Lição 06: O Impiedoso Mundo de Lameque

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      INTRODUÇÃO
      Como você classificaria um homem que, após haver matado duas pessoas, compõe um poema? Num verseto atrevido e insolente, ele garganteia a façanha às suas esposas: “Ada e Zilá, ouvi-me; vós, mulheres de Lameque, escutai o que passo a dizer-vos: Matei um homem porque ele me feriu; e um rapaz porque me pisou. Sete vezes se tomará vingança de Caim, de Lameque, porém, setenta vezes sete” (Gn 4.23,24). Sim, como você classificaria tal homem? No mundo que precedeu o Dilúvio, ele foi aclamado como herói. Embora soubesse que o Criador não lhe deixaria impune o duplo homicídio, Lameque continuou a viver como se não houvesse Deus. Sua atitude replicar-se-ia até mesmo entre os filhos de Sete. A partir daquele poema, a humanidade inicia um processo de depravação total e irreversível.
      Nosso mundo em nada difere da sociedade lamequiana, exceto num pormenor estatístico. Naquele tempo, o número dos piedosos não chegava à casa da dezena Hoje, os justos são contados aos milhões.
      Entremos, pois, a conhecer o abominável mundo de Lameque.

      I. A IMPERFEIÇÃO NUM MUNDO PERFEITO
      Lançado em 2014, o filme Noé, roteirizado e dirigido por Darren Aronofsky, levou o leitor da Bíblia à frustração. Pelo menos, esse foi o meu sentimento ao desperdiçar mais de duas horas com aquela caricatura da primeira epopeia da História Sagrada Para começar, Aronofsky mostra o mundo pré-diluviano como que arrasado por uma guerra nuclear. De acordo com a sua paródia, a Terra j á não existia ecologicamente. Do texto sagrado, porém, inferimos outra realidade. Nosso planeta era farto e pródigo; a humanidade, saudável e longeva; e, no ambiente natural, reinava perfeita harmonia.
      1. Um planeta farto e pródigo. Apesar do pecado, a Terra pré-diluviana era um habitat perfeito; proporcionava alimentos e regai os a todos. Por isso, os filhos de Adão davam-se ao luxo de viver irresponsável e impiamente Observemos a descrição que faz o Senhor Jesus deste período: “Porquanto, assim como nos dias anteriores ao dilúvio comiam e bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca” (Mt 24.38).
       Aquela geração não se angustiava com os problemas que, hoje, nos afligem Ninguém se preocupava com a ecologia Água? Rios e riachos não lhes faltavam Como possuíssem tudo em abundância, gastavam as horas em orgias e truculências. Longevos, nem menção à morte faziam Comiam e bebiam, e contavam a vida em séculos, não em décadas.
       2. Vida longa e próspera. O Sr. Spock, personagem interpretado por Leonard Nimoy (1931-2015), sempre despedia-se de seus amigos com uma saudação quase rabínica: “Vida longa e próspera”. Oriundo de Vulcano, Spock, além de longevo, fazia questão de orientar-se por uma ética irretorquível e através de uma lógica superior e pura.
       A geração de Lameque também usufruía de uma vida longa e próspera. Entretanto, vivia imoral e irracionalmente. Sua lógica era o pecado. Ora, se a sua iniquidade j á tinha uma história de quase dois mil anos, por que mudar? Então, vida longa e próspera a um mundo que se compraz no Maligno.
       Não era incomum deparar-se com um adúltero de seis centos anos, com um assassino de oitocentos ou com um corrupto de quase mil. Imagine a folha corrida dos lamequianos.
       Por isso, o Senhor resolve colocar um limite biológico à vida humana Doravante, os filhos de Adão e Eva não irão além dos 120 anos (Gn 6.3). Se fizermos uma comparação entre as genealogias dos capítulos cinco e 11 de Gênesis, verificaremos que, na primeira, a vida humana era computada em séculos. Na segunda, nossa existência já pode ser contada em décadas. Se Matusalém chegou a 969 anos, Terá, pai de Abraão, morrerá aos 205 (Gn 11.32). Foi este, a propósito, o último dos longevos. Na conclusão do Gênesis, constata-se a fronteira biológica do ser humano j á estava fixada José, filho de Jacó, falece aos 110 anos (Gn 50.26). Mais tarde, queixar-se-ia Moisés da efemeridade da existência (SI 90.10).
       Com uma vida quase milenar, os pré-diluvianos viviam pendularmente entre a eternidade e a impunidade Como um homem de quase mil anos haveria de temer a morte? E se Deus j á os entregara aos próprios erros, não lhes castigando de imediato a iniquidade, por que temer o Juízo Final se a História mal havia começado? Por essa razão, os contemporâneos de Noé viviam para pecar e pecavam para viver.
       3. Harmonia ecológica. Até o Dilúvio, havia perfeita harmonia entre os reinos animal, vegetal e humano. Os animais selvagens não representavam qualquer ameaça A única ameaça era o próprio homem Agressivo e irreconciliável, amedrontava até mesmo a mais brutal das feras. Após o Dilúvio, contudo, pavor e medo recairiam sobre o reino animal; sobre a natureza, gemido e angústia (Gn 9.2; Rm 8.22). O mundo ainda era perfeito, belo e sustentável. Mas o povo que o habitava era o antônimo de tudo isso. Ao invés de agradecer ao Criador por todas as benesses, os filhos de Adão aproveitavam tais favores para depravar-se totalmente, Um mundo perfeito para uma geração imperfeita.

      II. O EFEITO LAMEQUE
      Teologicamente, Adão foi o grande responsável pela introdução do pecado no mundo (Rm 5.12). Historicamente, porém, o pecado alastrou-se a partir de Lameque, filho de Metusael (Gn 4.18). Foi ele o primeiro pecador confesso da história da humanidade De uma única feita, admitiu haver cometido duas transgressões contra Deus. Sua confissão, todavia, não foi acompanhada de arrependimento nem remorso; fez-se acompanhar de um medo que logo seria esquecido. Indiretamente, confessa a bigamia E, diretamente, o duplo homicídio. Sua confissão j az num poema que, hoje, é conhecido como o Cântico da Espada.
      1. A bigamia. De conformidade com o projeto original de Deus, o casamento teria como fundamento a heterossexual idade, a monogamia e a indissolubilidade. Lameque, entretanto, corrompeu as bases do matrimônio, tomando para si duas esposas: Ada e Zilá.
      Noutra circunstância, os nomes de suas mulheres até rima dar iam Mas, naquele momento, não havia ritmo nem harmonia,- havia uma iniquidade que, assustadora e rapidamente, começava a alastrar-se por aquela região. De berço, a região do Éden ia transformando-se no túmulo da primeira civilização humana Na vida de Lameque, as coisas ruins vinham aos pares: duas mulheres, dois homicídios, etc. Tivesse o seu poema mais versos, outras iniquidades apareceriam em duplas. Sua confissão duplicada basta para mostrar um processo irreversível de apostasia. Da poligamia à promiscuidade sexual foi apenas um passo. Seu exemplo contaminaria inclusive a linhagem de Sete que, apesar de um passado santo e piedoso, também se deixará contaminar pela libertinagem Eis o testemunho da Bíblia: “Como se foram multiplicando os homens na terra, e lhes nasceram filhas, vendo os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, tomaram para si mulheres, as que, entre todas, mais lhes agradaram” (Gn 6.1,2).
      Os descendentes de Sete, aqui alcunhados de filhos de Deus, mio somente fazem-se polígamos, como também ultrapassam todos os limites da decência. Tomando para si quantas mulheres lhes permitiam a luxúria e a libertinagem, transformaram o convívio social numa orgia desenfreada.
      2. Duplo homicídio. Se Caim teve de ser duramente arguido por Deus para confessar o assassinato de Abel, não precisou Lameque de arguição alguma. Espontânea e livremente, declara haver assassinado banalmente dois homens. Um adulto, ele o matou porque o ferira E um rapaz por lhe ter pisado. Se recorrermos ao original, constataremos que o segundo crime foi ainda mais grave. Lameque revela ter assassinado um j ovem Em hebraico, yeled pode aludir tanto a um adolescente quanto a uma criança. Logo, o seu crime, além de banal e covarde, foi singularmente brutal.
      Nossos dias parecem não diferir em nada do mundo de Lameque Por um grama de droga há muito j ovem, adolescente e criança perdendo a vida E, por causa de uns míseros centavos, muita gente não retorna ao lar. Banalmente, assassina-se, hoje, como banalmente assassinava-se naqueles começos da História Tanto no princípio, quanto no fim, a índole criminosa do ser humano em nada melhorou,- caminhamos de mal a pior.
Lameque deflagrou a iniquidade por todo o planeta. Hoje, somos angustiados por assassinatos, genocídios e crimes contra a humanidade Haja vista os extermínios de judeus e armênios, e a matança promovida como política pública por monstros como Stalin, Hider, Mao Tsé-Tung e Pol Pot.

       III. UM MUNDO PARADOXAL
       O mundo de Lameque não era caracterizado apenas pela rebelião contra Deus. No exercício de seu mandato cultural, desenvolveu, desde cedo, a agropecuária, a metalurgia e a música Foi uma época de grandes conquistas intelectuais e tecnológicas. Do texto bíblico, inferimos que a engenharia já estava bem desenvolvida, pois a geração pós-diluviana não teve dificuldades em construir a Torre de Babel. O curioso é que todo esse progresso proveio da geração de Caim Os filhos de Sete, antes de se transviarem, haviam se dedicado mais às atividades espirituais e teológicas.
       1. A primeira cidade. Banido da presença do Senhor, Caim habitou na terra de Node, ao oriente do Éden. Ali, teve o seu primogênito, a quem chamou Enoque Como a sua linhagem se multiplicasse, organiza ele uma cidade, a qual dá o nome de seu filho mais velho. Em torno desse centro urbano, as atividades profissionais diversificam-se Aparecem os pecuaristas como Jabal. Surgem os metalúrgicos como Tubalcaim E despontam os artistas como Jubal. Também irrompem os primeiros conflitos, revelando grandes e notórios criminosos e malfeitores.
       No campo e na cidade, a rebelião contra Deus alastra-se, contaminando toda a Terra O fenômeno urbano encarrega-se de espraiar os maus exemplos, levando os filhos de Adão a um rápido processo de depravação essencial e total.
       Apesar de a Bíblia nada dizer acerca da civilização setista, esta organizou-se também em cidades. Inexistindo barreiras linguísticas e geográficas, não demoraria para que a civilização caimita englobasse a setista, e lançasse os fundamentos da megalópole da iniquidade. Foi o primeiro ensaio do Anticristo no estabelecimento de seu império. Vejamos as atividades econômicas da civilização caimita.
       2. Atividades agropecuárias. Embora os descendentes de Adão e Eva pudessem viver da caça e da coleta de frutas, verduras e legumes, desde cedo empenharam se em trabalhar seletiva e metodicamente a terra. Essa preocupação acentuou-se entre os filhos de Caim, o primeiro agricultor.
       Jabal, filho de Lameque, deixando a cidade de Enoque, passou a dedicar-se à criação de gado. E, na busca por boas pastagens, faz-se nômade Por isso, ele é conhecido como o “pai dos que habitam em tendas e possuem gado” (Gn 4.20). Observemos que, para construir e erguer tendas, necessitava Jabal de instrumentos cortantes e coberturas para suas moradias portáteis. Teriam aqueles antigos habilidades para fiar o algodão e o linho? Deveríamos pensar nesses detalhes, pois são bastante reveladores.
       3. Atividades industriais. Não há agricultura nem pecuária sem uma indústria de base Há de se ter, pelo menos, uma boa metalurgia para se forjar enxadas, pás e relhas aos agricultores, e os instrumentos próprios dos pecuaristas. E justamente aí que surge a indústria de Tubalcaim Filho de Caim com Zilá, foi ele “artífice de todo instrumento cortante, de bronze e de ferro” (Gn 4.22).
       Não foi, portanto, o homo erectus quem descobriu o fogo. Dizem os evolucionistas que este, ao observar os raios faiscando nas árvores, veio a intuir ser possível dominá-lo. Também não foi Prometeu quem no-lo proporcionou, roubando-os aos deuses do Olimpo. Se alguém descobriu o fogo não foi o homo erectus, nem os deuses da mitologia grega, mas o justo Abel que, ao fazer sua oferenda ao Senhor, queimou-a como cheiro suave A par rir dai, os filhos de Adão passaram a utilizá-lo, a fim de preparar alimentos, alumiar suas casas, etc.
       Tubalcaim viria a descobrir ser possível industriar o fogo e, assim, fundir os minérios de bronze e de ferro. Ora, se a região era rica em ouro, por que não explorá-lo? Acredito que, se a humanidade não tivesse pecado contra o Senhor, poderia ter começado a civilização não a partir do ferro, mas do ouro.
       Segundo a história secular, a Idade do Ferro teria começado por volta do ano 1200 a C. Todavia, j á na aurora da humanidade, havia um metalúrgico e fundidor que, admiravelmente, sabia como trabalhar o bronze e o ferro. Processando-os, forjava instrumentos cortantes. Das forjas de Tubalcaim deve ter saído também muita espada e punhal. Violência era o que não faltava àquela época.
       4. Atividades intelectuais e artísticas. A música brotou da alma do homem, pois sempre esteve no Espírito de Deus. Quando o Senhor criava os céus e a terra, os anjos entoavam-lhe louvores altos e eternos (Jó 38.7). Acredito que a feitura de Adão fez-se também acompanhar dos coros angélicos. Por isso, somos naturalmente musicais. Jubal, também filho de Lameque, foi “o pai de todos os que tocam harpa e flauta” (Gn 4.21). Observando a sinfonia da natureza, logo descobriu ser possível arrancar harmonias e ritmos da madeira e do metal. Dessa forma, compôs músicas e madrigais. Terá ele musicado o poema de Lameque? O certo é que, não somente criou instrumentos, como também ensinou música Ele inventou harpas e flautas. Os músicos subsequentes criariam a trombeta, o pífaro, a citara, o saltério e a gaita de foi es (Dn 3.5).
       Paradoxalmente, as finuras da mente eram livre e espontaneamente manifestadas, apesar da corrupção que campeava no mundo de Lameque Longe de serem primitivos e involuídos, os primevos eram evoluídos, inteligentes e muito mais inventivos do que nós. Só lhes faltava uma coisa a verdadeira sabedoria que nos advém com o temor a Deus.

      IV. A RELIGIÃO DE LAMEQUE
      No mundo de Lameque, não havia espaço aos ídolos de barro, madeira ou ferro. Ali, a religião era agressivamente antropológica Seus ídolos eram os varões que se notabilizavam por atos violentos, por façanhas truculentas e por repetidas e agravadas blasfêmias contra o Espírito Santo. A geração de Lameque era uma raça de anticristos: homens, mulheres e crianças depravavam-se até ao inferno. Um mundo irremissível; votado à destruição. Era uma gente pior do que Satanás. Se não fosse destruída, arruinaria para sempre a criação divina
      1. A teologia. A geração de Lameque não desconhecia a presença de Deus. E, posto não haver ainda o governo humano, o próprio Criador era quem os governava Aqueles ímpios, contudo, confrontavam o Eterno, não lhe aceitando a governança.
      Aquela gente tinha a Deus como fraco e leniente; um criador distante da criação. E, como fossem todos longevos, desconheciam as noções de brevidade que, hoje, levam-nos a refletir seriamente sobre a morte Para eles, a vida era longa e próspera Havia gente mais velha que Portugal, mais antiga que os Estados Unidos e com mais história que o Brasil. Segundo imaginavam, Deus não fazia bem nem mal.
      2. Os ídolos. O autor sagrado fala dos heróis daquela época: “Ora, naquele tempo havia gigantes na terra,- e também depois, quando os filhos de Deus possuíram as filhas dos homens, as quais lhes deram filhos; estes foram vai entes, varões de renome, na antiguidade” (Gn6.4). Os tais não eram semi deus es nem super-humanos, mas pecadores notórios. Nem após o arrebatamento da Igreja o mundo chegará a tal degradação, pois, nos últimos dias, ainda haverá arrependimentos e conversões. Portanto, o Dilúvio era inevitável.
      3. A relação com o Espírito de Deus. Da geração de Lameque, falou o Senhor: “O meu Espírito não agirá para sempre no homem, pois este é carnal; e os seus dias serão cento e vinte anos” (Gn 6.3). Não sabemos por quantos anos, décadas, ou séculos, a geração de Lameque resistiu ao Espírito Santo. Da resistência ao Espírito de Deus, aqueles homens, mulheres e crianças passaram a blasfemar contra a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, depravando-se totalmente.
      Imaginemos toda uma civilização a blasfemar contra o Espírito Santo. Fizeram-se aqueles homens piores do que os demônios. Estes, por não serem dotados de corpo, não podem estragar a criação física. Aqueles, pelo contrário, dotados de corpo e alma, transgrediam tanto no campo espiritual, como âmbito terreno. Os seguidores de Lameque eram duplamente endemoninhados.

      CONCLUSÃO
      Vivemos dias semelhantes aos de Lameque Nosso mundo parece depravar-se total e irreversível mente. Hoje, porém, temos um povo mais forte e numeroso que a família de Noé Se naquele tempo os justos eram contados em unidades, agora, são computados em milhões. Portanto, como sal da terra e luz do mundo, evangelizemos, protestemos contra o pecado e, através de um testemunho ilibado, apregoemos a volta de Cristo.


       Enquanto a Igreja for Igreja, o Anticristo não achará guarida completa neste mundo. Embora avance em todas as áreas, sempre encontrará homens, mulheres, jovens e até crianças dispostos a barrar-lhe a trajetória. Não podemos esquecer nossa vocação de sal e de luz. Se tivermos ambas as propriedades em nosso testemunho pessoal e coletivo, levaremos o Evangelho de Cristo até aos confins da terra sem impedimento algum.


Autor: Claudionor de Andrade


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