LIÇÃO 8 – IGREJA – O AGENTE TRANSFORMADOR DA SOCIEDADE


3º Trim. 2011 - Lição 8: Igreja - O Agente Transformador da Sociedade

                                           A Igreja, agência do reino de Deus, tem de transformar a sociedade onde vive.
INTRODUÇÃO
- A Igreja é a agência do reino de Deus sobre a face da Terra e, como tal, é a portadora do Evangelho, que transforma o homem.
- A Igreja,portanto, tem de transformar a sociedade onde vive, pois é luz do mundo e sal da terra.
I – O QUE É A SOCIEDADE
- Na continuidade do estudo sobre a doutrina do reino de Deus, após termos visto como o reino de Deus se manifesta, passaremos a meditar sobre a Igreja como instrumento do reino de Deus. Na lição de hoje, na verdade, estaremos, a um só tempo, observando tanto uma manifestação do reino de Deus através da Igreja quanto um efeito desta manifestação no mundo que nos cerca: a transformação da sociedade.
- As Escrituras indicam que o homem não foi feito para viver solitariamente. Muito pelo contrário, a Bíblia é explícita ao dizer que , ao contemplar o homem, Deus afirmou que " não é bom que o homem esteja só" (Gn.2:18), tendo, então, estabelecido a necessidade de criar a mulher, que serviria como uma adjutora, ou seja, como uma ajudadora, que estivesse diante do homem.
- Como afirma o pensador árabe Ibn Khaldun(1332-1406), considerado um dos precursores das ciências sociais, “…a organização social é necessária para a espécie humana.Sem ela, a existência dos seres humanos seria incompleta. O desejo de Deus de estabelecer o mundo com seres humanos e os deixar como Seus representantes na Terra não se materializaria.…” (Al Muqaddimah. Trad. de Franz Rosenthal, cap.I, 1. Disponível em:http://www.muslimphilosophy.com/ik/Muqaddimah/Chapter1/Ch_1_01.htm Acesso em 28 jun. 2011) (tradução nossa de texto em inglês).
- Não há como fugir à constatação de que Deus fez o homem um ser social. Ao criar o homem, o Senhor foi claríssimo ao mostrar que o homem somente cumpriria o seu papel sobre a face da Terra se vivesse em sociedade. A “comissão cultural”, como já estudamos na lição 4, somente é possível na medida em que o homem viva em sociedade, já que não há como frutificar, multiplicar-se, encher a terra e dominar toda a criação terrena a não ser se vivesse na companhia de outros seres humanos.
- A constatação divina de que “não era bom que o homem estivesse só” (Gn.2:18) é a afirmação de que o homem foi feito para viver em sociedade, que não poderia viver solitariamente. Esta realidade é reproduzida na lei e nos profetas, pois, como nos ensina o Senhor Jesus, toda a lei e os profetas se reduzem a dois mandamentos: amar a Deus e amar ao próximo (Mt.22:35-40), o que nos revela que o homem foi feito para viver em comunhão com Deus e com os demais seres humanos.
- Ao dar o Seu mandamento, o Senhor Jesus repete esta dupla dimensão da natureza humana, pois manda que nos amemos uns aos outros como Ele havia nos amado (Jo.13:34; 15:12) e só é possível amar a Deus se se ama, também, o próximo (I Jo.4:20,21).
- Como afirma o filósofo e pensador brasileiro Mário Ferreira dos Santos (1907-1968), “…vive o homem em sociedade (socius, o que acompanha, companheiro). Para surgir um ser humano, necessita ele de uma parelha de seres de sexos diferentes (homem e mulher), para que o gestem e lhe deem a vida. E é imprescindível ainda que o amparem, até que atinja a suficiente maturidade que lhe permita orientar-se por si mesmo. Em suma: precisa ser educado (e, fora, e ducere, conduzir para…). Desta forma, para surgir um ser humano, impõem-se relações entre seres semelhantes, necessariamente anteriores a ele, com os quais mantêm relações…” (Sociologia Fundamental e Ética Fundamental. 2.ed., p.17. Disponível em:http://www.obrascatolicas.com/livros/Filosofia/Mario%20Ferreira%20dos%20Santos/Sociologia_Fundamental_e_Etica_Fundamental_-_Livro_completo.pdf Acesso em 02 fev. 2010).
- Como afirma a Wikipédia, “…uma sociedade é o conjunto de pessoas que compartilham propósitos, gostos, preocupações e costumes, e que interagem entre si constituindo uma comunidade (…)um grupo de indivíduos que formam um sistema semiaberto, no qual a maior parte das interações é feita com outros indivíduos pertencentes ao mesmo grupo. Uma sociedade é uma rede de relacionamentos entre pessoas. Uma sociedade é uma comunidade interdependente. O significado geral de sociedade refere-se simplesmente a um grupo de pessoas vivendo juntas numa comunidade organizada. A origem da palavra sociedade vem do latim societas, uma ‘associação amistosa com outros’. Societas é derivado de socius, que significa ‘companheiro’, e assim o significado de sociedade é intimamente relacionado àquilo que é social. Está implícito no significado de sociedade que seus membros compartilham interesse ou preocupação mútuas sobre um objetivo comum. Como tal, sociedade é muitas vezes usado como sinônimo para o coletivo de cidadãos de um país governados por instituições nacionais que lidam com o bem-estar cívico.…” (Sociedade. In:WIKIPÉDIA. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sociedade Acesso em 28 jun. 2011).
A sociedade foi criada por Deus para que o homem pudesse cumprir os propósitos estabelecidos pelo Senhor a ele como “coroa da criação terrena”, quais sejam, a frutificação, a multiplicação da espécie e povoamento do mundo e o domínio sobre a criação terrena.
OBS: Por sua biblicidade, reproduzimos o Catecismo da Igreja Romana a respeito do assunto: “…A pessoa humana tem necessidade de vida social. Esta não constitui para ela algo acrescentado, mas é uma exigência de sua natureza. Mediante o intercâmbio com os outros, a reciprocidade dos serviços e o diálogo com seus irmãos, o homem desenvolve as próprias virtualidades; responde, assim, à sua vocação.…” (CIC, § 1879).
- Ora, tendo o homem pecado, com o consequente prejuízo do cumprimento dos propósitos divinamente estabelecidos, isto afetou a sociedade. No próprio juízo divino após a queda do primeiro casal, vemos os efeitos destrutivos causados pelo pecado também em relação à vida social, a começar do surgimento de uma diferenciação entre o homem e a mulher no tocante à igualdade, vez que o homem passou a ter domínio sobre a mulher, numa relação de desigualdade que perdura até os dias hodiernos (Gn.3:16).
- Esta desigualdade estabelecida entre homem e mulher, que não é senão consequência do pecado, refletiria em todas as instâncias da sociedade. O pecado, que é iniquidade (ou injustiça) (I Jo.3:4), fez com que os relacionamentos entre os homens fossem contaminados pela injustiça, pela desigualdade, pelo aviltamento do homem. Toda sociedade não é a mera soma dos homens que a compõem, mas é uma ordem, uma organização em que as pessoas estabelecem os seus relacionamentos tanto entre si como em relação ao próprio todo.
OBS: Por sua biblicidade, reproduzimos trecho do Catecismo da Igreja Romana a respeito: “Uma sociedade é um conjunto de pessoas ligadas de maneira orgânica por um princípio de unidade que ultrapassa cada uma delas. Assembleia ao mesmo tempo visível e espiritual, uma sociedade perdura no tempo; ela recolhe o passado e prepara o futuro.…” (CIC, § 1880).
- O Senhor, após o pecado, mostrou ao homem que, por causa do pecado, não só havia se rompido o relacionamento com Deus, como também o próprio relacionamento entre os homens estaria, doravante, prejudicado, contaminado pelo pecado, o que faria com que a organização da própria sociedade sofresse deste mal. É a esta injusta estrutura da sociedade, que é inevitável, que os estudiosos denominaram de “pecado social”.
- Por sua biblicidade, oportuno aqui reproduzirmos o que diz a respeito o Catecismo da Igreja Romana: “…o pecado torna os homens cúmplices uns dos outros, faz reinar entre eles a concupiscência, a violência e a injustiça. Os pecados provocam situações sociais e instituições contrárias à bondade divina. As ‘estruturas de pecado’ são a expressão e o efeito dos pecados pessoais. Induzem suas vítimas a cometer, por sua vez, o mal. Em sentido analógico, constituem um ‘pecado social’” (CIC, § 1869).
- Vemos bem esta situação na comunidade antediluviana, em que o pecado dominou tanto a civilização dos descendentes de Caim, construída já sem a presença de Deus desde seu início, como a civilização dos descendentes de Sete, que se deixaram contaminar pela maneira pecaminosa dos caimitas. O resultado de uma vida em sociedade debaixo do pecado foi, como nos mostram as Escrituras, a multiplicação da maldade, a corrupção generalizada dos costumes e a violência, a ponto de Deus ter decidido destruir a Terra (Gn.6:5,11,12).
- Assim, embora criada por Deus, a sociedade apresenta, em si mesma, por causa do pecado, uma estrutura injusta, está sempre constituída de modo contrário à vontade de Deus e, em vez de promover a felicidade do homem e proporcionar condições para que o homem cumpra o propósito divinamente estabelecido para ele na face da Terra, sempre leva a condições favoráveis à corrupção da humanidade, sempre é construída de modo a levar o homem à perdição.
- Não estamos aqui a fazer coro aos que entendem que a sociedade é um mal em si e que, portanto, não há como se salvar senão se apartando da sociedade. É preciso compreendermos que, apesar de estar a sociedade desvirtuada por causa do pecado, Deus a fez e quer que os homens nela vivam, pois não é possível ao homem viver só. Tanto assim é que, quando Se fez homem, o Senhor Jesus não Se apresentou como um eremita, como alguém distante de tudo e de todos, mas, bem ao contrário, como alguém que fazia questão de viver com as demais pessoas (Mt.11:19; Lc.7:34), o que, inclusive, era alvo de críticas por parte dos fariseus, dando-nos o exemplo de qual é o papel a ser exercido pelo “corpo de Cristo”, que é a Sua Igreja.
- Prioritariamente, a Igreja, para transformar a sociedade, deve levar, pois, a mensagem do Evangelho. Jesus, na sinagoga de Nazaré, bem disse a razão de ser de Seu ministério, que é, agora, continuado pela Igreja. Disse que havia sido ungido para “evangelizar os pobres”. A evangelização é a primeira atitude que a Igreja deve ter em relação à sociedade, pois, sem que se tire o pecado de cada indivíduo, não há como se mudarem as estruturas sociais.
- Como diz, de forma muito feliz, o Catecismo da Igreja Romana, “A sociedade é indispensável à realização da vocação humana. Para alcançar este objetivo, é necessário que seja respeitada a justa hierarquia dos valores que ‘subordina as necessidades materiais e instintivas às interiores e espirituais’. A convivência humana deve ser considerada como realidade eminentemente espiritual, intercomunicação de conhecimentos à luz da verdade, exercício de direitos e cumprimentos de deveres, incentivo e apelo aos bens morais, gozo comum do belo em todas as suas legítimas expressões, disponibilidade permanente para comunicar a outrem o melhor de si mesmo e aspiração comum a um constante enriquecimento espiritual. Tais são os valores que devem animar e orientar a atividade cultural, a vida econômica, a organização social, os movimentos e os regimes políticos, a legislação e todas as outras expressões da vida social em contínua evolução.” (CIC, § 1886).
OBS: Alguns podem se perguntar porque estamos a citar tanto o Catecismo da Igreja Romana e se isto não seria “herético” ou, ao menos, “imprudente”. No entanto, temos de reconhecer que a produção católica em termos de “doutrina social” é abundante, é algo de mais de 130 anos, enquanto que a produção dita “protestante” é bem menor e mais recente. Além do mais, devemos observar que aquilo em que os católicos se baseiam nas Escrituras não deve ser desprezado, mas, sim, acolhido, visto que a Bíblia é a nossa única regra de fé e prática. Como diz o apóstolo Paulo, devemos examinar tudo e reter o bem (I Ts.5:21).
Sem que removamos o pecado dos homens, a sociedade jamais poderá ser construída segundo a vontade de Deus. Torna-se absolutamente necessário pregarmos o Evangelho, que o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, pois, com a conversão, teremos, inevitavelmente, a instalação da justiça, da paz e da alegria no Espírito Santo não só no coração dos homens, mas, também, na sociedade, visto que, debelado o pecado, também o chamado “pecado social” será removido, visto que é efeito, consequência do pecado de cada um. Como ensinou Nosso Senhor, quando buscamos o reino de Deus e a sua justiça, tudo o mais é acrescido (Mt.6:33).
- Além de evangelizar, a Igreja, também, ainda sob o aspecto espiritual, deve lutar pela transformação da sociedade através da oração. Deus não ouve a pecadores (Jo.9:31) e somente a Igreja tem livre acesso ao trono da graça para apresentar as suas súplicas ao Senhor (Hb.4:16; 10:19-22). Assim, não há como a sociedade ser transformada senão pela ação intercessória da Igreja que pode mover o Senhor pelas suas orações neste sentido (Ed.8:23).
- Jesus, mesmo, deixou-nos o exemplo, ao orar pelos Seus discípulos pouco antes do início de Sua paixão e morte (Jo.17). Tanto assim é que, nos últimos anos, tem surgido um importante movimento na Igreja em todo o mundo a coletar dados e informações a respeito de mudanças sociais profundas ocasionadas pela oração dos servos de Deus em suas respectivas sociedades. Falamos do chamado “movimento de transformação”, que tem trazido exemplos, em todo o mundo, de mudanças sociais vigorosas quando a Igreja assume o seu papel de intercessora da sociedade, santificando-se, vivendo em unidade e clamando a Deus pela melhoria das condições de vida, sem deixar, porém, de agir.
OBS: Se bem que este movimento tenha alguns princípios que não podem ser acolhidos, tais como os falsos conceitos de “batalha espiritual”, não resta dúvida de que o caminho da oração é indispensável para que ocorram mudanças em uma sociedade e é este ponto que devemos aqui reafirmar e tomar como exemplar.
- Agora, não é apenas através da proclamação do Evangelho e da oração que modificaremos e transformaremos a sociedade. Faz-se, preciso, também, que a Igreja produza fruto e fruto permanente entre os homens (Jo.15:16), a demonstrar a sua salvação. Estas suas obras, que confirmam a sua fé em Cristo Jesus (Tg.2:14-26), assim como fez o Senhor Jesus, já manifestam o reino de Deus entre os homens e trazem profundas mudanças na vida em sociedade.
- Como afirmou o teólogo peruano Samuel Escobar, um dos “pais” da “teologia da missão integral”, “…No momento que estudamos o Novo Testamento à luz do seu contexto social, percebemos a forma como os autores apostólicos estão perfeitamente conscientes do mundo em que vivem e são bastante exatos no seu ensino sobre a maneira de viver a fé dentro das realidades e das instituições desse mundo. As passagens didáticas do Novo Testamento, quando não se ocupam da exposição teológica, ocupam-se em grande medida das obrigações e relações sociais dos crentes. Dedicam muito menos atenção, por exemplo, aos deveres religiosos ou ao exercício da piedade. Assim é que, movendo-nos em torno do tema da evangelização, podemos ao mesmo tempo examinar as normas para a realização da nossa responsabilidade social. Nossa norma é Cristo, que é também o nosso Evangelho, o poder e a sabedoria de Deus para nós, aquele que por seu espírito mora em nós aqui e agora (…). Nosso Evangelho será falso se der entender que após o encontro com Cristo e a conversão, o proprietário pode continuar fazendo o que bem entende com a sua propriedade, o capitalista deixa de fumar ou de praticar o adultério, mas continuar explorando os seus operários, o policial distribuir Novos Testamentos no quartel, mas continuar torturando os presos para arrancar confissões, e os jovens revoltosos apenas se transformam em rapazes, que terminam logo seus estudos para poder casar-se e dar seu dízimo, a fim de que a Igreja possa edificar um templo luxuoso com ar condicionado, tapetes e cortinas de veludo. Cristo não veio pregar uma revolução armada para despedaçar as estruturas injustas. Mas esperava dos seus discípulos uma conduta revolucionária caracterizada pelo espírito de serviço e de sacrifício. Tal coisa só é possível se o homem permitir que Deus o transforme, se ele se converter. Não convertamos o Evangelho em apenas um método para ‘ser feliz e viver sem preocupações’…”(A responsabilidade social da igreja. Disponível em: http://www.projetoverdade.com.br/estudos/aprioridadedaevangelizacao.htm Acesso em 28 jun. 2011).
- Assim como nos ensina Escobar, vejamos, então, no exemplo deixado por Cristo, como devemos atuar para transformar a sociedade, além da evangelização, da proclamação do Evangelho.
II – O EXEMPLO DE JESUS NA VIDA FAMILIAR E A TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE A PARTIR DA FAMÍLIA
- Como já dissemos, o Senhor Jesus foi um modelo de vida em sociedade, modelo este que deve ser seguido pela Igreja na sua peregrinação terrena. Ele nos deixou o exemplo para que sigamos as Suas pisadas (I Pe.2:21). Destarte, vendo a vida de Jesus saberemos como devemos nos conduzir na sociedade para que manifestemos o reino de Deus entre os homens.
- Quando Deus enviou Jesus para este mundo a fim de propiciar a nossa salvação, também sabia que Jesus deveria viver em sociedade. Jesus Se humanizou em todos os sentidos, tinha de assumir, também, este aspecto social. Jesus não veio ao mundo como um “extraterrestre”, como um “fantasma”, mas, sim, como um verdadeiro homem e, como tal, como alguém que vivia em sociedade. Não é por outro motivo que mandou que Seus discípulos também “estivessem no mundo”, embora “não fossem do mundo” (Jo.17:14-16).
- Por isso, quando do anúncio da concepção de Jesus, a Bíblia nos indica que o Senhor tomou o cuidado de escolher um lar regularmente constituído segundo os parâmetros sociais daquela época. Jesus iria nascer de uma virgem, uma necessidade para quem havia de ser “o último Adão”, mas esta virgem não poderia ser uma “mãe solteira”, uma “produção independente”. Jesus tinha de nascer em uma família e, mais do que isto, numa família que se constituísse segundo os parâmetros divinos. Eis porque a concepção se deu no ventre de uma virgem que já se encontrava desposada com seu marido (Mt.1:18).
- O fato de Jesus ter sido gerado dentro de um parâmetro familiar mostra-nos, claramente, que devem os Seus discípulos igualmente constituir famílias de acordo com a vontade de Deus, expressa no princípio da família monogâmica, firmada com base no casamento, este compromisso de fidelidade e de vida em comum com exclusividade até a morte física (Gn.2:24; Mt.19:4-9). Deus não permitiu que José abandonasse a Maria, quando soube de sua gravidez (Mt.1:19,20), precisamente porque havia a necessidade de Jesus ser criado em uma família regularmente constituída segundo a lei de Moisés, pois isto fazia parte da Sua humanidade.
No ambiente familiar, Jesus foi exemplar. Foi neste ambiente que cresceu em sabedoria, estatura e em graça para com Deus e os homens (Lc.2:52), sendo um filho obediente e sujeito aos pais (Lc.2:51). Aos 12 anos de idade, como mandava a tradição judaica, foi levado ao templo para assumir Sua responsabilidade perante a lei de Moisés, tendo, também, aprendido com Seu pai social o ofício de carpinteiro. Seguia, assim, todos os costumes da sociedade de Seu tempo, sem qualquer diferença em relação aos de Sua geração.
- Quando iniciou Seu ministério público, Jesus não descurou de Seus deveres familiares. Embora já fosse homem feito e que pudesse levar vida independente, vemo-l’O acompanhando a Sua mãe em uma festa de casamento (Jo.2:1,2), demonstrando, assim, que cumpria Seus deveres de filho primogênito, e o fato de ter acompanhado Maria naquela festa em Caná da Galileia é uma indicação de que José não mais vivia naquela ocasião, até porque, durante todo o Seu ministério público, José não é mencionado, mas tão somente Sua mãe e Seus irmãos (Mt.12:46-50; Mc.3:31-35; Lc.8:19-21; Jo.2:12).
- Em sendo assim, Jesus passou a ser “arrimo de família”, ou seja, a pessoa responsável pelo bem-estar de Seus irmãos e de Sua mãe, já que era o primogênito. Por isso, entendem alguns que, durante a Sua adolescência e juventude, Jesus tenha trabalhado muito para o sustento da Sua família, criando condições para que Seus irmãos pudessem ser criados, já que órfãos de pai, até o início de Seu ministério. Por isso, Jesus era um “homem de dores, experimentado nos trabalhos” (Is.53:3), alguém que não despertava qualquer atração física, sem formosura (Is.53:2), a ponto de aparentar ter uma idade bem superior a que tinha (Jo.8:57).
- Ao iniciar o Seu ministério público, Jesus passou a dar prioridade à obra de Deus, o propósito de Sua vinda ao mundo (Jo.17:4), mas, nem por isso, deixou desamparada a Sua família. Embora não estivesse mais a trabalhar para o seu sustento (o que deve ter cuidado em fazer antes do início do Seu ministério, até porque os Seus irmãos já tinham, também, atingido a idade laboral), não deixou de Se importar com eles, tanto que, mesmo na cruz, tratou de manter amparada a Sua mãe, prova de que não descurou, um só instante, de Seus deveres como filho primogênito (Jo.19:26,27).
- Muitos confundem o exercício do ministério, o fazer a obra de Deus com o abandono da família, chegando, mesmo, a repetir o ensino de Jesus de que é preciso deixar os familiares para segui-l’O (Mt.10:37). No entanto, é preciso entender o contexto em que Jesus disse tais palavras. Jesus estava a ensinar que a família não pode ser obstáculo ao cumprimento da obra de Deus, ao atendimento ao chamado do Senhor. A família, assim como qualquer outro fator, não pode nos impedir de servir a Deus e, neste sentido, é que devemos deixá-la. No entanto, isto não significa que, para servirmos ao Senhor, devamos abrir mão de nossos deveres familiares, pois Jesus não fez isto, pelo contrário, amparou a Sua mãe mesmo quando estava a morrer por nossos pecados.
- Tanto é assim que podemos observar que Jesus nunca permitiu que Sua família Lhe impedisse de realizar o Seu ministério, sem que, para tanto, tivesse desprezado ou descurado Seus deveres familiares. Na vez em que disse que Seus familiares eram os Seus discípulos e não Sua mãe e irmãos que haviam ido ao Seu encontro, isto se deveu ao fato de que Seus familiares pretendiam prendê-l’O, pois consideraram que Ele estava louco ou, mesmo, possuído de espírito imundo (Mc.3:20,30), pois nem Seus irmãos criam n’Ele (Jo.7:5). Assim, ir ao encontro dos Seus familiares naquela situação era um embaraço, um obstáculo à realização da obra de Deus.
- A preocupação com a família era tão presente em Jesus que o Senhor fez questão de propiciar a salvação dos Seus familiares, inclusive aparecendo exclusivamente a Tiago, Seu irmão mais velho (I Co.15:7). Jesus não descurou, portanto, de Sua família e mostrou ser não só o Salvador da humanidade, mas também dos Seus, tanto que toda Sua família se encontrava no cenáculo e receberam o batismo com o Espírito Santo no dia de Pentecostes (At.1:14).
- Assim, Jesus nos mostra que, na vida em sociedade, devemos dar especial atenção à família, cumprindo nossos deveres familiares, não só em relação aos pais, mas também aos filhos, proporcionando e aproveitando de uma educação consentânea com a Palavra de Deus e com a cultura do local onde habitamos, a fim de que possamos dar bom testemunho diante de Deus e dos homens. Não podemos, porém, permitir que a família seja um obstáculo para o cumprimento de nosso ministério, nem deixar de nos esforçarmos para que os nossos familiares sejam alcançados pela salvação.
- Este exemplo deixado por Jesus mostra que a Igreja deve peculiar cuidado para com a família no seu relacionamento com a sociedade. Deve ser estruturada em famílias que estejam de acordo com a vontade do Senhor e com a Sua Palavra, como também deve valorizar a família que, afinal de contas, é a “célula mater” da sociedade, ou seja, toda sociedade é estruturada sobre a família.
- É com tristeza que vemos, na atualidade, o descuido de muitos que dizem cristãos ser com as suas próprias famílias e, em consequência, com a família em geral. A desintegração da sociedade, nos dias de hoje, está centrada na desintegração da família e o inimigo de nossas almas tem escolhido a família como seu alvo preferencial, prioritário. Sem que fortaleçamos a família, não há como transformarmos a sociedade. A transformação da sociedade pelo Evangelho passa, em primeiro lugar, pela transformação da família, pela sua conformação ao modelo bíblico.
A Igreja precisa, pois, resgatar as famílias, levando-as ao conhecimento do Evangelho e à sua transformação, mediante a valorização do casamento como única forma bíblica de constituição da família, com a defesa da abstinência sexual até o casamento e de uma vida de fidelidade entre os cônjuges, com o exercício de um amor compromissado entre marido e mulher, como figura do relacionamento entre Cristo e a Igreja.
- A Igreja precisa fazer com que haja o devido relacionamento entre pais e filhos, mediante a observância dos mandamentos bíblicos a respeito, com a honra e obediência por parte dos filhos aos pais e a instrução doutrinária e a educação com amor dos pais em relação aos filhos.
- A Igreja, por fim, precisa fazer com que as famílias sejam verdadeiros “lares”, ou seja, ambientes de adoração a Deus e de exercício do amor entre os familiares, um verdadeiro altar ao Senhor.
III – O EXEMPLO DE JESUS NA VIDA COMUNITÁRIA E A TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE A PARTIR DO EXERCÍCIO DO AMOR AO PRÓXIMO
- Mas a vida em sociedade, embora comece na família, não se limita a ela. Jesus, mesmo antes de Seu ministério público, também manteve relacionamento salutar e exemplar em sua comunidade, tanto que era pessoa assaz conhecida na pequenina Nazaré, como nos mostram os Evangelhos, que relatam que, ao ir à sinagoga, foi prontamente reconhecido como o “carpinteiro”, “filho do carpinteiro” (Mt.13:55; Mc.6:3).
- Vemos, por primeiro, que Jesus, em Sua vida em Nazaré, foi reconhecido como integrante de uma família e pelo Seu ofício de carpinteiro, ou seja, tinha uma vida pautada por um comportamento familiar condizente e por uma vida baseada no trabalho para sustento e sobrevivência, perfeitamente dentro dos parâmetros estabelecidos por Deus aos homens (Gn.3:19).
- As Escrituras, também, informam-nos que Jesus tinha o costume de ir à sinagoga (Lc.4:16), especialmente no dia de sábado, a mostrar, pois, queJesus também era um cumpridor das normas religiosas, da lei de Moisés, apresentando-se, assim, como uma pessoa devota e moralmente responsável.
- No entanto, e toda a Sua pregação revelaria isto, Jesus não Se contentava em viver para Si, em cumprir normas, regras e ter uma vida decente e respeitável entre os Seus, mas, bem ao contrário, era alguém que Se preocupava com os outros, que fazia uma realidade concreta em Sua vida aquele que considerou ser o segundo grande mandamento, qual seja, o amor ao próximo (Mt.22:39; Mc.12:31).
- Jesus não só ensinou quem é o próximo, como nos deixa claro na parábola do bom samaritano (Lc.10:25-37), como demonstrou, na Sua vida, este cuidado para com os semelhantes, sem Se importar com quaisquer preconceitos existentes. Jesus andou fazendo bem, curando a todos os oprimidos do diabo (At.10:38), sem qualquer acepção de pessoas. Por isso, Jesus mantinha contato com as pessoas que eram marginalizadas na sociedade de Sua época, como os leprosos, os doentes em geral, os publicanos, as mulheres e as crianças.
- Jesus demonstrava Seu grande amor a todos, sem fazer qualquer distinção e, mais do que isso, confrontando-se com todos os preconceitos e costumes contrários a este tratamento imparcial, exigido da parte de Deus, que não faz acepção de pessoas (Dt.10:17). Os próprios discípulos, mesmo depois da morte, ressurreição e ascensão de Jesus, tiveram dificuldade para compreender esta realidade (At.10:34).
Jesus, durante Seu ministério público, mostrou-nos, como ninguém, que os relacionamentos sociais devem ser pautados pelo amor. Devemos amar até os nossos inimigos (Mt.5:44) e Jesus não só ensinou como fez assim, a ponto de ter mantido a consideração por Judas Iscariotes, chamando-o de amigo, no instante mesmo da traição (Mt.26:50). Somente podemos ser “próximo” de alguém se tivermos compaixão por ele (Lc.10:33), se sentirmos o que ele sente, ou seja, se o amarmos.
Jesus sempre foi movido por compaixão pelos homens e isto fez com que entregasse a Sua vida pelo resgate da humanidade (Jo.15:13; Rm.5:8). Jesus mostrou que, na vida em sociedade, devemos ser guiados pelo amor e, por isso, não somos de nós mesmos, mas devemos viver para servir os demais (I Jo.3:16), para amar os demais, pois quem não ama ao próximo que vê, não pode, em absoluto, amar a Deus (I Jo.4:20).
- Um ponto interessante no comportamento social de Jesus é a Sua preocupação em atender aos necessitados, aos pobres, aos que precisavam. Tinham eles quase que uma preferência por parte do Senhor, que, inclusive, mantinha uma bolsa para atender às necessidades materiais dos desvalidos (Jo.12:6; 13:29).
Na vida em sociedade, pois, devemos ter uma vida caracterizada pelo amor, amor este que é incondicional, gratuito e desinteressado, o amor “agape”(αγάπη), o amor de Deus que foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo (Rm.5:5). Tendo uma vida familiar estruturada, vivendo do próprio trabalho, mantendo uma vida moral e religiosa respeitável e, sobretudo, amando o próximo e tendo por ele compaixão, bem nos comportaremos em sociedade. Foi este o exemplo que Jesus nos deixou.
- Embora venhamos a falar mais especificamente desta atuação da Igreja na lição 10, desde já, é importante mostrarmos que a Igreja precisa demonstrar o amor de Deus aos homens e isto se dá mediante os relacionamentos que estabelece com a sociedade, muito especialmente com os desvalidos e desprezados pela sociedade.
- Um dos propósitos divinos ao homem foi o de dar-lhe a devida dignidade, como coroa da criação terrena (Sl.8:4,5). Por isso, a Igreja, em seu relacionamento com os homens, como agência do reino de Deus, tem de se comportar de modo a dar ao ser humano o seu devido valor, de mostrar ao mundo que o homem tem de ser restaurado como imagem e semelhança de Deus. Como afirma, de forma muito feliz, o Catecismo da Igreja Romana, “… ‘a pessoa humana é e deve ser o princípio, sujeito e fim de todas as instituições sociais’(CIC, § 1881).
- Assim, a Igreja deve tratar o ser humano como um ser dotado de uma dignidade intrínseca, não permitindo que nada obtenha maior valor ou consideração no ambiente social do que o ser humano. A sociedade somente alcançará os fins estabelecidos pelo Senhor quando o homem ocupar a posição central, quando o homem for tratado com a dignidade com que foi criado por Deus.
- Nos dias hodiernos, o inimigo de nossas almas, que odeia o ser humano, tem procurado, de todas as formas, desvirtuar este propósito divino, buscando, assim, aviltar o homem, desconsiderá-lo, torná-lo indigno. Assim, transforma o homem em mero animal irracional, quando o leva para a perversão sexual, tornando-o mero objeto da lascívia alheia; torna-o mero “zumbi”, quando o leva para a escravidão das drogas; torna-o mero instrumento de exploração, quando o leva para a ganância e o consumismo.
- É através da ajuda àqueles que, enganados e iludidos pelo pecado, são lançados fora do meio social, desprezados e marginalizados, que estaremos, de pronto, mostrando aos homens o valor de cada ser humano e manifestando o reino de Deus, que é a soma das bênçãos, alianças e promessas que Deus dá aos homens, não importando o estado em que se encontram, na pessoa bendita de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. O próprio Jesus disse que havia vindo para os doentes e não para os sãos (Mt.9:12; Mc.2:17).
IV – O EXEMPLO DE JESUS COMO CIDADÃO E A ATUAÇÃO DA IGREJA NA VIDA POLÍTICA
- A vida em sociedade, porém, apresenta um outro ponto importante: o aspecto político, o nosso relacionamento com as autoridades, com o Estado.
- Jesus viveu uma época difícil para o povo de Israel. Os judeus se encontravam sob dominação romana, que, sob todos os aspectos, em especial na Palestina, era cruel e opressora. Roma vivia o auge de seu poderio na região e as lutas internas haviam dado lugar ao reinado do primeiro imperador, César Augusto, que, depois, foi sucedido por Tibério. Era o período da chamada “pax romana”, em que a ausência de inimigos externos se traduziu numa época de grande exploração dos povos dominados por parte do governo romano.
- A dominação romana também significara a manutenção do poder nas mãos dos saduceus, que controlavam o Templo e o Sinédrio, onde também tinham assento os fariseus, pessoas religiosas e que não admitiam a influência do paganismo em seus conceitos, ao contrário do que acontecia com os saduceus. Além destes dois grupos, o cenário político-religioso da Judeia também possuía os seguidores de Herodes Antipas (os herodianos), os essênios (que viviam em comunidades isoladas, fora da sociedade) e os zelotes, estes últimos defensores de uma rebelião que pusesse fim ao domínio romano.
- Assim, apesar do domínio indiscutível de Roma, a situação política na Palestina dos tempos de Jesus estava longe de ser considerada tranquila, embora as turbulências e agitações fossem ocorrer, com muito maior intensidade, anos depois do ministério terreno de Jesus.
- Apesar deste cenário, porém, Jesus, ao contrário do que defendem alguns “teólogos revolucionários” dos nossos dias, não Se comportou como um rebelde ou um líder político, tendo sido este, aliás, um dos principais motivos para a Sua rejeição por parte de Israel. Por isso, por volta do ano 130, muitos cerrariam fileiras em torno de Bar-Kochba, quando este, dizendo-se o Messias, lideraria uma revolta armada contra Roma e que selaria a expulsão dos judeus da Palestina.
Jesus não Se isolou da sociedade, como fizeram os essênios, mostrando que não é o sectarismo a postura que se deve adotar no relacionamento com as autoridades constituídas. Reconhecendo que elas são ministros de Deus (Rm.13:1-7), Jesus jamais desafiou o domínio romano, estabelecendo, porém, que há limites para a autoridade civil que, por exemplo, não pode invadir o terreno reservado para a Palavra de Deus (Mt.22:21; Mc.12:17; Lc.20:25).
- Assim, enquanto súdito do Império Romano, não defendeu o não pagamento dos tributos a Roma, reconhecendo, pois, a legitimidade que tinha o poder romano de cobrar impostos dos povos dominados. Também não se furtou ao pagamento do imposto do Templo, embora soubesse que, como Filho de Deus, não devesse fazê-lo, mas, para que não houvesse escândalo, não só pagou o Seu tributo, como também o de Pedro (Mt.17:24-27).
- Diante das autoridades, quando de Seu julgamento, Jesus, em momento algum, questionou a autoridade daqueles que Lhe julgavam, embora deixasse claro a Pilatos que seu poder era decorrente de constituição divina (Jo.19:11). Ao próprio Pilatos, mostrou que Sua vocação não era política, nem havia vindo para isto em Sua primeira vinda (Jo.18:36).
Jesus não deixou, porém, de denunciar os abusos feitos em nome da autoridade, sendo exemplo disto o que fez no templo, transformado de casa de oração em verdadeiro mercado, que o Senhor não deixou de designar como “covil de ladrões”  (Mt.21:13; Mc.11:17; Lc.19:56).
- Embora tivesse sido levado a Pilatos como um líder subversivo, a verdade é que Jesus jamais questionou o domínio romano, embora Sua mensagem, pautada na verdade e santidade, fosse uma evidente condenação de toda a corrupção reinante tanto entre as autoridades romanas, como também entre os sacerdotes. Por isso, foi considerado uma ameaça às instituições e, como tal, condenado à morte na cruz (Jo.19:15,16).
- Não resta dúvida de que Jesus foi um cidadão exemplar e que, em o sendo, trouxe uma mensagem muito mais perigosa aos maus governantes do que os dos rebeldes e guerreiros. Tendo um comportamento piedoso, que Lhe dava autoridade moral e espiritual, Jesus podia, como ninguém, denunciar o pecado e o vício, o que O fez ter a oposição de todas as estruturas fétidas do poder daquela época.
- Assim, também, na atualidade, os discípulos do Senhor Jesus devem ser, também, cidadãos exemplares, obedientes às leis e às autoridades constituídas, cumpridores de seus deveres cívicos, conquanto também tenham de pregar a verdade com ousadia e intrepidez, sabendo que a pregação da Palavra irá incomodar, e muito, as estruturas corrompidas do poder. Como Jesus, a Igreja também sofrerá perseguição nesta área, mas deve se manter firme, pois, assim como Jesus venceu, nós também havemos de vencer.
- Na sua atuação diante das autoridades, a Igreja não pode se calar a tudo quanto se pretenda instituir na sociedade e que seja contrário aos preceitos bíblicos, à vontade de Deus. Deve, a exemplo de João Batista (Mt.14:3,4; Mc.6:17,18), denunciar todos os desvios morais dos governantes, toda a corrupção, toda a tomada de decisões que contrarie os princípios estabelecidos por Deus aos homens.
- De igual modo, deve estar pronta a auxiliar as autoridades em todas as medidas que se fizerem necessárias para o bem-comum, pois, “…A prioridade reconhecida à conversão do coração não elimina absolutamente, antes impõe, a obrigação de trazer instituições e às condições de vida, quando estas provocam o pecado, o saneamento conveniente, para que sejam conformes às normas da justiça e favoreçam o bem, em vez de pôr-lhe obstáculos” (CIC, § 1888).
- Este auxílio dá-se, primeiramente, através da intercessão, pois cabe à Igreja a oração em favor das autoridades para que tenhamos uma vida quieta e sossegada com toda a piedade e honestidade (I Tm.2:2). Como Deus só ouve a quem está em comunhão com Ele (Sl.86:1-3; Is.59:1,2; Jo.9:31), é indispensável que a Igreja interceda pelos incrédulos, pelos que ainda vivem em pecado, em especial àqueles que estão na direção de todo o corpo social.
- A Igreja precisa levantar-se, como agência do reino de Deus sobre a face da Terra, e bradar qual a vontade de Deus em cada decisão que se pretende tomar na direção da sociedade, evitando, assim, que a iniquidade, o mistério da injustiça venha a ditar as normas que regem a nossa convivência social.
- Como afirmou Samuel Escobar, já citado neste estudo, não é papel da Igreja fazer revoluções, ditar normas para o exercício da atividade política, nem tampouco misturar-se com o governo ou os governantes, mas é seu papel indelegável mostrar ao governo e aos governantes a vontade de Deus em cada tema proposto.
- Neste sentido, lembremo-nos das sábias palavras dos judeus Shemaiá e Raban Gamliel, no tratado Pirke Avot do Talmude (segundo livro sagrado do judaísmo), respectivamente: “Ama o trabalho, não queiras postos de mando e não te faças íntimo dos governantes” (Pirke Avot 1:10) e “Tomai cuidado com os governantes, pois eles não se aliam a homem algum senão em proveito próprio: parecem amigos quando isso lhes convêm, mas retiram o apoio na hora da adversidade” (Pirke Avot 2:3). Afinal de contas, “…O Reino de Cristo não é deste mundo. Não é um reino que se imponha aos homens tão logo tenha conquistado o poder político. A América Latina tem uma triste história de alianças entre o político e a religião…” (ESCOBAR, Samuel. op.cit.).
- Por isso, para transformar a sociedade, é indispensável que a Igreja se posicione sobre cada tema a ser discutido na sociedade e leve as pessoas a tomar decisões conforme à Palavra de Deus, sem que tenha qualquer ambição de misturar-se com governantes ou governos, mas também jamais se omitindo, como temos visto tristemente ocorrer em nosso país, que caminha, celeremente, para o estabelecimento de instituições anticristãs.
OBS: “Onde o pecado perverte o clima social, é preciso apelar à conversão dos corações e à graça de Deus. A caridade impele a justas reformas. Não existe solução da questão social fora do Evangelho” (CIC § 1896).
- Temos agido neste sentido? Temos nos conscientizado de que a Igreja, como agência do reino de Deus sobre a face da Terra, tem de não só proclamar o Evangelho e orar mas agir para que a sociedade seja transformada? Somente transformaremos a sociedade se, antes, nos transformamos a nós mesmos pela renovação do nosso entendimento (Rm.12:2). Somente poderemos levar a vontade de Deus para a sociedade, se, antes, nós mesmos a experimentarmos (Rm.12:2). Somos, verdadeiramente, agentes do reino de Deus?

Colaboração para O Portal Escola Dominical – Dr. Caramuru Afonso Francisco