LIÇÃO 4 – A COMISSÃO CULTURAL E A GRANDE COMISSÃO

3º Trim. 2011 A Missão Integral da Igreja: Lição 4


                                               O reino de Deus restaura o propósito divino para o homem prejudicado pelo pecado.
INTRODUÇÃO
O reino de Deus restaura o propósito divino para o homem que havia sido prejudicado pelo pecado.
A grande comissão de Jesus para a Igreja tem como “efeito colateral” a restauração da “comissão cultural”, a razão de ser da criação do homem sobre a face da Terra.

I – O QUE É COMISSÃO CULTURAL
- “Comissão” é o “ato ou efeito de cometer, de encarregar, de incumbir”. “Comissão”, portanto, é uma incumbência, uma carga, uma responsabilidade que se dá a alguém, uma tarefa que se determina a alguém.
- Quando falamos, pois, em “comissão”, desde logo percebemos que estamos a falar de uma relação em que alguém, por ter condição superior, ordena a outrem que faça algo, que assuma alguma responsabilidade, que venha a executar alguma tarefa. Tem-se, pois, nitidamente, uma relação “de cima para baixo”.
- Tanto é assim que o direito, ao falar no “contrato de comissão”, diz que o “comissário”, ou seja, aquele que recebe a tarefa para cumprir, “é obrigado a agir de conformidade com as ordens e instruções do comitente” (artigo 695 do Código Civil).
Quando se fala em “comissão”, pois, tem-se que estamos a falar de um relacionamento entre Deus e os homens, um relação vertical (isto é, “de cima para baixo”), visto que Deus é o Senhor, ou seja, o dono de todas as coisas que existem, eis que é delas o Criador (Sl.24:1).
- Quando Deus criou os céus e a terra, diz-nos a Bíblia Sagrada, também criou o homem, ser criado de forma singular, diferente das demais. Enquanto os demais seres terrenos foram criados pelo poder da Palavra, em relação ao homem, o Senhor fez de modo diverso, tendo, Ele próprio, formado o homem do pó da terra e soprado em suas narinas dando-lhe o fôlego de vida (Gn.2:7).
- Esta diferença na criação do homem justifica-se pelo fato de que Deus, também, em relação ao homem, tinha uma tarefa diversa, distinta da dos demais seres criados sobre a face da Terra. Ao vermos a decisão divina para criar o homem, entendemos esta distinção.
- Ao resolver criar o homem, Deus determinou que o homem fosse o “dominador” de toda a criação terrena, que, por ter a imagem e semelhança de Deus, estivesse sobre toda a criação terrena, como um “mordomo” do Senhor de todas as coisas sobre a face da Terra (Gn.1:26-28).
Deus, então, deu ao homem a tarefa de dominar sobre a criação terrena, de ser “mordomo” do Senhor sobre a Terra, tanto que, ao formar o jardim no Éden onde pôs o homem, deu-lhe a tarefa de cuidar daquele jardim, de lavrá-lo e guardá-lo (Gn.2:15). É esta tarefa de cuidar da criação terrena, de dominar sobre os demais seres da Terra, de ser o “mordomo” de Deus sobre a face do planeta que se denomina de “comissão cultural”.
- “Comissão” bem sabemos porque, já que se trata de uma tarefa, de uma incumbência, de uma responsabilidade que Deus deu ao homem, mas por que “cultural”?

- Cultura, como ensinam os antropólogos (a Antropologia é a ciência que estuda o homem na sua totalidade, ou seja, o homem e a suas obras, tendo como conceito fundamental o de “cultura”), é, segundo a clássica definição de Edward Burnett Tylor (1832-1917),  “…aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade…” (apud MARCONI, Marina de Andrade e  PRESOTTO, Zélia Maria Alves. Antropologia: uma introdução, p.42). Assim, a cultura é um conjunto de ideias, abstrações e comportamento que os homens têm numa determinada sociedade.
- Ao determinar que o homem cuidasse da criação terrena, tanto lavrando como guardando o que havia criado no jardim do Éden, o Senhor deu ao homem condições para que, dentro da inteligência com que havia dotado, tomasse iniciativas que o permitisse executar a tarefa deixada por Deus a ele. Não foi por outro motivo que o Senhor mandou que Adão desse nome aos animais (Gn.2:19,20), precisamente para que, através deste gesto, o homem tivesse consciência de duas verdades, a saber: a de que era superior aos demais seres terrenos (o ato de “dar o nome” reflete esta superioridade, esta autoridade) e a de que havia sido criado com inteligência, tendo, pois, criatividade, ou seja, a capacidade de criar coisas a fim de executar a tarefa que lhe havia sido dada, cometida pelo Senhor.
- Esta “criação humana”, ou seja, esta série de comportamentos, condutas e modos de viver surgidos a partir da inteligência humana, criações estas que têm por finalidade precisamente o cumprimento da tarefa deixada pelo Senhor ao homem de dominar sobre a criação terrena é o que compõe a “cultura”.
- Por isso, a tarefa deixada por Deus ao homem para lavrar e guardar o jardim do Éden é uma “comissão cultural”, pois se trata de uma tarefa, de uma incumbência que o homem deveria cumprir a partir do exercício da sua inteligência, daquela diferencial que Deus deu ao homem precisamente para cumprir aquilo que Deus lhe determinava fazer. É, portanto, uma “comissão cultural”, uma tarefa que deveria ser cumprida a partir da “cultura”, ou seja, de todas as condutas, comportamentos e atitudes que o homem empreenderia para executar a tarefa que lhe havia sido cometida por Deus de “lavrar e guardar” a Terra.
O cumprimento desta “comissão cultural”, entretanto, tinha um pressuposto, qual seja, o fato de o homem ter sido criado à imagem e semelhança de Deus. Somente em comunhão com o Senhor, o homem poderia cumprir, a contento, a “comissão cultural”. Tanto assim é que foi atendendo a um chamado de Deus e na companhia de Deus que o homem pode dar nome aos animais, percebendo, neste gesto, a sua solidão, a sua insuficiência, solidão e insuficiência que somente puderam ser supridas pelo próprio Deus no ato de criação da mulher (Gn.2:21-25).
- Assim, embora fosse dotado de inteligência e capacidade para, a seu modo, dominar sobre a criação terrena e, desta forma, cumprir a “comissão cultural”, o fato é que o Senhor, desde logo, mostrou ao homem que havia a necessidade de o homem se manter em comunhão com o seu Criador para que pudesse executar esta tarefa. Por isso até o contato pessoal que o homem mantinha com o Senhor na viração do dia, pois, sem esta comunhão com o Senhor, não poderia desempenhar a “comissão cultural”. Tal realidade seria explicitada pelo Senhor Jesus nas Suas últimas instruções aos discípulos, ao lembrar-lhes que sem Ele nada poderia ser feito (Jo.15:5 “in fine”).
Ao pecar, o homem perdeu a comunhão com o Senhor e, por causa disso, passou a estar sob o domínio do pecado (Gn.4:7; Jo.8:34), que o separa de Deus (Is.59:2). O resultado disso é que a “comissão cultural” não pode mais ser devidamente cumprida, já que o pecado determina a própria formação da cultura por parte do homem, como vemos já na civilização caimita (Gn.4:17-24), cultura, aliás, que preponderou sobre a cultura da descendência de Sete (Gn.6:1,2), gerando um modo de vida que fez com que o Senhor destruísse a raça humana no dilúvio (Gn.6:5-7).

- A comunidade pós-diluviana não tardou em construir uma cultura contrária aos desígnios divinos, a ponto de o Senhor ter, também, destruído esta comunidade para não destruir o homem, com o juízo de Babel.
- Com a dispersão da comunidade única pós-diluviana após o juízo de Babel (Gn.11:9), naturalmente que os povos ali nascidos passaram a construir diferentes culturas, até porque a língua é um fator fundamental na formação de uma cultura e Deus confundiu as línguas, impondo, pois, uma diversidade cultural para o mundo, diversidade que tinha um ponto em comum: o impiedoso domínio do pecado.
- O plano de Deus para a salvação do homem, portanto, abrange, de forma inexorável, a “comissão cultural”, pois ela está prejudicada em virtude da queda do homem, da perda da comunhão do homem com Deus.
II – O QUE É AGRANDE COMISSÃO
- Tendo visto o que é a “comissão cultural” de que nos fala a lição de hoje, temos, também, de entender o que é “a grande comissão”.
Chama-se de “a grande comissão” ao que se encontra em Mateus 28:19-20: “…’Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a observar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos’. Jesus deu esse comando aos Apóstolos logo depois de ascender aos céus. Esse comando praticamente resume o que Jesus esperava que os Apóstolos, e os Seus seguidores depois dos Apóstolos, fizessem em Sua ausência. É interessante notar que no grego original, os únicos comandos específicos em Mateus 28:19-20 são: ‘ide’ e ‘fazei discípulos’. A Grande Comissão nos instrui a fazer discípulos enquanto viajamos pelo mundo e enquanto realizamos nossas atividades diárias. Como devemos fazer discípulos? Ao batizá-los e ensiná-los tudo que Jesus comandou. ‘Ide’ e ‘fazei discípulos’ são os comandos da Grande Comissão. ‘Batizando’ e ‘ensinando’ são a forma que devemos usar para executar o aspecto de ‘fazer discípulos’ da Grande Comissão.…” (O que é a Grande Comissão? Disponível em:http://www.gotquestions.org/portugues/Grande-Comissao.htmlAcesso em 07 jun. 2011).
- Após ter vencido a morte e o pecado, Jesus Se apresentou aos Seus discípulos por espaço de quarenta dias, falando-lhes a respeito do reino de Deus (At.1:3) e um dos principais assuntos concernentes ao reino de Deus foi, sem dúvida, “a grande comissão”, ou seja, a tarefa primordial que deixava para os discípulos, que eram mantidos na face da Terra para dar continuidade à Sua obra redentora, qual seja, a de ir e fazer discípulos de todas as nações.
- É “a grande comissão” porque foi a grande tarefa que Jesus deixou para os Seus discípulos. Eles deveriam levar a todas as nações a Palavra de Deus, as boas novas de salvação. Eles deveriam testificar de Jesus e dizer às nações de que havia agora um meio de obter o perdão dos pecados e de se restaurar a comunhão perdida com Deus por intermédio da fé em Cristo Jesus.
- Jesus mandou que Seus discípulos pregassem o Evangelho por todo o mundo a toda a criatura (Mc.16:15). É esta “a tarefa” deixada à Igreja, é esta a responsabilidade que o Senhor nos deixou: “ir” e “fazer discípulos de todas as nações”.
- Os discípulos de Jesus, tendo alcançado a salvação, devem ir, agora, a todas as nações, levando esta mensagem de que Jesus salva, cura, batiza com o Espírito Santo e em breve voltará, esta mensagem que é o Evangelho, o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego (Rm.1:16).
Para cumprir esta tarefa, também, a exemplo do que ocorre com “a comissão cultural”, também precisamos de estar em comunhão com o Senhor, pois, como Ele mesmo disse, sem Ele nada podemos fazer (Jo.15:5 “in fine”). Antes de mais nada, para pregar o Evangelho, precisamos ser varas que estejam na videira verdadeira (Jo.15:1-5). Somente estando na videira, podemos ir e dar fruto, e fruto permanente (Jo.15:16).
- Não é por outro motivo que os que se dispõem a pregar o Evangelho sem que estejam na videira verdadeira serão inevitavelmente envergonhados e vencidos pelo maligno, seja ainda neste mundo, como aconteceu com os filhos de Ceva em Éfeso (At.19:13-16), seja no mundo vindouro, como acontecerá com tantos quantos se fizeram de evangelistas mas que eram hipócritas e praticantes da iniquidade (Mt.7:21-23).
“A grande comissão” é uma tarefa destinada à Igreja, este novo povo de Deus surgido com a obra redentora do Calvário. Enquanto “a comissão cultural” foi dada a toda a humanidade, “a grande comissão” é uma tarefa dada única e exclusivamente para a Igreja.
- Trata-se, pois, de uma grande honraria, de um grande privilégio deixado por Jesus aos que n’Ele creram como único e suficiente Senhor e Salvador de suas vidas e, por isso mesmo, por se tratar de grande honra e grande privilégio, é algo que traz grande responsabilidade, pois “…a qualquer que muito for dado, muito se lhe pedirá, e ao que muito se lhe confiou, muito mais se lhe pedirá.…” (Lc.19:26).
- “A grande comissão” é uma comissão e, como já vimos, é uma relação vertical, i.e., “de cima para baixo” e, deste modo, não se trata de um conselho, de uma recomendação, mas de uma ordem, de uma obrigação que o Senhor deixou à Sua Igreja: “ide” e “fazei discípulos”.
- “A grande comissão” foi deixada a toda a Igreja e não apenas aos apóstolos. Muitos, quando falam da “grande comissão”, fazem questão de se reportar ao texto de Marcos, onde há um diálogo entre Jesus e os onze apóstolos. Assim, raciocinam, quem deveria pregar o Evangelho era apenas os apóstolos. E, portanto, ao falarem da “grande comissão”, diz ser esta uma obrigação imposta apenas aos ministros, “àqueles que são chamados para pregar”.

- Entretanto, é interessante notar que “a grande comissão” encontra-se pormenorizada em Mateus, onde não há uma explicitação de que Jesus estivesse a falar apenas com os onze apóstolos. Também vemos em Atos que Jesus Se dirigiu a um grupo que Paulo diz, em I Coríntios, que era de mais de quinhentos irmãos (I Co.15:6), ou seja, a toda a Igreja então existente, dizendo que todos deveriam ser Suas testemunhas tanto em Jerusalém, quanto em toda a Judeia e Samaria e até os confins da Terra (At.1:8).
- Notamos, assim, que “a grande comissão” não foi deixada apenas aos apóstolos, mas a toda a Igreja, como é prova a história da igreja primitiva, que nos mostra que todos os crentes, dispersos que foram de Jerusalém, passaram a pregar por todas as partes (At.8:4; 11:19-21), levando-nos à conclusão de que as pessoas mencionadas em Mc.16:20 não eram apenas os apóstolos, mas os crentes em geral.
- O cumprimento da tarefa de “a grande comissão” é indispensável, pois, para que se tenha a salvação da humanidade. O Senhor Jesus quis que os homens fossem salvos pela “loucura da pregação” (I Co.1:21) e, por isso, é indispensável que haja pregação do Evangelho para que as pessoas se salvem (Rm.10:14), realidade que o próprio Jesus revelou em Seu ministério terreno (Mc.1:38).
- Vemos isto bem ilustrado no episódio da salvação de Cornélio. Deus mandou um anjo até aquele centurião romano para que lhe falasse da necessidade de trazer Pedro para lhe pregar o Evangelho. Deus não permitiu que o anjo pregasse nem tampouco Jesus Se apresentou diretamente a Cornélio para lhe pregar, mas mandou que procurasse Pedro para que este lhe dissesse o que era necessário fazer para ser salvo (At.10:3-6). Deus escolheu a loucura da pregação para a salvação dos homens e, por isso, “a grande comissão” é absolutamente indispensável para a salvação da humanidade.
- Cada salvo tem esta obrigação de cumprir “a grande comissão”. Não estamos a dizer que todo salvo deve sair por todas as partes pregando o Evangelho. Cada um de nós tem esta obrigação na medida, na forma e no lugar que Deus nos determinar. Assim como Pedro foi chamado para pregar aos judeus e Paulo, aos gentios (Gl.2:8); assim como a Pedro foi permitido para falar de Cristo na Bitínia (I Pe.1:1) e a Paulo e seus companheiros foi proibido de fazê-lo (At.16:7), cada um tem um determinado campo, lugar e modo de cumprir “a grande comissão”, segundo a soberana vontade de Deus.
- O certo, porém, é que, se quisermos entrar no reino de Deus, não podemos, dentro da capacidade que nos deu o Senhor, recusarmo-nos a cumprir esta tarefa, pois, quem pode fazer o bem e não o faz, comete pecado (Tg.4:17) e quem está em pecado, ou seja, quem está em iniquidade, em injustiça não poderá herdar o reino de Deus (I Co.6:9), porque não é nascido de Deus (I Jo.3:9).
“A grande comissão” tem como primeira ordem o “ide”. Jesus disse que fomos nomeados para ir (Jo.15:16). “Ir” indica movimento. “Ir” é “deslocar-se de um lugar a outro”, “seguir ou atirar-se com ímpeto, investir”.
- Jesus mandou “ir por todo o mundo”. O salvo, tendo visto o reino de Deus e passado a caminhar em direção a ele (por isso, a fé em Jesus era chamada de “Caminho” – At.19:9,23; 22:4; 24:14,22), tem de “ir por todo o mundo”, ou seja, não pode se separar das demais pessoas que não estão seguindo o Caminho, mas deve ir ao encontro delas, no mundo, independentemente de nacionalidade, credo, sexo, raça, a fim de que, em contato com elas, venha a falar da salvação em Cristo Jesus.
- Indo por todo o mundo, o salvo deve mostrar aos homens Cristo Jesus, e Este crucificado (I Co.1:23; 2:2), pois a cruz é a prova do amor de Deus para conosco, levando, assim, o Evangelho, Evangelho que pode iluminar a mente dos incrédulos e fazê-los ver o reino de Deus (II Co.4:4).
- “Ir por todo o mundo”, pois, exige de cada salvo, em primeiro lugar, a disposição de entrar em contato com o mundo, mundo que deixou com a sua salvação. “Ir por todo o mundo” significa entrar em contato com os incrédulos mas não viver como eles, nem tampouco se misturar com o seu modo de vida, modo de vida que foi abandonado quando de nossa salvação. O salvo passou da morte para a vida, das trevas para a luz e, portanto, não pode, de forma alguma, sob a justificativa de evangelização, voltar a ter uma vida mundana.
- Ele está indo ao mundo, ou seja, ele comparece ao mundo como um estrangeiro, como um estranho, como um embaixador do reino de Deus (II Co.5:20). É interessante notar que quando Paulo fala que somos embaixadores da parte de Cristo, fala isto no contexto em que mostra que o salvo é uma “nova criatura”, que deixou as coisas velhas, que não mais se deixar guiar pela “carne”, ou seja, pela natureza pecaminosa (II Co.5:16,17). Assim, o fato de irmos ao encontro dos pecadores em hipótese alguma pode significar que devamos voltar às práticas pecaminosas, como, lamentavelmente, muitos “evangelizadores” estão a defender nos dias hodiernos.
- “Ir por todo o mundo”, em segundo lugar, indica que o salvo deve tomar a iniciativa de ir ao encontro dos perdidos. É o salvo que deve entrar em contato com os perdidos, pois eles não veem a luz do evangelho de Cristo, estão cegos à realidade espiritual. Nós, os salvos, somos a luz do mundo (Mt.5:14) e somos nós que temos de levar esta iluminação a quem está nas trevas. Como nos mostra claramente John Bunyan em sua alegoria do Peregrino, Cristão teve de ser orientado por Evangelista para poder abandonar a Cidade da Destruição e ir em direção à Cidade de Deus.

OBS: “…Certo dia, em que ele andava passeando pelos campos, notei que se achava muito abatido de espírito, lendo, como de costume, e ouvindo-o exclamar novamente: “Que hei de fazer para ser salvo?”
O seu olhar desvairado volvia-se para um e outro lado, como em busca de um caminho para fugir; mas, não o encontrando de pronto, permanecia imóvel, sem saber para onde se dirigir.
Vi, então, aproximar-se dele um homem chamado Evangelista (Atos 16:30-31; Jó 33:23) que lhe dirigiu a palavra, travando-se entre ambos o seguinte diálogo:
Evangelista – Por que choras?
Cristão – (Assim se chamava ele). – Porque este livro me diz que eu estou condenado à morte, e que depois de morrer, serei julgado (Hebreus 9:27), e eu não quero morrer (Jó 16:21-22), nem estou preparado para comparecer em juízo! (Ezequiel 22:14).
Evangelista – E por que não queres morrer, se a tua vida é cheia de tantos males?
Cristão – Porque temo que este pesado fardo que tenho sobre os ombros, me faça enterrar ainda mais do que o sepulcro, e eu venha a cair em Tofete (Isaías 30:33). E, se não estou disposto a ir para este tremendo cárcere, muito menos para comparecer em juízo ou para esse suplício. Eis a razão do meu pranto.
Evangelista – Então, por que esperas, agora que chegaste a esse estado?
Cristão – Nem sei para onde me dirigir.
Evangelista – Toma e lê. (E apresentou-lhe um pergaminho no qual estavam escritas estas palavras: “Fugi da ira vindoura”). (Mateus 3:7).
Cristão – (Depois de ter lido). E para onde hei de fugir?
Evangelista – (Indicando-lhe um campo muito vasto). Vês aquela porta estreita? (Mateus 7:13-14).
Cristão – Não vejo.
Evangelista – Não avistas além brilhar uma luz? (Salmo 119:105; II Pedro 1:19).
Cristão – Parece-me avistá-la.
Evangelista – Pois não a percas de vista; vai direito a ela, e encontrarás uma porta; bate, e lá te dirão o que hás de fazer.…” (BUNYAN, John. O Peregrino. Digitalizado por Carlos Boas, p.3. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/16749017/Bunyan-John-O-PeregrinoAcesso em 07 jun. 2011).
- Nesta ilustração da “luz do mundo”, uma vez mais, vemos que, como luz do mundo, não pode o salvo ter um comportamento igual ao do mundo. Pelo contrário, por ser “luz do mundo”, os salvos têm de se comportar de modo diferente, pois devem ser “…irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio duma geração corrompida e perversa, entre a qual resplandeceis como astros no mundo…” (Fp.2:15).
A segunda ordem constante de “a grande comissão” é a de “fazer discípulos de todas as nações” ou, em outras versões da Bíblia, “ensinar todas as nações”. Além de “ir por todo o mundo”, é preciso, também, “fazer discípulos”, ou seja, a ida até o mundo não é um “passeio despropositado” mas, sim, uma ida com o objetivo de ganhar almas para o reino de Deus, novos discípulos do Senhor Jesus. Por isso, além de indicar ao incrédulo o Caminho, torna-se necessário acompanhá-lo, ensiná-lo a servir a Jesus, ensiná-lo a aprender de Jesus.
- “Fazer discípulos de Jesus” é a outra tarefa de “a grande comissão”. Devemos mostrar Jesus aos perdidos e, quando eles creem n’Ele como Senhor e Salvador, torna-se necessário fazê-los aprender de Jesus, ou seja, não podemos mostrar aos novos convertidos ninguém senão a Jesus. Jesus deve ser o exemplo a ser seguido, Jesus deve ser o Mestre de cada um dos que creram n’Ele.
Fazer alguém aprender de Jesus é, em primeiro lugar, levá-lo a ter contato com a Bíblia Sagrada, pois são as Escrituras que testificam de Jesus (Jo.5:39).  O discipulado, de que falamos na lição anterior, apresenta-se, pois, como parte de “a grande comissão”.
- Ao nos dar “o mandamento”, Jesus bem mostrou como é fundamental esta segunda ordem de “a grande comissão”. “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”, disse o Senhor Jesus (Jo.15:12). Ora, somente podemos cumprir este mandamento se aprendermos com Jesus, se tivermos a Jesus como exemplo.
III – A COMISSÃO CULTURAL É RESTAURADA PELA GRANDE COMISSÃO
-  Já vimos que, com a dispersão da comunidade única pós-diluviana após o juízo de Babel (Gn.11:9), naturalmente que os povos ali nascidos passaram a construir diferentes culturas, até porque a língua é um fator fundamental na formação de uma cultura e Deus confundiu as línguas, impondo, pois, uma diversidade cultural para o mundo.
- As nações ali formadas, inicialmente isoladas, passaram, pouco a pouco, a manter um contacto que hoje é muito intenso e praticamente diário. Esta diversidade gera nos seres humanos a sensação de que não existe um único modo de vida, uma única forma de se viver sobre a face da Terra, a mesma impressão que toda criança sente ao ir para a escola e perceber que nem todas as famílias têm o mesmo sistema de criação e educação que ela tem em casa.
- Esta sensação é causada pelo pecado, pela cegueira espiritual proporcionada pelo deus deste século e é um dos principais motivos pelos quais, diante do contacto cada vez mais crescente entre as culturas, tenhamos o crescimento do “relativismo ético” ou “relativismo moral”, numa verdadeira “ditadura do relativismo”, que faz com que as pessoas descreiam na existência da verdade.

- Isto somente é possível porque “a comissão cultural” encontra-se prejudicada por causa do pecado. Sem a comunhão com Deus, passando a ser uma imagem distorcida de Deus, o homem não tem condições de cumprir a tarefa que lhe foi confiada, qual seja, a de “lavrar e guardar” a criação terrena. Muito pelo contrário, por causa do pecado, a terra se tornou maldita e há um embate incessante entre o homem e o restante da criação terrena e entre os próprios homens (Gn.3:16-19).
- A salvação, ao libertar o homem do jugo do pecado (Jo.8:31,32,36), traz, também, condições para que o homem possa retomar “a comissão cultural”, passando, finalmente, a cumpri-la.
- Ao ser salvo por Jesus, o ser humano pode, então, retornar a ter a imagem e semelhança de Deus, entra novamente em comunhão com o Senhor, por meio do sangue de Jesus (Ef.2:13-16). Ora, estando na videira verdadeira, tem condições de ir por todo o mundo e produzir fruto, como havia sido determinado na “comissão cultural” (Gn.1:28).
- Por isso, “a grande comissão” não tem como efeito tão somente a salvação do homem. Não resta dúvida que, ao cumprirmos “a grande comissão”, tornamos possível ao incrédulo ser convencido pelo Espírito Santo do pecado, da justiça e do juízo (Jo.16:8-11) e de crer em Jesus, pela fé salvadora advinda da Palavra de Deus (Rm.10:17), alcançando a salvação (Ef.2:8).
- Mas, além de trazer salvação a todos os que creem (Mc.16:16), “a grande comissão” faz com que o homem salvo venha a produzir fruto, e fruto permanente (Jo.15:16) e este fruto é fruto de justiça (Fp.1:11). Retomada a comunhão com Deus, passa o salvo a ter condições de cumprir “a comissão cultural”, pois agora, ao produzir fruto de justiça, faz com que se possa “lavrar e guardar” a Terra, algo que se tornara impossível sob o domínio do pecado.
- O Evangelho, portanto, além da salvação de cada indivíduo que se entrega a Jesus, que crê n’Ele como único e suficiente Senhor e Salvador, tem uma dimensão que ultrapassa o indivíduo e que atinge o mundo onde vivemos e de onde Jesus, por isso mesmo, não quis nos tirar (Jo17:15): a dimensão sócio-cultural. O reino de Deus se manifesta entre os homens, salvos ou não, mostrando que, com a salvação, há uma melhora nas condições de vida sobre a face da Terra, porque já há um povo que, não sendo deste mundo, permanece no mundo cumprindo eficazmente “a comissão cultural”.
Esta realidade é que se denominou de “missão integral da Igreja”. A Igreja não só traz salvação para os indivíduos tomados isoladamente, mas também traz uma melhora nas condições de vida neste mundo, pois, por causa da salvação, da libertação do pecado produz frutos de justiça nesta mesma Terra, traz um pouco de justiça para este mundo de iniquidade, muda as relações existentes entre os homens, aproximando-os do propósito divino, pois que, mesmo sobre a face da Terra, a Igreja já vive a comunhão com Deus e, por isso, tem condições de cumprir “a comissão cultural” dada por Deus aos homens.
A Igreja, ao cumprir a “comissão cultural”, traz à humanidade “frutos de justiça” e, com estes frutos, traz, também, a bênção de Deus para todos os homens. Não é por acaso que onde o Cristianismo foi adotado como modelo de vida e de organização social, a vida melhorou sensivelmente em todos os aspectos (social, cultural, político, econômico etc.). Como ensina o teólogo equatoriano radicado na Argentina, dr. René Padilla, um dos grandes nomes da “teologia da missão integral”, “…“Evangelizar é: anunciar as boas novas de Jesus em palavras e ação para aqueles que não O conhecem com a intenção de que, pela obra do Espírito Santo, se convertam a Jesus Cristo e se disponham a segui-l’O como discípulos e se unam a uma igreja e colaborem com Deus na realização de Seu propósito de restaurar seu relacionamento com Deus, com o próximo, e com toda a criação….” (PROJETO Timóteo. Dr. René Padilha fala de missão integral, Igreja e reino de Deus. Disponível em:http://www.projetotimoteo.org.br/art.asp?id=45Acesso em 07 jun. 2011).
“A grande comissão”, ao “ir por todo o mundo” e “fazer discípulos de Jesus”, é feita por “testemunhas de Cristo”. Estas “testemunhas” são provas de que Jesus realmente salva e transforma o homem, e isto é feito não só pela proclamação do Evangelho, mas, também, mediante ações concretas que demonstrem que houve real transformação por parte daqueles que estão a evangelizar.
- É o que constou do Pacto de Lausanne, documento produzido por um grande congresso internacional de evangelização que ocorreu na cidade suíça de Lausanne em 1974, cujo teor de seu item 5 reproduzimos aqui: “ Responsabilidade social cristã - Afirmamos que Deus é o Criador e o Juiz de todos os homens. Portanto, devemos partilhar o seu interesse pela justiça e pela conciliação em toda a sociedade humana, e pela libertação dos homens de todo tipo de opressão. Porque a humanidade foi feita à imagem de Deus, toda pessoa, sem distinção de raça, religião, cor, cultura, classe social, sexo ou idade possui uma dignidade intrínseca em razão da qual deve ser respeitada e servida, e não explorada. Aqui também nos arrependemos de nossa negligência e de termos algumas vezes considerado a evangelização e a atividade social mutuamente exclusivas. Embora a reconciliação com o homem não seja reconciliação com Deus, nem a ação social evangelização, nem a libertação política salvação, afirmamos que a evangelização e o envolvimento sócio-político são ambos parte do nosso dever cristão. Pois ambos são necessárias expressões de nossas doutrinas acerca de Deus e do homem, de nosso amor por nosso próximo e de nossa obediência a Jesus Cristo. A mensagem da salvação implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão e de discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que existam. Quando as pessoas recebem Cristo, nascem de novo em seu reino e devem procurar não só evidenciar, mas também divulgar a retidão do reino em meio a um mundo injusto. A salvação que alegamos possuir deve estar nos transformando na totalidade de nossas responsabilidades pessoais e sociais. A fé sem obras é morta.…” (Disponível em: http://www.ultimato.com.br/pagina/pacto-de-lausanneAcesso em 07 jun. 2011).

- Como afirma o pastor e teólogo Osmar Ludovico da Silva, “…Jesus Cristo vem para salvar e restaurar o homem em todas as dimensões, revertendo os efeitos da queda. Ele faz isso por meio da Sua encarnação, da Sua morte na cruz e da Sua ressurreição. Assim, não se trata só de salvar almas, mas de salvar homens e mulheres na sua integralidade, seu ser completo. A missão de Cristo, cuja proclamação Ele confiou à Sua Igreja, é a de resgatar o homem todo.(…).Jesus Cristo multiplica pães para atender os famintos, cura os enfermos, expulsa demônios e anuncia a salvação. Seu ministério envolve a biologia, o psiquismo e espírito humano. Somos chamados por Cristo a nos envolver com a humanidade minorando seu sofrimento por meio de ações humanitárias, promovendo o desenvolvimento, buscando a justiça. Em todas essas circunstâncias anunciamos o arrependimento e a fé em Cristo para a salvação eterna. A Igreja certamente tem um papel fundamental no nosso país como instrumento de transformação, desenvolvimento e justiça, por uma evangelização acompanhada de ações sociais, educacionais e de cidadania, restaurando o homem brasileiro em todas as suas dimensões. Outro lado dessa mesma questão é a afirmação das Escrituras de que a fé sem obras é morta. Somos chamados a crescer na vida espiritual, nas disciplinas da oração e leitura bíblica, a nos envolver com a missão de Cristo e a praticar boas obras de justiça. As boas obras que Deus espera que pratiquemos dizem respeito a ouvir o clamor dos que sofrem, ir ao encontro deles, levando alívio e esperança, e também buscando para eles justiça e dignidade.…” (A missão integral. Enfoque Gospel, edição 52, out. 2008. Disponível em:http://www.revistaenfoque.com.br/index.php?edicao=52&materia=264Acesso em 07 jun. 2011).
“A grande comissão” somente estará completa se produzir o cumprimento, por parte dos salvos, da “comissão cultural”. Sabemos que a “comissão cultural” somente será cumprida integralmente quando o Senhor Jesus vier governar pessoalmente esta Terra, quando, então, a criação cessará de gemer (Rm.8:18-23), mas, enquanto isto não acontece, precisamos mostrar que o reino de Deus já se encontra entre os homens e isto somente se dará se produzirmos frutos de justiça, e frutos permanentes. Somente assim poderemos mostrar aos homens que estamos unidos à videira verdadeira (Jo.15:5).
- Para que o homem cumprisse a “comissão cultural”, como vimos, era necessário que estivesse em comunhão com Deus. Ora, nós, os salvos, estamos em comunhão com o Senhor e, por isso, podemos, sim, cumprir a “comissão cultural”. Por isso, Jesus nos chama de “luz do mundo” e “sal da terra” (Mt.5:13,14), precisamente porque, estado em comunhão com Ele, podemos, sim, “lavrar e guardar” a Terra, frutificar, multiplicar os discípulos e trazer a bênção de Deus para os homens, tornando-os dominadores sobre a criação, como é o propósito de Deus.
O Evangelho põe o homem no devido lugar que Deus estabeleceu para ele na criação. Não é por outro motivo que, quando uma sociedade adota os valores do reino de Deus, o homem passa a ter real dignidade na ordem social, na vida terrena. É o sal da terra que conserva a imagem e semelhança de Deus, é o sal da terra que minora o sofrimento da humanidade perdida, é a luz do mundo que mantém viva a esperança, de uma “luz no fim do túnel” para a humanidade sem Deus e sem salvação.
- Somente cumpriremos “a grande comissão” se restaurarmos a “comissão cultural”, algo que faremos apenas parcialmente, mas que deve ser feito, pois temos de comprovar aos homens que “o reino de Deus está entre nós”. Temos feito isto?

Colaboração para o Portal Escola Dominical – Dr. Caramuru Afonso Francisco