A eternização de um mito: os 60 anos do suicídio de Getúlio Vargas

Aos sessenta anos do acontecimento trágico, neste 24 de agosto, que marcou a história brasileira - o suicídio do Presidente Getúlio Vargas - por meio de múltiplas ações da memória, é reforçada a construção complexa e ambígua do grande mito do Brasil. “Vivo” ou “morto”, sua trajetória política e esse trágico e traumático evento da política nacional provocam paixões e ódios simultaneamente. Solapando inimigos, em um derradeiro golpe político, manteve a eleição de Juscelino, em 1955, a ordem democrática, assim como adiou por dez anos o Golpe Militar de 1964.

Governou seu segundo mandato (1950-54), eleito pelo voto popular, surpreendendo opositores. Enfrentou instabilidades e oposição sistemática da imprensa e de grande parte dos setores da política, que acreditavam que um ex-ditador não poderia governar novamente. Não obstante, a população referendava sua votação na vida cotidiana, como evidencia a Marcha de Carnaval campeã de 1951, “Retrato do Velho” (bota o retrato do velho. Bota o retrato outra vez no mesmo lugar - Haroldo Barbosa e Marino Pinto).

Após o atentado ao jornalista Carlos Lacerda, o clima de intranquilidade é adensado e Getúlio não consegue mais superar a crise que se agravava a cada dia. A aguerrida oposição civil e militar, além de acusar as ações ditatoriais de Getúlio Vargas no período denominado Estado Novo, também afirmava que o presidente estava envolvido com um “mar de lamas”. Exigia sua renúncia imediata e deixava explícita a ideia de que a recusa significaria deposição.

Nesse contexto de intranquilidade, Vargas lança sobre os antigetulistas, como se fosse sua última cartada, seu corpo, sua morte e uma carta-testamento em defesa da nação. A população atônita e revoltada sai às ruas e demonstra seu apreço, através de incêndios, quebra-quebras e tristeza imensurável. Multidões se aglomeram chorando no cortejo fúnebre. Getúlio morto possibilitou realinhamento das forças política, a manutenção da democracia através do bloqueio do golpe que se armava, e a manutenção da legalidade constitucional com a garantia das eleições para presidente.

A memória de 2014 retoma essas questões de 1954, sua popularidade e o Golpe Militar de 1964. Figura política do movimento revolucionário de 1930, que derrubou a oligarquia do Café com Leite do poder, seu prestígio cresceu no bojo do Governo Provisório e sua metamorfose em mito inicia-se na candidatura à eleição indireta em 1934. Entretanto, foi no período do Estado Novo que ocorre efetivamente essa construção pelas âncoras do governo: rádio, cinedocumentários, educação, trabalhismo, propaganda, repressão, cerimônias cívicas, entre outras ações, somadas ao destaque das “qualidades” de homem simples, corajoso, esperto, de sorriso matreiro.

Sua imagem é colocada no centro de todas as ações da nação e sua figura personificada na pátria/pai, protetor do povo brasileiro. Muitos aspectos, tanto do ditador como do presidente Vargas, desvelam a complexidade e importância da sua história. Aos sessenta anos de seu suicídio, lembramos que Getúlio saiu da política, entrou para a história e se transformou no maior mito da política brasileira.

Por Rosana Schwartz - é professora de comunicação integrada. Doutora em História, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2007). Professora Pesquisadora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, desde 1999. Graduação em Comunicação Social: habilitação em Jornalismo e Publicidade e Propaganda.fonte 
http://www.franciscoevangelista.com/2014/08/a-eternizacao-de-um-mito-os-60-anos-do.html