Para ser instrumento do reino de Deus, a Igreja precisa preservar a sua identidade.
INTRODUÇÃO
- A Igreja, como agência do reino de Deus, transforma a sociedade, porque é sal da terra e luz do mundo.
- Para ser agência do reino de Deus, porém, o sal tem de salgar e a luz, de iluminar, precisamos preservar a identidade que nos foi concedida pelo Espírito Santo diante da obra redentora do Calvário.
I – A IDENTIDADE DA IGREJA
- Diz o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa que, entre outros significados, “identidade” é “conjunto de características e circunstâncias que distinguem uma pessoa ou uma coisa e graças às quais é possível individualizá-la”, palavra que tem origem no latim, onde “identitas” vem do pronome “idem”, que significa “o mesmo” e que teria gerado o advérbio “identidem”, cujo significado era “de novo, repetidamente”.
- Vemos, então, que a “identidade” é o conjunto de características que se repetem, que estão presentes em um ser de tal maneira que podemos reconhecê-lo por causa destas características.
- A Igreja, enquanto agência do reino de Deus, tem de mostrar características que a identificam diante das demais nações que existem sobre a face da Terra. Jesus, mesmo, disse que o reino de Deus seria tirado dos judeus e dado a outra nação que desse os frutos deste reino (Mt.21:43), de pronto nos mostrando que esta nação teria de produzir frutos, frutos este que Paulo afirma serem frutos de justiça, que são por Jesus Cristo, para glória e louvor de Deus (Fp.1:11).
- Para que possa, pois, ser instrumento do reino de Deus aqui na Terra, a Igreja precisa ser esta nação que dê frutos de justiça e é por este motivo que precisa manter as características que lhe foram dadas pelo Senhor Jesus, pois foi Ele quem edificou esta Igreja (Mt.16:18; I Co.3:11; Ef.2:20; I Pe.2:6).
- O mistério da Igreja foi revelado pelo Senhor Jesus em Cesareia, quando afirmou que a edificaria e as portas do inferno não prevaleceriam contra ela (Mt.16:18). Tal revelação deu-se logo após o próprio Pedro ter tido a revelação do Pai de que Jesus era o Cristo, o Filho de Deus vivo (Mt.16:16,17), a mostrar, claramente, que a Igreja, enquanto agência do reino de Deus, é algo que vem diretamente de Deus, de uma operação sobrenatural e não tem qualquer relação com a carne, com a natureza pecaminosa do homem.
- Isto é importante porque a Igreja, como agência do reino de Deus, é composta de pessoas que foram alcançadas pelo Espírito Santo, que foram convencidas do pecado, da justiça e do juízo (Jo.16:8-11), uma nação formada espiritualmente, daí porque o reino de Deus não é deste mundo (Jo.18:36). Toda e qualquer tentativa de se construir a Igreja por outro meio que não o novo nascimento, a geração pela Palavra, faz com que tenhamos uma falsificação, uma falsa igreja, que, aliás, é algo recorrente nestes dias difíceis em que estamos a viver.
- Ao procurarmos as características que dão a identidade da Igreja, por primeiro, temos de nos reportar à própria revelação de Jesus Cristo a respeito deste mistério, na já mencionada declaração de Cesareia, quando nos são apresentadas três características que identificam a Igreja. A propósito, vemos aqui já uma indicação da mesma natureza que tem Igreja e reino de Deus (ainda que não se identifiquem, como já tivemos ocasião de estudar na lição 1 deste trimestre). Ambos são “mistérios” divinos, ou seja, realidades que somente são percebidas e vistas por um ato de revelação de Deus aos homens, que não pode ser apreendida nem compreendida pela mente humana.
- A primeira característica da Igreja é o fato de ser “de Jesus Cristo”. O Senhor Jesus foi bem claro ao dizer: “Edificarei a Minha Igreja”. A Igreja pertence a Jesus Cristo, é d’Ele. Por isso, quando Jesus Se apresenta a Saulo no caminho de Damasco, diz que Ele é quem está sendo perseguido, pois a Igreja é Sua propriedade. Nos dias de Jesus, máxime no mundo greco-romano, havia muitas “igrejas”, i.e., muitas “ekklesiai”(εκλησιαι), reuniões de pessoas que, fora de suas casas, normalmente em espaços para isso destinados na cidade (e Cesareia de Felipe, construída segundo os moldes greco-romanos, devia possuir um espaço desta natureza, chamado “ágora”). Entretanto, Jesus formaria a “Sua Igreja”, uma reunião de pessoas que seria tirada do mundo, que estaria liberta do poder do pecado (Jo.8:31-36).
- A segunda característica da Igreja é o fato de ser “edificada por Jesus Cristo”. A Igreja não é só de Jesus, mas é edificada, é construída pelo próprio Jesus, que é “a principal pedra de esquina” (Ef.2:20), o único fundamento (I Co.3:11). A Igreja, portanto, é sempre dinâmica, está sempre crescendo e crescendo para cima, almejando o céu. Não é uma “torre de Babel”, onde os homens buscam demonstrar sua independência em relação a Deus (Gn.11:4), mas uma edificação que, tendo a Cristo por base, depende de Cristo para sua contínua edificação.
- A terceira característica da Igreja é o fato de que, uma vez instituída, sofre ela a oposição do maligno. Disse Jesus: “Edificarei a Minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt.16:18). Ao mencionar a Igreja, Jesus não deixou de dizer que haveria um embate, uma luta constante entre esta Igreja e “as portas do inferno”, expressão cujo significado é discutido pelos estudiosos da Bíblia, mas que representa aqui o poder do maligno, a força do pecado, o que o próprio Jesus chamou de “serpentes, escorpiões e toda a força do inimigo” (Lc.10:19) e o apóstolo Paulo denominou de “principados, potestades, os príncipes das trevas deste século, as hostes espirituais da maldade nos lugares celestiais” (Ef.6:12).
- Mas, além destas características da Igreja apresentadas pelo Senhor Jesus já no ato mesmo da sua revelação à humanidade, encontramos, também, outras características que foram reveladas pelo Espírito Santo tanto a Paulo quanto a Pedro durante o processo de inspiração das Escrituras em o Novo Testamento.
- Paulo, ao escrever a sua carta aos efésios, que é um verdadeiro estudo sobre a Igreja, ao falar sobre o mistério de Cristo e da Igreja (Ef.5:32), diz-nos que a Igreja é a mulher de Cristo, santificada e purificada com a lavagem da água, pela Palavra, para que se apresente a Ele como igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível, sustentada e alimentada pelo Senhor Jesus (Ef.5:26,27,29).
- A Igreja, portanto, é a mulher de Cristo, a Sua futura esposa, aquela que está prometida para casar-se com o Senhor Jesus. Ora, como Jesus é o “último Adão” (I Co.15:45), temos que a Igreja, nada mais é que a “última Eva” e, como tal, é “osso dos ossos de Cristo, carne de Sua carne” (Gn.2:23).
- Sabemos que Jesus foi gerado por obra e graça do Espírito Santo (Lc.1:34,35) e, portanto, a Igreja, que é “osso dos Seus ossos, carne da Sua carne”, também é gerada pelo Espírito Santo, daí porque Jesus ter dito a Nicodemos que o novo nascimento que nos faz ver o reino de Deus é um “nascimento do Espírito” (Jo.3:6).
- A Igreja, portanto, nasce do Espírito Santo, é gerada por uma operação sobrenatural, pelo novo nascimento, nascimento este que não se dá senão pela Palavra de Deus (I Pe.1:23). Não foi à toa que Jesus, ao iniciar suas parábolas a respeito do reino dos céus, começou pela parábola do semeador, precisamente para nos indicar que é a semente da Palavra de Deus que faz surgir o reino de Deus entre nós (Mt.13:3,19; Mc.4:3,14; Lc.8:5,11).
- Esta mesma característica é-nos dada pelo apóstolo Pedro, que denominou a Igreja de “geração eleita” (I Pe.2:9), tendo, já no limiar de sua primeira epístola, apresentado o povo de Deus como sendo de “eleitos” (I Pe.1:2), “gerados de novo para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo, dentre os mortos, para uma herança incorruptível, incontaminável e que se não pode murchar, guardada nos céus para nós” (I Pe.1:3).
- Neste ponto, aliás, é interessante observar que a nova geração que dá origem e identidade à Igreja está alicerçada na ressurreição de Jesus Cristo. “…A esperança cristã está sujeita à ressurreição de Cristo que, por sua vez, justifica a pregação evangélica e a fé como interligadas. O fato é que o testemunho dos evangelistas e dos apóstolos sobre a ressurreição de Cristo é a razão pela qual a igreja persevera na luta contra o mal-estar da humanidade, anunciando a Cristo como a revelação de Deus na história e o propósito da graça para apagar a história do pecado e trazer um novo tempo para a nova humanidade em Cristo. A esperança não é a esperança do mundo, é a esperança da igreja.…” (SANTOS, Roberto dos. Fé, poder e esperança: um testamento teológico para as Assembleias de Deus, p.31).
- Quando deixamos a realidade da ressurreição de Jesus Cristo de lado ou em plano secundário, quando não vemos em Cristo, as primícias dos que dormem (I Co.15:20), o exemplo a ser seguido, o alvo a ser alcançado, não podemos, definitivamente, ser um instrumento do reino de Deus sobre a face da Terra.
- Gerada pela Palavra de Deus, a Igreja precisa se manter separada do pecado, pois é mantida no mundo (Jo.17:15), embora não pertençam a ele (Jo.17:16), mas, como já visto, a Cristo. Esta separação do pecado, que é a santificação e a purificação, também, pela Palavra (Jo.17:17), é outra característica da Igreja, daí porque Pedro ter chamado a Igreja de “nação santa” (I Pe.2:9).
- A Igreja é um verdadeiro “corpo estranho” neste mundo, pois, enquanto o mundo está imerso no maligno, a Igreja é de Deus, porque não está em pecado (I Jo.5:19; 3:9). Como “corpo estranho”, acaba produzindo alterações no mundo, como um verdadeiro “tumor benigno” que causa alterações e modificações não desejadas nem queridas pelo deus deste século, pelo príncipe deste mundo, em quem a Igreja, a exemplo de Cristo, nada tem (Jo.14:30). A Igreja é o “corpo de Cristo” (I Co.12:27) e, portanto, um corpo sem pecado (Hb.4:15).
- Na descrição feita pelo apóstolo Paulo, vemos que a santidade é uma condição “sine qua non”, um pressuposto para que a Igreja apresente outras características que a identificam diante dos judeus e dos gentios. Sem a santificação, ninguém verá o Senhor, diz o escritor aos hebreus (Hb.12:14) e, sem ver o reino de Deus, já sabemos que não podemos ser súditos de Cristo Jesus.
- Sendo santa, a Igreja apresentar-se-á a si mesma diante de Cristo como gloriosa, pois nela estará a glória de Deus, o que se entende pelo fato de que, estando em santidade, a Igreja estará em plena comunhão com Deus, que é o Senhor da glória, tendo acesso ao trono da graça, por intermédio da oração, alcançando, assim, a graça e a misericórdia de Deus, bem como a ajuda em tempo oportuno (Hb.4:16).
- Este acesso da Igreja ao trono da graça permite que, no mundo, tenhamos uma vida quieta e sossegada, em toda a piedade e honestidade, que é o resultado da intercessão da Igreja diante de Deus em prol dos homens, em especial, dos governantes (I Tm.2:1-3). Esta realidade, como já temos tido ocasião de afirmar neste trimestre, tem se verificado em vários locais na atualidade, como nos dão conta os diversos “movimentos de transformação”.
- Esta glória, ademais, não se trata de uma “demonstração de superioridade” por parte da Igreja, mas, bem ao contrário, é uma “demonstração de serviço” e um testemunho que são percebidos pelos incrédulos. Não é a Igreja que aparece, mas, sim, o Pai, pois, pelas nossas obras, os homens são levados a glorificar ao Senhor (Mt.5:16). É por isso que Paulo registra que “os frutos de justiça” são para “glória e louvor de Deus” (Fp.1:11). A Igreja é um espelho que reflete a glória de Deus aos homens, pois é ela o corpo de Cristo, a imagem do Senhor sobre a face da Terra (II Co.3:18).
- Bem se vê, claramente, que o que se vê hoje em nome do Evangelho, uma glorificação de homens e mulheres, o surgimento de “ícones”, de verdadeiros “popstars” no meio dito “evangélico” é uma contrafação, uma falsificação do que é a Igreja e é algo que não pode ser compartilhado nem tolerado pelos verdadeiros súditos de Cristo Jesus.
- Mas, além de gloriosa, a Igreja apresenta-se a si mesma como sem mácula, ou seja, sem mancha. Ela é santa e, portanto, suas vestes são brancas, não se encontram contaminadas nem manchadas pelo pecado, lavadas e purificadas que foram e são continuadamente pelo sangue de Jesus Cristo (Ap.3:4,5; 22:14; I Jo.1:7).
- As vestes brancas, que surgem como símbolo da pureza e santidade da Igreja, são identificadas como “vestes de linho” e nos mostram as justiças dos santos (Ap.19:8). A ausência de mácula da Igreja mostra-se aos homens como exercício da justiça. Os súditos do reino de Deus são justos, sua justiça excede a dos escribas e dos fariseus (Mt.5:20), ou seja, estão acima da religiosidade e das máximas morais traçadas pelos homens em suas religiões e filosofias.
- A justiça buscada pelos homens com seus próprios esforços não passa de “trapo de imundícia” (Is.64:6). Não há como se ter a verdadeira justiça sem que haja a libertação do pecado e, por isso, todo e qualquer esforço humano para que se estabeleça a justiça será um fracasso, como tem demonstrado a história da humanidade com todas as iniciativas apresentadas através de ideologias e filosofias surgidas ao longo dos séculos, dos quais o marxismo-leninismo (o “comunismo”) é o exemplo mais recente.
- O mundo, imerso no maligno, vive de acordo com as estruturas do “mistério da injustiça” (II Ts.1:7), que ainda não dominou completamente o mundo precisamente por causa da Igreja, que atua como este “corpo estranho”, que tem permitido ao mundo a oportunidade de entregar-se a Cristo Jesus. No entanto, esta oportunidade brevemente findará e o Espírito Santo deixará de resistir a este “mistério da injustiça”.
- Mas, além de gloriosa e sem mácula, a Igreja se apresenta a si mesma diante de Cristo e dos homens como “sem ruga, nem coisa semelhante”. A ruga é um “sulco de expressão”, ou seja, “marca estreita mais ou menos profunda” que se apresenta na pele por causa do envelhecimento. A ruga, dizem os anatomistas, aparece por duas razões: pela repetiçãoconstante de determinados movimentos faciais (como frangir a testa) ou pela idade, por conta do afrouxamento da musculatura e da própria pele com influência da gravidade.
- A Igreja não apresenta qualquer ruga, pois, em primeiro lugar, não repete movimentos por sua própria vontade, fazendo sempre a vontade de Deus. Quem faz a vontade de Deus permanece para sempre (I Jo.2:17), pois passa a compartilhar, desde já, da eternidade divina e, na eternidade, não há presente, passado nem futuro, não se tendo, pois, o envelhecimento.
- A Igreja não apresenta qualquer ruga pois, em segundo lugar, vive em novidade de vida, está sendo renovada a cada instante pelo Espírito Santo e pela Palavra de Deus (II Co.4:16), pois as misericórdias do Senhor são novas a cada manhã (Lm.3:23). É oportuno observar que, ao contrário do que se diz por aí, não é a Palavra de Deus que se renova todo o dia, mas, sim, a Igreja, os salvos por Jesus Cristo que são renovados pela Palavra que, por ser eterna, nunca envelhece e, por isso, não precisa ser renovada (I Pe.1:25).
- A Igreja, além de gloriosa, sem mácula nem ruga ou coisa semelhante, deve se apresentar a si mesma como santa e irrepreensível. Parece haver aqui uma repetição, pois já foi dito que a Igreja foi santificada e purificada por Cristo e pela Sua Palavra e que, por isso, se apresenta como gloriosa, sem mácula nem ruga ou coisa semelhante. No entanto, se a repetição serve para que se reafirme a importância da santidade, tem-se que não é uma mera repetição, mas envolve um significado profundo: a santidade não sé é uma relação de Cristo com a Igreja, que permite a comunhão com Deus, mas, sobretudo, é uma manifestação que se revela aos demais homens, aos incrédulos.
- A Igreja foi santificada e purificada por Cristo através da lavagem da água, pela Palavra, mas tem se apresentar santa aos olhos dos homens. Não somente ser santa, permanecer santa, mas parecer santa. Assim como a mulher de César, não basta ser santa, tem de parecer santa e é por isso que a Igreja, diz Paulo, deve ser santa e irrepreensível.
- A santidade, ou seja, a separação do pecado, já é uma qualidade que a distingue dos demais homens, que, imersos no pecado, já notam a diferença entre o comportamento e o proceder da Igreja e dos demais homens. Desde os dias da igreja primitiva em Jerusalém, os homens são capazes de notar que os servos de Cristo Jesus são diferentes, de modo que não ousam se misturar com eles (At.5:13).
- Entretanto, esta santidade, que é um estado espiritual, manifesta-se diante dos homens por meio da irrepreensibilidade. “Irrepreensível” é “aquele que não dá margem a repreensão ou censura”, “aquele sem nenhuma falha; perfeito, escorreito”. Trata-se de uma exigência que o Senhor deixou aos Seus servos, como já havia exigido de Abrão (Gn.17:1).
- Ser “irrepreensível” é não ser sujeito à condenação, que é, aliás, uma das palavras usadas no texto grego para esta palavra (“akatagnostos” – ακαταγνωστος), estar “acima das críticas”. A Igreja, para ser agência do reino de Deus, não pode ser criticada, julgada pelos homens, nem ser condenada a não ser pelo fato de servir a Deus. Entendamos bem este ponto: como já vimos, há uma oposição do maligno contra a Igreja, há uma oposição do mundo contra a Igreja e, naturalmente, o mundo e o maligno criticarão a Igreja, levantar-se-ão contra ela. No entanto, quando esta crítica, esta oposição se der por causa do bom testemunho da Igreja, isto não é deixar de ser irrepreensível. Por isso, o apóstolo Pedro diz que nenhum dos salvos pode padecer como homicida, ladrão, malfeitor ou que se entremete em negócios alheios, mas se padece como cristão, não se envergonhe, antes glorifique a Deus nesta parte (I Pe.4:15,16). O próprio Jesus diz que, quando a repreensão se dá por causa d’Ele, estamos diante de uma bem-aventurança (Mt.5:11,12).
OBS: A palavra hebraica em Gn. 17:1 é “tamiym” (תמים), cujo significado é sem mancha, completo, íntegro, sincero, reto.
- A Igreja deve se apresentar perante os homens “acima das críticas”, com uma justiça que excede a dos escribas e dos fariseus, a dos homens tidos, pelo mundo, como devotos, “santos”, religiosos e bons. Temos de nos apresentar como “irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio duma geração corrompida e perversa, entre a qual resplandeceis como astros no mundo” (Fp.2:15).
- A irrepreensibilidade envolve, em primeiro lugar, como já vimos, a santidade diante de Deus, a comunhão com o Senhor. Esta santidade impõe à Igreja uma vida de oração e de consagração a Deus. “…A oração é vista como elemento indispensável para o crescimento espiritual através da qual o fiel fortalece a comunhão com o Espírito Santo, enriquece seu espírito e forma uma ligação permanente de confiança nas promessas de Deus e na sua aliança com o senhorio de Cristo (…). A consagração possibilita à igreja local sua potencialidade como agente da graça de Deus na história e a promove como instituição separada do mundo profano. A consagração na Assembleia de Deus é acompanhada de uma vida de jejum e leitura bíblicos e vigilância permanente diante dos ataques de Satanás…” (SANTOS, Roberto dos. Clássico do centenário – Assembleias de Deus no Brasil: reflexões teológicas, pp.34-5).
- Esta santidade revela-se numa relação de amor entre Deus e a Igreja (Ef.1:4). Nós amamos a Deus porque Ele nos amou primeiro (I J.4:19) e este amor se mostra através de boas obras (I Jo.3:16-18; Tg.2:14-17).
- Esta irrepreensibilidade apresenta-se como sinceridade, ou seja, temos de viver aquilo que pregamos, ser efetivamente servos de Jesus Cristo em toda a nossa maneira de viver e não apenas quando nos apresentamos diante dos homens. O reino de Deus é formado por aqueles que realmente vivem o Evangelho que pregam. O reino de Deus é daqueles que vivem, não daqueles que falam, como nos mostra o Senhor Jesus na parábola dos filhos (Mt.21:28-32).
- A palavra “sincero”, segundo alguns, vem de “sem cera”, ou seja, aquele que é autêntico, que não dissimula, que é o que é. Outros, discordando desta origem, entendem que “sincero” venha de “sim+cerus”, ou seja, “um só que cresce para frente, que tem um desenvolvimento único, sem nós, sem acidentes”, o que nos remete à falta de ruga de que já falamos há pouco.
- O sincero faz a vontade de Deus, como nos dá conta Davi em seu cântico de ação de graças na hora de sua morte (II Sm.22:24). A sinceridade de Davi consistiu em se guardar da sua iniquidade, em ter uma vida de santificação, de separação do pecado, para não perder a alegria da salvação, a presença do Espírito Santo em sua vida (Sl.51:10-12). O homem sincero porta-se com inteligência, anda no caminho do Senhor e, por isso, é guardado por Deus (Sl.101:2; Pv.11:5; 13:6).
- A sinceridade é observada pelo Senhor, tendo sido o primeiro fator do testemunho do Senhor a respeito de Jó (Jó 1:8; 2:3). A sinceridade tem de ser a primeira nota distintiva que os homens vejam nos servos de Cristo Jesus, pois somos imitadores de Cristo (I Co.11:1) e foi esta a nota que Pilatos identificou no Senhor, mesmo no instante de Sua condenação (Lc.23:4, 14 e 22). Mesmo padecendo no mundo, mesmo sendo injustiçados, o mundo não pode deixar de considerar a nossa sinceridade. Temos agido assim neste mundo?
- Outro caminho para a sinceridade é a humildade (Sl.19:13). Quando lembramos que somos pó (Gn.3:19; Jó 10:9; Sl.103:14), que temos um Deus acima de nós, a quem devemos obedecer, passamos a ser tementes ao Senhor e nos guardamos do mal, sabendo que só em Deus, por meio de Cristo, há vida e vida com abundância (Jo.10:10). Não é por outro motivo que o Senhor Jesus, no início do sermão das bem-aventuranças, diz que o reino dos céus é dos pobres ou humildes de espírito (Mt.5:3). Sem nos humilharmos debaixo da potente mão de Deus, sem admitirmos que sem Jesus não podemos ser salvos, não há como vermos nem tampouco entrarmos no reino de Deus (Tg.4:10; I Pe.5:6).
- O futuro do homem sincero é de paz, porque, justificado pela fé, já tem paz com Deus (Rm.5:1), tendo a paz de Cristo e não a do mundo (Jo.14:27), paz que nos permite suportar todas as aflições deste mundo e prosseguir rumo à cidade celestial, visto que paz é “completude”, “integridade”, sendo este o significado da palavra “shalom”שָלם ) )
- A sinceridade faz com que os servos do reino de Deus sejam pacíficos e pacificadores, ou seja, a Igreja não promove contendas, não leva inimizades nem porfias, tampouco contendas entre os homens. Ela promove a paz, porque a sinceridade é uma manifestação de paz, é integridade e completude.
- Verdade é que o sincero traz para si o aborrecimento dos homens sanguinários (Pv.29:10). Neste sentido, o Senhor Jesus foi bem claro ao mostrar que a presença da Igreja na face da Terra traz divisão, violência (Mt.10:34; Lc.12:51). Mas, como isto pode ocorrer? Simplesmente porque, sendo um “corpo estranho” na Terra, a Igreja revela, por seu porte de paz, a violência em que está imersa a humanidade sem Deus e sem salvação. A Igreja traz espada e dissensão porque revela aos homens quem é este mundo. No entanto, a violência não parte da Igreja, mas, sim, dos seus inimigos, da geração corrompida e perversa de onde a Igreja já saiu. A presença da Igreja revela que o príncipe deste mundo foi expulso, julgado, que há um povo que não está mais sob o seu jugo (Jo.12:31; 16:11).
- Não é, por isso, de se impressionar que os cristãos sejam o povo mais perseguido da face da Terra. Estatísticas recentes dão conta de que morre um cristão a cada 5 (cinco) minutos no mundo. Por ano, 105 (cento e cinco) mil cristãos são mortos por causa da sua fé em Cristo Jesus, sem contar aqueles que morrem em virtude de guerras e conflitos armados decorrentes de disputas e perseguições fundadas na religião. É um quadro alarmante, um verdadeiro genocídio, que, num mundo impiedoso, não é divulgado (Um cristão é assassinado a cada cinco minutos. 07 jun. 2011. Disponível em:http://bibliaeaciencia.blogspot.com/2011/06/um-cristao-e-assassinado-cada-cinco.html Acesso em 07 jul. 2011)
OBS: Diante de tais números, como dizer que são os homossexuais vítimas de violência desmedida no mundo, como mentem os mentores da “ideologia gay”?
- Como “corpo estranho” neste mundo, não poderia a Igreja deixar de acionar os “anticorpos” malignos deste mundo, que buscam, de todas as maneiras, impedir o crescimento da Igreja no meio dos homens, mas “o reino de Deus está entre os homens” e as “portas do inferno não podem prevalecer contra a Igreja”. Aleluia!
OBS: Repetimos aqui as palavras de Tertuliano, um dos “pais da Igreja”, ou seja, os grandes nomes da Igreja nos primeiros seis séculos da Era Cristã, que foram os intérpretes da doutrina dos apóstolos: “O sangue dos mártires é a semente de novos cristãos”.
- Por fim, nesta descrição do apóstolo Paulo, que nos dá a identidade da Igreja, vemos que ela é alimentada e sustentada pelo seu marido, pelo seu Senhor. O Senhor alimenta e sustenta a Igreja (Ef.5:29). Este sustento e alimento é, em primeiro lugar, a Palavra de Deus, o pão espiritual de que vive o homem (Mt.4:4). Através do Espírito Santo, o Senhor Jesus nos faz lembrar de tudo quanto nos ensinou (Jo.14:26), mantendo-nos separados do pecado (Jo.17:17).
- A Igreja não pode desprezar a Palavra de Deus, nela deve meditar de dia e de noite (Sl.1:2), para não ser andar segundo conselho dos ímpios, nem se deter no caminho dos pecadores nem tampouco se assentar na roda dos escarnecedores (Sl.1:1). A Igreja necessita ser muito cautelosa, para não ser enganada pelos falsos profetas (Mt.7:15), máxime nos últimos dias da presença da Igreja na face da Terra (Mt.24:4,5,11,24; I Tm.4:1).
- Este sustento e alimento é, em segundo lugar, a manifestação do poder de Deus (Jó 26:2; Sl.63:8; Hb.1:3), que nos permite levantar quando caímos ou quando estamos abatidos (Sl.145:14), mantendo-os em comunhão com Ele, pois nos sustenta com vida (Sl.66:9), inclusive usando de Sua Palavra para tanto (Sl.119:116, 117), impedindo que os servos de Cristo deixem de ser vigilantes e percam a salvação (Sl.77:4). Somos mantidos em comunhão com o Senhor, em santidade, pela Sua infinita graça e misericórdia, pois, sem Ele, nada podemos fazer (Jo.15:5 “in fine”). Por isso, sempre temos de depender d’Ele. Lembremos disto!
- Nesta manifestação do poder de Deus, temos a confirmação da Palavra por meio de sinais, prodígios e maravilhas (Mc.16:20; At.5:12,15,16), que autenticam e atestam que o reino de Deus está entre os homens (Mt.12:28; Lc.11:20).
- Além da descrição do apóstolo Paulo, temos, também, a descrição do apóstolo Pedro que nos dá a identidade da Igreja. Pedro diz que a Igreja é “a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes d’Aquele que vos chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz” (I Pe.2:9).
- Nesta descrição do “apóstolo da circuncisão”, vemos algumas características que já foram apontadas na descrição do “apóstolo dos gentios” e que, inclusive, já foi objeto de nossa análise, qual seja, o fato de a Igreja ser “geração eleita” e “nação santa”. Cumpre-nos, pois, analisar apenas as características de “sacerdócio real” e “povo adquirido”, que, aliás, de certa forma, também já foram analisadas. Senão vejamos.
- Quando a Igreja é chamada de “sacerdócio real”, mostra-nos, claramente, que a Igreja, por primeiro, é a agência do reino de Deus, faz parte deste reino. Ela é “real”, o que também nos indica que não se confunde com o reino. Ela é “real”, mas não é o “reino”. Como diz o apóstolo Paulo, a Igreja é a “embaixadora do reino de Deus sobre a face da Terra” (II Co.5:20).
- Esta imagem da “embaixada” é muito apropriada, pois revela que a Igreja é, mesmo, um “corpo estranho” neste mundo, pois sabemos que toda “embaixada” é considerada território estrangeiro no país em que está situada. Por isso, a Igreja é “inviolável” neste mundo, gozando de “imunidade de jurisdição”, ou seja, o “príncipe deste mundo” não tem qualquer poder sobre ela.
OBS: A Convenção de Viena sobre relações diplomáticas da ONU estabelece que “os locais de Missão (ou seja, as embaixadas) são invioláveis. Os agentes do Estado acreditado (ou seja, do país onde está a embaixada) não poderão neles penetrar sem o consentimento do Chefe da Missão.(art. 22, nº 1).(…) A pessoa do agente diplomático é inviolável (art.29) (…). O agente diplomático gozará da imunidade de jurisdição penal do Estado acreditado. Gozará também da imunidade de jurisdição civil e administrativa… (art.31, nº 1).”
- Esta “dignidade real”, porém, não significa qualquer “poderio”, nem tampouco “superioridade”. Somos “filhos do reino” não para sermos “filhos do dono do mundo”, como costumam dizer os triunfalistas, mas, sim, para que exerçamos o “sacerdócio”, ou seja, para que sejamos mediadores, intercessores dos homens diante de Deus. Somos “sacerdotes reais”, ou seja, temos o dever de pedir em favor dos homens diante de Deus, de tornar algo sagrado, santo, “aquele a quem cabe o desempenho das cerimônias sagradas” Como afirma Paulo, temos de, como “embaixadores”, que rogar ao mundo que eles se reconciliem com Deus. Deus pôs em nós a “palavra da reconciliação”, deu-nos o “ministério da reconciliação” (II Co.5:18,19). É esta, como bem disse a poetisa sacra norte-americana Flora Hamilton Cassel (1852-1911), a “mensagem real”: “Reconciliai-vos já com Deus” (hino 207 do Cantor Cristão).
- Este sacerdócio real é exercido através do culto racional a Deus, quando apresentamos nossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, não nos conformando com este mundo, mas nos transformando pela renovação do nosso entendimento, para que experimentemos qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus (Rm.12:1,2).
- Assim, a Igreja, enquanto agência do reino de Deus, tem de cultuar a Deus, de forma racional, o que não significa que não o faça de modo espiritual. Ocorre que a sobrenaturalidade que existe no relacionamento do homem com Deus (pois somos “a geração eleita”) não é feita de modo que não utilizemos a nossa razão, pois é feita de modo a que mostremos, de forma absolutamente razoável e perceptível aos homens, a nossa comunhão com o Senhor, de forma que os incrédulos sejam levados a adorar também ao Senhor (I Co.14:22-25).
- Neste culto racional a Deus, a Igreja distingue entre o santo e o profano, entre o puro e o impuro, como deveriam fazer os sacerdotes da antiga aliança (Lv.10:10; Ez.44:23). Para tanto, a própria Igreja deve ser testemunha desta santidade, tendo uma vida diferente dos demais homens, como ocorria em Israel em relação aos sacerdotes (Lv.10:12-15; 21).
OBS: A própria Igreja Romana, que crê numa distinção entre os “sacerdotes ministeriais” (padres e bispos) e “os sacerdotes comuns” (os “leigos”), afirma na Constituição “Lumen Gentium”, o principal documento doutrinário do Concílio Vaticano II: “…Os fiéis, no entanto, em virtude de seu sacerdócio régio, concorrem na oblação da Eucaristia e o exercem na recepção dos sacramentos, na oração e na ação de graças, no testemunho de uma vida santa, na abnegação e na caridade ativa.” (Lumen Gentium, nº 28 apud VIER, Frederico, O.F.M. (org.). Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos, declarações, p.50).
- Este sacerdócio real é exercido, além do culto racional a Deus, pelo anúncio do Evangelho. Pedro diz que este “sacerdócio real” deve anunciar as virtudes d’Aquele que nos chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz. A proclamação do Evangelho, o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (Rm.1:16), é o exercício deste “sacerdócio real”. Por isso, a Igreja não pode deixar de pregar a Cristo e Este, crucificado (I Co.2:1,2).
- Este sacerdócio real é exercido mediante a mantença de uma vida santa, de separação do pecado, de comunhão com Deus e declarada solenemente e de modo visível pela participação da mesa do Senhor. Quando participamos do corpo e do sangue de Jesus Cristo, anunciamos ao mundo que estamos em comunhão com Deus e com a Sua Igreja, que estamos a fazer a vontade de Deus, que é a comida e bebida do corpo de Cristo (Jo.4:34; 6:53-58).
- Por fim, na descrição de Pedro, a Igreja é o “povo adquirido”, o que, também já o dissemos, logo no limiar das características, quando afirmamos que a Igreja é de Jesus Cristo. Fomos comprados por bom preço (I Co.6:20; 7:23), a saber, o sangue de Jesus Cristo (I Pe.1:18,19). Por isso, a Igreja não pode servir nem ao dinheiro (Mt.6:24), nem aos homens (I Co.7:23).
OBS: Por isso não podemos concordar com um cântico que fez muito sucesso mas que não tem qualquer base bíblica e que repete, “ad nauseam”, que “eu nunca saberei o preço dos meus pecados lá na cruz”. Sabemos, sim, foi o sangue de Jesus, amados irmãos!
- Se somos propriedade do Senhor Jesus, somos Seus servos e, por isso, não mais fazemos o que queremos, mas o que o Senhor quer que façamos. Não temos vontade própria. Somos súditos do Rei Jesus, fazemos o que Lhe agrada, o que Ele manda (Jo.15:14). Por isso, Paulo diz que não mais vivemos mas é Cristo que vive em nós (Gl.2:20).
II – OS PERIGOS QUE CERCAM A IDENTIDADE DA IGREJA
- Tendo visto as características da Igreja, que a identificam diante de Deus e dos homens, precisamos verificar quais são os perigos que existem para que percamos estas qualidades e venhamos a perder a condição de “filhos do reino”. É importante observar que a Igreja jamais perde a Sua identidade, mas que os salvos podem deixar de ser membros da Igreja.
- A Igreja é sempre santa, gloriosa, sem mácula, nem ruga ou coisa semelhante, sacerdócio real, geração eleita e povo adquirido, mas nós podemos ser lançados fora deste corpo por termos perdido a identidade de Igreja, de “filhos do reino”.
- Reside aqui uma das demonstrações de que é mais afinada com as Escrituras a doutrina de que “reino dos céus” e “reino de Deus” são expressões sinônimas imperfeitas, ou seja, que não querem dizer a mesma coisa sempre. A possibilidade de perdermos a identidade de Igreja é uma amostra de que, no “reino dos céus”, na “esfera terrena do reino de Deus”, há possibilidade de contaminação, de “infiltração” do que não é de Deus no meio do povo de Deus, como o Senhor Jesus deixa claro nas parábolas a respeito do “reino dos céus”, notadamente no capítulo 13 de Mateus.
- Na primeira parábola, a do semeador (Mt.13:3-9, 18-23), vemos que a Palavra de Deus encontra quatro terrenos: o pé do caminho, os pedregais, os espinhais e a boa terra, somente frutificando no último terreno.
- A semente que caiu ao pé do caminho representa aqueles que, na verdade, não nasceram de novo, que não chegaram a ver o reino de Deus, tendo apenas se emocionado com a pregação do Evangelho. Chegaram a ouvir a Palavra, mas não a entenderam e o maligno, representado pelas aves dos céus, arrebata o que foi semeado em seus corações. Representam estes tão somente os “ouvintes não convertidos”, aqueles que, apesar de ouvirem a Palavra e até fazerem companhia ao Senhor Jesus, não chegaram a nascer de novo, não tiveram suas mentes iluminadas pelo Evangelho da luz de Cristo. São como Simão Pedro (“Simão” significa “ouvinte”) durante os três anos e meio do ministério público de Jesus (Lc.22:32).
- Estes “ouvintes não convertidos” rejeitam o “reino de Deus”. São como o segundo filho da parábola dos dois filhos que apenas diz que faria a vontade do Pai, mas não a fez (Mt.21:30). São pessoas que não foram geradas de novo pela Palavra, os chamados “crentes nominais”, que têm nome de que vivem, mas estão mortos (Ap.3:1).
OBS: Um sermão de Charles Haddon Spurgeon (1834-1892), o príncipe dos pregadores britânicos, mostra bem quem é esta gente: “… Vocês sabem que para ser salvos, vocês devem crer em Jesus, mas vocês não têm credo. Vocês sabem que vocês deveriam ter nascido de novo, mas vocês ainda são estranhos ao novo nascimento. Vocês são tão religiosos como os assentos em que vocês estão sentados, nada mais, e vocês estão tão aptos a conquistar o céu como estes assentos, pois de forma alguma vocês o alcançarão, pois estão mortos em seus pecados e a morte não pode entrar no céu.…” (Um sermão para os descuidados expostos e para os seguidores nominais de uma religião. 24 mar. 1866. Disponível em:http://www.spurgeon.org/sermons/0742.htm Acesso em 07 jul. 2011) (tradução nossa de texto original em inglês).
- UItimamente, em razão mesmo da “obsessão do crescimento numérico, quantitativo”, muitos “crentes nominais” têm ingressado no convívio do povo de Deus, assim como uma “mistura de gente” (Ex.12:38), um “vulgo” (Nm.11:4), que saiu juntamente com Israel do Egito.
- No “reino dos céus”, há este tipo de gente, que é introduzida pelo inimigo, como vemos explicado por Jesus na parábola do joio e do trigo, a segunda parábola do “reino dos céus” no capítulo 13 de Mateus (Mt.13:25,38,39). Este tipo de gente, que não nasceu de novo, mas é nascido da carne, só tem uma tarefa no meio do povo de Deus: levá-lo a ter desejos carnais, a ter saudade do mundo, a desprezar o alimento de Deus, a trazer a ira de Deus sobre o povo e a consequente morte espiritual (Nm.11:4-6,33,34). Que Deus nos guarde de virmos a perecer nos “sepulcros do desejo” (Quibrote-Hataavá significa “sepulcros do desejo”).
- Os “desejos carnais”, o “amor ao mundo” são o primeiro perigo para perdermos a identidade de Igreja. Assim como o “vulgo” levou o povo de Israel a ter saudade da escravidão no Egito, dos “prazeres da escravidão”, podemos, também, ser tentados a desejar os “prazeres da escravidão do pecado”, a “concupiscência do mundo” e trocarmos o “alimento espiritual”, a Palavra de Deus, a obediência a Deus, pela cobiça das coisas passageiras deste mundo (I Jo.2:15-17).
- Estes “crentes nominais” “nasceram da carne” e, portanto, não foram gerados pela Palavra e, ao desejarem as coisas da carne, estão na sua própria seara, revelam a sua verdadeira natureza, pois, “tendo aparência de piedade, negam a eficácia dela” (II Tm.3:5), revelando, por suas obras, quem realmente são, pois apenas se dizem “irmãos”, não o sendo (I Co.5:9,11), já que se prostituem, ou seja, vivem ainda no pecado, embora frequentem as reuniões e os ambientes dos salvos. Com relação a estas pessoas, o conselho da Bíblia é um só: afastar-se (II Tm.3:5; I Co.5:9).
- Este mesmo tipo de gente é representado, na parábola do grão de mostarda, pelas aves do céu que vêm se aninhar mostarda já crescida (Mt.13:32) e, na parábola do fermento e da mulher, pelo fermento que é introduzido na massa e que a faz inchar (Mt.13:33).
- Quando nos associamos com esta “mistura de gente”, passamos a ter comunhão com eles, acabamos por morrer espiritualmente, visto que deixamos de nos alimentar com a Palavra de Deus, para voltar a “mastigar a carne”. O mundanismo, que está infestando as igrejas locais, faz com que percamos a nossa identidade de Igreja e, por conseguinte, passamos a viver da mesma maneira do mundo, conformamo-nos ao mundo e, sem sombra de dúvida, seremos pisados pelos homens, já que nos tornaremos “sal insípido” (Mt.5:13), deixaremos de brilhar e perderemos o brilho da luz de Cristo, deixando que nossa candeia seja coberta por um vaso e se apague ou seja posta debaixo da cama para não iluminar (Lc.8:16).
- Não são poucos, porém, os que, por se associarem aos “crentes nominais”, têm morrido espiritualmente, perdido a identidade de Igreja. O Senhor Jesus destes fala nas cartas que mandou João escrever às igrejas da Ásia Menor, que são figuras da Igreja em todos os tempos.
- São os que seguem a doutrina de Balaão e, por causa disto, acabam aceitando comer dos sacrifícios da idolatria e se prostituírem, assim como os nicolaítas, que aceitavam prostituir-se no corpo, alegando que “Deus só quer o coração” (Ap.2:14,15), ou os seguidores da profetisa Jezabel, que também ensinava fazer estas coisas (Ap.2:20) e, por fim, os que se misturam com o mundo, não sendo quentes nem frios, mas “mornos”, porque misturados (Ap.3:16). Todos estes estão destinados à morte eterna. Que Deus nos guarde, amados irmãos!
- O segundo terreno mencionado na parábola do semeador são os “pedregais”. Neste terreno, há, sim, o novo nascimento, pois a semente germina, nasce. Temos aqui um novo nascimento, a pessoa vê o reino de Deus, nasce de novo. Não se trata, portanto, de um “crente nominal”, de um incrédulo que jamais se converteu, mas de alguém que viu o reino de Deus, que realmente se entregou a Cristo Jesus.
- No entanto, diz-nos o Senhor na parábola, a semente, embora tenha nascido logo, porque não havia terra bastante, quando veio o sol, queimou-se, secou-se, porque não tinha raiz (Mt.13:6). O Senhor Jesus diz que estes são os que recebem a Palavra com alegria, mas vindo a angústia e a perseguição, ofendem-se, abandonando o Evangelho.
- Os “pedregais” falam daqueles que, embora tenham visto o reino de Deus, não aceitam nascer da água e do Espírito. ‘Não têm terra bastante”, ou seja, não permitem que “o martelo que esmiúça a penha”, que é a Palavra de Deus (Jr.23:29), faça o seu trabalho de santificação na sua vida, não aceitando que seu coração de pedra se torne em coração de carne (Ez.11:19; 36:26). São pessoas que se recusam a se humilhar diante de Deus, que não aceitam fazer a vontade do Senhor, que não se submetem ao senhorio de Cristo.
- Creram em Jesus mas não querem renunciar a si mesmos, não aceitam tomar a sua cruz para seguir a Cristo e, por causa disso, quando vêm a angústia e a perseguição, abandonam o Mestre, preferindo a si mesmos, não deixando tudo por amor a Jesus. Amam mais a si mesmos do que a Deus e, por isso, desanimam.
- São pessoas que não aceitam cultuar a Deus, oferecer seu sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, mas querem cultuar a si mesmas, querem pôr o homem, o “eu” no centro, não o Senhor Jesus. São “amantes de si mesmos”, “mais amigos dos deleites do que amigos de Deus” (II Tm.3:1,4).
- O endurecimento de cerviz é outro perigo para perdermos a identidade de Igreja. Os israelitas endureceram a sua cerviz e quiseram voltar ao Egito, tendo, por isso, perdido o direito de entrar na Terra Prometida (Ne.9:16,17). O endurecimento de cerviz leva à incredulidade e nenhum incrédulo entrará no reino de Deus (Ap.21:8). Sem fé é impossível agradar a Deus (Hb.11:6)!
- A incredulidade tem dominado a vida de muitos que cristãos se dizem ser na atualidade e, lamentavelmente, por causa desta atitude, no momento da angústia e da perseguição, eles morrerão espiritualmente, porque não mais creem em Jesus Cristo como seu Senhor e Salvador. Muitos estão a trocar a fé em Cristo pela fé nos homens, na ciência e, pasmem todos, até mesmo em demônios. Tomemos cuidado, amados irmãos!
- Por causa desta incredulidade, estamos vendo a Palavra de Deus ser substituída por teorias humanas, por “visões”, “revelações”, crendices, simpatias e tanta coisa que vem levando muitos salvos à perdição. Não são poucos, ainda, os que se têm deixado envolver por “doutrinas de demônios” e estão a fazer coro com o “mistério da injustiça”, com o “espírito do Anticristo”, inclusive crendo que breve haverá a “conversão de todos os homens com o estabelecimento do reino de Deus”. Muitos estão, dizendo-se cristãos, para fugir da angústia e da perseguição, aceitando cerrar fileiras em torno de movimentos que nada mais são que implantadores da religião do Anticristo, que precursores do Falso Profeta. Estejamos vigilantes!
OBS: Vemos lideranças expressivas do meio evangélico mancomunadas com movimentos nitidamente anticristãos, como os movimentos de paz mundial patrocinados por organismos ligados à ONU, organização cuja burocracia é vinculada diretamente ao satanismo e à Nova Era, ou pelo Reverendo Moon, ele mesmo um “falso cristo”.
- O “sincretismo religioso” tem invadido as nossas igrejas locais. Estamos hoje, a exemplo da Igreja Romana ou da Igreja Ortodoxa, repletos de paganismo em nossos cultos e em nossas crenças. Se eles têm seus santos e festejos, que nada mais são que paganismo travestido de cristianismo, também já temos nossos “ídolos”, nosso folguedos (“festas de estados”, “quermesses evangélicas”, um sem número de festividades onde há um ambiente carnal e sem qualquer espiritualidade etc. etc. etc.), como também nossas crendices e simpatias (“rosas ungidas”, “tijolos da prosperidade”, “sabonetes de extrato de arruda”, “sal grosso”, “gaiolas para amarrar o diabo”, “toalhinhas ungidas” etc. etc. etc.). Eis o triste retrato da realidade atual!
- Esta gente, assim que surgir a angústia e a perseguição, não hesitará em negar o Senhor Jesus e a adorar a quem eles já estão servindo, ainda que encobertamente. Que Deus nos guarde de endurecermos nossos corações.
- O terceiro terreno mencionado na parábola do semeador são os “espinhais” (Mt.13:7,22). Aqui, a exemplo dos “pedregais”, houve o novo nascimento, visto que a semente também germinou, também nasceu. Ao contrário do que ocorreu nos “pedregais”, não há um rápido nascimento, mas, em compensação, temos um desenvolvimento maior, porque não se fala em uma morte rápida ou abrupta, como se dá nos “pedregais”.
- No entanto, embora haja, além de nascimento, um crescimento, o fato é que, nos “espinhais”, há um crescimento juntamente com os espinhos e estes crescem mais do que a planta gerada pela semente, sufocando-a. Diz Jesus que os “espinhais” são “os cuidados do mundo e a sedução das riquezas”. Temos aqui um “coração dividido”, que não serve a Deus inteiramente, a exemplo do que ocorreu com o rei de Judá, Amazias (II Cr.25:2).
- Quando deixamos que haja “espinhos” em nossa vida, ou seja, quando não servimos a Deus com coração inteiro, quando dividimos nossa atenção com os “cuidados deste mundo e a sedução das riquezas”, o resultado é que, num determinado instante de nossa vida espiritual, acabamos sufocando a Palavra, a vida espiritual por causa das coisas desta vida. Por isso, Jesus nos mandou buscar primeiro o reino de Deus e a sua justiça (Mt.6:33).
- Muitos não se desvencilham das coisas desta vida, vivem em função delas, buscando um “equilíbrio”, uma “divisão” entre as coisas deste mundo, as riquezas e o reino de Deus. Tal situação é impossível de ser mantida e, no final, ocorre o sufocamento da Palavra, a morte espiritual. Quando não buscamos o reino de Deus e a sua justiça em primeiro lugar, com prioridade, mais cedo, ou mais tarde, acabamos por abandonar a Cristo e a nos dedicarmos única e exclusivamente às coisas desta vida e às riquezas. Não são poucos os que veem o Evangelho de Cristo, na atualidade, apenas como uma forma de enriquecimento, apenas como uma forma de sobrevivência material (II Pe.2:1-3). São os “mercenários da fé”, que estão a proliferar no meio do povo de Deus.
- Como afirmou o pastor Elande Mariano, pastor presidente das Assembleias de Deus em Marília/SP, em reunião de obreiros na Assembleia de Deus – Ministério do Belém-sede, em São Paulo/SP, em 6 de junho de 2011, são pessoas que, a exemplo da linhagem de Eli, estão no meio do povo de Deus, no meio dos sacerdotes, única e exclusivamente para mendigar uma moeda de prata e um bocado de pão (I Sm.2:36). Que Deus nos guarde!
- Por causa do amor do dinheiro, muitos se desviam da fé e se traspassam a si mesmos com muitas dores (I Tm.6:10). O dinheiro é tão somente um veículo de perdição (At.8:20) e, por amarem o ouro e a prata, perdem o poder de Deus (At.3:6). O resultado é que se tornam infrutíferos, apesar do crescimento verificado, deixando de frutificar e de, assim, cumprir a vontade do Senhor para suas vidas (Jo.15:16).
- “Os cuidados do mundo e a sedução das riquezas” têm sido a causa do fracasso espiritual de muitos e, em virtude disto, acabam morrendo espiritualmente, sendo totalmente irrelevantes para Deus, deixando de ser Igreja para serem tão somente “empresários bem sucedidos”, “ricos insensatos”, que poderão ganhar o mundo inteiro, mas que perderão a sua alma (Mt.16:26), que nada terão a oferecer quando suas almas forem pedidas por Deus (Lc.12:20).
- É com grande tristeza que temos visto grandes igrejas locais se tornarem em meras “empresas mercantis religiosas”, que vemos os dons de Deus se trasmudarem em “mercadorias de fé”, que vemos homens e mulheres de Deus se tornarem “mercadores da fé”. Todos estes se regozijarão quando vier o Anticristo, visto que seu sistema é nitidamente mercantilista (Ap.18:3), mas sucumbirão juntamente com ele (Ap.18:2,15-19).
- Não permitamos, pois, que o mundanismo, o endurecimento de cerviz e os cuidados do mundo e a sedução das riquezas venham a fazer com que percamos a identidade de Igreja e deixemos de ser “filhos do reino” para nos tornarmos “filhos do maligno”, pois, como Jesus nos ensina na parábola do joio e do trigo, no fim do mundo, tudo o que causa escândalo e os que cometem iniquidade no “reino dos céus” serão lançados na fornalha de fogo, onde haverá pranto e ranger de dentes, mas os justos, estes resplandecerão como o sol no reino de seu Pai (Mt.13:38,41-43). Amém!
Colaboração para o Portal Escola Dominical – Ev. Profº Dr. Caramuru Afonso Francisco