LIÇÃO Nº 11 – UMA IGREJA AUTENTICAMENTE PENTECOSTAL

                                               A igreja autenticamente pentecostal cumpre, com eficácia, todas as missões confiadas por Jesus à Igreja.
INTRODUÇÃO 
- Após o intervalo para celebrarmos o centenário das Assembleias de Deus, retomamos o estudo das doutrinas da nossa fé, vendo, hoje, quais as características que deve ter uma igreja autenticamente pentecostal.
O evangelho completo pregado pelo pentecostalismo não apenas apresenta a manifestação do poder de Deus mas, também, caracteriza-se pela solidez doutrinária e pela manifestação prática do amor de Deus.


I – A IGREJA É UMA NAÇÃO

- As Escrituras revelam-nos que, com a vitória de Cristo sobre a morte e o inferno, forma-se um povo especial, zeloso e de boas obras (Tt.2:14), a saber, a Igreja. Ao nos mostrar que a Igreja é um povo, a Bíblia já nos mostra que a Igreja difere dos outros dois povos que existem sobre a face da Terra, ou seja, os gentios e os judeus (I Co.10:32).

- Dizer que a Igreja é um povo, uma nação (I Pe.2:9), é algo muito significativo, pois as Escrituras mostram, desta maneira, que a Igreja é diferente de tudo quanto já existia no mundo quando de seu surgimento. Além do mais, ao considerar a Igreja como um povo, Deus distingue a Igreja seja dos gentios, seja dos judeus (I Co.10:32).

- Ser uma nação representa ter elementos próprios de uma nação. Quando analisamos os estudos científicos sociais (sociologia, antropologia, política, direito, entre outros), vemos que uma nação se identifica como sendo “…agrupamento político autônomo que ocupa território com limites definidos e cujos membros, ainda que não necessariamente com a mesma origem, língua, religião ou raça (como fazia crer um conceito mais antigo), respeitam instituições compartidas (leis, constituição, governo)” (Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa).

- Ora, para que se tenha uma naçãofaz-se preciso, em primeiro lugar, que se tenha um grupo de pessoas.Ora, a Igreja é um conjunto de pessoas, a saber, o grupo de pessoas que tiveram suas vestes lavadas no sangue do Cordeiro (Ap.22:14), que não são estrangeiros nem forasteiros, mas cidadãos legítimos desta nação (Ef.2:14-19).

- Em segundo lugar, para que se tenha uma nação, faz-se mister que o grupo de pessoas tenha autonomia política, ou seja, tenha um governo próprio e que seja independente de qualquer outro grupo, que tenha as suas próprias leis. É exatamente esta a situação da Igreja, visto que possui uma cabeça, que é Jesus (Ef.1:22; 5:23), seguindo única e exclusivamente a Seus mandamentos (Jo.15:10-17; At.5:29; I Jo.2:3-8).

- Em terceiro lugar, para que se tenha uma nação, é necessário que haja um território com limites definidos. Nisto reside a grande diferença da nação que é a Igreja da dos gentios e da dos judeus. A Igreja tem como território o “reino de Deus”(Mt.21:43; Jo.3:5), que não é deste mundo (Jo.18:36), mas, sim, os “lugares celestiais em Cristo” (Ef.1:3; 2:6). Por isso, em toda a parte, em todo o lugar, em todas as nações, a Igreja estará presente até que venha o fim (Mt.24:14).

- Em quarto lugar, a Igreja é uma nação porque seus membros, embora não tenham a mesma origem, língua, religião ou raça (Ef.2:11-14), ao crerem em Jesus Cristo, passaram da morte para a vida (Jo.5:24; I Jo.3:14) e, por isso, compartilham das mesmas instituições, ou seja, têm a mesma conduta de vida, as mesmas leis, porque observam aquilo que Jesus lhes mandou, devendo, por isso, desempenhar tarefas que lhe foram determinadas pelo Senhor.

- Seremos discípulos do Senhor se cumprirmos os Seus mandamentos (Jo.15:8,14,16) e, por isso, os “deveres cívicos” dos membros em particular desta nação (I Co.12:27b), têm de ser rigorosamente observados, se não quisermos perder a cidadania desta nação (Mt.25:26-30).

- É precisamente alguns destes “deveres cívicos” dos membros da nação chamada Igreja que estudaremos nesta lição, a fim de que possamos ser achados, pelo Senhor, servos bons e fiéis e, assim, como bons cidadãos dos céus na Terra, possamos ser achados dignos de entrar, com o Senhor, na cidade celeste pelas portas (Sl.15).

Nós, pentecostais, ao afirmarmos que estamos a pregar o evangelho completo, uma vez que cremos na atualidade da ação do Espírito Santo seja no tocante ao revestimento de poder, seja no tocante à manifestação dos dons espirituais, não podemos, de forma alguma, descuidar de todos estes “deveres cívicos”, sob pena de sermos incoerentes e não estamos a viver a verdade que pregamos.

II –  OS “DEVERES CÍVICOS”  DA  IGREJA

- O apóstolo Paulo afirmou que o eterno propósito de Deus feito em Cristo Jesus nosso Senhor é o conhecimento da multiforme sabedoria de Deus pelos principados e potestades nos céus, anunciando entre os gentios, por meio do Evangelho, as riquezas incompreensíveis de Cristo (Ef.3:8-11).

- A primeira razão de ser da Igreja, portanto, é a pregação do Evangelho aos judeus e aos gentios, ou seja, a anúncio da boa-nova, da boa notícia de que Deus enviou o Seu Filho ao mundo para que todo aquele que n’Ele crê não pereça mas tenha a vida eterna (Jo.3:16). Jesus deixou isto bem claro ao determinar aos discípulos que pregassem o Evangelho a toda a criatura por todo o mundo (Mc.16:15).



-A Igreja existe para pregar o Evangelho, para continuar a pregação de Jesus (Mc.1:14,15). Este, aliás, é um dos motivos pelos quais a Igreja é chamada de “o corpo de Cristo”, pois deve continuar a fazer o que Jesus fez. Enquanto esteve em Seu ministério terreno, o Senhor ia por todas as partes de Israel pregando o Evangelho, mas, agora, já que os Seus não o receberam, mandou que a Igreja prosseguisse este Seu trabalho, continuando a pregar o Evangelho, só que agora a todas as nações, inclusive aos judeus.

- Mas a Igreja não serve apenas para pregar o Evangelho. Tem ela também a tarefa de integrar as pessoas que aceitam a salvação no seu interior. Embora a salvação seja imediata e uma operação do Espírito Santo, o fato é que o crente não pode ser deixado à mercê, isolado e sozinho no mundo. Muito pelo contrário, assim que alguém aceita a Cristo como seu Senhor e Salvador, tem de ser integrado na igreja local, no grupo social onde passará os dias aguardando a volta de Cristo (At.2:41,44). Esta função de integração, que tem no batismo nas águas o seu ponto mais importante, é, também, algo que tem sido muito negligenciado nos nossos dias.

Outra função importantíssima que é a do aperfeiçoamento dos santos (Ef.4:11-16), a começar pelo discipulado (At.11:25,26). O crescimento espiritual do salvo somente se dá na igreja local. Este é o modelo bíblico, de modo que sem qualquer respaldo nas Escrituras o falso ensino do “self-service”, tão em voga nos nossos dias, segundo o qual se pode servir a Deus “sozinho”, pois “antes só do que mal acompanhado”. Muitos têm se decepcionado com escândalos, intrigas e injustiças nas igrejas locais, que, como todo grupo social de seres humanos, têm defeitos e problemas (que o digam as igrejas que receberam epístolas dos apóstolos…) e, em meio a estas decepções, não vigiam e se deixam enganar por esta doutrina demoníaca. Precisamos uns dos outros para crescermos espiritualmente, para perseverarmos na fé.

A Igreja, como é o povo de Deus na Terra na atual dispensação, é o único povo que pode adorar a Deus, visto que está em comunhão com Ele, já que seus pecados foram tirados por Jesus (Jo.1:29; Rm.5:1). É, portanto, dever da Igreja adorar a Deus, em espírito e em verdade, já que o Pai procura tais adoradores (Jo.4:23). Deve, portanto, a Igreja cumprir este dever de adoração, tema este já estudado na lição 8.

A Igreja é uma nação santa, é o sal da terra e luz do mundo (Mt.5:13,14) e, por isso, por ainda estar no mundo, embora dele não seja (Jo.17:11,15,16), torna-se o porta-voz natural de Deus para os gentios e para os judeus. A Igreja é a “boca” de Deus para o mundo e, por isso, temos o dever de proclamar a Palavra, de dizer ao mundo qual é a vontade de Deus em todos os assuntos e questões que se apresentarem enquanto perdurar a nossa jornada, a nossa peregrinação. Por isso, tem a Igreja uma missão profética, deve proclamar a Palavra de Deus e exigir o seu cumprimento por grandes e pequenos, sem receio, a exemplo do que faziam os profetas do Antigo Testamento.

- Como a Igreja foi chamada para dar fruto e fruto permanente (Jo.15:16), frutos, aliás, que são diferentes dos outros povos (Mt.7:15-20), porque se trata do fruto do Espírito (Gl.5:22) e só a Igreja tem e recebeu o Espírito Santo (Jo.14:17), temos que o comportamento da Igreja é diferente do comportamento dos demais homens, sejam judeus, sejam gentios, de sorte que a Igreja acaba por ter, também, uma missão ética, o dever de se portar de modo a não dar escândalo aos outros povos (I Co.10:32), tendo de ter uma conduta que identifique a sua comunhão com o Pai (Mt.5:16).

- Também por estar no mundo e por se apresentar em grupos sociais, como vimos supra, as chamadas “igrejas locais”, a Igreja acaba tendo de ter um papel perante a sociedade, como, aliás, todo grupo social. Os grupos sociais estão reunidos na sociedade, que é o grupo maior, o grupo que tem, por fim, promover a felicidade, o bem-estar, o chamado bem comum. As igrejas locais não fogem a esta obrigação, que decorre da sua própria natureza de ser parte da sociedade. Deus não nos tirou do mundo nem Jesus quis que isto se fizesse (Jo.17:15) e, diante desta realidade, assim como fez Nosso Senhor, devemos, também, ter uma atuação social digna de nota, que sirva de testemunho de nossa comunhão com Deus.

- Dissemos, há pouco, que a Igreja é o lugar que o Senhor designou para que sirvamos a Ele, pois, isoladamente, ninguém consegue desenvolver-se espiritualmente e chegar até a glorificação, último estágio de nossa salvação. As imperfeições humanas são tantas que o Senhor fez com que nos uníssemos nas igrejas locais, a fim de que cada um ajudasse o outro a crescer espiritualmente e a resistir ao mal até aquele grande dia. Tem-se, portanto, que um dever de cada cidadão desta nação chamada Igreja é o de ajudar uns aos outros, por intermédio do aconselhamento cristão (Rm.15:14; Cl.3:16; I Ts.5:11; Hb.3:13; 10:25); o de consolar uns aos outros, por intermédio da visitação (I Ts.4:18; Hb.10:24; Tg.5:16); o de promover a comunhão uns com os outros, por intermédio da conciliação (Mt.18:15-17;Ef.5:21; Cl.3:13).

- Aliás, a Bíblia ensina-nos que devemos nos amar uns aos outros (Jo.13:35), preferirmo-nos em honra uns aos outros (Rm.12:10), recebermo-nos uns aos outros (Rm.15:7), saudarmo-nos uns aos outros (Rm.16:16), servimo-nos uns aos outros pela caridade (Gl.5:13), suportarmo-nos uns aos outros em amor (Ef.4:2; Cl.3:13), perdoarmo-nos uns aos outros (Ef.4:32; Cl.3:13), sujeitarmo-nos uns aos outros no temor de Deus (Ef.5:21), ensinarmos e admoestarmo-nos uns aos outros (Cl.3:16; Hb.10:25), não mentirmos uns aos outros (Cl.3:9), consolarmo-nos uns aos outros (I Ts.4:18), exortamo-nos e edificarmo-nos uns aos outros (I Ts.5:11; Hb.3:13), considerarmo-nos uns aos outros para nos estimularmos à caridade e às boas obras (Hb.10:24), confessarmos as culpas uns aos outros (Tg.5:16). Diante de tantas recomendações bíblicas, como podemos crer na doutrina do “self-service”?

- Sendo a Igreja a coluna e firmeza da verdade (I Tm.3:14-16), ao mesmo tempo em que tem o dever de proclamar a Palavra, exigindo de gentios e de judeus a observância das Escrituras, internamente, a Igreja deve preservar a sã doutrina (II Tm.4:1-5; Tt.2:7-10), lutando tenazmente contra os falsos mestres que se introduzem no seu meio (II Pe.2:1-3; Jd.4), conservando, assim, a massa pura, não permitindo que se ponha nela o fermento arruinador (Mt.13:33; 16:6,11; Mc.8:15; Lc.12:1).



- Por fim, cumpre-nos observar que a Igreja, como é um organismo vivo, não pode permitir que as coisas desta vida venham a matar a vida espiritual de seus membros. Por isso, é necessário que a Igreja mantenha os seus membros avivados, proporcionando um ambiente de avivamento espiritual contínuo, demonstrando, assim, ter vida em si mesmo, já que é o corpo de Cristo (Jo.5:26).

- São estes, pois, os deveres que se impõem a cada cidadão dos céus que aqui está na Terra, ou seja, a cada membro em particular da Igreja de Cristo, a nós e a cada leitor que nos dá a honra de meditar conosco neste estudo. No Brasil, o principal dever cívico é o de votar. Quando almejamos pleitear uma vaga em um concurso público, quando queremos concorrer a um cargo eletivo, quando somos nomeados para o exercício de um cargo de confiança na Administração Pública, ou quando tencionamos usar dos nossos direitos de cidadão, como a propositura de uma ação popular, sempre nos é exigida uma “certidão de quitação eleitoral”, ou seja, um comprovante de que temos cumprido com o nosso dever de votar, com o nosso principal dever cívico. Como será que está a nossa “certidão de quitação” na nação chamada Igreja? Será que estamos como aquele servo inútil da parábola dos talentos? Que, se for esta a nossa situação, a partir de hoje, com o estudo desta lição, possamos começar a “quitar” as nossas dívidas, para que sejamos encontrados fiéis no dia da vinda do Senhor, pois “bem-aventurado aquele servo que o Senhor, quando vier, achar servindo assim.” (Mt.24:46).

III – A MISSÃO DE EVANGELIZAÇÃO

- Orlando Boyer(1893-1978), um dos missionários responsáveis pela obra pentecostal no Brasil, no prefácio de seu livro “Esforça-te para ganhar almas”, faz uma indagação muito adequada para iniciarmos o presente estudo: “…Lembramo-nos de que como indivíduos somos a Igreja de Cristo? Para que existe no mundo a Igreja Cristã? Ela não é uma grande arca, em que podem flutuar os favoritos, felizes, e sem cuidado algum, por sobre o mar da vida até chegar à praia áurea. Ela não é uma companhia de seguros, à qual se podem pagar prêmios e se ficar inteiramente livre do fogo do inferno! A Igreja não é um clube social, cujos membros se reúnem ocasionalmente para gozar a companhia uns dos outros, se divertirem e trocarem ideias! Não é uma casa de saúde em que os deformados espirituais e os moralmente anêmicos tratam de seus males hereditários. Não. A Igreja de Cristo é uma instituição ganhadora de almas, a proclamar, a tempo e fora de tempo, que Jesus Cristo salva a todos os homens que O aceitarem.…” (op.cit., p.8).
- Ao revelar o grande mistério que esteve oculto desde antes da fundação do mundo (Ef.3:9), a Sua Igreja, Jesus, logo ao fazê-lo, afirmou que ela seria edificada sobre Ele e “…as portas do inferno não prevaleceriam contra ela” (Mt.16:18). Vemos, portanto, claramente, que, desde o anúncio da existência da Igreja, o Senhor Jesus já deixou claro que a Igreja travaria um incessante combate contra as forças do mal, as autoridades espirituais da maldade (a palavra “portas” significa aqui “autoridades”, “forças proeminentes”), ou seja, estaria a agir no sentido contrário ao trabalho efetuado pelo adversário e pelos seus agentes.
- Jesus, certa feita, bem esclareceu qual era o trabalho do diabo e de seus anjos: “roubar, matar e destruir” (Jo.10:10). O Senhor, ao contrário, tendo vindo para desfazer as obras do diabo (I Jo.3:8), veio trazer vida e vida com abundância (Jo.10:10). Ora, se a Igreja é o corpo de Cristo (I Co.12:27), tem como missão, portanto, a de trazer vida e trazer vida nada mais é que levar o próprio Jesus aos homens, que é caminho, verdade e vida (Jo.14:6), que é o pão da vida (Jo.6:48), vemos, já nesta revelação da igreja por Cristo, que a missão principal da Igreja seria a de levar Jesus aos homens.
- Mas, para que não houvesse qualquer dúvida a respeito de qual seria o papel da Igreja, ainda mesmo de seu estabelecimento na Terra, Jesus bem mostrou aos Seus discípulos qual era o papel destinado aos Seus seguidores. Ainda cumprindo o desiderato divino de anunciar a salvação ao povo judeu (Jo.1:11a), Jesus, a fim de atingir a todas as aldeias e povoados da nação israelita na Palestina, destacou setenta discípulos, de dois em dois, para pregar o evangelho (Lc.10:1-24), mostrando, assim, que a tarefa primordial daqueles que O serviam era o de levar a mensagem das boas-novas de salvação, que era o que denominou de “a obra do Senhor” (Lc.10:1,2).
- Depois de ter consumado a obra da redenção do homem no Calvário (Jo.19:30), sacrifício aceito pelo Pai como nos prova a ressurreição(At.3:25,26; 13:29,20), Jesus, após ter passado quarenta dias dando prova da Sua ressurreição aos discípulos e falado a respeito do reino de Deus (At.1:3), explicitamente determinou qual seria a tarefa principal da Igreja. Mandou que o evangelho fosse pregado por todo o mundo a toda a criatura (Mc.16:15), uma ordem que estabeleceu um verdadeiro dever a todo cristão, a ponto de o apóstolo Paulo ter exclamado: “Porque, se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois me é imposta essa obrigação; e ai de mim se não anunciar o evangelho!”(II Co.9:16).
- Esta ordem de Jesus, registrada por Marcos, foi proferida quando Jesus apareceu aos onze, depois de ter lançado a incredulidade de Tomé, oito dias depois da ressurreição (Mc.16:15 c.c. Jo.20:26-29), sendo, portanto, um dos assuntos referentes ao “reino de Deus” (cfr. At.1:3).
- No registro feito por Mateus, a ordem de Cristo é dada em um monte na Galileia, para onde o Senhor havia determinado que os onze discípulos fossem (Mt.28:16), tendo, então, a ordem de Cristo sido até mais ampla que a registrada por Marcos, envolvendo além da pregação do Evangelho, o batismo nas águas e o ensino da Palavra (Mt.28:19,20).
- Não foi uma ordem circunscrita apenas aos onze apóstolos, como defendem alguns, dizendo, portanto, que não é obrigação senão dos ministros a pregação do Evangelho, uma vez que Jesus também repetiu esta determinação quando, no dia da ascensão, apresentou-Se a mais de quinhentos irmãos, ou seja, a totalidade da nascente Igreja (cfr. I Co.15:6), no monte das Oliveiras (At.1:12). Ali, o Senhor determinou que todos eles fossem Suas testemunhas, em todas as partes do mundo, o que, aliás, foi efetivamente cumprido pelos cristãos, depois que foram dispersos de Jerusalém (At.8:1-4), atitude que agradou ao Senhor (At.11:20,21), numa comprovação de que era o que estava de acordo com a Sua ordem proferida antes de subir aos céus.
- A ordem de Cristo, conhecida pelos estudiosos da Bíblia como a “Grande Comissão”, pois “comissão” significa “ato de cometer, encarregar, incumbir”, é, em primeiro lugar, uma ordem. O verbo, em Mc.16:15, está no modo imperativo, ou seja, trata-se de uma ordem, não de uma recomendação ou de um conselho que venha da parte do Senhor. “Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura”. Trata-se de uma ordem, de uma determinação, de alguém que se apresenta como Senhor e, portanto, com autoridade de mando, a quem se apresenta como servo, ou seja, como alguém disposto a obedecer. Tanto assim é que o evangelho segundo Marcos termina com a afirmação de que, em cumprimento à ordem, os discípulos foram e pregaram por todas as partes (Mc.16:20).


- É importante verificarmos que se trata de uma ordem, pois, como se está diante de um mandamento, de uma determinação de Cristo, somente provaremos que O amamos, se a fizermos (Jo.15:14). Uma pessoa que se diga serva de Cristo e que não cumpre com este dever não é um verdadeiro e autêntico servo do Senhor. Quem não evangeliza, quem não prega o Evangelho não é um verdadeiro e autêntico servo do Senhor. E a estes, aliás, que o Senhor Jesus Se refere ao afirmar que “qualquer que Me confessar diante dos homens, Eu o confessarei diante de Meu Pai, que está nos céus.Mas qualquer que Me negar diante dos homens, Eu o negarei também diante de Meu Pai, que está nos céus”(Mt.10:32,33). Não evangelizar é desobedecer ao Senhor e sabemos todos que nenhum desobediente ingressará na Jerusalém celestial.
- A ordem do Senhor é que devemos ir por todo o mundo. Esta é a primeira parte da Grande Comissão. Ir ao encontro do mundo, ir ao encontro dos pecadores, levar-lhes a mensagem da salvação em Cristo Jesus. O homem não tem condições de salvar-se a si próprio e, mais, o deus deste século lhe cegou o entendimento para que não tenha condições de ver a luz do evangelho da glória de Cristo (II Co.4:4). Portanto, é tarefa da Igreja ir ao encontro de judeus e de gentios para lhes anunciar as boas-novas da salvação.
- Por isso, no pensamento do saudoso pastor Orlando Boyer, é dito que a Igreja não é uma grande arca que está acima do mar da vida, mas, pelo contrário, é formada por “pescadores de homens” (Mt.4:19; Mc.1:17), pessoas que, no mar da vida, vão ao alcance dos “peixes”, a fim de trazê-los para a rede do Evangelho (Mt.13:47). Em toda a Bíblia, vemos que é tarefa da Igreja ir ao encontro dos perdidos, dos pecadores, como, aliás, já fez o Senhor Jesus que, deixando a Sua glória (Fp.2:7), Se fez carne e habitou entre os homens (Jo.1:14), indo ao encontro dos que eram espiritualmente enfermos (Mt.9:10-12).
- A ordem do Senhor de ir por todo o mundo lembra-nos de que a evangelização é feita sem qualquer discriminação, sem qualquer parcialidade ou preferência deste ou daquele lugar, desta ou daquela nacionalidade. É evidente que cada igreja local, por ser um grupo social, receberá do Senhor uma incumbência especial para cumprir o seu dever de evangelização, mas a evangelização é totalizante, ou seja, o corpo de Cristo, a igreja universal, deve evangelizar em todos os lugares. O dever da Igreja é de ir a todos os lugares e é por isso que vemos, com tristeza, igrejas que se definem como sendo exclusivas de uma certa nacionalidade, de uma certa raça, de um certo local, sem se falar naquelas que, menos explícitas, se negam a trabalhar em “lugares não apropriados” ou “locais perigosos”. Não é, por isso, surpresa vermos quanto se carece de evangelização nos antros de pobreza e miséria nas grandes metrópoles, os presídios, os reformatórios e, mesmo, os hospitais. São locais onde, na atualidade, imperam as obras assistencialistas, muitas delas vinculadas a doutrinas filosófico-religiosas que defendem a salvação pelas obras, sem que haja a presença maciça de servos do Senhor que, quando presentes, são verdadeiros heróis da fé que, sem apoio algum de quem quer que seja, fazem um trabalho digno de nota mas absolutamente insuficiente para reversão do quadro tétrico em que se encontram as pessoas necessitadas. Jesus ia ao encontro dos publicanos e das meretrizes, a escória da sociedade de seu tempo, e nós, o que estamos a fazer?
A ordem do Senhor é para que se pregue o Evangelho. Mas o que é pregar? A palavra grega é “ekeryxthen” (έκηρυχθην), cujo significado é “anunciar”, “proclamar”, “publicar”, “tornar público”. É interessante verificar que a própria palavra portuguesa “pregar” vem de “praedico”, em latim, que significa “dizer antes, antecipadamente, em primeira mão” e é por isso que a própria palavra “anunciar” tem também esta conotação de “dar a notícia antes”. A palavra “arauto”, que também tem este significado de “anunciador solene”, era o “comandante das forças armadas”, ou seja, aquele que trazia a “boa nova” da vitória do exército no campo de batalha ao povo que havia ficado em seus lares.
- “Pregar o evangelho”, portanto, não é apenas fazer um sermão, uma exposição da Palavra de Deus a um grupo de ouvintes, com eloquência, com unção do Espírito Santo. Isto também é pregar, mas não é esta a única forma que se tem para pregar o Evangelho, nem a só a isto que Jesus Se refere na “Grande Comissão”. Como sabemos, a tarefa do “ministério da Palavra” era, na igreja primitiva, dos apóstolos (At.6:4), mas, como vimos também, não foi só a eles que o Senhor determinou que se pregasse o Evangelho.
- “Pregar o evangelho” é, antes de mais nada, mostrar antecipadamente o Cristo, de forma adiantada, antes que se exponham os meandros da doutrina bíblica, antes que se mostre quem é Jesus nas Escrituras, que d’Ele testificam (Jo.5:39). Mas como podemos mostrar Jesus antes que O mostremos na Bíblia Sagrada? Através de nossas próprias vidas! O povo de Antioquia, ao ouvir a mensagem do Evangelho, começou a chamar os discípulos de cristãos, porque, ao compararem o modo de vida de cada crente com o que era mostrado nas Escrituras, descobriram que os crentes daquela igreja eram “parecidos com Cristo”, ou seja, eram “cristãos”.
A melhor e mais impressionante forma de pregarmos o Evangelho é vivermos de acordo com o Evangelho, é termos uma vida sincera e irrepreensível diante de Deus e dos homens. Paulo dizia que confessava ser cristão, mas podia fazê-lo porque procurava ter uma consciência sem ofensa diante de Deus e dos homens (At.24:16), repetindo, assim, a mesma conduta de seu Senhor (Lc.2:52; Jo.8:46a). Por isso, não é exato dizer que todo cristão foi dotado da eloquência para pregar em um púlpito para uma multidão ou, mesmo, para tomar a iniciativa de pregar a uma pessoa a ser por ele abordada na sua casa, no local de trabalho ou na escola. Mas todo cristão precisa, em sua vida, antecipadamente dizer a toda criatura quem é Jesus e qual é a transformação que Ele faz em todos quantos O aceitam como único Senhor e Salvador. É necessário que cada um de nós, com nossas vidas, “pregue o Evangelho”, que cada um de nós seja “…uma carta de Cristo e escrita não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração, conhecida e lida de todos os homens” (cf. II Co.3:2,3).
- O que é “evangelho”? São as boas-novas, é a boa notícia, é a boa mensagem. Que mensagem? A mesma mensagem que Jesus pregou, ou seja, de que o tempo está cumprido e que o reino de Deus chegou, ou seja, que Jesus salva o homem e o liberta do pecado, pondo-o, novamente, em comunhão com Deus e lhe assegurando a vida eterna. Evangelização é o anúncio do Evangelho, é o anúncio de que Jesus salva, cura, batiza com o Espírito Santo e leva para o céu. Era esta a mensagem que era pregada pelos apóstolos, aqueles que receberam diretamente a “Grande Comissão” (At.2:22-36; 3:13-26; 5:40-42; 6:14; 8:5,35; 9:20; 10:37,38; 11:20; 13:26-41).
A Igreja deve pregar o Evangelho, deve pregar a Cristo. O seu assunto é a salvação do homem na pessoa de Jesus Cristo. É para isto que existe a Igreja, isto é que é evangelização. Não devemos nos perder em discussões inúteis e que não trazem proveito algum (I Tm.1:4-7; 6:3,5), mas não perdermos o foco, o alvo da Igreja que é o de pregar a Cristo Jesus. O Senhor nos mandou pregar o Evangelho e não ficar discutindo filigranas doutrinário-teológicas ou nos perdendo em interpretações de aspectos absolutamente secundários das Escrituras, quando não de questões relacionadas com a cultura. “Pregai o Evangelho”, diz o Senhor, é esta a função da Igreja, nada mais, nada menos que isto.
- Nos dias em que vivemos, até mesmo nos cultos das igrejas locais o Evangelho não tem mais sido pregado! Perdem-se horas em eventos, em ensaios, em apresentações, em efemérides sociais, em discussões relativas a usos e costumes, e se esquece de dizer que Jesus salva, cura, batiza com o Espírito Santo e leva para o céu. Há, mesmo, milhares de cultos diariamente em que nem sequer é feito o convite ao pecador para aceitar a Cristo! Como estamos distantes do objetivo fixado pelo Senhor, pela cabeça da Igreja: a pregação do Evangelho…
- A pregação do Evangelho, como é a pregação de Cristo, deve ser feita com simplicidade, pois Jesus é simples, como o provou durante Seu ministério terreno, a começar pelo nascimento na manjedoura. Ele mesmo disse ser “manso e humilde de coração” (Mt.11:29) e ter Se revelado aos pequeninos e não aos sábios e instruídos (Mt.11:25), bem como esperar que Seus servos sejam símplices como as pombas (Mt.10:16). Não podemos nos apartar da simplicidade que há em Cristo Jesus (II Co.11:3) e, em nosso temor a Deus, devemos mostrar simplicidade de coração (Cl.3:22).


- Mas o que é simplicidade? Simplicidade é ausência de maldade. Como diz o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, é “qualidade, caráter daquele que é sincero; franqueza, pureza, candura”. No texto original grego, a palavra é “aplótes” (άπλότης), cujo significado é, precisamente, o de “singeleza, sinceridade, franqueza, devoção sincera”, tanto que, na Nova Versão Internacional, a palavra é traduzida por “sincera e pura devoção a Cristo” em II Co.11:3 e por “sinceridade de coração” em Cl.3:22. Também não é diferente o significado da palavra hebraica correspondente a “simplicidade” no Antigo Testamento, “tom” (תם), que também quer dizer “integridade, inocência, sinceridade”.
Pregar o Evangelho com simplicidade, portanto, nada mais é que ter uma vida piedosa e sincera diante de Deus, como acima já exposto, o que Paulo denomina de “testemunho da nossa consciência” (II Co.1:12). Esta simplicidade tem se perdido em muitas igrejas locais e, como consequência disto, parte-se para o formalismo, para o ritualismo, para o excesso de liturgia, para as inovações e para o misticismo, tudo para tentar esconder a falta da graça de Deus, graça esta que está apenas onde há simplicidade, como diz o próprio Paulo no texto há pouco referenciado.
- Mas, além de a pregação do Evangelho tem de ser feita com simplicidade, é mister que ela seja realizada com fé. A palavra da pregação só tem proveito quando vem misturada com fé(Hb.4:2). Sem fé é impossível agradar a Deus (Hb.11:6 “in initio”) e, portanto, quando pregamos o Evangelho, devemos mostrar, a começar de nossas vidas, que cremos naquilo em que pregamos. Ora, somente podemos provar que cremos naquilo em que pregamos, se vivermos da mesma maneira que anunciamos. Nisto repousa a autoridade da exposição da Palavra por parte do crente (Mt.7:28,29). Esta é a grande diferença entre a pregação do crente e a do hipócrita, do meramente religioso (Mt.23:2,3). O verdadeiro discípulo de Cristo precisa exceder em justiça aos religiosos (Mt.5:20).
- Quando a pregação do Evangelho é feita dentro destes requisitos, o Senhor confirma a Palavra com sinais (Mc.16:20). A pregação do Evangelho precisa vir acompanhada de sinais e maravilhas, pois tem de ser demonstração do poder do Espírito e não somente palavras persuasivas (I Co.2:4). O êxito do movimento pentecostal que, nestes últimos cem anos, tem conseguido evangelizar praticamente todo o mundo, numa escalada que só encontra comparação com a igreja primitiva, está, precisamente, no fato de que, por ter havido fé suficiente, sinceridade e santidade, o Senhor confirmou com sinais e maravilhas a pregação da Palavra, assim como fez nos tempos apostólicos.

- No entanto, à medida que o tempo passa, vemos que o “fervor” tem diminuído e, por causa disso, assim também a presença de sinais e maravilhas no meio do povo de Deus. Ao mesmo tempo, o misticismo reinante no mundo da atualidade faz com que muitos se iludam ao tentar apresentar uma pregação do Evangelho “mística” e “sobrenatural”, mas se abeberando em fontes outras que não o da pregação do Evangelho com santidade, fé e sinceridade de vida. O resultado é a absorção, em “vestimentas evangélicas” do esoterismo, da feitiçaria e do paganismo, que nada produz a não ser heresia e confusão. Não precisamos de “magos” como Janes e Jambres em o nosso meio (II Tm.3:8), mas, sim, de homens fiéis, santos e sinceramente devotos, pois, se assim procederem, Deus, que não muda e é fiel, confirmará com sinais e maravilhas a pregação que se fizer a respeito da salvação que há em Seu Filho Jesus.
OBS:  Como nos fez constatar um querido irmão que conosco participa de vários cultos, hoje em dia são raríssimos os casos em que, nos cultos, cumprem a determinação de Jesus de impor as mãos sobre os enfermos. Não há mais preocupação em mostrar a fé em Cristo Jesus e em se buscar a realização de sinais que confirmem a Palavra. Voltemos ao modelo bíblico, amados irmãos!

- A ordem do Senhor foi para que se pregasse o Evangelho “a toda criatura”. O Evangelho, diz o apóstolo Paulo, é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (Rm.1:16). É por isso muito preocupante o que temos visto, nos últimos tempos, campanhas de evangelização que, ao contrário do mandamento de Cristo, priorizam este ou aquele segmento, esta ou aquela camada social, trabalhos que, certamente, estão a servir a outros interesses ou outros deuses (em especial a Mamom) do que ao “ide” de Jesus.
OBS: É certo que cremos em pessoas e grupos chamados pelo Senhor para evangelizar certas camadas da população. Assim, sabemos que há pessoas vocacionadas pelo Senhor para pregar a quimiodependentes, a homossexuais, a prostitutas, a empresários. Não concordamos, porém, que, em determinadas igrejas locais e em algumas denominações, haja a proliferação de “evangelização de empresários”, “evangelização de executivos”. Coincidentemente, estas “vocações” que impulsionam toda uma igreja local só visa a setores privilegiados da sociedade e nunca aos miseráveis e marginalizados, assim como tem havido uma “intensa vocação missionária transcultural” para países do Primeiro Mundo (Estados Unidos e União Europeia) — “fervor missionário” que diminuiu muito com o início da crise econômico-financeira de 2008 — e não para as nações famélicas do Terceiro Mundo, em especial, do continente africano…
- Percebamos que o Senhor Jesus fala que o receptor da pregação, da mensagem do Evangelho é “toda criatura”, ou seja, não se trata de pregarmos apenas aos crentes, que são criaturas de Deus, mas também foram feitos filhos de Deus (Jo.1:12), que precisam continuar ouvindo sempre a Palavra de Deus, pois dependem dela para a sua santificação progressiva (Jo.17:17). Também não se trata apenas de pregar o Evangelho para aqueles que, envolvidos já pela mensagem do Evangelho, seja porque são familiares de crentes (notadamente os filhos dos crentes), seja porque são pessoas que têm sido despertas pela mensagem evangélica ou pelo seu próprio modo de vida, pessoas estas que “não estão longe do reino de Deus” (Mc.12:34).
- A ordem do Senhor é para que se pregue a toda criatura, mesmo aquelas que, pela sua conduta, pela sua forma de proceder, são repugnantes, são alvo de todo ódio, de todo asco, de todo o desprezo da sociedade e do mundo. Deve-se pregar a toda a criatura, mesmo que seja a pior pessoa que exista sobre a face da Terra. Não cabe à Igreja julgar os homens e dizer a quem deve, ou não, ser pregada a Palavra. O Senhor foi enfático em dizer que toda criatura deve ouvir a mensagem do Evangelho, seja esta pessoa quem for. É interessante observarmos que, nos dias do profeta Jonas, o Senhor mandou que fosse feita a pregação a todos os ninivitas, sem exceção alguma, ainda que eles fossem os homens mais cruéis que existiam no mundo naquele tempo. Jonas teve de pregar para todos, sem exceção, ainda que muitos, pela sua extrema crueldade e maldade, fossem, na verdade, verdadeiras “bestas-feras” (Tt.1:12), verdadeiros “animais” (Jn.3:8), que, mesmo sendo o que eram, foram alcançados pela misericórdia divina.


OBS: Alguns estudiosos da Bíblia têm defendido que os animais mencionados em Jn.3:8 são seres humanos e não animais literalmente, pois não haveria como se promover a conversão de animais, como dito no texto. Alguns não concordam, dizendo que a expressão é do rei de Nínive e, portanto, dentro de conceitos da religião dos assírios. Sem querermos adentrar a esta discussão, servimo-nos da primeira interpretação para mostrarmos a abrangência e universalidade da pregação do Evangelho, pois, nos dias difíceis em que vivemos, bem sabemos que há verdadeiras “bestas-feras” que estão travestidas em pele humana. Mas a estes, também, devemos pregar o Evangelho.
- Muitos, entretanto, hoje em dia, não aceitam pregar a toda a criatura. Fazem, antes, uma seleção. Chegam mesmo a teorizar esta discriminação, criando a figura do “alvo personalizado”, ou seja, a prefixação para a igreja local daquele que tem de ser atingido. A exemplo do “marketing”, a evangelização passa a ser uma mensagem voltada para um determinado tipo de “consumidor”, para uma pessoa específica. Nada mais distante daquilo que o Senhor nos ensinou: pregar o evangelho a toda criatura. Esta é a tarefa imposta à Igreja, foi assim que a Igreja se constituiu e chegou até aqui.
OBS: Não resta dúvida de que, em cada igreja local, o conhecimento do perfil das pessoas que moram na região a ser atingida pela igreja local deva ser uma prioridade para o bom andamento da obra do Senhor. Entretanto, isto não pode servir de pretexto para a invalidação do caráter totalizante da evangelização.

- Temos sido uma igreja que está a cumprir o “ide” de Jesus? Temos priorizado a evangelização? Temos, em termos de Assembleias de Deus, o mesmo fervor dos pioneiros?

IV – A MISSÃO DE EDUCAÇÃO

A tarefa da evangelização está posta ao lado de uma outra atividade, a saber: o ensino. Ao Se dirigir aos Seus discípulos, o Senhor Jesus disse que eles deveriam ir e “ensinar todas as nações”, expressão esta que, em algumas versões, é traduzida por “fazei discípulos” ou “façam discípulos” (como na NVI), que é, mesmo, a tradução mais adequada para o verbo grego “matheteusate” (μαθητεύσατε), que se encontra no original.

- Não basta, portanto, que a Igreja pregue o Evangelho, ou seja, proclame a Palavra de Deus, mas é preciso, também, que a Igreja “ensine as nações”, “faça discípulos”, cuidado este que era patente nos tempos apostólicos, a ponto de os apóstolos terem chamado para si esta tarefa, considerando, inclusive, não ser razoável deixar de se dedicar à oração e ao ensino da Palavra (At.6:2,4), sem falar no zelo de Barnabé com relação à primeira igreja gentílica, a de Antioquia (At.11:25,26) e dos conselhos que Paulo dá a Timóteo no sentido de jamais se descuidar com o ensino junto aos crentes (I Tm.4:12-16).

- Criada para ser a agência do reino de Deus aqui na Terra, a Igreja, ao mesmo tempo em que, para os que se encontram fora do reino de Deus, precisa ser a anunciadora da salvação, pregando o Evangelho, deve, para os que já viram e entraram no reino de Deus (Jo.3:3,5), ser a instruidora, aquela que ensina a Palavra de Deus aos que se converteram, a fim de que possam eles crescer espiritualmente e alcançar a unidade da fé e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo (Ef.4:13).

- Não se pode ter igreja sem que se tenham “discípulos”, ou seja, sem que se tenham “aprendizes”, “alunos” do Senhor Jesus. O próprio Jesus deu prova disso ao escolher discípulos e treiná-los durante todo o Seu ministério terreno. O ministério de Jesus é o exemplo para a Igreja, que é o Seu corpo: Ele pregou o evangelho às ovelhas perdidas da casa de Israel (Mt.10:6;15:24), como também preparou homens e mulheres que pudessem prosseguir a Sua obra (Mt.11:1). Se Seu ministério se resumisse tão somente na pregação, ante a rejeição de Israel (Jo.1:11), teria havido um fracasso. Entretanto, o Senhor formou um grupo de discípulos que, revestidos de poder, seriam Suas testemunhas até os confins da terra (At.1:8).

- A pregação do Evangelho é o anúncio das boas-novas de salvação, é levar a mensagem que Jesus salva, cura, batiza com o Espírito Santo e leva para o céu, mensagem esta que, pregada pela Igreja, é misturada com a fé salvadora pelo Espírito Santo (Hb.4:2), que convence o pecador do pecado, da justiça e do juízo (Jo.16:8), levando-o ao arrependimento. Segue-se, então, o perdão dos pecados, a conversão, a justificação, a adoção como filho de Deus e a santificação posicional. Aquele que crê em Jesus como seu único e suficiente Salvador nasce de novo, da água e do Espírito, passa a pertencer à Igreja, passa a ser um filho de Deus.

- Entretanto, assim como ocorre na vida física, também na vida espiritual temos que aquele que acabou de nascer, ou seja, o “neonato” (ou recém-nascido), é alguém que não tem condições de, imediatamente, andar por si só, viver por conta própria, caminhar com suas próprias forças até o dia em que se encontrará com o Senhor nos ares. A vida espiritual, ensinam-nos as Escrituras, é um combate diuturno contra o mal e o pecado, uma luta sem tréguas, em que “remamos contra a maré”, contra o curso deste mundo (Ef.2:2).

- Quando alguém se converte a Cristo e nasce de novo, é um recém-nascido, é uma pessoa que não tem conhecimento algum a respeito das coisas de Deus, a respeito da vida com o Senhor Jesus. Embora tenha recebido uma nova natureza, embora seu espírito tenha se ligado novamente a Deus, ante a remoção dos pecados, é um ser humano e, como tal, precisa ser ensinado a respeito do Senhor, ensino este que deve ser proporcionado pela Igreja, que é a quem o Senhor cometeu esta tarefa sobre a face da Terra. Jesus é quem salva, mas é a Igreja quem deve “fazer discípulos”, quem deve “ensinar”.

- Esta realidade espiritual notamos em diversas passagens do ministério terreno de Jesus. Quando o Senhor chamou os Seus primeiros discípulos, ao chamá-los, disse que os faria “pescadores de homens” (Mt.4:19; Mc.1:17), ou seja, embora eles tivessem deixado tudo para servir a Jesus, ainda não eram “pescadores de homens”, algo que deveria ser aprendido, que demandaria tempo e esforço tanto por parte do Senhor, quanto dos Seus “discípulos”.



- Aliás, o fato de os seguidores de Jesus serem chamados de “discípulos” é mais um fator para nos demonstrar que o crescimento espiritual não é imediato e exige o ensino da doutrina. “Discípulo” significa “aluno”, “aquele que aprende”. Jesus, a exemplo dos mestres judeus do seu tempo (os chamados “rabis”, hoje denominados de “rabinos”), era seguido pelos seus “alunos”, ou seja, por aqueles que queriam aprender as lições do mestre, por aqueles que esperavam aprender do mestre o conteúdo das Escrituras. João tinha os seus discípulos (Mt.9:14), assim como Jesus. Estes “discípulos” eram pessoas que, fundamentalmente, queriam aprender com Jesus, tinham interesse em tomar conhecimento daquilo que Jesus lhes queria transmitir e, por causa deste interesse, recebiam a revelação daquilo que estava oculto às demais pessoas (Mt.13:10,11).

Ser “discípulo” de Jesus é querer aprender de Jesus e o próprio Jesus enfatizou que é necessário que aprendamos d’Ele se quisermos encontrar descanso para as nossas almas(Mt.11:29). Somente sendo “discípulo”, ou seja, querendo aprender a respeito de Jesus, que nada mais é que aprender a respeito das Escrituras (Mt.22:29; Jo.5:39), é que teremos acesso à verdade e, por isso, seremos santificados (Jo.17:17), daremos fruto a ponto de sermos reconhecidos como filhos de Deus (At.11:26) e, por causa disto, desfrutaremos da vida eterna com o Senhor (Mt.13:23,43).

- O salvo é nascido da água e do Espírito, ou seja, é gerado de novo por causa da Palavra de Deus, a que ele deu crédito e que proporcionou a regeneração (Ef.5:23; Tt.3:5), mas é indispensável que, além de termos nascido, nós, também, tenhamos crescimento espiritual, crescimento este que se dá somente pela graça e pelo conhecimento de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo (Ef.4:15,16; II Pe.3:18).

Para que haja crescimento espiritual, portanto, é necessário que a Igreja ensine os crentes a ter uma vida espiritual, que ensinem aos crentes o que é viver com Cristo, o que é andar segundo o espírito, o que é ser um verdadeiro, genuíno e autêntico discípulo de Jesus. Quem deve ensinar tais coisas ao que aceitou a Cristo é a Igreja, pois para isto é que o Senhor edificou a Sua Igreja. Não é possível para o homem, criado como um ser social, que viva sozinho e sozinho sirva ao Senhor. Assim, como a vida espiritual deve ser feita na igreja, em grupo, assim também é a este grupo, à Igreja que cabe a responsabilidade de ensinar os salvos, de “fazer discípulos”.

- Quando uma pessoa nasce de novo, encontra-se na mesma posição de Lázaro ressuscitado. Jesus, depois de quatro dias, quando o corpo de Lázaro já estava em decomposição, mostrou o Seu poder sobre a morte, fazendo-o ressurgir dos mortos. Milagrosamente, Lázaro saiu da sepultura com vida. Entretanto, é interessante notar que Lázaro foi para fora da sepultura, mas se encontrava ainda todo enfaixado, conforme os costumes judaicos de preparação do cadáver. Jesus não determinou que Lázaro fosse daquele jeito para casa nem tampouco Se incumbiu de desligar o ex-defunto. Mandou que aquelas pessoas que estavam ali vendo o milagre tratassem de tirar as faixas de Lázaro, de modo que ele próprio (Lázaro) fosse para a sua casa (Jo.11:44). Assim ocorre com o novo convertido: só Jesus poderia trazê-lo à vida, ou seja, salvá-lo; mas cabe a nós que estamos com Jesus neste mundo tomar as providências necessárias para que o novo crente se desligue de tudo aquilo que estava relacionado com a vida sem Cristo, ou seja, com a morte espiritual, para que ele, individualmente, siga em direção à sua casa, onde já o aguarda o Salvador. Aleluia!

A Igreja, portanto, tem uma função importantíssima e indelegável: o de ensinar as pessoas a servir a Cristo, a caminhar com o Senhor. Para que a pessoa aprenda a servir ao Senhor, é preciso que conheça as Escrituras, pois são elas que testificam de Cristo (Jo.5:39). Para que a pessoa aprenda a servir ao Senhor, é necessário que não erre e somente não erraremos se conhecermos a Palavra do Senhor (Mt.22:219; Mc.12:24). Por isso, a tarefa de ensino da Igreja é a do ensino da Palavra de Deus, do ensino das Escrituras.

- A Igreja que não ensinar a Palavra de Deus aos seus integrantes, a começar dos novos convertidos, não estará cumprindo a sua tarefa sobre a face da Terra. Não basta pregar o Evangelho, mas é necessário que, uma vez as pessoas se decidindo por Cristo, sejam elas devidamente ensinadas na Palavra do Senhor, tenham conhecimento das Escrituras, sem o que não se tornarão discípulos de Jesus e quem não for discípulo de Jesus não entrará no céu, pois só aqueles que assim se comportarem poderão dar fruto e, portanto, ser considerados como justos e resplandecerem no reino do Senhor, como o Senhor deixou claro na interpretação que deu da parábola do joio e do trigo.

- Nos dias em que vivemos, não são poucos os que, nas igrejas locais, têm descuidado desta missão educadora da Igreja. O resultado disto tem sido funesto, pois os crentes não têm tido estrutura doutrinária e, por isso, têm sucumbido diante dos ventos de doutrina e se deixado levar pela apostasia que grassa. No Brasil, inclusive, pesquisas indicam que têm aumentado, ao contrário dos outros países, o número de analfabetos funcionais (i.e., aqueles que não conseguem entender o que leem) entre os que se dizem servos do Senhor. Segundo tais pesquisas, a razão disto é porque, nos últimos vinte anos, têm diminuído, entre os crentes, a leitura e o aprendizado da Bíblia Sagrada. Precisamos, com urgência, reverter este quadro!



V – A MISSÃO SOCIAL

- A igreja, na sua dimensão local, é um grupo social. “…Em Sociologia, um grupo é um sistema de relações sociais, de interações recorrentes entre pessoas. Também pode ser definido como uma coleção de várias pessoas que compartilham certas características, interajam uns com os outros, aceitem direitos e obrigações como sócios do grupo e compartilhem uma identidade comum — para haver um grupo social, é preciso que os indivíduos se percebam de alguma forma afiliados ao grupo.…”(Wikipedia. Disponível em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Grupo_(Sociologia) Acesso em 20 dez. 2006).

- A igreja local reúne todas as características para ser considerada um grupo social, ainda que, ultimamente, tenhamos de reconhecer que muitas delas, máxime nas grandes cidades e metrópoles deste mundo, andam perdendo a sua identidade comum, cada vez mais se parecendo uma “multidão” do que um verdadeiro grupo social, assunto, porém, que não é o que deveremos tratar nesta lição.

- Além de ser um grupo social, a igreja local foi feita por Deus para ser um grupo social que vive em meio aos demais, que não pode deles se separar. Como “astros no meio de uma geração corrompida e perversa” (Fp.2:15), como “luz do mundo” (Mt.5:14) e como “sal da terra” (Mt.5:13), a igreja local não pode, mesmo, se apartar do convívio com os demais homens, tanto que Jesus, mesmo, disse ao Pai que não pedia que os Seus discípulos fossem tirados do mundo, mas, sim, libertos do mal (Jo.17:15).

- Ora, se a igreja local é um grupo social que deve ser mantido, por vontade de Cristo, a cabeça da Igreja (Ef.1:22; 5:23), entre os demais homens, é evidente que deve, enquanto tal, exercer uma “missão social”, ou seja, deve, enquanto grupo, exercer um papel relevante no relacionamento com as demais pessoas da sociedade onde se encontra.

- Deus não faz coisa alguma sem propósito e, portanto, o fato de a igreja ser um grupo social e de ter de travar relações com as demais pessoas e os demais grupos existentes na sociedade não seria uma coincidência, nem tampouco o resultado de uma vontade ou de uma habilidade desta ou daquela igreja local, mas uma necessidade imperiosa, um dever que se impõe a todos os que se constituem em membros em particular do corpo de Cristo (I Co.12:27).

- Esta dimensão social da igreja tem sido negligenciada ao longo dos séculos e, com muito maior vigor, a partir da Reforma Protestante, movimento que, apesar de ter sido o grande responsável pela manutenção e crescimento da pureza doutrinária, com sua ênfase no caráter individual da salvação e na justificação pela fé, ao mesmo tempo em que se procurava contrapor aos excessos advindos do romanismo com relação à prática de boas obras, acabou gerando um certo menosprezo ao que se convencionou chamar de “ação social da Igreja”, que é o conjunto de atividades que buscam trazer às pessoas as condições mínimas para a sua sobrevivência e dignidade na sociedade.

- Esta postura adotada na Reforma ainda mais se intensificou no movimento pentecostal, pois, assim que se iniciou este grande avivamento, o maior da história da Igreja, houve uma indevida vinculação entre o chamado “liberalismo teológico”, movimento que começou a duvidar da veracidade da Bíblia Sagrada e o “evangelismo social”, movimento levado a efeito por muito destes “teólogos liberais”, que visavam usar o Evangelho como meio de melhoria das condições de vida da sociedade. Assim, inadvertidamente, achou-se que a busca da melhoria das condições de vida pelo Evangelho estava vinculada a uma postura de descrença nas Escrituras, o que era, como diz o povo, confundir alhos com bugalhos.

- No entanto, quando verificamos que Deus criou o homem como um ser social (Gn.2:18), bem como que o pecado, embora cometido individualmente, traz severas consequências para a vida em sociedade (Gn.3:16; 6:5,12), a única conclusão que podemos chegar, à luz das Escrituras, é de que a igreja tem um papel a desempenhar na sociedade e que, enquanto corpo de Cristo e enquanto grupo social, não é possível admitir-se uma igreja que seja totalmente ausente da melhoria das condições de vida em sociedade.

A mensagem do Evangelho é, em si, uma mensagem que leva o homem a ter esperança não só de uma vida eterna com Deus, já iniciada desde a salvação na pessoa de Jesus Cristo, mas também de uma vida melhor sobre a face da Terra até o dia da glorificação. O tema do Evangelho é o “reino de Deus” (Mc.1:15) e este reino envolve não só a restauração da comunhão entre Deus e o homem, mas também o estabelecimento de uma comunhão entre os homens, de uma esfera de justiça , paz  e alegria no Espírito Santo (Jo.15:12; Rm.14:17; I Jo.3:14-19).



- Já em Israel, o Senhor já demonstrava a necessidade de se ter uma efetiva ação social na vida sobre a face da Terra. A lei de Moisés tinha diversos dispositivos para diminuir a desigualdade social entre os integrantes da sociedade, bem como para evitar que as camadas mais simples da população viessem, pela indigência, a sofrer além dos limites suportáveis ou, mesmo, a morrer de fome, como, por exemplo, nas regras referentes ao ano sabático (Lv.25:1-7), ao ano do jubileu (Lv.25:8-55), à respiga (Lv.19:10), ao dízimo (Nm.18:21-32; Dt.14:28,29; 26:12-15), ao salário dos trabalhadores (Lv.19:13) e ao penhor de bens essenciais à pessoa (Ex.22:26; Dt.24:6).

- Em todas estas disposições, Deus mostra, claramente, que, no meio do Seu povo, deveria haver respeito às pessoas e à sua dignidade, que os homens e mulheres estavam acima dos direitos e obrigações instituídos, ainda que legitimamente e de acordo com a lei, de modo que não se toleraria uma exploração desmedida de um homem em relação a outro, nem se poderia desamparar e deixar desprotegidos os indivíduos mais vulneráveis, identificados no texto bíblico como sendo “órfãos” e “viúvas”.

- Estas disposições, que nem sempre foram cumpridas pelo povo de Israel (basta ver, por exemplo, que o cativeiro da Babilônia durou 70 anos precisamente para que se cumprissem os anos sabáticos ignorados pelos israelitas durante a sua estada na Terra de Canaã – II Cr.26:21), persistem no tempo da dispensação da Igreja, vez que não decorrem da dispensação da lei, mas do próprio caráter divino, visto que Deus não muda e n’Ele não há sombra de variação (Ml.3:6; Tg.1:17).

- A Igreja, o Israel de Deus (Gl.6:16), deve seguir esta mesma linha de misericórdia e de respeito à dignidade da pessoa humana determinados por Deus ao Seu povo, visto que é participante da natureza divina, que quer que o homem, feito à Sua imagem e semelhança, tenha, na vida em sociedade, a dignidade que lhe é peculiar, que lhe foi dada por ato criativo de Deus.

- Muitos poderão objetar o que estamos a dizer, afirmando que o fato de a lei de Moisés ter determinado uma conduta de ação social, de atendimento aos mais vulneráveis e de proeminência do homem sobre todas as relações sociais, é apenas uma constatação do que havia no tempo da lei, quando Deus constituiu um povo étnico, biológico e físico, onde se deveria, mesmo, ter normas relativas ao convívio social. Sendo, porém, a Igreja um povo espiritual e não sendo o reino de Deus deste mundo (cfr. Jo.18:36), não haveria qualquer espaço para uma “ação social” para a Igreja, sendo pois, algo completamente alheio à tarefa da Igreja o envolvimento com este assunto que seria, quando muito, apenas um desvio espiritual, em outras palavras, uma “apostasia”.

- Não negamos que haja quem pense assim no meio das igrejas locais evangélicas, pensamento este, aliás, que é explicado historicamente, tendo em vista a preocupação, principalmente no final do século XIX e início do século XX, com a infiltração do pensamento materialista e liberal entre muitos teólogos e pastores, que deram surgimento a um movimento que ficou conhecido como “evangelismo social” ou “evangelicalismo social”, que, ao mesmo tempo em que se despertava para a necessidade de uma atuação social da Igreja, também passava a compartilhar com algumas ideias doutrinárias que acabaram desacreditando a linha social defendida.

- Entretanto, como bem assinala o pastor presbiteriano Rev. Dr. Antonio José do Nascimento Filho, em seu excelente trabalho O Papel da Ação Social na Evangelização e Missão na América Latina: uma visão contemporânea (Campinas: LPC Comunicações, 1999. 105p.), este posicionamento não corresponde à realidade das Escrituras, que, em todo o seu conjunto, mas também em o Novo Testamento, demonstram claramente que a ação social é um dever imposto à Igreja, o atual povo de Deus sobre a face da Terra.

- Todos dizemos, a começar daqueles que se dizem inimigos da “ação social”, que Jesus é o cumprimento da lei e dos profetas, e o dizemos não porque sejamos “iluminados”, mas porque foi precisamente o que disse o Senhor a respeito (Mt.5:17) e, neste ponto, o Senhor simplesmente exigiu que a justiça de Seus discípulos, ou seja, da Sua igreja, deveria exceder a dos escribas e fariseus, sendo esta uma condição “sine qua non” para a entrada no reino dos céus (Mt.5:20). Só por este motivo, já vemos que o que estava apontado como figura ou símbolo na lei de Moisés, deveria ser cumprido e efetivado, com muito maior profundidade, pelos discípulos de Cristo. É, aliás, este o tema do sermão do monte.

- Pois bem, se Jesus é o cumprimento da lei e dos profetas, ao apreciarmos o Seu ministério terreno, teremos o parâmetro a ser seguido pela Sua Igreja que, afinal de contas, é o Seu corpo. Se assim é, a questão da “ação social” se resolve por uma simples questão: Jesus Cristo fez ação social em Seu ministério terreno?

- A resposta é afirmativa. Em todos os instantes que vemos o Senhor Jesus agindo, vemos que a ação social estava presente, fazia parte do Seu ministério. Já no limiar do Seu ministério, quando estava sendo tentado pelo diabo, em resposta ao Tentador, o Senhor citou o livro de Deuteronômio: “nem só de pão viverá o homem, mas de toda a Palavra que procede da boca de Deus” (Mt.4:4b).

- A frase de Cristo é muito utilizada para mostrar a importância e supremacia da Palavra de Deus, mas contém também um ensino que é, por vezes, negligenciado. Jesus, com todas as letras, diz que o homem precisa do pão material, embora sua vida não se reduza a isto. Estava, sim, a passar fome no deserto, pois havia um propósito divino para tanto (Jesus estava em jejum para poder enfrentar e vencer o diabo), mas isto não queria dizer que o homem não precisa de pão material para sobreviver. Muito pelo contrário, nas duas multiplicações de pães, Jesus mostrou a Sua preocupação com a alimentação da multidão que O ouvia (Mt.14:15,16; 15:32). Vemos, pois, que, em Seu ministério, Jesus sempre demonstrou cuidado para com a satisfação das necessidades físicas dos que O cercavam.

- Em Nazaré, cidade onde foi criado, em Sua pregação na sinagoga, depois de ter sido tentado pelo diabo, revela este lado “material” de Seu ministério terreno. Disse que havia sido ungido para evangelizar os pobres, a curar os quebrantados do coração, a apregoar liberdade aos cativos e dar vista aos cegos, a pôr liberdade os oprimidos e anunciar o ano aceitável do Senhor (Lc.4:18,19). Em todas estas atividades, embora haja um sentido espiritual evidente, não se pode descartar o aspecto material.

- Jesus, em muitas ocasiões, referiu-Se aos pobres e não só no sentido espiritual da palavra, ou seja, aqueles que se fazem dependentes de Deus, carentes de Deus e aceitam a Sua soberania, mas também no sentido material da expressão, pois, se assim não fosse, como entender que Jesus possuía uma bolsa para os pobres (Jo.12:6; 13:29), bem como mulheres que contribuíam financeiramente para este serviço (Lc.8:3)?

- Outra demonstração de que o ministério de Jesus também abrangia a ação social vemos no próprio comportamento dos discípulos que, nos tempos apostólicos, sempre cuidaram dos necessitados, particularmente das viúvas, como nos atestam textos como At.2:45; 6:1; II Co.9; I Tm.5:3-5. Vemos, portanto, que, se os discípulos assim procediam é porque assim havia sido o procedimento do seu Mestre e Senhor, a quem imitavam.

- O ensino de Jesus a respeito do amor ao próximo, que foi tão bem ilustrado na parábola do bom samaritano, é mais uma demonstração de que não é possível um verdadeiro e genuíno cristianismo sem uma “ação social”. Amar o próximo, como ensina nessa parábola, é superar todas as barreiras culturais e fazer o bem ao semelhante, de modo desinteressado e incondicional. Aliás, o apóstolo Pedro, ao sintetizar o ministério de Cristo, disse que Ele andava “fazendo bem” (At.10:38), a demonstrar, pois, que a “ação social” era um dos sustentáculos do ministério terreno do Senhor.

- Neste ponto, ainda que muito já tenha sido feito, é preciso reavaliarmos os nossos conceitos, pois a igreja pentecostal brasileira está muito aquém do que poderia estar em termos de ação social. Precisamos remover estas raízes históricas que confundem ação social com falta de espiritualidade e fazermos aquilo que nos é requerido, pois a eficácia do evangelho completo ainda não se mostrou nesta área neste século de Assembleias de Deus no Brasil.

                                                                                  Caramuru Afonso Francisco