Lição 2: A prosperidade no Antigo Testamento I


1º Trim. 2012 - Lição 2: A prosperidade no Antigo Testamento I
PORTAL ESCOLA DOMINICAL
PRIMEIRO TRIMESTRE DE 2012
TEMA – A verdadeira prosperidade – a vida cristã abundante
COMENTARISTA : José Gonçalves
LIÇÃO 2 – A PROSPERIDADE NO ANTIGO TESTAMENTO
                                   No Antigo Testamento, a prosperidade já era, sobretudo, um estado espiritual de comunhão com Deus.
INTRODUÇÃO
- Após termos visto o surgimento desta praga chamada “teologia da prosperidade”, passaremos a ver como a Bíblia trata do assunto.
- No Antigo Testamento, a prosperidade já era, sobretudo, um estado espiritual de comunhão com Deus.
I – O SENTIDO DA PROSPERIDADE DA CRIAÇÃO ATÉ OS PATRIARCAS
- Para bem entendermos que é a “prosperidade bíblica”, necessário se faz que observemos, no livro sagrado, qual o propósito de Deus para o homem. Quando foi criado pelo Senhor, o homem o foi com um determinado objetivo, deveria ele cumprir um determinado papel na ordem cósmica estabelecida pelo Criador.
- Assim, no relato da criação do homem, vemos claramente que o Senhor criou o homem para ser seu mordomo sobre a face da Terra, para ser “imagem e semelhança de Deus”, que dominasse sobre os peixes do mar, as aves dos céus e todo o animal que se movesse sobre a Terra (Gn.1:27,28).
- Neste propósito estabelecido por Deus, é dito que o Senhor “abençoou” o primeiro casal e mandou que eles frutificassem, se multiplicassem, enchessem a Terra e a sujeitassem, dominando sobre a criação terrena.
- Ora, neste sentido, vemos que a prosperidade, que vimos na introdução ao trimestre que é um estado de felicidade, de abundância, resultava, em primeiro lugar, da “bênção de Deus” e da obediência ao Senhor, na medida em que houvesse frutificação, multiplicação, enchimento da terra e sujeição e dominação da criação terrena por parte do homem.
- O homem foi posto num jardim especialmente plantado por Deus para ele no Éden (Gn.2:8), um ambiente próspero, visto que havia fartura e abundância, já que o Senhor Deus havia feito brotar da terra toda árvore agradável à vista, e boa para comida. E a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore da ciência do bem e do mal (Gn.2:9).
- Estas circunstâncias relatadas no livro do Gênesis mostram-nos, claramente, quais eram as faces da prosperidade vivida pelo primeiro casal naquele ambiente especialmente criado para eles. Por primeiro, havia “toda árvore agradável à vista”, ou seja, um ambiente psíquico favorável ao homem, que somente veria o que era agradável e, assim, teria um grande bem não só para a sua alma e espírito, mas também para o seu corpo, já que os olhos são a candeia do corpo (Mt.6:22).
- Por segundo, havia “toda árvore boa para comida”, ou seja, o Senhor fornecia ao homem abundância e fartura para sua sobrevivência material, dando-lhe o necessário para o seu sustento, sem qualquer preocupação para a sua manutenção sobre a face da Terra. Sem dificuldade ou preocupação, o homem tinha o suficiente para sua subsistência.
- Por terceiro, havia “a árvore da vida no meio do jardim”, ou seja, o homem desfrutava de uma comunhão com Deus, de tal maneira que tinha pleno acesso à vida, a “vida eterna”, que nada mais é que o contato para sempre com o Senhor, o desfrute da Sua companhia e presença sem limite de tempo (cf. Gn.3:22). A felicidade repousava, também, nesta constante e eterna comunhão com o Senhor.
- Por quarto, havia “a árvore da ciência do bem e do mal”, a árvore de cujo fruto não se poderia comer (Gn.2:16,17), que era a prova da obediência, a condição para a manutenção daquele estado de prosperidade onde o homem foi posto. Enquanto houvesse a obediência, haveria vida, haveria a comunhão com Deus e, diante da comunhão com Deus, o bem-estar psíquico e físico, a fartura espiritual e material em torno da qual se poderia cumprir o propósito estatuído pelo Criador.
- Notamos, portanto, que, posto num ambiente originariamente próspero, o ser humano, abençoado por Deus, tinha plenas condições de cumprir o desiderato do Senhor, desiderato a ser cumprido dentro de um ambiente de prosperidade, prosperidade que, embora tendo um aspecto material, estava longe de ser reduzido a mera abundância de bens e de recursos.
- Com a queda, esta situação se alterou radicalmente. A situação de prosperidade se desfez. Em virtude da desobediência, em vez de bênção, adveio maldição sobre a Terra, que passou a produzir cardos e espinhos, de forma que não estava mais à disposição da satisfação das necessidades do homem (Gn.3:17,18).
- O homem também passou a ter de trabalhar penosamente para sobreviver, passando a ter de tirar da Terra, já não mais à sua disposição, o necessário para a sua subsistência (Gn.3:19). Passou, então, a ter de buscar o sustento da criação terrena, não havendo, pois, mais aquele bem-estar físico e psíquico que caracterizaram a sua vida no jardim do Éden.
- Por fim, o acesso à árvore da vida lhe foi vedado, sendo ele mesmo expulso do jardim que o Senhor havia plantado (Gn.3:22-24), de sorte que não havia mais a comunhão com Deus, a eternidade passou a ser algo tenebroso a ser vislumbrado no horizonte do homem, pois seria uma eternidade sem Deus.
- Já neste primeiro relato a respeito do homem, notamos que a prosperidade é um estado sobretudo espiritual, uma felicidade que decorre da bênção de Deus, que está condicionada à obediência do homem a Deus e que apresenta elementos prioritariamente espirituais e que tem, sim, uma repercussão material, mas que está longe de se reduzir a isto.
- No relato a respeito de Caim, vemos, claramente, como a prosperidade não está reduzida, em absoluto, a aspectos materiais. Se formos analisar a civilização caimita sob o aspecto material, temos de concluir que se tratava de uma civilização avançada e “próspera”, já que Caim fundou a primeira cidade que se tem notícia, bem como seus descendentes deram início à agropecuária, às artes e à indústria (Gn.4:17, 20-22), fatores que, de forma inequívoca, propiciaram aos homens excelentes condições para conseguirem o seu sustento sobre a face da Terra.
- No entanto, a descrição bíblica mostra que os caimitas construíram uma civilização completamente alheia ao Senhor, civilização que gerou, em todo o mundo, uma corrupção generalizada, com multiplicação da maldade, inclusive na imaginação dos pensamentos do coração do homem, a tal ponto que o Senhor decidiu destruir toda aquela geração (Gn.6:5-7).
- Havia, assim, fartura material que, entretanto, não significava “prosperidade”, pois a felicidade não era alcançada. Deixando Deus de lado, os caimitas, que, inclusive, chegaram a envolver os setitas nesta situação, geraram a própria destruição, ocorrida com o dilúvio. De nada adiantou o desenvolvimento tecnológico, o avanço  científico, a criação de condições que melhoraram grandemente o sustento do homem sobre a Terra, pois tudo isto foi desfeito com o juízo divino.
- Após o dilúvio, porém, logo as circunstâncias novamente se deterioraram. Também se constituiu uma situação amplamente favorável ao progresso material, como se vê da descrição do governante daquela comunidade única formada após o dilúvio, Ninrode, que foi chamado de “poderoso caçador diante da face do Senhor” (Gn.10:9), expressão que nos dá conta de que se tratava de alguém que estava a bem dominar a natureza, a obter condições favoráveis para o sustento não só seu mas de toda a comunidade sob o seu governo.
- Todavia, mais uma vez, esta busca pela satisfação das necessidades materiais estava apartada de Deus e, como tal, redundou em novo juízo, com a confusão das línguas e o espalhamento da comunidade pelo planeta, uma vez que não é possível um estado de felicidade real sem que se tenha comunhão com o Senhor, sem que se tenha obediência a Deus.
- Este descolamento entre bem-estar material e a verdadeira prosperidade é ilustrada na situação vivida por Abrão. Abrão, ao ser chamado por Deus, já era rico. Ao sair de Ur dos caldeus, Abrão tinha um considerável patrimônio (Gn.12:5), prova de que o seu bem-estar material nada tinha que ver com a sua situação espiritual.
- Ao descer para o Egito, em total desobediência ao Senhor, nem por isso deixou de ter aumento em suas riquezas (Gn.12:16). Inobstante, isto não agradou ao Senhor, tanto que Deus providenciou uma forma de Abrão tornar a Canaã, com sua expulsão do Egito por Faraó, ainda que sem perda do que adquirira em sua desobediente migração (Gn.12:20).
- Outro exemplo de fartura de bens que não corresponde a qualquer bem-estar espiritual vemos nas cidades da planície, situação que fez com que Ló resolvesse habitar nas campinas de Sodoma (Gn.13:10,11), cidade que tinha imensa fartura material (Ez.16:49), mas que, espiritualmente, era tão nefasta que acabou sendo destruída pelo próprio Deus.
- Ao mesmo tempo, vemos que, na vida de Isaque, a sua obediência ao Senhor repercutiu materialmente, na medida em que o patriarca teve colheitas abundantes após ter permanecido em Canaã apesar da fome que havia na terra (Gn.26:1,12-14). Apesar desta repercussão material, notemos que a promessa dada a Isaque era sobretudo espiritual, a mesma promessa feita a Abraão de que, por ele, seriam benditas todas as nações da terra (Gn.26:3,4).

- Com respeito a Jacó, a situação não foi diferente. Todo o progresso material de Jacó se deu durante os anos em que Jacó esteve apartado do Senhor, sem sequer levantar um altar a Deus durante todo o tempo em que esteve em Padã-Arã. Somente quando de lá retornou, já com um grande patrimônio, é que se encontrou com o Senhor, pedindo-Lhe uma bênção, numa clara demonstração de que toda aquela opulência nada significava para quem tornara a se despertar para as promessas que o Senhor lhe havia feito, a bênção de Abraão, da qual somente pôde desfrutar quando tirou os deuses estranhos que havia em sua casa (Gn.31:12,13; 32:26; 33:20; 35:1-7).
- Com José, como bem explica o pastor Esdras Costa Bentho, chefe do Setor de Bíblias e Obras Especiais da CPAD, vemos, claramente, que a prosperidade não é uma situação de bem-estar material, visto que, ao contrário dos “teólogos da prosperidade”, a situação de felicidade não surgiu apenas quando José se tornou governador do Egito.
- Com efeito, uma das palavras utilizadas para “prosperar” na Bíblia é “tsalach”(צלח), palavra que significa "ter sucesso", "dar bom resultado", "experimentar abundância" e "fecundidade" (Gn.24:21,56; 39:3; Nm.14:41; Dt.28:29; I Cr.22:11; II Cr.20:20; 26:5; Sl.1:3; 118:25; Pv.28:13; Is.53:10; 54:7; 55:11; Jr.12:1). Como explica o pastor Esdras Bentho, desde o início, José foi abençoado por Deus e é nesta bênção que se encontra o segredo da prosperidade bíblica. “…apenas os que compreendem o que de fato é a verdadeira prosperidade são capazes de compreender o sucesso em meio ao ódio, castigos e prisões (Gn 45.5,7-9). O plano dos irmãos de José era matá-lo, porém Deus interveio conservando-lhe a vida (Gn 37.20-22). Os mercadores ismaelitas poderiam vendê-lo para qualquer outra tribo ou povo, mas por que o Egito? Porque Deus o estava conduzindo até a terra dos faraós. No Egito, poderia ser vendido a qualquer nobre, mas por que a Potifar? Porque era na casa de Potifar que ele enfrentaria a mais dura prova até ser levado ao governo do Egito. Deus estava em todas as circunstâncias guiando os passos de José (Sl 37.23). A prosperidade na vida de José não é medida pelo grau de privilégios que ele desfrutou até ser governador, mas em cumprir a vontade de Deus em todas circunstâncias e vicissitudes.…” (A prosperidade bíblica. Disponível em: http://cpadnews.com.br/blog/esdrasbentho/?POST_1_23_A+PROSPERIDADE+B%C3%ADBLICA.html Acesso em 21 nov. 2011). Tanto assim é que José é chamado de “próspero” quando estava na casa de Potifar (Gn.39:2), pois, embora fosse um escravo, sem qualquer patrimônio, “Deus estava com ele”!
- Com a formação da nação de Israel, escolhida para ser “a propriedade peculiar de Deus entre os povos” (Ex.19:5), este real sentido da prosperidade no Antigo Testamento é explicitado, na medida em que, ao longo da história daquele povo, entenderemos o que era a felicidade proporcionada pela bênção de Deus e quais as suas dimensões, consoante veremos na próxima lição.
- De tudo que relatamos, é importante observar que, em momento algum, vemos Deus entregando o domínio da natureza ao homem, nem tampouco a entrega da Terra do homem para o diabo, como defendem os “teólogos da prosperidade”.

- É evidente que, em comunhão com Deus, o homem tinha condições amplamente favoráveis para desempenhar o seu papel de mordomo sobre a criação terrena e que, com o pecado, tenha perdido tais condições, mas isto não significou que o homem fosse privado do acesso aos recursos materiais, pois o Senhor não o impediu de fazê-lo, tendo apenas determinado que tal se fizesse por força do trabalho penoso.
- Por causa do pecado, passou a ter de lutar para a sua própria sobrevivência e, o fato de ser pecador, não o impediu de ter êxito na criação de condições para usufruir de abundância material, abundância esta, entretanto, que não tinha como livrá-lo da escravidão do pecado, cujo salário era a morte e a aplicação do juízo divino, como ficou claro seja no dilúvio, seja na confusão das línguas em Babel, seja na destruição das cidades da planície.
- A abundância de riquezas, de recursos materiais é mostrada como algo que nem sempre decorre de uma relação de obediência a Deus. Pelo contrário, em virtude do pecado, chegou-se à circunstância de que esta opulência e fartura decorriam de uma situação de iniquidade, de injustiça, como se vê, claramente, em Sodoma, onde, ao lado da fartura de pão e ociosidade, havia um estado de soberba e de completa exploração e maltrato do necessitado (Ez.16:49).
- A própria descrição da vida de José é a demonstração do aviltamento do ser humano em meio à opulência, como se vê no próprio relato da instituição da escravidão no Egito, a demonstrar que a posse das riquezas estava umbilicalmente relacionada a uma situação de injustiça social e de opressão, resultado do pecado.
- Na própria vida dos patriarcas, há a demonstração de que a situação patrimonial favorável nem sempre correspondia a um estado de comunhão com Deus, a demonstrar, pois, que “prosperidade” não significa, em absoluto, posse de riquezas, mas, sim, um estado de comunhão com Deus, de submissão aos propósitos divinamente estabelecidos.
II – A PROSPERIDADE NO ANTIGO TESTAMENTO
- Para termos uma noção do significado de “prosperidade” no Antigo Testamento, de uma forma genérica, sem adentrar no relacionamento entre Deus e Israel, que será o tema da próxima lição, podemos nos valer das expressões hebraicas utilizadas para “prosperidade”, valendo-se aqui, uma vez mais, de um estudo do pastor Esdras Costa Bentho (A prosperidade no Antigo Testamento. Disponível em:http://teologiaegraca.blogspot.com/2007/11/prosperidade-no-antigo-testamento-cinco.html Acesso em 21 nov. 2011).
- Conforme salientado na introdução ao trimestre, na Bíblia Sagrada, na Versão Almeida Revista e Corrigida, a palavra “prosperidade” aparece por 11 (onze) vezes (Et.10:3; Jó 21:13; Sl.30:6; 35:27; 73:3; 122:7; Pv.1:32; Ec.7:14; Jr.22:21; At.19:25; I Co.16:2). Em todas estas passagens, a palavra denota um estado de abundância e de fartura, não somente material, mas, também, um estado de felicidade.
- Em Et.10:3, a Bíblia de Jerusalém, inclusive, traduz “prosperidade” por “felicidade”, sendo que a palavra hebraica aqui é “shalom” (שלם), cujo significado mais conhecido é “paz”, no sentido de uma completude, de não haver falta de coisa alguma, mesma palavra encontrada no Sl.73:3.
- A “prosperidade” é, assim, este estado em que a pessoa não sente falta de coisa alguma, algo que somente se conquista para o ser humano quando se está em comunhão com o Senhor, que é o seu Criador. Temos, então, que se trata de uma circunstância em que a pessoa se encontra com Deus, precisamente o estado descrito em Gn.39:2 com relação a José.
- A comunhão com Deus apresenta-se, pois, como a fonte da prosperidade. No Éden, como vimos, o pleno acesso à árvore da vida permitia a manutenção do estado de coisas amplamente favorável ao homem, seja no aspecto psíquico, seja no aspecto físico, seja no aspecto espiritual. O homem se completava em Deus e, portanto, tinham uma felicidade indizível.
- Esta mesma circunstância é ilustrada pelo salmista quando ele diz que o justo é como “a árvore plantada junto ao ribeiro de águas a qual dá o seu fruto na estação própria e cujas folhas não caem e tudo quanto fizer prosperará” (Sl.1:3). Ao nos mostrar o justo desta maneira, o salmista nos mostra que a fonte da prosperidade é a nossa ligação com “o ribeiro de águas”, ou seja, com o Senhor. A prosperidade é resultado desta relação de completude decorrente de nossa comunhão com Deus.
- Esta mesma ideia é apresentada pelo profeta Jeremias, que afirma que quem confia no Senhor e cuja esperança é o Senhor é bem-aventurado, pois é como a árvore plantada junto às águas e estende as suas raízes para o ribeiro e que, por isso, mesmo no ano da sequidão não se afadiga nem deixa de dar fruto (Jr.17:7,8), a nos mostrar que a prosperidade não decorre de fatores externos (“o ano da sequidão”), mas, sim, do fato de o justo estar ligado diretamente ao Senhor, de ter nele as suas raízes.
- Não é por outro motivo que o rei Josafá disse ao povo que se eles cressem no Senhor Deus estariam seguros e se cressem nos profetas, seriam prosperados (II Cr.20:20), ou seja, o sucesso naquela guerra dependia da confiança deles em Deus, a fonte da prosperidade, a fonte do sucesso.
- O proverbista bem salienta este aspecto ao dizer que a manutenção do pecado encoberto, sem confissão, impede a prosperidade do ser humano (Pv.28:13). Não há como se ter real prosperidade sem que se elimine a problemática do pecado, que é quem faz divisão entre o homem e Deus (Is.59:2). Não há como se ter prosperidade sem que se tenha, novamente, acesso à árvore da vida, o que somente se obtém pelo perdão dos pecados pela fé em Cristo Jesus.
- Em Dt.29:9, o verbo “prosperar” é tradução do hebraico “sakal” (שכל), que o pastor Esdras Bentho denominou de “a sabedoria que traz prosperidade”. Diz o renomado hermeneuta bíblico: “…textualmente significa ‘ser sábio’, ‘agir sabiamente’ e, por extensão, ‘ter sucesso’. Esta palavra está relacionada à vida prudente, ao agir cautelosa e sabiamente em todos os momentos e circunstâncias…” (A prosperidade no Antigo Testamento. end. cit.).
- No texto de Dt.29:9, a palavra é utilizada como resultado da guarda das palavras do concerto firmado entre Deus e Israel e de seu cumprimento. A ideia de prudência leva-nos à “ciência do Santo” (Pv.9:10), ou seja, ao “conhecimento de Deus”. A prosperidade é o resultado de se conduzir prudentemente, ou seja, de se conhecer a Deus e ir somente até onde a mão de Deus alcança.
- A prosperidade, neste sentido, é apresentada como a consequência de se obedecer ao Senhor, de se tornar efetiva a condição da obediência que garante a nossa permanência com Deus, a nossa comunhão de forma a permitir que desfrutemos das Suas bênçãos.
- Desta forma, para mais uma vez ilustrarmos com a vida de José, vemos que ele se manteve próspero quando não pecou com a mulher de seu senhor. Embora tivesse sido levado para o cárcere, não deixou de ser próspero, visto que, por ter se conduzido com prudência, ali também o Senhor permaneceu com ele (cf. Gn.39:20,21).
- Foi o que o Senhor também prometeu a Josué, quando afirmou que, se ele meditasse dia e noite na lei, ele prosperaria e prudentemente se conduziria (Js.1:8), trecho que, a um só tempo, nos fala da prosperidade tanto como sucesso (a palavra traduzida por “prosperar” em Js.1:8 é “tsalach”) como também da “condução prudente” (a palavra utilizada é “sakal”). O Messias, o “Renovo justo” caracteriza-se por ser alguém que “reina e prospera”, precisamente porque se conduz prudentemente, já que a palavra “prosperar” aí é, precisamente, “sakal” (Jr.23:5). Não é à toa que Davi, tipo do Messias Rei, foi alguém que sempre se conduziu prudentemente, numa clara prova de que “Deus era com ele” (I Sm.18:14),
- Quando se está debaixo da mão do Senhor, quando se está em comunhão com Deus, as atitudes são prudentes e, nesta prudência, jamais deixamos de receber a bênção do Senhor, jamais somos privados de nossa vida eterna. José, acusado de tentar violentar a mulher de seu senhor, foi para o cárcere, quando deveria simplesmente ser morto, mas não foi morto porque não era este o propósito divino para ele. Jó perdeu todos seus bens como também a sua saúde além de sua família, mas não perdeu a mulher nem a vida, porque não era este o propósito de Deus para com ele. A prosperidade faz com que jamais os projetos divinos frustrem-se em nossas vidas, jamais faz com que percamos a vida eterna, a comunhão com Ele.
- No Sl.30:6, a palavra “prosperidade” é a palavra hebraica “shelev” (שלוח), que é derivada de “shalom” e que a Bíblia de Jerusalém traduziu por “tranquilo”. É a mesma palavra encontrada no Sl.122:7, em Pv.1:32 e em Jr.22:21.
- No Sl.122:6, é dito que “prosperarão aqueles que te amam”, ou seja, aqueles que amassem Jerusalém, o “lugar da presença de Deus”. A palavra ali utilizada é, precisamente, “shalah”, derivado de “shalom”, como a demonstrar que o resultado de se amar a Deus, de com ele querer ter comunhão traz como resultado, precisamente, a “prosperidade”, esta situação de completude em Deus, aquela mesma comunhão desfrutada pelo primeiro casal antes da queda.
- Com relação a este termo, “shalah”, o pastor Esdras Bentho o denomina como “o estado de imperturbabilidade da prosperidade”. “…O termo significa ‘estar descansado’, ‘estar próspero’, ‘prosperidade’. O termo também diz respeito à prosperidade do ímpio (Jr 12.1). Porém, o foco que pretendo destacar é o flagrante estado de ‘imperturbabilidade’ que pode levar ao orgulho. No Salmo 30.6 o poeta afirma: ‘Eu dizia na minha prosperidade [shālâ]: Não vacilarei jamais’. Derek Kidner (1981, p.148) afirma que a raiz hebraica que dá origem a palavra prosperidade nesse versículo refere-se às ‘circunstâncias fáceis, ao ponto de vista despreocupado, ao descuido e à complacência fatal’ (Jr 22.21; Pv 1.32).…” (A prosperidade no Antigo Testamento. end.cit.)
- Pelo que se pode verificar, portanto, a “prosperidade” aqui é considerada um estado de tranquilidade, de despreocupação, que, no entanto, pode levar ao descuido, que pode levar a pessoa a um fracasso, a um engano. É por isso que “a prosperidade dos ímpios” é relacionada a este termo hebraico, sendo uma situação de suposto bem-estar que faz com que a pessoa não se preocupe em ter qualquer comunhão com Deus, o que, lamentavelmente, fará com que, ao término da vida, tenha este “próspero” um final triste, que é a perdição eterna, como o Senhor bem mostrou ao salmista Asafe (Sl.73:17).
- A “prosperidade bíblica” traz uma sensação de tranquilidade e de segurança, mas que resulta da confiança em Deus, não da confiança nas coisas desta vida. Nós teremos “real prosperidade” quando a nossa confiança estiver em o nome do Senhor nosso Deus, não em carros ou cavalos (Sl.20:7), muito menos nas riquezas (Sl.62:10; I Tm.6:17).
- O Senhor Jesus disse que um dos grandes obstáculos para a salvação é, precisamente, a segurança gerada pela posse de bens materiais nesta Terra (Mt.19:22-24), pois a fartura material leva muitos a desprezarem a comunhão com Deus (Pv.30:9a).
- A tranquilidade e segurança decorrentes da prosperidade têm de estar baseadas no Senhor, sem o que se terá descuido, algo que, como já vimos, não representa prosperidade, que está sempre aliada à prudência, que é o oposto do descuido e da negligência.
- Em Jó 21:13, a palavra “prosperidade” é, no original hebraico, “towb” (טיב), que a Bíblia de Jerusalém também traduz por “felicidade”, e cujo significado é de “bem”. É a mesma palavra encontrada em Ec.7:14.
- A “prosperidade” é, portanto, um “bem”. Mas o que é o “bem”, quais são os “bens”? Seriam os “bens materiais”, as “riquezas”? Não necessariamente. Já vimos que algumas coisas que, aparentemente, seriam ruins, tornam-se em “bens”, vez que atendem aos propósitos do Senhor e, conquanto pareçam ser males, não impedem que o bem advenha oportunamente.
- Assim, o “cárcere” para José era um bem, na medida em que significou tanto o livramento de morte certa, o que o impediria de ser o instrumento para a sobrevivência da futura nação israelita, como também foi o meio pelo qual Deus fez com que tivesse ele o contato com o copeiro-mor de Faraó e, deste modo, propiciar-lhe o acesso ao rei do Egito.
- No texto de Jó 21:13, inclusive, Jó chama de “prosperidade” aquela situação de tranquilidade já aqui aventada, circunstância que Jó não deixou de mostrar ser ilusória, na medida em que sucedida pela repentina descida à sepultura, mas que não deixou de ser acompanhada de um desprezo de Deus enquanto em vida (Jó 21:14-16).
- Jó é bem claro ao mostrar que o “bem” não se encontra na posse de riquezas, não se encontra sequer nas mãos dos ricos e poderosos, mas, sim, na obediência ao Senhor, de onde provém todo o “bem”.
- O “bem” é dado por Deus e é por isso que o salvo em Cristo Jesus sempre desfruta do “bem”, ainda que este “bem” não seja o acúmulo de riquezas, pois todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam a Deus e são chamados pelo Seu decreto (Rm.8:28).
- O Senhor Jesus disse, claramente, que o Senhor dará “bens”, “boas dádivas” aos que Lho pedirem (Mt.7:11), “bens” estes que não são “bens materiais”, mas aquilo que nos fará bem, ou seja, aquilo que produzirá em nós uma maior aproximação de Deus até que cheguemos à a salvação das nossas almas, o fim da nossa fé (I Pe.1:9), como deixa clara a passagem correlata de Lucas, quando se menciona o Espírito Santo como a dádiva disponível aos salvos (Lc.11:13), bem como a menção do apóstolo Paulo ao fato de o Senhor nos abençoou todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo (Ef.1:3).
- Em Ec.11:14, o “dia da prosperidade” é o dia do bem-estar, o dia em que tudo dá certo, o dia do sucesso. No entanto, a Bíblia diz que Deus também dá o “dia da adversidade”, ou seja, o dia mau, o dia em que nada dá certo. O “bem” é que, mesmo no dia da adversidade, esta dificuldade tem não um intento destruidor, mas contribui, coopera para que, através deste mal aparente, alcancemos a salvação, como indicará o apóstolo Pedro (I Pe.1:5-9), visto que a adversidade não poderá nos impedir de manter a comunhão com o Senhor, tornar-nos-á ainda mais íntimos d’Ele e, assim, prosseguiremos para alcançar a salvação das nossas almas.
- O pastor Esdras Bentho ainda apresenta um outro termo que significaria “prosperidade”, a saber, o termo “chaya”(חיה). “…Literalmente a palavra significa ‘viver’ ou ‘permanecer vivo’, entretanto, em certos contextos significa ‘viver prosperamente’…” (A prosperidade no Antigo Testamento. end. cit.). Este termo significaria “viver prosperamente” em passagens como II Rs.18:32 e I Sm.10:24.
- No primeiro texto (II Rs.18:32), o rei assírio Senaqueribe oferece aos judaítas uma “vida próspera” em outro lugar que não a terra de Judá, para onde ele os levaria se se rendessem ao seu exército. Aqui temos a ideia de uma “vida farta”, “…uma terra detrigo e de mosto, de azeite e de mel”. Uma proposta de bem-estar material mas fora do lugar escolhido por Deus. Algo que faz sentido na boca de um rei gentio, que não cria que Deus poderia livrar o povo judaíta, mas que, lamentavelmente, vemos repetidamente nos lábios dos “teólogos da prosperidade”. Tomemos muito cuidado!
- No segundo texto (I Sm.10:24), temos a exclamação do povo de Israel, ao proclamarem o seu primeiro rei, com o desejo ardente de que ele fosse próspero, ou seja, de que ele tivesse uma vida farta, uma vida longa, uma vida na presença de Deus.
- Neste ponto, devemos aqui lembrar que Jó foi objeto desta “prosperidade”, visto que é dito que morreu “velho e farto de dias” (Jó 42:17). Quando a longevidade é considerada uma bênção divina, ela advém, precisamente, de uma vida de retidão e de comunhão com Deus. O primeiro mandamento com promessa é o da honra a pai e mãe, obediência que resulta em longevidade (Ef.6:2,3). Esta longevidade prometida a quem honra pai e mãe é uma figura da vida longa e boa que se promete a quem honrar o Pai, é um símbolo, um sinal desta “prosperidade” que é prometida aos que forem fiéis ao Senhor.
- A longevidade não é apenas quantitativa. Não se trata apenas de se ter muitos anos de vida, mas a promessa divina diz que, além de longa, a vida será boa durante todos estes anos. Jó não era apenas “velho”, mas, também, “farto”, ou seja, sua vida não só durou bastante, mas também era de boa qualidade.
- Este aspecto qualitativo da vida próspera mostra-nos porque a simples posse de riquezas ou de recursos nada significa. Ao contrário dos gananciosos que se denominam “teólogos da prosperidade”, o servo de Deus desfruta de uma vida qualitativamente boa, não de uma vida que se resuma a quantias, a quantidades.
- Como bem diz Salomão, “a fartura do rico não o deixa dormir” (Ec.5:12b), o que bem demonstra que a abundância de riquezas não significa uma vida tranquila e boa por si só, pois nem sempre a quantidade de bens resulta em qualidade de vida.
- O pastor Esdras Bentho ainda faz alusão a um outro termo hebraico que fala de “prosperidade”, a palavra “dashem”(דשן), que ele denomina como “prosperidade abundante”. “…Este termo é mais frequente nos textos poéticos do que nos prosaicos. Logo, trata-se de um vocábulo poético e idiomático hebreu. Literalmente significa ‘engordar’, ‘ser gordo’ e, consequentemente, ‘ser próspero’(…). O hebraísmo dāshēm, isto é, gordura, descreve duas verdades concernentes à prosperidade: suficiência e sentimento de bem-estar advindo da prosperidade.…” (A prosperidade no Antigo Testamento. end. cit.).
- Como explica o pastor Esdras Bentho, o fato de, nos momentos de prosperidade da terra, o gado apresentar-se gordo logo fez com que os hebreus associassem a “gordura” à “prosperidade”, à circunstância da fartura, do bem-estar, tanto que foi este o teor da bênção de Isaque a Jacó (Gn.27:28).
- É interessante observar que, mesmo se referindo à “gordura” a um estado de bem-estar decorrente de fartura e de suficiência e, portanto, um aspecto que poderia ser tomado como predominantemente material, tem-se que, mesmo assim, a “gordura” jamais é associada a um espírito egocêntrico, a uma ideia de acúmulo de riquezas para si, como vemos hoje entre os “teólogos da prosperidade”.
- Em Pv.11:25, a “gordura” é apresentada como uma consequência de uma alma generosa, ou seja, é nítido que se tende que a suficiência de recursos, a fartura material não é um bem em si mesmo mas, bem ao contrário, é uma dádiva de Deus para que se exerça a generosidade, para que se ajude o necessitado e o carente, o “magro”.
- No próprio sonho de Faraó interpretado por José, as “vacas gordas”, que simbolizavam os anos de fartura, deveriam ser consideradas, pelo sábio conselho de José, como uma oportunidade para o armazenamento para o período das “vacas magras”. A “gordura” é uma demonstração de suficiência e de bem-estar, mas não para que seja acumulado e desfrutado por alguém solitariamente, mas, inclusive, para que seja possível o bem-estar de todos.
- Não é por outro motivo, aliás, que era precisamente a “gordura” que era oferecida ao Senhor nos sacrifícios pacíficos (Lv.3:3-5), numa belíssima figura de que a “gordura” deve ser apresentada a Deus, deve constituir uma razão para que glorifiquemos ao Senhor, glorificação que se faz, hoje em dia, com as nossas boas obras (Mt.5:16), os sacrifícios da beneficência e da comunicação que são agradáveis ao Deus (Hb.13:16).
- O Antigo Testamento ensina que todos os bens pertencem a Deus (Sl.24:1), que o Senhor é o dono da prata e do ouro (Ag.2:8). “…E, obviamente, uma vez que Deus havia dado a terra com ‘todas as suas riquezas’ — a prata e o ouro — somente aos ricos e poderosos, os Sábios deduziram daí que Deus tinha uma dívida material para com os pobres que tinham sido deixados de mãos vazias. Por consequência. Fazer com que essa dívida fosse paga aos pobres pelos ricos constituía um ato de ‘justiça’ e, portanto, de ‘virtude’. Além disso, acreditavam que quando Deus havia dado a riqueza aos abastados, não as havia entregue em caráter definitivo, nem como recompensa por suas ações ou por qualquer mérito especial. Era somente para que a retivessem em custódia para os pobres! Os ricos seriam, assim, meros agentes fiscais de Deus, por assim dizer, em favor dos pobres! Entender a tzedakah [caridade, observação nossa] aos pobres ‘com todo o coração’ tinha, portanto, a significação intrínseca de um ato de ‘virtude’. Daí ter-se desenvolvido o axioma que, se os ricos fossem realmente honestos e tementes a Deus, distribuiriam prazerosamente a riqueza que retinham em custódia de Deus, entre os inúmeros credores de Deus — os pobres, os doentes, os desamparados, os necessitados etc.…” (AUSUBEL, Nathan. Caridade. In: A JUDAICA, v.5, p.114) (destaques originais).
- A própria consideração, portanto, da prosperidade como “gordura”, como algo que tem um aspecto material predominante não isenta a relação que a prosperidade tem com Deus e com a necessidade de demonstração do amor de Deus ao homem. Mesmo sob este aspecto, a prosperidade faz com que o homem seja um instrumento divino para a realização da justiça, para a prática do amor ao próximo, virtude já exigida na lei de Moisés (Lv.19:18).
- Pelo que se vê, pois, ao contrário do que se apregoa irresponsavelmente por aí, pela boca dos “teólogos da prosperidade”, o Antigo Testamento, em momento algum, reduziu a noção de prosperidade a um aspecto material.
- A prosperidade é mostrada, nas páginas do Antigo Testamento, como um estado de comunhão com Deus, como uma situação de paz, tranquilidade, sossego e segurança decorrentes de uma vida de submissão e obediência a Deus que pode trazer um bem-estar material, mas que não significa abundância de riquezas, mas, sim, bênçãos sobretudo espirituais que, se acompanhadas de um bem-estar material, tem de fazer com que este bem-estar seja traduzido em boas obras, em ajuda aos necessitados e carentes.
Colaboração para o Portal Escola Dominical – Ev. Prof. Dr. Caramuru Afonso Francisco.