa é “ disposição daquele que, em seus atos ou em suas intenções, dá o que não tem obrigação de dar e sem esperanças de receber nada em troca”. (grifo nosso)
- A ideia de “triunfo” por parte do ser humano é alheia ao texto bíblico. Na Versão Almeida Revista e Corrigida, a única vez em que aparece a palavra “triunfo” é no Sl.47:1, tradução esta, entretanto, que não é a melhor, vez que a palavra hebraica “rinnah”(רנה) significa “voz alta”, “clamor”, “alegria”, “júbilo”, sendo estas as palavras utilizadas pelas demais versões, a começar da Almeida Revista e Atualizada.
- O verbo “triunfar” aparece em dois versículos da Versão Almeida Revista e Corrigida. A primeira vez, em Mt.12:20, quando o evangelista faz referência a uma profecia de Isaías, dizendo que o “servo do Senhor” (ou seja, o Messias) iria “triunfar em juízo”, palavra repetida pela Tradução Brasileira, mas que é tradução de “nikos” (νικος), que significa “vitória”, tanto que a Versão Almeida Revista e Atualizada prefere utilizar a palavra “vencedor”. De qualquer maneira, quando se fala em “triunfo”, está-se referindo a Jesus, Ele, sim, o triunfante contra o mal e o pecado.
- A segunda vez que se fala em “triunfar” na Versão Almeida Revista e Corrigida é no texto de II Co.2:14, um dos textos mais caros aos “triunfalistas”, onde temos o verbo grego “thriambeuonti” (θριαμβεύοντι), cujo significado é, efetivamente, “triunfar”. Para que verifiquemos se, neste texto, encontramos base para o pensamento triunfalista, nada melhor que transcrevê-lo para uma devida análise de sua literalidade:
E graças a Deus, que sempre nos faz triunfar em Cristo e, por meio de nós, manifesta em todo lugar o cheiro do seu conhecimento.
- Neste texto, é inegável que a ideia do triunfo está associada à imagem da entrada do general vitorioso em Roma. Temos, assim, a verdadeira reprodução, na Bíblia Sagrada, da cena que dá origem ao “triunfo”. Mas, então o crente pode se comportar como um verdadeiro “general vitorioso”, que entra na sua cidade orgulhoso de sua condição de vitória, pronto a desfrutar das benesses dela decorrentes, ou seja, dos “direitos” resultantes da sua vitória militar, o que, em Roma, quase sempre, significa concessão de poder e de autoridade?
- A despeito de ter sido esta a interpretação dada pelos “triunfalistas”, o texto não nos autoriza a pensar desta maneira. O apóstolo Paulo, ao nos trazer a imagem do triunfo, está, sim, pondo o crente não na posição do general vitorioso, mas, ao contrário, o crente, diz Paulo, faz parte do “despojo” do vitorioso. Com efeito, quando o general ingressava em Roma, no seu “triunfo”, era seguido pelos bens e prisioneiros que eram capturados durante a guerra.
OBS: Flávio Josefo dá-nos uma ideia de como isto se dava, quando descreveu o “triunfo” de Tito, o general que destruiu Jerusalém e o templo no ano 70. Diz o historiador judeu: “…O dia de pompa tão soberba chegou e não houve uma só pessoa naquela infinita multidão de povo, que enchia toda Roma, que não quisesse presenciá-la.(…). É impossível descrever a magnificência desse festejo triunfal.(…). Viam-se todas as espécies de vestuários de púrpura (…). Havia estátuas de deuses, das diversas nações, de tamanho surpreendente.(…). Havia ainda várias espécies de animais raros e estimados, pela sua qualidade(…). Nada, porém, causava tanta admiração aos espectadores do que as diversas representações, como grandes armações de três ou quatro andares.(…). Eram imagens de cenas da guerra, as mais notáveis representadas ao natural.(…). Sobre cada uma dessas cidades, estava representado aquele que as havia defendido e de que maneira havia sido aprisionado. Vinham em seguida vários navios; entre a grande quantidade de despojos, os mais notáveis, eram os que tinham sido feitos no templo de Jerusalém; a mesa de ouro, que pesava vários talentos, o candelabro de ouro, feito com tanta arte(…). Simão, filho de Gioras, que depois de ter tomado parte no desfile triunfal, entre os outros escravos,…” (JOSEFO, Flávio. Tradução de Vicente Pedroso. Guerra dos judeus contra os romanos VII, 16,17. In: História dos hebreus, v.3, p.197-8).
- Ao dizer que Deus nos faz “triunfar em Cristo”, o apóstolo está nos dizendo que fazemos parte do “despojo” de Cristo, ou seja, somos o resultado da Sua vitória sobre o mal e o pecado, da Sua vitória sobre o adversário das nossas almas. O crente é um troféu que Cristo apresenta a Deus como prova da Sua vitória sobre o adversário das nossas almas. Daí porque a expressão da Versão Almeida Revista e Atualizada, qual seja, “nos conduz em triunfo” ou, na Nova Versão Internacional, “nos conduz vitoriosamente em Cristo”, ou seja, somos parte do espetáculo que Deus mostra a todo o universo para celebrar a vitória de Cristo sobre a morte e o inferno. Não é por outro motivo que o escritor aos hebreus nos traz a expressão que Cristo diz ao Pai: “Eis-Me aqui a Mim e aos filhos que Deus Me deu” (Hb.2:13 “in fine”), repetindo as palavras do profeta Isaías (Is.8:18a).
- Destarte, também este texto, em absoluto, põe o salvo no lugar do “general vitorioso”, nem estabelece qualquer base para que “esmaguemos a cabeça da serpente”, “amarremos o diabo”, ou, muito menos, “exijamos os nossos direitos” diante de Deus, mas, tão somente serve para nos mostrar que o vitorioso é Cristo e que, graças à Sua vitória, fomos por Ele conquistados para desfrutar, na Sua companhia, da vida eterna na cidade celestial.
II – A VIDA DE COMUNHÃO COM DEUS NÃO NOS IMPEDE DE TERMOS ADVERSIDADES NESTA VIDA
- A base do “triunfalismo” é dizer que, a partir do momento em que o homem aceita a Jesus como seu único e suficiente Senhor e Salvador, não é mais possível que o homem passe a ter problemas na vida sobre a face da Terra, pois a sua comunhão com Deus, a sua salvação lhe traz uma posição de “triunfo”, de vitória sobre o diabo. Portanto, é impossível que o salvo venha a sofrer enfermidades ou quaisquer outras necessidades, em especial, as relativas à vida econômico-financeira.
- Este raciocínio é antiquíssimo, já se encontrava na teologia distorcida dos “amigos de Jó” e, conforme já foi visto neste trimestre, não representa um pensamento correto a respeito de Deus, como o denunciou o próprio Senhor em Sua conversa com Elifaz (Jó 42:7).
- A salvação é a maior bênção que um mortal poderia receber. Ela é a solução para o problema insolúvel do homem, qual seja, a sua separação de seu Criador por causa do pecado. Sem condições de resolver esta questão, o homem estava irremediavelmente perdido, mas Deus, desde o instante em que sentenciou o homem pelo seu pecado, prometeu reverter o quadro, o que se deu na pessoa de Cristo Jesus.
- Assim, a salvação é, sobretudo, uma bênção espiritual, tem a ver com o reatamento do relacionamento entre Deus e o homem e isto é o mais importante, pois a questão da eternidade é fundamental para o ser humano, que não foi criado para deixar de existir, mas cuja existência perdurará para sempre, na companhia de Deus, ou não.
- Não é por outro motivo que a questão relativa à vida eterna tem de ser tratada prioritariamente pelo ser humano. As Escrituras não cessam de mostrá-lo ao longo de suas páginas. Desde Abel, a Bíblia não nos cansa de mostrar que o segredo da vitória do homem está em buscar, em primeiro lugar, o reino de Deus e a sua justiça (Mt.6:33). Segundo Jesus nos mostrou no sermão do monte, é este o fator distintivo entre os “gentios”, entendidos estes como os que não têm compromisso com Deus e os verdadeiros adoradores do Senhor.
- Aceitando a Cristo como único e suficiente Senhor e Salvador, ocorre o maior milagre que poderia acontecer, qual seja, o de passarmos da morte para a vida (Jo.5:24), de sair das trevas e ir para a luz (Jo.3:20,21), tornando-se novas criaturas (II Co.5:17; Gl.6:5), cuja posição, agora, é a de estar nos lugares celestiais em Cristo, onde é abençoado com toda a sorte de bênçãos espirituais(Ef.1:3).
- Notamos, portanto, que, de pronto, a promessa de Deus que advém da salvação é a do desfrute de todas as bênçãos espirituais. Não há qualquer registro nas Escrituras de promessa de “todas as bênçãos materiais”, mas, sim, de “todas as bênçãos espirituais”. É esta a promessa dada por Deus e Ele vela pela Sua Palavra para a cumprir (Jr.1:12). As Escrituras, coerentemente, dão a devida importância e relevância para o aspecto espiritual, pois é isto que temos de buscar em primeiro lugar, isto é o que importa. Aliás, foi esta a ordem de Cristo: “Trabalhai não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do Homem vos dará, porque a este o Pai, Deus, o selou” (Jo.6:27).
- Não só o crente deveria se preocupar em ter uma vida espiritual abundante, cada vez mais crescente, como também deveria, em sua vigilância contínua, zelar, prioritariamente, também pelo seu bem-estar espiritual. É, também, orientação do Senhor: “E não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer, no inferno, a alma e o corpo” (Mt.10:28). Como podemos verificar, a preocupação do cristão deve ser com a sua vida eterna, com o seu relacionamento com Deus, deixando todas as demais coisas, conquanto necessárias, num segundo plano.
- Esta é a mesma conclusão que tiramos da vida do mais sábio homem que houve sobre a Terra, depois de Jesus. Salomão, no seu livro da velhice, o livro de Eclesiastes, com a autoridade que tem alguém que recebeu de Deus todas as bênçãos materiais possíveis, diz, ao término de sua pregação, que, diante de todas as bênçãos materiais recebidas, de tudo o que granjeou e desfrutou, chegava à conclusão seguinte: “De tudo o que se tem ouvido, o fim é: Teme a Deus, e guarda os Seus mandamentos, porque este é o dever de todo o homem. Porque Deus há de trazer a juízo toda a obra, e até tudo o que está encoberto, quer seja bom, quer seja mau” (Ec.12:13,14). Ao verificar toda “a vida debaixo do sol”, que é o tema do livro de Eclesiastes, Salomão concluiu que tudo o que importa é o nosso relacionamento com Deus, o dever de todo o homem de obedecer-Lhe, pois é diante do Senhor que nos apresentaremos para prestar contas daquilo que fizemos nesta vida
- Dentro desta perspectiva é que devemos entender que, sobre a face da Terra, a vida nos reserva tanto alegrias quanto tristezas, tanto dias bons quanto dias maus. Quando vemos o que a Bíblia diz a respeito disto, constatamos, para desmentido dos triunfalistas, que o justo não está livre de sofrer contratempos na vida, de ter problemas e dificuldades. As Escrituras, quando falam da adversidade, nunca excluem o justo dele. Senão vejamos:
- No Sl.27:5, o salmista diz que, o dia da adversidade, será escondido no pavilhão de Deus, ou seja, além de o salmista admitir que sofrerá esta adversidade, ainda nos informa que esta adversidade tanto não é prova de que está sem Deus, que será o próprio Deus quem o acalantará durante este período difícil da sua vida. Nem se diga que se trata de um “derrotista”, de um “crente sem fé”, como costumam dizer os triunfalistas, pois quem escreveu este salmo foi Davi, um “homem segundo o coração de Deus”, um exemplo de guerreiro e de vencedor de batalhas e, como se isto não bastasse, num salmo em que se louva a falta de medo, em que se louva a coragem daquele que confia em Deus. Entretanto, a coragem, a fé em Deus não retiram o fato de que o justo passa, sim, por problemas e dificuldades e disto Davi dá testemunho na sua vida.
- No Sl.35:5, o salmista não só fala que o justo passa por adversidade, como ainda que, por causa da adversidade, os seus inimigos se vangloriavam e festejavam. O salmista, apesar desta situação aflitiva e de confiar que ela será revertida, não deixa de mostrar que se encontra em comunhão com o Senhor, que se humilha e jejua na presença de Deus, não tendo, pois, perdido a sua salvação. Isto, porém, não impediu que houvesse a adversidade.
- Em Ec.7:14, é dito que Deus fez tanto o dia da prosperidade, quanto o dia da adversidade e, com uma finalidade, a saber: “para que o homem nada ache que tenha de vir depois dele”. Assim, um dos motivos pelos quais Deus permite a todo ser humano passar por adversidades é para que entenda a efemeridade da existência sobre a Terra e o seu correto lugar na ordem do universo. O sábio, pois, faz questão de nos mostrar que esta sucessão de dias se dá a todo o ser humano, indistintamente, seja ele alguém que serve a Deus, seja ele alguém que não O serve.
- Mas, dirá alguém, que, quando se fala em adversidade, temos o Sl.10:6, onde é dito que “Não serei abalado, porque nunca me verei na adversidade”. Tal pensamento, bem apropriado para os “triunfalistas” que, como veremos, são mestres na arte de retirar textos fora do contexto nas Escrituras para alicerçar seus conceitos, não resiste a uma análise superficial. Quem diz que nunca estará em adversidade, à moda dos triunfalistas? São os ímpios, como vemos a partir do Sl.10:2, onde é dito que “os ímpios, na sua arrogância, perseguem furiosamente o pobre”; no Sl.10:3, diz-se que “o ímpio gloria-se do desejo da sua alma”; no Sl. 10:4, “por causa do seu orgulho, (…) não investiga,…”; no Sl. 10:5, “os seus caminhos são sempre atormentadores”, para então, no versículo 6, dizer que “não será abalada, nunca se verá na adversidade”. Temos, pois, que o texto, tão do gosto dos triunfalistas, mostra-nos, bem ao contrário do que eles desejam, que a ideia de que não se passará jamais por adversidade é uma ideia típica de quem não serve a Deus, é a ideia típica do arrogante, do autossuficiente, daquele que “dispensa Deus” das suas vidas, do orgulhoso, do pecador.
OBS: A Nova Versão Internacional apresenta um texto que bem traduz as pregações dos triunfalistas dos nossos dias: “…’Nada me abalará! Desgraça alguma me atingirá, nem a mim nem aos meus descendentes’…” (Sl.10:6).
- O que verificamos, neste Salmo 10, é uma das muitas lições da Bíblia a respeito da evidência de que o justo, apesar de ser justo, nem por isso está livre de passar por adversidades. A “vida debaixo do sol” possui esta característica. Jesus disse aos discípulos que, no mundo, teriam aflições (Jo.16:33), ou seja, “thlipsis” (θλιπσις), cujo significado é “angústia”, “problema”, “tribulação”, “perseguição”, expressão que designava o ato de moer o grão para produção de farinha. Tal palavra foi dada aos discípulos, isto é, aos que serviam a Jesus. Esta foi a única garantia e certeza dada por Cristo aos Seus, sendo até uma das “bem-aventuranças” mencionadas no introito do sermão do monte, qual seja, a dos injuriados e perseguidos por causa do nome de Jesus (Mt.5:11,12), como vimos na lição anterior.
- Como, então, dizer que o crente, se em comunhão com Deus, jamais sofrerá dificuldades? Como afirmar, com base nas Escrituras, que a vida do salvo é imune a qualquer tipo de problema, seja ele enfermidade, conflito familiar, injustiça, carência econômico-financeira, carência afetiva ou outras coisas mais?
- No mesmo sermão do monte, Jesus fez questão de ensinar Seus discípulos de que as dificuldades ocorridas durante a “vida debaixo do sol” ou “vida debaixo do céu” (Ec.1:13) são de três origens, que tanto ocorrem para os sábios, que são os servos do Senhor, como para os insensatos, que são aqueles que não servem a Deus, a saber (Mt.7:25,27):
a) dificuldades surgidas por ação direta de Deus, as chamadas provações divinas, que foram representadas pelo Senhor pela chuva, que vem do céu.
b) dificuldades surgidas por ação direta das hostes espirituais da maldade, as chamadas tentações ou ações malignas, que foram representadas pelo Senhor pelos rios, que vêm de debaixo do solo, das regiões inferiores.
c) dificuldades surgidas da aplicação da “lei da ceifa” (Gl.6:7), ou seja, consequências das atitudes dos próprios homens na sua convivência com o semelhante, que foram representadas pelo Senhor pelos ventos, que vêm dos lados e que, já dizemos agora, embora seja assunto da próxima lição, nada tem que ver com a suposta “lei da reciprocidade” propalada pelos teólogos da prosperidade.
- Um dos graves erros dos “triunfalistas” está em repetir o gesto do ímpio do Salmo 10, que “não investiga”, ou seja, dentro da teoria “triunfalista”, todo e qualquer mal que sobrevém ao crente seria uma “obra de Satanás”, uma “obra demoníaca”, motivo por que se deve “determinar”, ou seja, na definição dada por R.R. Soares, “… não é ordenar a Deus e sim ao diabo que tire de nós suas garras e desapareça de nossas vidas, de nosso dinheiro e de nossas famílias.” (Curso Fé. Aula 1. Determinação. http://www.ongrace.com/cursofe/licoes.php?id=1 Acesso em 20 abr. 2006).
- Contudo, Jesus nos ensina que nem sempre uma adversidade é resultado da obra do inimigo. Muito pelo contrário, muitas vezes estamos a padecer por causa de atitudes que nós mesmos tomamos ao longo de nossas vidas, esquecendo-se de que o controle de todas as coisas está nas mãos do Senhor, que não Se deixa escarnecer e que faz valer a Sua soberania, inclusive para que haja o cumprimento da Sua Palavra. Em outras oportunidades, o que está acontecendo nada mais é que uma provação divina, uma permissão divina de sofrimento ao justo para que, por meio desta tribulação, este Seu servo adquira paciência, experiência e esperança, tudo tendo em vista o seu crescimento espiritual (Rm.5:3,4).
- Não podemos agir como os ímpios, mas, diante de uma dificuldade ou adversidade, proceder a uma investigação, a uma apuração dos fatos, como nos dá a entender o verbo hebraico “darash”(דרש). É preciso que, ante um problema, paremos e nos examinemos, verifiquemos qual é a causa, a razão de estarmos a passar por isso. Se não for encontrado um caminho mau em nós, após esta sondagem profunda, não só empreendida por nós, mas que encontre, também, a ajuda do Espírito de Deus (cf. Sl.139:23,24), então saberemos que se trata de uma prova divina e, como tal, devemos suportá-la, sabendo que tudo o que se passar será para o nosso bem (Rm.8:28).
- Os “triunfalistas”, porém, trazem um outro conselho, verdadeiro conselho de ímpio (Sl.1:1), que deve ser evitado, que é o de “determinar”, “recusar”, “não aceitar” a dificuldade. Para tanto, como entendem que tudo o que sobrevier ao crente salvo será obra maligna, exigem que expulsemos o adversário e, “usando da fé”, repudiemos o maligno, usando a “autoridade” que tem o verdadeiro e genuíno crente. Tal situação somente valerá para as hipóteses em que se estiver diante de uma tentação, de uma obra maligna, quando, então, no nosso autoexame, recorrendo ao Senhor, teremos o livramento COMO e QUANDO o Senhor assim o desejar. Se, no entanto, tratar-se de aplicação da “lei da ceifa”, como podemos resistir ao Senhor e à soberania da Sua Palavra? (II Cr.20:6; At.11:17) De igual modo, como lutar contra a provação que nos é posta pelo próprio Deus?
- “Enfrentar Deus”, “pôr Deus contra a parede”, como defendem os triunfalistas é um comportamento reprovável e absurdo. É a conduta que os ímpios, como nos mostra o Salmo 10, tomam, já que, “em sua presunção, o ímpio não O busca; não há lugar para Deus em nenhum dos seus planos.” (Sl.10:4 NVI). No entanto, como Deus é prioridade em nossos corações, como é Ele a nossa própria razão de viver, jamais poderemos agir como se não O levássemos em consideração. Todavia, é assim que os triunfalistas nos mandam agir, o que, não é preciso sequer dizermos, será a causa de nossa ruína, pois um tal proceder é pura rebelião, e, como sabemos, “…a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e o porfiar é como iniquidade e idolatria…” (I Sm.15:23 “in medio”). Que Deus nos guarde, pois, porque, como sabemos, os feiticeiros e os idólatras ficarão do lado de fora da cidade santa (cf. Ap.21:8; 22:15).
- Não fossem já estes conceitos que extraímos da Palavra do Senhor suficientes para demonstrar que a vida espiritual não significa, em absoluto, imunidade a dificuldades e adversidades ao longo da vida, o fato é que a Bíblia, também, nos dá muitos exemplos de homens e mulheres de Deus que, apesar de sua vida de comunhão com o Senhor, sofreram terrivelmente e não foram poupados de adversidades e de problemas na sua “vida debaixo do sol”.
- É até interessante observar que, na galeria dos chamados “heróis da fé”, ou seja, o capítulo 11 da epístola aos Hebreus, que é como que um “desfile triunfal” dos servos de Deus, uma demonstração de que vale a pena ter fé em Deus, o escritor, a despeito de considerá-los homens e mulheres dignos de nota, verdadeiras testemunhas do Senhor que animam os crentes de todas as gerações a ter uma vida de comunhão com Deus (cf. Hb.12:1-3), não deixa de mostrar que este heroísmo, este triunfo não representou qualquer isenção, por parte de Deus, de dificuldades ou de tribulações, muitas das quais sem sequer a reversão do quadro desfavorável quando o servo do Senhor ainda em vida se encontrava.
- Assim, a começar por Abel (um dos quais o quadro desfavorável não foi revertido, vez que, pela sua justiça, foi morto sem que tivesse sequer chance de “triunfar”), o escritor fala-nos de diversas personagens, os quais, como aduz ao término da exposição, “…experimentaram escárnios e açoites, e até cadeias e prisões. Foram apedrejados, serrados, tentados, mortos ao fio da espada; andaram vestidos de peles de ovelhas e de cabras, desamparados, aflitos e maltratados (dos quais o mundo não era digno), errantes pelos desertos, e montes, e pelas covas e cavernas da terra. E todos estes, tendo tido testemunho pela fé, não alcançaram a promessa” (Hb.11:36b-39). Onde, pois, a imunidade diante da adversidade de quem serve a Deus? Não eram todos estes “heróis da fé”? Não são todos estes “testemunhas” que servem de estímulo para nós? Por que, então, não “determinaram” e evitaram o mal sobre suas vidas? Temos, assim, a prova cabal de que a vida de comunhão com Deus jamais significou a impossibilidade de sofrer adversidades e problemas e, por vezes, até mesmo a morte sem que tivesse havido a suplantação da situação adversa.
- Diante de tão explícito texto, não demoram os triunfalistas em alegar que o escritor aos hebreus está a narrar a situação “antes da morte de Cristo”, quando o “mundo ainda estava legalmente nas mãos de Satanás”. Nada mais falso. Estes homens e mulheres mencionados pelo escritor aos hebreus são os “heróis da fé”, ou seja, embora tenham vivido antes da realização da redenção pelo Senhor Jesus, nela creram e, por causa desta fé, são também santos e se encontram num estado de salvação igual ao nosso. Quem o diz é o próprio escritor, na continuação do texto do capítulo 11, “in verbis”: “Provendo Deus alguma coisa melhor a nosso respeito, para que eles sem nós não fossem aperfeiçoados”. Como se percebe, tanto estes “heróis” quanto nós devemos ser “aperfeiçoados”, ou seja, gozamos da mesma condição espiritual.
- Mas os triunfalistas prosseguem, dizendo que o texto nos fala de “alguma coisa melhor a nosso respeito” e esta “coisa melhor” seria a imunidade às “obras do mal”. Na nova aliança, dizem eles, não há que termos o mesmo sofrimento dos patriarcas e dos profetas, pois existe “alguma coisa melhor”. Não resta dúvida de que o escritor aos hebreus nos diz que existe “alguma coisa melhor”. Aliás, esta “alguma coisa melhor” é, precisamente, a mensagem de todo o livro, pois podemos resumir a mensagem crística de Hebreus nas palavras “Jesus é melhor”.
- Esta “alguma coisa melhor” não é, para tristeza dos triunfalistas, a imunidade a provações ou dificuldades, mas o próprio Jesus. Como, na continuação do texto, mostra-nos o escritor da carta, os crentes, ao contrário dos “heróis da fé”, têm, além do testemunho dos próprios heróis, o exemplo de Jesus (Hb.12:2,3), que foi revelado à Igreja e que ainda não havia sido plenamente revelado aos santos do Antigo Testamento. Esta “alguma coisa melhor” é a possibilidade que temos de olhar para Jesus, que a nós foi revelado, algo que foi muito desejado, mas não alcançado por aqueles justos (Mt.13:17; Lc.10:24) e, diante deste olhar, nos mantermos firmes, apesar de todas as provações e dificuldades que venhamos a enfrentar. Provações e dificuldades? Sim, pois, também para tristeza dos triunfalistas, o escritor aos hebreus, ao falar do exemplo de Cristo, anima os crentes hebreus a resistir na fé apesar de todas as adversidades (Hb.12:4).
- Por fim, para provarmos que as dificuldades e as adversidades não são coisas que caracterizaram o Antigo Testamento, como defendem os triunfalistas, basta mencionarmos as aflições e sofrimentos dos apóstolos e demais discípulos na igreja primitiva, como o martírio de Estêvão e de Tiago, sem falar nas diversas adversidades do ministério de Paulo (II Co.11:23-27). A conclusão só pode ser, pois, uma: a Bíblia nunca ensinou que o crente não sofre por ter fé em Deus.
III – O CONTEXTO DA EXPRESSÃO “TUDO POSSO NAQUELE QUE ME FORTALECE”
- Depois de termos visto que o “triunfalismo” não tem qualquer respaldo bíblico, resta-nos analisar este verdadeiro “mantra”, como bem salientou o comentarista, que se tornou o texto de Fp.4:13, o nosso texto áureo e de onde se extraiu o texto desta lição: “Posso todas as coisas n’Aquele que me fortalece”.
- De forma sutil, os “triunfalistas” tomam este texto isoladamente e, com base nele, dizem que os crentes podem todas as coisas, que, estando em Jesus, são invulneráveis, não podem mais sofrer coisa alguma, removem todo e qualquer obstáculo.
- Já pelo que vimos neste estudo, compreendemos que uma doutrina assim extraída de Fp.4:13 não tem qualquer fundamento, pois contrariaria toda a Bíblia Sagrada, sem falar que nenhuma doutrina pode ser constituída nas Escrituras com base em um único texto e, mais ainda, fora do contexto.
- Este ensino que tanto tem perturbado a vida espiritual de milhões de crentes, no entanto, não se estriba sequer no versículo utilizado, pois o contexto do capítulo 4 de Filipenses antes infirma do que confirma o triunfalismo.
- Por primeiro, lembremos que a carta que Paulo escreveu aos filipenses é uma das “epístolas da prisão”, ou seja, uma das cartas que o apóstolo escreveu quando se encontrava preso em Roma, a sua primeira prisão, Roma que era a etapa final de anos de encarceramento, como vemos registrado a partir do capítulo 21 do livro de Atos dos Apóstolos.
- Assim, logo de início vemos que jamais o apóstolo Paulo, na condição de preso há anos em virtude do Evangelho, poderia dar um ensino de que nenhuma adversidade pode vir à vida do crente, se ele mesmo se encontrava preso por causa do Evangelho
- Não bastasse isso, no limiar da carta que Paulo escreve aos filipenses, entendemos o motivo pelo qual o apóstolo escreveu aquela epístola: os filipenses estavam tristes e abalados na fé por causa desta prolongada prisão de Paulo. Paulo lhes escreve exatamente para que eles pudessem entender que o fato de Paulo estar passando por adversidade em nada retirava o poder do Evangelho e, mais ainda, não deveria ser motivo de tristeza mas de alegria.
- Como, numa carta em que o apóstolo procura mostrar aos filipenses que a adversidade por que passava era motivo de alegria e não de tristeza, poderia o apóstolo ensinar que o crente não passa por dificuldades, e que, se houver adversidade, é porque há pecado? Um total contrassenso que só pode ser defendido por pessoas como os teólogos da prosperidade…
- Assim é que o apóstolo afirma aos crentes de Filipos: “…E quero, irmãos, que saibais que as coisas que me aconteceram contribuíram para maior proveito do Evangelho…” (Fp.1:12), ou ainda, “…E muitos dos irmãos no Senhor, tomando ânimo com as minhas prisões, ousam falar a Palavra mais confiadamente, sem temor.…” (Fp.1:14).
- O apóstolo ainda mostra aos filipenses que, apesar de toda aquela adversidade ter contribuído para o bem da obra da Deus, o apóstolo não tinha também apego às coisas desta vida. Bem ao contrário do que prega a teologia da prosperidade, Paulo mostrou que a sua esperança não estava nesta vida, embora desejasse viver mais um pouco e tivesse a certeza de que isto iria ocorrer: “…Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho. Mas, se o viver na carne me der fruto da minha obra, não sei então o que deva escolher. Mas de ambos os lados estou em aperto, tendo desejo de partir, e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor. Mas julgo mais necessário, por amor de vós, ficar na carne. E tendo esta confiança, sei que ficarei, e permanecerei com todos vós para proveito vosso e gozo da fé.…” (Fp.1:21-25).
- Paulo, pois, não estava “determinando” a sua libertação para “fazer a obra de Deus”. Não estava dizendo para o diabo retirar as suas cadeias, porque já era “salvo” e tinha “direitos” diante de Deus, mas, ao revés, entendia que Deus queria que ele fosse mantido preso, pois isto contribuía para o desenvolvimento da evangelização e que, embora seu desejo fosse ir para o céu, ainda importava que ficasse mais algum tempo fazendo a obra do Senhor sobre a face da Terra.
- Nesta carta, o apóstolo deseja alegrar os filipenses, retirar-lhes daquela tristeza que a sua prisão lhes causava. Por isso, afirma àqueles crentes que “se regozijassem no Senhor” (Fp.3:1), regozijo que deveria ocorrer mesmo que Paulo fosse martirizado (Fp.2:17,18).
- O apóstolo faz questão de mostrar aos crentes de Filipos que a vida cristã também envolve adversidades. Após ter mostrado aos filipenses que eles deveriam portar-se dignamente conforme o evangelho de Cristo (Fp.1:27), fez questão de lhes dizer que o crente é chamado tanto para crer em Jesus quanto para padecer por Ele (Fp.1:29). Sim, amados irmãos, o homem que falou que “tudo posso n’Aquele que me fortalece”, fez questão de deixar consignado que os salvos são chamados para sofrer por Jesus!
OBS: Num sermão sobre Fp.4:13, assim se manifesta o príncipe dos pregadores britânicos do século XIX, Charles Haddon Spurgeon (1839-1892): “…’Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece’ Notemos que Paulo aqui quis dizer que ele poderia suportar todas as provações. Não importa quantos sofrimentos seus perseguidores pudessem infligir sobre ele, ele sentiu que era totalmente capaz, através da graça divina, para suportá-los; sem dúvida alguma, embora Paulo tivesse visto o interior de quase todas as prisões romanas, ele jamais soube o que era tremer em qualquer uma delas(…). ‘Eu posso suportar todas as coisas’, ele disse, ‘por causa de Cristo’. Ele esperava diariamente que ele poderia ser levado à morte, e a expectativa diária da morte é mais amarga que a própria morte (…). Todo filho de Deus, pela fé, pode dizer ‘Eu posso sofrer todas as coisas’…” (SPURGEON, Charles H. All-sufficiency magnified [Toda a suficiência exaltada, tradução nossa]. Disponível em: http://www.spurgeongems.org/vols4-6/chs346.pdf Acesso em 29 dez. 2011) (tradução nossa de texto em inglês) (destaques originais). Como é diferente a correta hermenêutica do texto de Fp.4:13 do que falam os teólogos da prosperidade…
- Na carta, aliás, o apóstolo Paulo menciona um crente de Filipos, o que havia levado a ajuda financeira dos filipenses a Paulo (sim, além de preso, Paulo estava a passar dificuldades financeiras e vivia das ofertas que lhes eram enviadas, inclusive e, em especial, a dos crentes de Filipos – Fp.2:25), Epafrodito, que, apesar de ser crente e fiel, “…esteve doente e quase à morte” (Fp.2:27), sem que tivesse cometido algum pecado, a mostrar que o sofrimento faz parte da vida daqueles que servem a Deus.
- É este o quadro da carta de Paulo aos filipenses, algo bem diferente, diametralmente oposto mesmo, ao que dizem os falsos pregadores da prosperidade, quando invocam o “tudo posso n’Aquele que me fortalece”. Mas em que contexto Paulo usa esta expressão no final da sua carta?
- Quando o apóstolo já está concluindo a epístola, apresentando os agradecimentos e fazendo as suas considerações finais, diz que muito se regozijou no Senhor a lembrança dos filipenses a respeito dele e a oportunidade de demonstrá-lo atrás do envio de Epafrodito.
- O apóstolo, porém, ao falar desta alegria, quis deixar claro que não estava feliz por causa das ofertas que havia recebido dos filipenses, porque “…já aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei estar abatido, e sei também ter abundância; em toda a maneira e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a ter abundância, como a padecer necessidade. Posso todas as coisas n’Aquele que me fortalece.” (Fp.4:11b-13).
- Como se pode verificar, portanto, estas “todas as coisas” de que fala o apóstolo não é bênção sobre bênção, como dizem os triunfalistas, mas, sim, tanto abundância, quanto necessidade; tanto fartura, quanto fome. Paulo havia aprendido da parte de Deus a passar por todas as coisas e suportá-las. Paulo havia aprendido, inclusive, a passar fome, se isto fosse a vontade do Senhor.
- Quando Paulo disse que “tudo podia n’Aquele que lhe fortalecia”, ele estava a dizer que, independentemente das circunstâncias, ele era capaz de suportar tudo por amor a Cristo, sabendo que “estar com Cristo é bem melhor”, de que devemos estar completamente desapegados das coisas passageiras desta vida.
- O apóstolo Paulo estava a ensinar os crentes de Filipos de que eles deveriam esforçar-se para atingir um patamar na vida espiritual em que tudo o que se passasse nesta Terra seria indiferente. O crente deveria manter-se assentado “nas regiões celestiais em Cristo”, onde fora posto pelo próprio Senhor e ali desfrutar de “todas as bênçãos espirituais”, como escreveu aos efésios (Ef.1:3), também uma das chamadas “cartas da prisão”.
- O apóstolo Paulo estava a ensinar os filipenses de que devemos aprender com Cristo e ser completamente desapegados de qualquer coisa desta vida, inclusive do nosso “eu”, vivendo para fazer a vontade de Deus, vivendo para Cristo Jesus, não permitindo que qualquer pensamento ou desejo venha a nos desvirtuar de nossa abnegação por Jesus.
- Como isto é diferente do que ouvimos por aí a respeito de Fp.4:13. Paulo não estava aí exaltando o seu “eu”, nem tampouco dizendo aos crentes de Filipos que eles deveriam “arrebentar” tudo para fazer prevalecer os seus desejos, pois “nada pode segurar o crente”, mas, bem ao contrário, estava a demonstrar que o salvo deve se conformar à vontade de Deus e saber que isto é o que realmente importa na sua vida, mesmo que isto envolva necessidade, fome e abatimento.
- Paulo exorta, não só os filipenses, mas a nós todos, visto que este texto passou a fazer parte das Escrituras, a termos o mesmo sentimento de Cristo Jesus que deixou a Sua glória para ser obediente até a morte e morte de cruz (Fp.2:5-8). Por isso, diz que não devemos atentar para o que é propriamente nosso, mas cada qual também para o que é dos outros (Fp.2:4), outros a serem sempre considerados superiores a nós (Fp.2:3).
- O discurso triunfalista que se lastreia no texto fora de contexto de Fp.4:13, entretanto, quer nos levar ao egoísmo, ao individualismo, ao apego às coisas terrenas, é um ensino completamente distorcido do que ensina a Palavra de Deus. Fujamos disto, amados irmãos!
- E, para encerrar, vemos que o apóstolo disse que os filipenses bem fizeram em ajudá-lo nas suas necessidades (Fp.4:14) e sua oração foi para que os filipenses tivessem supridas todas as suas necessidades por Deus, que o apóstolo admitiu ser um Deus rico (Fp.4:19).
- Ora, se Deus é rico, por que o apóstolo Paulo não pediu que também enriquecesse os filipenses, diante de sua generosidade? Porque os filipenses, assim como o apóstolo, deveriam aprender a se contentar com o que tinham (Fp.4:11) e porque Deus, embora seja rico, dono do ouro e da prata (Ag.2:8), não tem o propósito de enriquecer os homens materialmente, mas, sim, de suprir-lhes as necessidades materiais com o suficiente, porque, ao contrário dos perdidos, inimigos da cruz de Cristo, que só pensam nas coisas terrenas (Fp.3:18,19), os salvos, assim como o apóstolo, tem a sua cidade nos céus donde esperam o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o seu corpo abatido para ser conforme o Seu corpo glorioso segundo o Seu eficaz poder de sujeitar também a Si todas as coisas (Fp.3:20,21). Fazemos parte deste grupo?
Colaboração para o Portal Escola Dominical – Ev. Prof. Dr. Caramuru Afonso Francisco