MP recorre contra lei que impõe Bíblia em escolas de São Gonçalo


O MP (Ministério Público) do Estado do Rio de Janeiro ajuizou uma representação de inconstitucionalidade contra a lei de São Gonçalo (RJ) que obriga as escolas públicas e privadas a terem a Bíblia em “local de destaque”, inclusive as versões em braille e a em áudio.

A aquisição dos exemplares da Bíblia tem de ser feita com o dinheiro dos cofres públicos, por intermédio das “dotações orçamentárias próprias ou suplementares".


A lei que recebeu o número 556/2014 foi uma proposta do vereador evangélico Armando Marins (PR), na foto, que se elegeu com o apoio do pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. 

São Gonçalo tem mais de 1 milhão de habitantes e fica a 25 km da capital, Rio. O atual prefeito é Neílton Mulim (do mesmo partido do vereador), com mandato até 2016. Foi ele quem sancionou a lei.

O artigo 3º da lei permite que instituições religiosas distribuam no pátio das escolas exemplares da Bíblia durante a semana que antecede “O Dia do Livro”. A lei não menciona qualquer outro tipo de livro, sobre literatura ou ciência, por exemplo.

Em seu ajuizamento, o Ministério Público afirmou que a lei contém um “vício de iniciativa” porque somente o prefeito poderia propor a medida por intermédio do envio de um projeto de lei à Câmara Municipal, de acordo com a Constituição do Estado do Rio de Janeiro. 

Além disso, segundo a mesma Constituição, os vereadores não têm respaldo legal para interferir na seleção de livros de uma biblioteca de escola privada.

O MP concluiu que a lei é inconstitucional após análise feita a pedido do jornalista e escritor Eduardo Banks. 

O vereador Marins, para justificar a sua lei, disse que a Bíblia merece destaque nas bibliotecas escolares porque “é o primeiro livro impresso do mundo”.

Para Banks, trata-se de um argumento pueril, porque “os livros e a leitura não nasceram da imprensa” porque os manuscritos existiam há pelo menos 4 mil anos antes de Gutemberg ter inventado a prensa de caracteres. 

“Se tomarmos como critério de valor de antiguidade na escrita literária (e não apenas a antiguidade na impressão), a Bíblia certamente não foi o primeiro livro escrito do mundo.”

Ele acrescentou que “textos nascem de textos”, o que significa que a Bíblia “é apenas um decalque e um recorte de outros livros mais antigos, dos assírios e dos egípcios, como a ‘História dos Dois Irmãos’ (época da 19ª Dinastia Faraônica), que serviu de base, trezentos anos depois, para a narrativa de José (filho de Jacó), no Egito (Gênesis, 39)”.

Banks defendeu em sua argumentação ao Ministério Público que a lei, além de conter “vício de iniciativa”, desrespeita a laicidade do Estado prevista na Constituição do Rio e na do Brasil, porque contempla apenas o livro sagrado dos cristãos, descartando todos os demais, como o Corão. 

O jornalista afirmou ter ficado “espantado” já no primeiro artigo da lei, porque ele “emprega a expressão “sagrada” para se referir à Bíblia, demonstrando que o Legislador considerou que existiria uma “sacralidade” em oposição ao “mundano” ou “profano”, fazendo a lei oficializar a perspectiva do “sagrado” em detrimento da laicidade estatal que a Constituição propugna”.

Ateu militante, Banks é autor de várias representações ao Ministério Público nas quais combate políticos que misturam o interesse público com o sectarismo religioso.

Na época em que a lei entrou em vigor em São Gonçalo, Maria Beatriz Lugão, do Sindicato Estadual dos Profissionais de Ensino da cidade, disse que a escola pública tem de se manter longe de denominações religiosas.

“Ainda nem chegou todo o material escolar, e a prefeitura já vai gastar com material religioso?”

A Justiça vai decidir se acolhe ou não o ajuizamento do Ministério Público. O relator do caso é o desembargador Carlos Santos de Oliveira.

Com informações de  Eduardo BanksAdin 0018946-93.2015.8.19.0000Ministério Público e foto da página do Facebook de Armando Marins.


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