O Destino Final dos Mortos


Por Gutierres Fernandes Siqueira

Neste presente subsídio sobre a Lição 13 - O Destino Final dos Mortos escrevo
 especialmente sobre a doutrina bíblica do inferno. Bons estudos!

Inferno: uma doutrina bíblica incômoda

O inferno é uma doutrina fascinante e aterrorizante. Ninguém gosta de falar de sofrimento implacável em uma realidade permanente de juízo e justiça, ainda mais numa perspectiva sem fim. Antes da minha conversão e, também, nos meus primeiros anos como cristão, eu morria de medo do inferno. No fundo do meu coração eu via a Deus mais como um juiz implacável, sádico e cruel do que como o bondoso e misericordioso Senhor. Todavia, toda a minha concepção de inferno era fruto das superstições da crendice popular e do senso comum não instruído biblicamente.

Entender a doutrina bíblica do inferno não é apenas essencial para especulações escatológicas, mas diz respeito ao nosso modo de ser na presente era. Será que a minha existência, por exemplo, não é a própria antessala do inferno? Ou será que vivo como um verdadeiro “cidadão do céu” para assim lembrar a inovação do salmista?

1.      A doutrina do inferno é compatível com o amor de Deus?

“Como um Deus pregado como misericordioso e bondoso pode mandar pessoas para o inferno?” Essa pergunta é feita de crentes a ateus, de piedosos a cínicos, de crianças a idosos, de pastores a atores etc. Todavia, tal questionamento trabalha com uma falsa premissa: a ideia que Deus direciona alguém ao inferno. A fé cristã, excetuando alguns deterministas hipercalvinistas, nunca ensinou que Deus mande alguém para o abismo dos abismos.

O inferno está trancado, mas está trancado por dentro, como lembra o ateu Sartre em sua novela “Sem Saída”. Não é uma prisão coercitiva. É um ato voluntário de rebelião, obstinação e dureza de coração. O inferno é a consequência eterna do inferno existencial da presente vida. Ninguém que hoje viva uma vida infernal, ou seja, cheia de ódio, amargura, inveja, orgulho, traições etc. viverá no paraíso no além. A vida dessa pessoa já é um inferno. O inferno da eternidade já se manifesta naquele que rejeita a vida em abundância com Cristo no tempo hodierno. Embora, é claro, o inferno não pode ser tido apenas como o infortúnio e as consequências do pecado hoje, mas o hoje de trevas já é um pequeno reflexo da eternidade maximizada.

Jesus Cristo fala que o inferno foi “preparado para o diabo e seus anjos” (cf. Mateus 25.41). Veja que em momento algum a Escritura ensina que esse estado eterno foi preparado para o homem. Ainda assim, haverá homens ali, como fica claro no texto supracitado. O desejo de Deus é que o inferno estivesse vazio, mas não estará. Isso não quer dizer que a misericórdia de Deus seja limitada, mas sim porque o coração do homem é capaz de resistir aos mais belos apelos de graça do Senhor.

Muitos- afetados pelo pós-modernismo enquanto categoria de pensamento- veem o amor essencialmente como relacionamento. Assim, um Deus relacional não permitiria a existência de um inferno, segundo pensam, pois na eternidade de escuridão não há relação, não há mutualidade. Esses esquecem que o amor nem sempre é uma via de correspondência (ou ainda, esqueceram a parábola do filho pródigo?). Há amor não retribuído! E é aí que está a beleza da graça, advinda do Senhor, e da liberdade, que Ele nos deu como base. O inferno, assim sendo, é o espaço da não-presença de Deus, mas, ao mesmo tempo, está cheio da presença do eu. É o lugar onde não se conhece o amor, não se é amado (pelo distanciamento) e nem se ama, senão a si mesmo sobre todas as coisas. Ou como disse Peter Kreeft: “O hino nacional do inferno é 'Eu fiz do meu jeito'”.

Deus não é um tiranete. Ele respeita profundamente a nossa liberdade. Ao ponto que, se eu quero me rebelar constantemente contra Ele, jamais o Soberano Senhor me segurará para sempre. Não que Ele desista fácil. Ele é aquele capaz de nos lançar com amor enquanto corremos de Sua bondosa presença (Oseias 11.4). O profeta Jonas em sua obstinação é um exemplo da persistência do Misericordioso, mas há também o tempo do basta, como o mesmo Senhor fez em relação ao líder egípcio, o faraó. Deus é Aquele que entrega os homens teimosos a um sentimento perverso, às concupiscências de seus corações e às paixões infames (cf. Romanos 1. 24-26). Ou seja, Deus cumpre o desejo dos corações deles. O escritor irlandês C. S. Lewis escreveu:

No final das contas, existem apenas dois tipos de pessoas: as que dizem a Deus: “Seja feita a Tua vontade”; e aquelas a quem Deus diz: “Seja feita a sua vontade”. Todos os que estão no Inferno escolhem a segunda opção. Sem essa escolha pessoal não haveria Inferno. Alma alguma que deseje sincera e constantemente a alegria irá perdê-la.[1]

Clodovis Boff observa: “Enquanto se fecha conscientemente ao Amor, o coração humano já vai criando seu inferno. É como ir assentando os tijolos de sua prisão tenebrosa”[2]. Lewis continua: “Se a Terra for escolhida em vez do Céu, acabará tendo sido, todo o tempo, apenas uma região no Inferno; mas, se ela estiver subordinada ao Céu, terá sido desde o inicio uma parte do próprio Céu”[3].  E não há como esquecer a famosa frase de Fiódor Dostoiévski: "O que é o inferno? Afirmo que é o sofrimento de ser incapaz de amar ".

2.      O inferno é um lugar de tortura?

Há quem pense no inferno como uma espécie de grande prisão com torturadores e objetos de tortura. Absolutamente que essa não é uma imagem bíblica, mas apenas uma invenção de teólogos e leigos no decorrer da história cristã. A tortura envolve a ideia de sofrimento forçoso, ou seja, contra a vontade do sofredor. Ora, todo sofrimento no inferno é voluntário; é causado pela própria vontade do indivíduo. É tormento, não tortura.

Norman Geisler aponta:

Podemos ser condenados pela nossa própria liberdade. Tormento é viver com as consequências das más escolhas que fizemos. Tormento é a angústia que resulta de perceber que usamos nossa liberdade para o mal e que nossas escolhas foram erradas. Todos aqueles que estão no inferno sabem que a dor que estão sofrendo foi causada por eles mesmos. Portanto, ali há “pranto e ranger de dentes” (Mt 22.13; Mc 8.12). [4]

Geisler faz uma distinção importante entre tortura e tormento. O inferno é inferno pelo tormento, não como uma câmara de tortura. O tormento vem do próprio homem afogado em seu próprio pecado.

3.      Jesus falou mais do inferno do que qualquer outro autor bíblico?

Sim. A doutrina bíblica do inferno é quase ausente no Antigo Testamento e nas epístolas paulinas. Quem mais falou dessa terrível realidade foi o meigo Jesus Cristo e João, conhecido como apóstolo do amor, especialmente no Apocalipse. Ou seja, a pregação do amor não joga fora a realidade da perdição eterna. Inúmeros cristãos contestam o inferno, mas não é porque faltem referências bíblicas. Se o problema fosse número de referências o céu poderia ser até mais contestado. Jesus falou em “fogo eterno” que foi preparado para o “diabo e os seus anjos” [Mt 25.41; cf. Mt 3.12; Mc 9.43]. Outro aspecto importante é que Jesus descreve o inferno como eterno, assim como eterno é o céu [Mt 25.41 e 46]. Portanto, é estranho como um cristão pode defender o aniquilacionismo, ou seja, a ideia que os não-salvos simplesmente deixarão de existir. É claro que a “alma imortal” não é uma doutrina bíblica (e sim da filosofia grega)[5], mas isso não deixa de indicar que o “castigo eterno” seja uma realidade. Tanto o salvo como o não-salvo não deixarão de existir. 

O aniquilacionismo não é somente antibíblico como ilógico. Como algo pode simplesmente deixar de existir? O escritor C. S. Lewis, tratando sobre o simbolismo do fogo, escreveu:

A destruição, devemos supor naturalmente, significa a desconstrução- ou cessação- do destruído. E as pessoas não raro falam como se a “aniquilação” de uma alma fosse intrinsecamente possível. Em toda a nossa experiência, contudo, a destruição de uma coisa significa o afloramento de outra. Queime a lenha, e você terá fumaça, calor e cinzas. Ter sido lenha agora significa ser essas três coisas. Se as almas podem ser destruídas, não deve haver um estado equivalente a ter sido uma alma humana? E não seria esse, talvez, o estado igualmente bem descrito como tormento, destruição e privação?[6]

E o teólogo J. I. Packer, em um ótimo artigo que combate o aniquilacionismo, escreveu: 

Em nenhuma parte a morte significa extinção; morte física é a partida para outra forma de existência chamada sheol ou hades, e morte metafórica é uma existência sem Deus e Sua graça; nada na terminologia bíblica garante a ideia [...] de que “a segunda morte” de Apocalipse 21.11, 20.4, 21.8 significa ou refere-se à extinção da existência.[7]

O aniquilacionismo é uma posição oficial entre os Testemunhas de Jeová e a Igreja Adventista e até entre alguns evangélicos.

4.      As imagens de “fogo”, “trevas”, “enxofre” e “verme” no inferno são metáforas? 

A maior parte dos comentaristas bíblicos responde essa pergunta positivamente. A simbologia dessas imagens demonstra a natureza do inferno. Que fique claro: saber que as imagens do inferno são metáforas não serve de consolo para ninguém. Muitas vezes, a metáfora é usada justamente para tentar descrever a realidade que vai além da compreensão e da linguagem humana. Por que não devemos ler tais imagens literalmente? Isso porque a palavra gregageenna, que é mencionada 12 vezes por Jesus Cristo para descrever o inferno, traz a imagem do Vale de Tofete, onde crianças eram queimadas em sacrifícios ritualísticos ao deus Moloque. Como o tempo o vale se tornou um grande lixão. Ali, o fogo era constante no consumo do lixo e os vermes estavam sempre presentes. Jesus usa essa imagem para simbolizar o inferno e não para descrevê-lo literalmente. Essas imagens são simbólicas, mas o inferno em si não é uma fantasia. Outro fato: nas metáforas ora o inferno tem fogo ora tem trevas, ou seja, elementos em si contraditórios se fossem levados na literalidade.

5.      Qual a natureza do inferno?

O inferno é a separação completa de Deus. O apóstolo Paulo expressa bem essa ideia em 2 Ts 1.8-9: “Ele punirá os que não conhecem a Deus e os que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus. Eles sofrerão a pena de destruição eterna, a separação da presença do Senhor e da majestade do seu poder” (NVI). O céu pode ser resumido como um lugar onde a presença, a glória e o amor de Deus estarão presentes constantemente. E o inferno é o contrário. O inferno é o lugar onde Deus se faz soberanamente ausente.  Repetindo: “Ele punirá os que não conhecem a Deus e os que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus. Eles sofrerão a pena de destruição eterna, a separação da presença do Senhor e da majestade do seu poder” (grifo meu). Outras traduções indicam que o inferno é justamente o banimento da glória e presença de Deus: “Sendo separados da face do Senhor” [TB]; “padecerão... longe da face do Senhor” [ARF]; “banidos da face do Senhor” [ARA; AA]; “o castigo deles será a ruína eterna, longe da face do Senhor” [EP; BJ]; “e ficarão longe da presença do Senhor” [NTLH]; “sofrerão... longe da presença do Senhor” [A21].

Observe bem a expressão: a “separação da presença do Senhor” e a separação da “majestade do seu poder”. Isso é o pior do inferno! Nós, mesmo quando vivíamos entregues ao mundo, não experimentamos a completa e definitiva “separação de Deus”. Logo, por não estarmos definitivamente separados do Senhor, o Espírito Santo transformou o nosso coração. Podemos chamar o inferno da mais absoluta apostasia, ou seja, a separação sem volta. É a morte da esperança. 

Karl Barth escreveu:

O homem estar separado de Deus significa estar num lugar de tormento. “Choro e ranger de dentes”- nossa imaginação não está adequada para esta realidade, essa existência sem Deus. O ateu não está consciente do que é a não-existência de Deus. A não-existência de Deus é a existência no inferno. O que mais, além disto, é oferecido como resultado do pecado? O homem não se separou de Deus por seu próprio ato? “Desceu ao inferno” é simplesmente a confirmação disto. O julgamento de Deus é justo- isto é, ele oferece ao homem o que ele quer.[8]

No clássico livro A Divina Comédia o poeta italiano Dante Alighieri conta a história fictícia e alegórica sobre uma viagem do inferno ao céu com o seu companheiro Virgílio. Na ficção, quando Dante passa no inferno, ele observa a seguinte mensagem em uma das portas do lugar sombrio:

Por mim se vai para a cidade ardente,
por mim se vai à sua eterna dor,
por mim se vai entre a perdida gente.

Justiça deu impulso ao meu Autor:
cumpriram-se poderes divinais,
a suma sapiência, o primo amor.

Antes e mim não se criou jamais
o que não fosse eterno; - e eterna, eu duro.
Deixai toda esperança, vós que entrais.[9]

Vejam com a mensagem é forte: “Deixai toda esperança, vós que entrais”! O inferno, como a completa ausência de Deus, é um lugar sem a “graça comum”. É o lugar do ego inflamado, do amor-próprio, da autoidolatria... E o irlandês C. S. Lewis expressou de maneira magnífica essa realidade no livro O Grande Abismo. Lewis mostra personagens impressionantes que preferem viver o inferno com seus vícios a encarar a renúncia para a felicidade eterna na “grande montanha”. O inferno, como disse Lewis, é o lugar onde os “homens usufruem sempre a terrível liberdade que exigiram” na vida[10].

Deus não manda ninguém para o inferno, como acima já dissemos. O inferno é fruto da nossa escolha em vida. Ora, se escolhemos o modo de vida do inferno para onde iremos? O teólogo Timothy Keller escreve: 

O inferno é a escolha voluntária de uma identidade apartada de Deus para uma trajetória rumo à infinidade. Vemos esse processo “em pequena escala” nos viciados em drogas, álcool, jogo e pornografia. Primeiro há uma desintegração, pois, conforme o tempo passa, o indivíduo precisa cada vez mais daquilo em que se viciou para conseguir a mesma sensação, o que conduz a uma satisfação cada vez menor. Depois, vem o isolamento, conforme o viciado mais e mais culpa os outros e as circunstâncias a fim de justificar o próprio comportamento. “Ninguém entende! Estão todos contra mim!”, é uma queixa resmungada com uma dose cada vez maior de autopiedade e autocrentrismo. Quando construímos nossas vidas com base em outra coisa que não Deus, essa coisa- embora boa- se transforma em um vício que escraviza. A desintegração pessoal ocorre em uma escala mais ampla. Na eternidade, tal desintegração prossegue indefinidamente. Crescem o isolamento, a negação, a ilusão e auto-obsessão. Quando se perde por completo a humildade, perde-se o contato com a realidade. Ninguém jamais pede para sair do inferno. A mera ideia de céu lhes soa como tapeação.[11]

Mas se esse inferno é ausência da presença de Deus conforme o texto paulino como explicar Apocalipse 14. 9, 10? Muitos cristãos seguem uma interpretação que encontra apoio na literatura apocalíptica judaica, especialmente em Enoque 48.9, que diz: "Vou lançá-los como feno para o fogo e como chumbo na água. Assim eles queimarão na presença dos justos, e afundarão na presença do Santo, nem a décima parte deles será encontrada". Segundo essa interpretação, o sofrimento no inferno será diante dos olhos dos santos, especialmente dos anjos (veja também 1 Enoque 14. 19-23; 2 Apocalipse de Baruque 30. 4). Dificilmente esse texto pode ser estendido como uma realidade eterna onde os santos anjos ficarão a observar o sofrimento do inferno juntamente com Jesus. Talvez expresse mais a realidade localizada do juízo final, que se dará diante dos anjos (cf. Marcos 8.38). Por outro lado, o teólogo Jerry L. Walls trabalha com a possibilidade que essa contemplação seja paralela ao inferno, ou seja, o sofrimento é diante do Cordeiro para todo o sempre, mas ao mesmo tempo os habitantes do inferno permanecerão estão separados dEle. É um cenário paradoxal, lembra Walls, pois estarão próximos e distantes ao mesmo tempo.[12]

Portanto, para unificar a essência do inferno é necessário entender que a separação da presença de Deus significa acima de tudo privação. Peter Kreeft e Ronald K. Tacelli escrevem: “O desejo de ser feliz sem Deus está fadado ao fracasso, ao sofrimento e ao castigo inevitável, porque Deus não está entre as muitas fontes de alegria, mas é a única Fonte suprema de toda alegria. A privação da Causa suprema deve significar privação de todos os seus efeitos”[13].

6.      Qual o problema do universalismo?

Portanto, outro absurdo antibíblico é a ideia do universalismo, ou seja, a doutrina que ensina que todos serão salvos no final. Como Deus pode salvar quem não quer ser salvo? Isso só seria possível com a violação do livre-arbítrio. O universalismo é determinista[14] e, é claro, não encontra nenhum apoio nas Sagradas Escrituras. Que tipo de amor é esse? Onde pode existir amor sem liberdade e, inclusive, liberdade para a rejeição e abandono? O pai do filho pródigo impediu a loucura do filho? A resposta é negativa, mas não porque o rejeitasse, mas simplesmente por amá-lo. O universalismo é o tipo de ideia bonita de longe, mas com uma essência podre quando olhamos de perto. 

O Inferno de Dante Alighieri.
Dante e Virgílio no Inferno,
quadro de William-Adolphe Bouguereau
O deus do universalismo é absurdamente tirânico. Nessa doutrina todos os homens são salvos, ou seja, todos passarão a desfrutar da presença eterna de Deus. Há alguma coerção maior possível? Ora, mesmo o homem que viveu décadas e décadas resistindo a Deus o encontrará na eternidade, queira ou não queira e, logo, será coagido a amá-lo pelos séculos dos séculos. E não é à toa que o universalismo é derivado da crença na arbitrariedade cósmica do gnosticismo. A salvação universalista é um processo destituído de amor, pois o verdadeiro amor demanda liberdade. Deus me livre do ídolo tirano criado pelos universalistas!

Quando combatemos o universalismo, a falsa ideia que no final todo mundo será salvo, os universalistas nos acusam de não querer a salvação de todos. Ora, o próprio Deus deseja que todos sejam salvos (cf. 1 Tm 2.4). Assim, os universalistas se vendem como mais compassivos e misericordiosos e nós, defensores da doutrina do inferno, somos vistos como sádicos e vingativos. Porém, nasce uma questão: o homem pode ser salvo contra sua própria vontade? Por que os universalistas acham que todos desejam a salvação do Senhor? Há muitos homens gritando em suas almas: "Eu não quero ser salvo. Eu não pedi para ser salvo"! Como disse Estêvão aos homens que seguravam pedras em sua direção: "Povo rebelde, obstinado de coração e de ouvidos! Vocês são iguais aos seus antepassados: sempre resistem ao Espírito Santo!" (At 7.51).

Para muitos homens o verdadeiro ato de misericórdia não é salvá-los de maneira arbitrária, mas é justamente conceder um espaço para escapar da presença de Deus. “Então, os homens se meterão nas concavidades das rochas e nas cavernas da terra, por causa da presença espantosa do Senhor e por causa da glória da sua majestade, quando ele se levantar para assombrar a terra”, como escreveu o profeta Isaías [2.19]. O inferno, por incrível que pareça, é um espaço da bondade de Deus. É o lugar onde a liberdade é inteiramente respeitada. Há quem não queira ser salvo e Deus os respeita. Para muitos a presença de Deus é terrível. É terrível ao ponto de buscarem concavidades nas rochas.   

Conclusão

Agora, vamos falar do inferno sem cuspir “fogo e enxofre”. A realidade do inferno é tão terrível que deveria ser impossível um cristão falar sobre essa doutrina sem temor, tremor e comoção. Muitos cristãos parecem tratar assuntos como “inferno”, “juízo” e “ira divina” com certo prazer mórbido. Não é cuspindo fogo, mas sim com clamores de misericórdia. Ora, o descrente de hoje pode ser o crente de amanhã, assim como crente de hoje pode ser o apóstata de amanhã. E pregar o inferno sem o remédio (a salvação em Cristo) é uma pregação dúbia. Ninguém deve ser “converter” pelo medo, pois isso é falsa conversão. Falar do inferno e esquecer a graça de Cristo é simplesmente fabricar moralistas que viverão eternamente no... inferno. Tim Keller também observa:

A doutrina do inferno é fundamental. Sem essa doutrina não podemos entender a nossa completa dependência de Deus e nem o risco de abraçarmos, até mesmo, os menores dos pecados. Além disso, também não entenderíamos o verdadeiro alcance do amor de Jesus. No entanto, é possível destacar a doutrina do inferno de forma imprudente. Muitos, por medo de compromisso doutrinal, querem colocar toda a ênfase no julgamento ativo de Deus e nenhum sobre o “caráter autoescolhido” do inferno. [...]. E alguns podem pregar o inferno de tal maneira que as pessoas reformem suas vidas apenas por um medo egoísta das consequências do pecado, assim, evitando o mal não por amor e lealdade a quem abraçou e experimentou o inferno em nosso lugar. A distinção entre esses dois motivos é muito importante. A primeira cria um moralista, o segundo motivo cria o crente nascido de novo.[15]

Portanto, como disse John Stott, antes de aderir ao aniquilacionismo na década de 1980, nós “devemos, no entanto, sem sombra de dúvida, saber que o inferno é uma realidade tenebrosa e eterna. Não é o dogmatismo que é inconveniente ao falar sobre a realidade do inferno; mas a loquacidade e a frivolidade o são. Como podemos pensar no inferno sem chorar?”[16]. É tempo de pregar todo o conselho de Deus.





[1] LEWIS, C. S. O Grande Abismo. 1 ed. São Paulo: Editora Vida, 2009. p 88.
[2] BOFF, Clodovis. Escatologia: Breve Tratado Teológico-Pastoral. 1 ed. Curitiba: Editora Ave-Maria, 2012. pos. 1213.
[3] LEWIS, C. S. O Grande Abismo. 1 ed. São Paulo: Editora Vida, 2009. p 17.
[4] GEISLER, Norman. Teologia Sistemática: Pecado, Salvação, Igreja, Últimas Coisas. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2010. p 760.
[5] A alma em si não é uma substância imortal. A doutrina da “imortalidade da alma”, como defendida na filosofia grega, não é bíblica. A eternidade é um dom [cf. Rm 6.23]. É certo que os ímpios continuarão a existir depois da morte, mas usar o termo “imortal” [que significa “incapaz de morrer”] é simplesmente abusivo. A alma do ímpio é mortal, não porque deixará de existir, mas sim porque nele não há vida, ou seja, não há o pulso da vida de Deus. Como dito acima, a “imortalidade” é um dom para os salvos. O apóstolo Paulo escreveu: “Pois é necessário que aquilo que é corruptível se revista de incorruptibilidade, e aquilo que é mortal, se revista de imortalidade. Quando, porém, o que é corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal, de imortalidade, então se cumprirá a palavra que está escrita: ‘A morte foi destruída pela vitória’” [1 Coríntios 15.53-54]. Mas atenção: Negar a doutrina da “imortalidade da alma”, pois os gregos a julgavam mais elevada do que o corpo, não significa acreditar no aniquilacionismo. Leia mais em: HANKO, Ronald. A Imortalidade da Alma. Monergismo. Brasília: 2012. Acesso em: 01/07/2012. Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/amilenismo/imortalidade-alma_hanko.pdf>
[6] LEWIS, C. S. O Problema do Sofrimento. 1 ed. São Paulo: Editora Vida, 2009. p 141.
[7] PACKER, James I. Reconsiderando o Aniquilacionismo Evangélico: Uma Análise do Pensamento de John Stott sobre a Não-Existência do InfernoBom Caminho. Florianópolis: 2012. Acesso em: 01/07/2012. Disponível em: <http://www.bomcaminho.com/jip001.htm>
[8] BARTH, Karl. Esboço de uma Dogmática. 1 ed. São Paulo: Fonte Editorial, 2006. p 167-168.
[9] ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. 1 ed. São Paulo: Editora Abril, 2010. p 70.
[10] LEWIS, C. S. O Problema do Sofrimento. 1 ed. São Paulo: Editora Vida, 2009. p 143
[11] KELLER, Timothy. A Fé na Era do Ceticismo. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p 65.
[12] WALLS, Jerry L. Hell as Separation from God? The Misery Paradox. Jerry L. Walls. Houston: 2014. Acesso em: 26/03/16. Disponível em:
[13] KREEFT, Peter e TACELLI, Ronald K. Manual de Defesa da Fé: Apologética Cristã. 1 ed. Rio de Janeiro: Editora Central Gospel,  2008. p 459.
[14] C. S. Lewis trata do determinismo universalista em O Grande Abismo no capítulo 13.
[15] KELLER, Timothy. The Importance of HellRedeemer Presbyterian Church. Nova York: 2012. Acesso em: 16/06/2012. Disponível em: <http://www.redeemer.com/news_and_events/articles/the_importance_of_hell.html>
[16] STOTT, John. Christian Mission in the Mordern World. 1 ed. London: Falcon: 1975. p 113. em: DUDLEY-SMITH, Timothy (cop.).Cristianismo Equilibrado. 1 ed. São Paulo: Editora Vida, 2006. p 529.http://www.teologiapentecostal.com/