Pastor Nascimento: no olho do furacão, esperança e transformação (Foto: Thiago Araújo)
Uma igreja não teria um poder de penetração e difusão tão grande se não encarasse desafios como o de levar a palavra cristã a locais onde o poder público muitas vezes passa ao largo. É o que ocorre no bairro do Curió-Utinga, conhecido pela violência e pelo tráfico de drogas. É nesse cenário que vários pastores lideram congregações em busca do conforto espiritual de fiéis.
“Essa é a situação da igreja. Ela escolhe esses pontos onde há muitos furtos, viciados. É nesse mundo que vamos salvar almas, tirar desse meio violento, de vícios”, diz o pastor Antonino Dias, um homem de sorriso aberto e fala simples, com 62 anos e que já foi, segundo o próprio, o terror do Curió-Utinga. Atualmente dedica a maior parte do tempo a resgatar almas, uma missão espinhosa em um local conhecido pela alta incidência de crimes.
A igreja da Assembleia de Deus guiada por Dias tem uns 25 membros. Quem ajuda nessa missão é o próprio filho, Gleyverton Dias, 29 anos. Gleyverton cresceu no bairro. Conhece todos, inclusive os traficantes locais. Isso ajuda a tentar convencer jovens a aceitar a palavra bíblica disponibilizada em cultos três a quatro vezes por semana. “Aqui não tem muita opção aos jovens para o estudo ou para emprego. O dever da igreja é alcançar as famílias, muitas destruídas”, diz ele. “Na nossa congregação tem jovem que já foi preso e que hoje prega a palavra”, diz.
TRABALHO EM DOBRO
O Curió-Utinga é um bairro com uma população estimada em mais de duas mil famílias. Há muitas invasões. Com elas chegam as mazelas sociais. Pobreza, criminalidade, ausência de um quase tudo. “É um bairro muito carente, a bandidagem impera por aqui. Já foi pior, mas quando o Evangelho chegou afugentou muitos deles”, diz o pastor. Lauro Pereira Messias, que aos 83 anos, já carrega no sobrenome a missão que lhe foi destinada. Messias atua na congregação da Assembleia de Deus na passagem Elvira, distante muitas quadras de onde pai e filho lutam para romper a barreira que a marginalização impôs ao bairro. São 51 anos de Evangelho. Messias sabe que em bairros marginalizados, o trabalho é dobrado. “Mas é tudo em prol desses jovens”, diz.
São desafios que o pastor Geison Oliveira, 29 anos, já se acostumou a enfrentar. Coordena uma congregação da Assembleia de Deus que fica no final da rua Doutor Freitas e início da avenida Perimetral. “Dirijo congregações desde os 18 anos”, diz ele. Já passou por Estados como Bahia e Goiás. Superou choques culturais. Dirige a quarta congregação. “Esse bairro tem muitos problemas, mas a nossa atuação tem força social também. A palavra de Deus muda vidas”, diz.
BÊNÇÃO
É o que pensa o pastor Marcelo Moraes do Nascimento, 31 anos, cuja igreja, de tamanho quase minúsculo, mas atuação inversamente proporcional ao tamanho dela, fica encravada no olho do furacão, ou seja, no meio da baixada da Alzira, no coração do tráfico do Curió-Utinga.
O mesmo local onde a igreja foi erigida já foi ponto de vendas de drogas. “Quando estávamos construindo a igreja, tinha gente que se escondia aqui dentro”, diz Nascimento. A igreja tem entre 55 a 60 membros. Fica lotada nos dias de culto. “Nas madrugadas daqui sempre houve muito tiro, mas a própria vizinhança diz que mudou muito essa situação.
Diariamente ficamos até quase meia-noite, orando. Isso tem ajudado a transformar a vida por aqui”, garante. Duas semanas antes do início das celebrações do centenário, Nascimento viu surgir mais uma igreja, em meio a palafitas numa invasão do Curió-Utinga. “É uma bênção”, alegra-se. (Diário do Pará)