PORTAL ESCOLA DOMINICAL
SEGUNDO TRIMESTRE DE 2012
TEMA – As sete cartas do Apocalipse – a mensagem final de Cristo à Igreja
COMENTARISTA : Claudionor Corrêa de Andrade
LIÇÃO 3 – ÉFESO, A IGREJA DO AMOR ESQUECIDO
A carta à igreja de Éfeso mostra-nos que o amor é a qualidade principal da Igreja.
INTRODUÇÃO
- Iniciamos o estudo das sete cartas que o Senhor Jesus mandou escrever às igrejas na Ásia Menor.
- A primeira igreja, a igreja de Éfeso, a maior das cidades da região, é um sinal eloquente de que o amor é a principal característica que deve existir entre os salvos por Cristo Jesus.
I – A ESTRUTURA DAS CARTAS ÀS IGREJAS NA ÁSIA
- Estamos a dar início ao segundo bloco de nosso trimestre letivo, em que estudaremos os capítulos 2 e 3 do livro de Apocalipse, que tratam das sete cartas que o Senhor Jesus mandou João escrever às sete igrejas da Ásia, região que já vimos tratar-se da província romana da Ásia, a chamada “Ásia Menor”, que ocupa a parte ocidental da atual Turquia.
- As “sete igrejas” representam, como já se viu também, a “totalidade” da Igreja, ou seja, temos, nas sete igrejas retratadas nestas cartas, um quadro completo dos tipos de igrejas locais que existem, da multiformidade existente no meio do povo de Deus nesta dispensação da graça.
- Cada igreja representa um tipo não só de igreja local, mas um tipo de crente em Cristo Jesus, uma vez que a igreja somos nós, visto sermos todos, e cada um, templos do Espírito Santo (I Co.6:19).
- Por isso, ao analisarmos as cartas que o Senhor Jesus mandou às igrejas da Ásia, devemos observar que cada carta representa um tipo de crente e seria muito importante que nos examinássemos a nós mesmos ao estudarmos cada uma das cartas para verificar em que tipo nos enquadramos, a fim de que venhamos a perseverar na fé para que façamos parte da Igreja que se reunirá, em sua totalidade, pela vez primeira, quando do arrebatamento da Igreja.
- Há, porém, também, uma interessante interpretação que busca enxergar em cada igreja da Ásia um período da história da Igreja. Como o Apocalipse deve ser visto sob uma perspectiva futurista, vez que o Senhor Jesus está a falar das “coisas que brevemente devem acontecer” (Ap.1:1), entendem alguns estudiosos das Escrituras que as cartas mostram os seis períodos da história da Igreja, o desenrolar da dispensação da graça, desde o fim dos tempos apostólicos, que se encerravam com João, até o arrebatamento da Igreja, o que explicaria, inclusive, o “sumiço” da Igreja a partir do capítulo 4 do livro do Apocalipse.
- Segundo esta visão, pois, cada igreja da Ásia, com suas características, são tipos, figuras de cada um dos períodos da história da Igreja, observando-se que, sendo sete as cartas, o último período é caracterizado pela presença de duas igrejas simultâneas (Filadélfia e Laodiceia).
- Esta segunda linha de interpretação não exclui a primeira, uma vez que, em cada período, haveria a predominância, no meio do povo de Deus, das características descritas na carta correspondente, sem que isto signifique que os demais tipos não se apresentassem, ainda que de modo minoritário. Eis porque, na sequência deste estudo, valer-nos-emos de ambas as linhas hermenêuticas.
- Numa demonstração de que o Senhor é imparcial e justo, como, aliás, já verificado no estudo da visão do Cristo Glorificado, todas as cartas apresentam a mesma estrutura, a saber:
a) todas as cartas são endereçadas ao “anjo da igreja”, ou seja, ao pastor, àquele que presidia sobre o rebanho do Senhor naquele local. – o endereçamento ao pastor, apesar de a carta ser dirigida à igreja, mostra-nos que há uma hierarquia na Igreja e que é Cristo quem dá pastores às igrejas.
b) todas as cartas são endereçadas a um determinado local– Jesus não erra endereço, cada carta tinha um destino, um “cenário”, como dizem os teólogos. Por isso, é importante sabermos as informações de cada local onde se encontrava a igreja destinatária.
c) todas as cartas têm uma descrição específica do remetente– Jesus apresenta-Se a cada carta com uma das características com que Se apresentou ao João na ilha de Patmos, a indicar sob que aspecto estava Se manifestando àquela igreja, aspecto este que indicava a necessidade peculiar de cada igreja. Isto nos ensina que Jesus não trata com “massas”, mas com cada crente em sua individualidade.
d) todas as cartas contêm um exame imparcial do Senhor Jesus, onde são apresentados os pontos bons e os pontos ruins de cada igreja, exame que se inicia com a expressão “Eu sei as tuas obras” (para a igreja de Tiatira é “eu conheço as tuas obras”) – Jesus é o justo juiz, Ele não aponta apenas defeitos, nem tampouco só relata as qualidades. Verdade é que, em duas igrejas, não se aponta qualquer defeito (Esmirna e Filadélfia) e, em outra, não se aponta qualquer qualidade (Laodiceia), os dois extremos que existem na vida humana. Jesus conhece todas as coisas e não podemos fugir de Seu juízo.
e) todas as cartas apresentam uma mensagem do Senhor Jesus com vistas à salvação da igreja– o intuito do Senhor Jesus é nos salvar, é nos levar para o céu, de modo que, em toda carta, o Senhor Jesus ministra o remédio que permitirá a superação das dificuldades e a vitória dos crentes.
f) todas as cartas contêm a advertência para que as igrejas ouçam o que o Espírito Santo diz às igrejas– Esta solene declaração do Senhor Jesus em todas as cartas mostra-nos, com absoluta clareza, que não há como chegarmos ao final de nossa jornada terrena sem ouvir o Espírito Santo, o autêntico porta-voz dos ensinos de Jesus para a Igreja enquanto ela estiver sobre a face da Terra (Jo.14:16,26).
g) todas as cartas terminam com uma promessa do Senhor Jesus aos vencedores– em toda carta, o Senhor Jesus dá uma promessa aos que vencerem, aos que perseverarem até o fim. Não só o Senhor Se apresenta glorificado, como confirma a glorificação dos Seus servos, apresentando-lhes características deste estágio final de sua salvação.
II – O CENÁRIO DA CARTA À IGREJA DE ÉFESO
- Vista, em linhas gerais, a estrutura de cada uma das cartas do Senhor Jesus às igrejas da Ásia Menor, passemos, então, a analisar a primeira delas, a carta que o Senhor mandou ao anjo da igreja que estava em Éfeso.
- Éfeso, cujo nome significa “desejado”, era a mais importante cidade da Ásia Menor. Era, na verdade, a capital da província romana da Ásia, umas das três maiores cidades do litoral oriental do Mar Mediterrâneo, a cidade mais próxima da ilha de Patmos.
Em termos religiosos, era uma cidade importante, pois nela se encontrava o templo da deusa Diana, o que a tornava um dos principais centros de adoração religiosa do Império Romano, um local onde predominava o ocultismo e a feitiçaria (At.19:19), inclusive entre os judeus (At.19:13).
Em termos religiosos, era uma cidade importante, pois nela se encontrava o templo da deusa Diana, o que a tornava um dos principais centros de adoração religiosa do Império Romano, um local onde predominava o ocultismo e a feitiçaria (At.19:19), inclusive entre os judeus (At.19:13).
- A obra do Senhor iniciou-se em Éfeso pela pregação do apóstolo Paulo, que ali esteve, pela vez primeira, no término da sua segunda viagem missionária (At.18:19-21), tendo, posteriormente, já na sua terceira viagem missionária, retornado para lá, tendo ali ficado por um período de três anos, a sua mais longa permanência em seu ministério (At.19:1; 20:31).
- Este período em que Paulo esteve em Éfeso, temos o ápice de seu ministério, pois, para enfrentar este verdadeiro “reino tenebroso” que havia naquela cidade, o Senhor fez com que Paulo fizesse maravilhas extraordinárias (At.19:11). Foi, também, em Éfeso que temos a primeira notícia de que um trabalho se desenvolveu independentemente da sinagoga, visto que, por causa das dissensões com os judeus, teve Paulo, pela vez primeira, um local gentílico para instalar a congregação, a escola de Tirano (At.19:9).
- O carinho que o apóstolo Paulo nutria por essa igreja fica patente em três circunstâncias: a primeira, a de, antes de partir para Jerusalém, fez questão de marcar um encontro de despedida com os anciãos de Éfeso, realizado em Mileto (At.20:17-38); a segunda, o fato de ter escrito uma carta àquela igreja, quando estava encarcerado, onde traz o seu mais minucioso estudo a respeito da natureza da Igreja, a carta aos efésios; terceiro, pelo fato de ter posto sobre aquela igreja o seu filho na fé Timóteo (I Tm.1:3), circunstância que demonstra o zelo que o apóstolo tinha com aquela igreja e que também demonstra que, ainda que de forma indireta, também se preocupou com os efésios nas suas últimas cartas, endereçadas precisamente a Timóteo, se bem que, a esta altura, possa ser que Timóteo já tenha sido substituído por Tíquico na direção daquela igreja (II Tm.4:12; Ef.6:2).
- Entendem os estudiosos das Escrituras que o apóstolo João, após a destruição de Jerusalém em 70, tenha se estabelecido em Éfeso, que seria a igreja mencionada em suas cartas (II e III João), o que, inclusive, explicaria sua prisão em Patmos, o presídio de segurança máxima mais próximo de Éfeso. Eusébio de Cesareia (265-339), o grande historiador da igreja primitiva, afirma, em seu livro História Eclesiástica, que João, de Éfeso, governou as igrejas da Ásia até os dias de Trajano, imperador romano que reinou de 98 a 117.
- Não se tem a identidade do “anjo da igreja” a quem se dirigiu esta carta do Senhor Jesus, não se sabendo se, ainda àquela época, Tíquico ainda estava na liderança daquela igreja.
- Para a igreja de Éfeso, o Senhor Jesus Se identifica como sendo “Aquele que tem na Sua destra as sete estrelas, que anda no meio dos sete castiçais de ouro” (Ap.2:1). Para os efésios, o Senhor Se mostrou como Aquele que está no controle de todas as coisas, como Aquele que escolhe os ministros a servir na Sua Igreja, como Aquele que está no meio do Seu povo, a quem nunca abandona. “…Para a igreja fiel e esforçada de Éfeso, Cristo é Aquele que tem as igrejas na Sua destra, isto é, que lhe sustenta a obra…” (OLIVEIRA, José Serafim de.Desvendando o Apocalipse, p.13).
- Esta identificação do Senhor Jesus mostra claramente que a igreja de Éfeso, a começar de seu pastor, não poderia se esquecer de que tudo é sustentado e mantido pelo Senhor Jesus na vida eclesiástica. Há um grave perigo para todo crente quando se esquece de que a obra é de Deus e que, sem o Senhor Jesus, nada podemos fazer (Jo.15:5 “in fine”). Quando passamos a realizar a obra do Senhor esquecendo-se do Senhor, corremos o risco de fazer obras humanas, meramente religiosas, que não gerarão, em absoluto, a salvação e transformação de vidas.
- As estrelas, que representavam os “anjos da igreja”, destinatários das cartas (Ap.1:20), eram mantidas na “destra”, i.e., na “mão direita” do Senhor. A “mão direita” representa o poder, a indicar que os ministros dependem inteiramente do Senhor Jesus para poderem exercer o seu ministério. De nada adianta um trabalho dedicado e assíduo se isto não se fizer na absoluta dependência do poder de Deus, da destra do Senhor. Lembremos isto em nosso labor diário na obra de Deus, amados irmãos!
- Mas o Senhor Jesus também Se apresenta como sendo “Aquele que anda no meio dos sete castiçais de ouro” (Ap.2:1). Além de precisarmos do Senhor para exercer nosso ministério, temos necessidade, também, de Sua companhia, de Sua presença. Devemos ter o mesmo espírito dos discípulos de Emaús: pedir que o Senhor fique conosco, não nos deixe sós na caminhada. Para tanto, devemos invocá-l’O, buscá-l’O, e de todo o coração (Jr.29:13).
- Infelizmente, já não são poucos os que, em nossos dias, estão a fazer a obra de Deus de forma totalmente independente do Senhor Jesus. Esquecem-se de que dependem d’Ele e, ao realizarem as tarefas supostamente relacionadas à obra do Senhor, também não procuram a presença de Cristo. O resultado é que temos, hoje em dia, muitos projetos e estratégias puramente humanos, que não podem, em absoluto, levar à salvação dos incrédulos nem tampouco à edificação dos crentes. Vive-se, hoje, em muitos lugares, uma reedição do “espírito de Babel”, onde a humanidade quis construir para si uma torre para consolidar a sua independência de Deus (Gn.11:1-6). Fujamos disto, amados irmãos!
- Esta descrição, ademais, relembra-nos claramente as palavras do apóstolo Paulo aos anciãos de Éfeso quando de sua despedida, quando os advertiu que, no meio deles, surgiriam “lobos cruéis, que não perdoariam o rebanho” e “homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si” (At.20:29,30). Tais pessoas são, precisamente, as que não se encontram nas mãos do Senhor nem querem a Sua companhia, mas que se introduzem encobertamente no meio do povo de Deus. Para evitar sermos enganados por essa gente, resta-nos tão somente vigiar
III – O EXAME DAS QUALIDADES DA IGREJA DE ÉFESO PELO SENHOR JESUS
- O Senhor Jesus inicia, então, o Seu exame sobre a igreja de Éfeso, com a expressão: “Eu sei as tuas obras” que, como já vimos, repete-se em todas as cartas. Jesus é onisciente, sabe e conhece tudo o que se passa, inclusive o que está em nosso interior (Jo.2:24,25).
- Neste exame, o Senhor Jesus começa falando a respeito das qualidades da igreja e de seu pastor. Cabe aqui, por primeiro, uma pequena digressão sobre o fato de o Senhor Se dirigir ao anjo da igreja, ao pastor dela e não à igreja diretamente.
- Esta expressão do Senhor mostra, claramente, que, por ter sido Ele quem deu o pastor à igreja, tem o pastor uma responsabilidade perante o Senhor com respeito ao rebanho que lhe foi confiado. Por isso, o apóstolo Pedro exorta os ministros a apascentar o rebanho do Senhor, tendo cuidado dele, não como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho (I Pe.5:2,3).
- O ministério é uma demonstração de confiança que Jesus dá ao ministro, pondo-o à frente do rebanho, determinando que o ministro cuide deste rebanho, que continua pertencendo unicamente ao Senhor, a Deus. O ministro não passa de um “depositário”, ou seja, alguém que é incumbido de guardar, zelar e cuidar daqueles que foram comprados pelo precioso sangue de Jesus (I Pe.1:18).
- Mas, precisamente por estar à frente do rebanho, é o pastor quem encaminha as ovelhas do Senhor para este ou aquele local. Pode o pastor guiar o povo do Senhor tanto para as pastagens verdejantes, quanto para os abismos e desertos. Eis a razão pela qual a carta é endereçada ao anjo da igreja, pois é ele quem está a conduzir o povo. O que se fala dele, aplica-se a todo o rebanho, pois é ele o responsável pela condução e orientação dos servos do Senhor, pelas trilhas que estão sendo utilizadas pelo povo de Deus.
- A salvação é individual, tanto que o Senhor Jesus, no término de cada carta, faz promessas “ao que vencer” e não ao anjo, mas é inegável que a ação do ministro é importante para o delineamento da vida dos crentes em geral. Afinal de contas, os ministros são postos para o aperfeiçoamento dos santos, para a edificação do corpo de Cristo em amor (Ef.4:11-16) e, sem dúvida alguma, um mau exercício ministerial representará um prejuízo considerável nesta indispensável tarefa de que necessitamos para atingirmos o último estágio da salvação, que é a glorificação do nosso corpo, a perfeição do Cristo homem vencedor.
- A primeira observação que o Senhor Jesus faz à igreja de Éfeso é a respeito do seu trabalho (Ap.2:2). A igreja de Éfeso era uma igreja que trabalhava, que executava todas as tarefas que haviam sido determinadas pelo Senhor Jesus. Éfeso era uma igreja que trabalhava, porque o seu pastor era, igualmente, um trabalhador.
- O trabalho é a primeira coisa que o Senhor Jesus verifica em Sua Igreja. Temos nós consciência de que o Senhor Jesus tem observado o que estamos a fazer na Sua obra? Hoje são muitos, numerosos aqueles que, em termos de igrejas locais, apenas assistem aos cultos e, mesmo assim, na sua grande maioria, só os cultos dominicais noturnos. Poucos são os que estão a fazer a obra de Deus, seja evangelizando, seja discipulando, seja ajudando aos necessitados.
- Em nossas andanças pela Região Metropolitana de São Paulo, temos notado o alto índice de “desocupados”, de pessoas ociosas nas igrejas locais, o que explica, aliás, o rápido e perigoso decréscimo que temos visto nas estatísticas a respeito de conversões em nosso país. A primeira coisa que o Senhor Jesus observou em Éfeso foi o trabalho da igreja. Poderia Ele falar o mesmo de nossa igreja local? Poderia Ele falar o mesmo de nós?
- Trabalho, aqui, amados irmãos, não significa acúmulo de atividades. Muitos acham que muito trabalham na obra do Senhor, mas estão apenas a se afadigar com o que não é prioritário, como Marta (Lc.10:40-42), que, distraída em muitos serviços, desprezou “a boa parte”. Nos dias em que vivemos, as igrejas locais estão repletas de eventos e efemérides, mas pouco, ou quase nada, têm trabalhado para o Senhor. Estão estafadas e esgotadas, como Marta, mas nada fizeram pelo reino de Deus.
- O trabalho efetivo, eficiente e eficaz realizado pelo anjo da igreja de Éfeso tinha a ver com a salvação das almas. O trabalho era efetivo, porque real, concreto, havia um esforço para a evangelização dos incrédulos e o aperfeiçoamento dos crentes. O trabalho era eficiente, porque as atividades redundavam em progresso espiritual dos crentes. O trabalho era eficaz, porque as estratégias e meios utilizados davam como resultado o crescimento quantitativo e qualitativo da igreja. Podemos falar o mesmo do que é feito em nossas igrejas locais?
- Quantas conversões temos tido em nossas igrejas locais nos últimos doze meses? Quantos batismos com o Espírito Santo temos tidos em nossas igrejas locais nos últimos doze meses? Quantos crentes, nos últimos doze meses, receberam dons espirituais? Quantos desviados voltaram para o rebanho do Senhor? Quantos crentes foram chamados ao ministério? Quanto contribuímos para a obra missionária? Quanto aumentamos em santificação? O Senhor Jesus via o trabalho da igreja de Éfeso? O que vê nos últimos doze meses em nossas igrejas locais?
- O trabalho leva a pessoa a se desgastar, a suar (Gn.3:19), a se cansar. Jesus Se cansava fisicamente com o trabalho que realizou em Seu ministério terreno (Jo.4:6), quanto mais nós! A Nova Versão Internacional (NVI) traduz a expressão grega “kópos” (κόπος) que é traduzida por “trabalho” na Versão Almeida Revista e Corrigida (ARC), por “trabalho árduo” e a Bíblia de Jerusalém(BJ), que traduz o termo por “fadiga”. Isto nos mostra que o trabalho na obra de Deus traz profundo desgaste, um grande dispêndio de energia, a exigir de cada um dedicação e esforço, que tanto maior visto que não é somente físico, mas, e sobretudo, espiritual.
- Mas, além do trabalho, o Senhor Jesus viu, também, a paciência daquele pastor. A palavra grega é “upomoné” (ύπομονή), cujo significado é de “permanência”, “perseverança”, palavra que é utilizada tanto na NVI quanto na BJ como também na Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB). O desgaste físico e espiritual que o trabalho produz não foi suficiente para fazer com que aquele ministro, e sua igreja, abandonassem a obra do Senhor. Pelo contrário, eles eram perseverantes, não desistiam de fazer a obra do Senhor, apesar dos problemas e das dificuldades existentes.
- Lembremos que Éfeso era uma cidade que vivia da idolatria e da feitiçaria, a ponto de o crescimento do Evangelho ter feito se levantarem segmentos relevantes da sociedade contra a igreja, ainda no tempo do apóstolo Paulo (At.20), circunstâncias que, certamente, não se modificaram. Antes, já que estávamos na época da segunda grande perseguição do Império Romano contra os cristãos, tinham só aumentado.
- Além de termos de trabalhar para o Senhor Jesus, temos de perseverar, de não desistir de continuar servindo a Deus, de continuar levando o Evangelho a toda a criatura. Muitos até começam a trabalhar na obra do Senhor, mas, depois de um determinado período, curto ou longo, pouco importa, abandonam a obra, deixam de fazer o trabalho do Senhor. Em Éfeso, isto não ocorria: todos eram perseverantes. Devemos perseverar até o fim (Mt.24:13)!
- Mas além de trabalhar e perseverar, o anjo da igreja de Éfeso também “não podia sofrer os maus” (Ap.2:1), ou seja, “não pode suportar os malvados” (BJ, TEB) ou “não pode tolerar os homens maus” (NVI). Outra qualidade deste pastor é a sua “intolerância com os maus”.
- O Senhor Jesus elogia o pastor de Éfeso porque ele não “suportava os homens maus”. Embora devamos amar a todos os homens, pois temos o amor de Deus em nossos corações derramado pelo Espírito Santo (Rm.5:5) e este amor é tal que faz com que Deus queira a salvação de todos os homens, indistintamente (I Tm.2:4), não significa, em absoluto, que devamos tolerar o pecado e conviver com ele.
- O pastor de Éfeso era intolerante com os homens maus, ou seja, com aqueles que haviam escolhido o pecado, a iniquidade, a maldade como estilo de vida. Não é por outro motivo que o Senhor, ao ensinar sobre a disciplina da Igreja, disse que se alguém for admoestado para abandonar sua vida pecaminosa e resistir à Igreja em retroceder deva ser tratado como gentio e publicano, ou seja, como alguém que não mais pertence ao rebanho do Senhor (Mt.18:15-17).
- Nos dias em que vivemos, tem avançado uma mentalidade no meio do povo de Deus segundo a qual se deve tolerar tudo e todos na igreja, porque “é o Espírito Santo quem transforma”. Tal mentalidade é de origem satânica e não pode ser acolhida pelos autênticos e genuínos servos do Senhor.
- O Senhor Jesus louva a atitude do anjo da igreja de Éfeso de “não poder suportar os malvados”. Ora, se o Senhor Jesus Se agrada desta atitude, como entender que devamos tolerar em nosso meio pessoas que não estão dispostas a observar a Palavra de Deus e que vivem dissolutamente? É dever do ministro buscar a salvação desta alma, mas, em se observando a impenitência, não há outra solução senão extirpá-la do convívio, para que não venha a prejudicar a salvação dos demais.
- Como servos de Cristo Jesus, devemos amar a todos os pecadores e querer-lhes bem, mas isto, em absoluto, significa tolerar ou ser leniente com o pecado. Amamos todos os pecadores, queremos que se salvem, mas abominamos o pecado que eles cometem e não podemos permitir que o pecado passe a ser o estilo de vida em nosso meio. Não temos qualquer compromisso com o mundo e com o pecado, não há comunhão entre as luz e as trevas.
- Nesta intolerância com os malvados, o Senhor Jesus elogiou, ainda, a conduta do pastor de Éfeso que desmascarou os “falsos apóstolos”, revelando tratar-se de pessoas mentirosas (Ap.2:2). O pastor de Éfeso pôs à prova os que se diziam apóstolos, tendo-os achado mentirosos.
- Outra incumbência fundamental para um ministro é o de preservar a sã doutrina, o de repelir todo e qualquer engano, todo e qualquer ensino doutrinário falso, toda e qualquer heresia. A igreja deve ser conduzida de modo a que o povo tenha amplo e pleno conhecimento da verdade, que é a Palavra de Deus (Jo.17:17), para que possa ser devidamente liberto (Jo.8:32).
- O anjo da igreja de Éfeso era um homem dedicado ao estudo e ao ensino da Palavra de Deus, pois não há outro modo de se pôr à prova os mentirosos senão por intermédio da verdade. Vivemos dias em que muitos mentirosos estão a tirar proveito e vantagem em nosso meio, precisamente porque não há obreiros como o pastor de Éfeso, que ponham à prova tais mentirosos à luz da Palavra do Senhor.
- O anjo da igreja de Éfeso seguia o mesmo rastro dos apóstolos que entendiam que sua função primordial era a oração e o ministério da Palavra (At.6:2,4) e, por se dedicar à Palavra, tanto em seu estudo quanto em seu ensino, pôde impedir que falsos apóstolos prejudicassem o rebanho do Senhor. Temos tido tal atitude de nossos obreiros na atualidade? É lamentável, mas, na imensa maioria dos casos, temos de responder negativamente.
- Por sua expressão, a igreja de Éfeso, que combatia tenazmente contra a idolatria e a feitiçaria, foi atacada pelo inimigo de uma forma ardilosa. Uma vez que o povo salvo naquela cidade não poderia ser seduzida seja pela idolatria, seja pela feitiçaria, de onde haviam saído para servir a Cristo Jesus, o diabo, sutilmente, levou até aqueles crentes “apóstolos”, pessoas que se diziam cristãs, para tentar enganar e iludir o rebanho do Senhor.
- É assim que o inimigo tem atuado nos últimos anos. Sabedor de que não pode mais enganar os crentes com as roupagens explícitas da idolatria ou da feitiçaria, de modo sutil tem levantado “falsos apóstolos”, tem levantado supostos crentes que, no entanto, trazem mensagens tão enganosas quanto as provenientes da idolatria e da feitiçaria.
- Para enfrentarmos estes ensinos falsos, que, infelizmente, estão sendo levados aos nossos púlpitos, é mister que tenhamos pastores como o pastor da igreja de Éfeso que, ante a chegada destes “apóstolos”, pô-los à prova, usando da Palavra de Deus e, numa comparação entre seu viver e sua mensagem e as Escrituras, pôde chegar à conclusão de que eram impostores, de que eram mentirosos, de que eram falsos irmãos.
- Como é importante, amados irmãos, que procedamos da mesma maneira em nossos dias. Como é fundamental que haja, por parte dos crentes, o devido zelo com o estudo, aprendizado e ensino da Bíblia Sagrada, a fim de que possamos, também nós, desmascarar os “falsos apóstolos”, estes “lobos cruéis”, estes “homens que falam perversidades” que se encontram em nosso meio. É para isto que existem as Escolas Bíblicas Dominicais, os cultos de ensino, que, infelizmente, são reuniões das mais desprezadas nas igrejas locais da atualidade, a começar pelos próprios obreiros. Acordemos antes que seja tarde demais!
- O Senhor Jesus reconhecia o esforço despendido por aquele pastor. O Senhor sabia, claramente, que aquele homem havia sofrido, sido paciente e trabalhado incansavelmente pelo nome de Jesus, sem se cansar, ou seja, sem desistir no meio da jornada, pois, como já dissemos, o cansaço, o desgaste, é inevitável (II Co.12:15).
- Éfeso era, portanto, uma igreja trabalhadora, fiel à sã doutrina, cuidadosa e zelosa com a Palavra de Deus e que não se cansava de fazer a obra de Deus. Era este o lado bom visto pelo olhar de chama de fogo de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
IV – O EXAME DO DEFEITO DA IGREJA DE ÉFESO PELO SENHOR JESUS
- No entanto, apesar dos fortes elogios que o Senhor Jesus tece à igreja de Éfeso, como Ele é o justo juiz, não deixou de apontar o defeito, a falha que encontrou naquele ministro e, por conseguinte, naquela igreja: “Tenho, porém, contra ti que deixaste a tua primeira caridade” (Ap.2:4).
- O defeito do anjo da igreja de Éfeso é que todo o seu esforço, todo o seu trabalho, todo o seu desgaste era feito por obrigação, por costume, não por amor. “…A igreja continuava trabalhando, continuava suportando provas e perseguições, mas parece que tudo por mero costume ou obrigação. A igreja havia perdido a sua principal virtude: o amor!…” (OLIVEIRA, José Serafim. op.cit., p.16).
- “Deixar a primeira caridade” ou “deixar o primeiro amor” era o gravíssimo defeito que o Senhor Jesus encontrou naquele pastor e, por conseguinte, naquela igreja. Para bem entendermos esta expressão, é preciso lembrar que o apóstolo Paulo pedia ao Senhor que os efésios pudessem conhecer o amor de Cristo e estar nele arraigados (Ef.3:17-19).
- O Senhor Jesus diz que o pastor de Éfeso havia “deixado” o “primeiro amor”. “Deixar” aqui é a palavra grega é “afiemi” (αφίημι), cujos significado é o de “abandonar” (que é a palavra utilizada na Versão Almeida Revista e Atualizada – ARA), o mesmo sentido de “repudiar” uma mulher, ou seja, o de não mais conviver, de tomar uma resolução de não mais compartilhar deste sentimento.
- Aquela igreja tinha entrado em um automatismo, em uma rotina que fazia com que tudo o que estava sendo realizado na obra do Senhor não fosse por causa do amor a Deus, por causa daquela atração inicial que havia levado aqueles crentes a se arrepender dos seus pecados e crer que Jesus era o Salvador, um sentimento do qual já estavam divorciados, que não mais levavam em conta na hora de realizar as suas tarefas.
- Notemos que o Senhor Jesus não disse que o pastor de Éfeso O havia abandonado. O abandono era só do “primeiro amor”, ou seja, ainda não tínhamos um desvio espiritual, mas se dava o primeiro passo para este desvio, visto que o abandono do “primeiro amor” significava, precisamente, o início do distanciamento em relação à pessoa do Senhor Jesus. Este “primeiro amor” é aquele lado atrativo do amor de Deus que nos aproxima do Senhor Jesus e nos leva à salvação.
- Sabemos todos que a palavra “amor” é tradução de quatro palavras gregas, a saber:
a) “eros” (ερως) – o amor passional, o desejo ardente, o amor instintivo. Presente na Bíblia apenas na versão grega (Septuaginta) em Pv.7:18 e 30:16.
b) “philia” (φιλια) – o amor amizade, o amor condicional, correspondido.
c) “storge” (στοργη) – o amor fraternal, familiar, decorrente das necessidades. Presente na Bíblia apenas em uma palavra composta em Rm.12:10
d) “agape” (αγαπη) – o amor divino, incondicional.
- Pelo que podemos verificar, quando falamos em amor com relação ao Senhor Jesus, estamos a falar do amor “agape”, pois o amor que temos em relação a Cristo é o amor de Deus que foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo (Rm.5:5).
- No entanto, este amor “agape” não deixa de ter um quê de “eros”, de desejo ardente, de atração. Afinal de contas, o Senhor Jesus disse que a todos atrairia a Si (Os.2:14; Jo.12:32), atração esta que não é outra a não ser o amor que revelou e comprovou na Sua morte vicária na cruz do Calvário (Rm.5:8; Ct.2:4). O gesto de Jesus de dar a Sua vida pelo homem promove, naqueles que creem, uma devoção, uma atração à pessoa de Cristo Jesus, que não deixa de ser um quê de “eros” que nos levará ao “agape”.
OBS: Esta perspectiva de um lado atrativo no amor de Deus que nos é derramado no coração foi bem desenvolvido pelo atual chefe da Igreja Romana, na sua primeira encíclica, “Deus caritas est”, dedicada à análise do amor de Deus, em trecho que vale a pena transcrever:
3. Ao amor entre homem e mulher, que não nasce da inteligência e da vontade mas de certa forma impõe-se ao ser humano, a Grécia antiga deu o nome deeros. Diga-se desde já que o Antigo Testamento grego usa só duas vezes a palavraeros, enquanto o Novo Testamento nunca a usa: das três palavras gregas relacionadas com o amor —eros, philia (amor de amizade) e agape — os escritos neo-testamentários privilegiam a última, que, na linguagem grega, era quase posta de lado. Quanto ao amor de amizade (philia), este é retomado com um significado mais profundo noEvangelho de João para exprimir a relação entre Jesus e os seus discípulos. A marginalização da palavraeros, juntamente com a nova visão do amor que se exprime através da palavraagape, denota sem dúvida, na novidade do cristianismo, algo de essencial e próprio relativamente à compreensão do amor. Na crítica ao cristianismo que se foi desenvolvendo com radicalismo crescente a partir do iluminismo, esta novidade foi avaliada de forma absolutamente negativa. Segundo Friedrich Nietzsche, o cristianismo teria dado veneno a beber ao eros, que, embora não tivesse morrido, daí teria recebido o impulso para degenerar em vício. [1] Este filósofo alemão exprimia assim uma sensação muito generalizada: com os seus mandamentos e proibições, a Igreja não nos torna porventura amarga a coisa mais bela da vida? Porventura não assinala ela proibições precisamente onde a alegria, preparada para nós pelo Criador, nos oferece uma felicidade que nos faz pressentir algo do Divino?
4. Mas, será mesmo assim? O cristianismo destruiu verdadeiramente oeros? Vejamos o mundo pré-cristão. Os gregos — aliás de forma análoga a outras culturas — viram noeros sobretudo o inebriamento, a subjugação da razão por parte duma « loucura divina » que arranca o homem das limitações da sua existência e, neste estado de transtorno por uma força divina, faz-lhe experimentar a mais alta beatitude. Deste modo, todas as outras forças quer no céu quer na terra resultam de importância secundária: « Omnia vincit amor — o amor tudo vence », afirma Virgílio nas Bucólicas e acrescenta: « et nos cedamus amori — rendamo-nos também nós ao amor ». [2] Nas religiões, esta posição traduziu-se nos cultos da fertilidade, aos quais pertence a prostituição « sagrada » que prosperava em muitos templos. Oeros foi, pois, celebrado como força divina, como comunhão com o Divino.
A esta forma de religião, que contrasta como uma fortíssima tentação com a fé no único Deus, o Antigo Testamento opôs-se com a maior firmeza, combatendo-a como perversão da religiosidade. Ao fazê-lo, porém, não rejeitou de modo algum oeros enquanto tal, mas declarou guerra à sua subversão devastadora, porque a falsa divinização do eros, como aí se verifica, priva-o da sua dignidade, desumaniza-o. De facto, no templo, as prostitutas, que devem dar o inebriamento do Divino, não são tratadas como seres humanos e pessoas, mas servem apenas como instrumentos para suscitar a « loucura divina »: na realidade, não são deusas, mas pessoas humanas de quem se abusa. Por isso, o eros inebriante e descontrolado não é subida, « êxtase » até ao Divino, mas queda, degradação do homem. Fica assim claro que oeros necessita de disciplina, de purificação para dar ao homem, não o prazer de um instante, mas uma certa amostra do vértice da existência, daquela beatitude para que tende todo o nosso ser.
5. Dois dados resultam claramente desta rápida visão sobre a concepção do eros na história e na actualidade. O primeiro é que entre o amor e o Divino existe qualquer relação: o amor promete infinito, eternidade — uma realidade maior e totalmente diferente do dia-a-dia da nossa existência. E o segundo é que o caminho para tal meta não consiste em deixar-se simplesmente subjugar pelo instinto. São necessárias purificações e amadurecimentos, que passam também pela estrada da renúncia. Isto não é rejeição doeros, não é o seu « envenenamento », mas a cura em ordem à sua verdadeira grandeza.
Isto depende primariamente da constituição do ser humano, que é composto de corpo e alma. O homem torna-se realmente ele mesmo, quando corpo e alma se encontram em íntima unidade; o desafio doeros pode considerar-se verdadeiramente superado, quando se consegue esta unificação. Se o homem aspira a ser somente espírito e quer rejeitar a carne como uma herança apenas animalesca, então espírito e corpo perdem a sua dignidade. E se ele, por outro lado, renega o espírito e consequentemente considera a matéria, o corpo, como realidade exclusiva, perde igualmente a sua grandeza. O epicurista Gassendi, gracejando, cumprimentava Descartes com a saudação: « Ó Alma! ». E Descartes replicava dizendo: « Ó Carne! ». [3] Mas, nem o espírito ama sozinho, nem o corpo: é o homem, a pessoa, que ama como criatura unitária, de que fazem parte o corpo e a alma. Somente quando ambos se fundem verdadeiramente numa unidade, é que o homem se torna plenamente ele próprio. Só deste modo é que o amor — oeros — pode amadurecer até à sua verdadeira grandeza.
Hoje não é raro ouvir censurar o cristianismo do passado por ter sido adversário da corporeidade; a realidade é que sempre houve tendências neste sentido. Mas o modo de exaltar o corpo, a que assistimos hoje, é enganador. O eros degradado a puro « sexo » torna-se mercadoria, torna-se simplesmente uma « coisa » que se pode comprar e vender; antes, o próprio homem torna-se mercadoria. Na realidade, para o homem, isto não constitui propriamente uma grande afirmação do seu corpo. Pelo contrário, agora considera o corpo e a sexualidade como a parte meramente material de si mesmo a usar e explorar com proveito. Uma parte, aliás, que ele não vê como um âmbito da sua liberdade, mas antes como algo que, a seu modo, procura tornar simultaneamente agradável e inócuo. Na verdade, encontramo-nos diante duma degradação do corpo humano, que deixa de estar integrado no conjunto da liberdade da nossa existência, deixa de ser expressão viva da totalidade do nosso ser, acabando como que relegado para o campo puramente biológico. A aparente exaltação do corpo pode bem depressa converter-se em ódio à corporeidade. Ao contrário, a fé cristã sempre considerou o homem como um ser uni-dual, em que espírito e matéria se compenetram mutuamente, experimentando ambos precisamente desta forma uma nova nobreza. Sim, o eros quer-nos elevar « em êxtase » para o Divino, conduzir-nos para além de nós próprios, mas por isso mesmo requer um caminho de ascese, renúncias, purificações e saneamentos.
6. Concretamente, como se deve configurar este caminho de ascese e purificação? Como deve ser vivido o amor, para que se realize plenamente a sua promessa humana e divina? Uma primeira indicação importante, podemos encontrá-la noCântico dos Cânticos, um dos livros do Antigo Testamento bem conhecido dos místicos. Segundo a interpretação hoje predominante, as poesias contidas neste livro são originalmente cânticos de amor, talvez previstos para uma festa israelita de núpcias, na qual deviam exaltar o amor conjugal. Neste contexto, é muito elucidativo o facto de, ao longo do livro, se encontrarem duas palavras distintas para designar o « amor ». Primeiro, aparece a palavra « dodim », um plural que exprime o amor ainda inseguro, numa situação de procura indeterminada. Depois, esta palavra é substituída por « ahabà », que, na versão grega do Antigo Testamento, é traduzida pelo termo de som semelhante « agape », que se tornou, como vimos, o termo característico para a concepção bíblica do amor. Em contraposição ao amor indeterminado e ainda em fase de procura, este vocábulo exprime a experiência do amor que agora se torna verdadeiramente descoberta do outro, superando assim o carácter egoísta que antes claramente prevalecia. Agora o amor torna-se cuidado do outro e pelo outro. Já não se busca a si próprio, não busca a imersão no inebriamento da felicidade; procura, ao invés, o bem do amado: torna-se renúncia, está disposto ao sacrifício, antes procura-o.
Faz parte da evolução do amor para níveis mais altos, para as suas íntimas purificações, que ele procure agora o carácter definitivo, e isto num duplo sentido: no sentido da exclusividade — « apenas esta única pessoa » — e no sentido de ser « para sempre ». O amor compreende a totalidade da existência em toda a sua dimensão, inclusive a temporal. Nem poderia ser de outro modo, porque a sua promessa visa o definitivo: o amor visa a eternidade. Sim, o amor é « êxtase »; êxtase, não no sentido de um instante de inebriamento, mas como caminho, como êxodo permanente do eu fechado em si mesmo para a sua libertação no dom de si e, precisamente dessa forma, para o reencontro de si mesmo, mais ainda para a descoberta de Deus: « Quem procurar salvaguardar a vida, perdê-la-á, e quem a perder, conservá-la-á » (Lc 17, 33) — disse Jesus; afirmação esta que se encontra nos Evangelhos com diversas variantes (cf. Mt 10, 39; 16, 25;Mc 8, 35;Lc 9, 24;Jo 12, 25). Assim descreve Jesus o seu caminho pessoal, que O conduz, através da cruz, à ressurreição: o caminho do grão de trigo que cai na terra e morre e assim dá muito fruto. Partindo do centro do seu sacrifício pessoal e do amor que aí alcança a sua plenitude, Ele, com tais palavras, descreve também a essência do amor e da existência humana em geral.
7. Inicialmente mais filosóficas, as nossas reflexões sobre a essência do amor conduziram-nos agora, pela sua dinâmica interior, à fé bíblica. Ao princípio, colocou-se o problema de saber se os vários, ou melhor opostos, significados da palavra amor subentenderiam no fundo uma certa unidade entre eles ou se deveriam ficar desligados um ao lado do outro. Mas, acima de tudo, surgiu a questão seguinte: se a mensagem sobre o amor, que nos é anunciada pela Bíblia e pela Tradição da Igreja, teria algo a ver com a experiência humana comum do amor ou se, pelo contrário, se opusesse a ela. A este respeito, fomos dar com duas palavras fundamentais:eros como termo para significar o amor « mundano » eagape como expressão do amor fundado sobre a fé e por ela plasmado. As duas concepções aparecem frequentemente contrapostas como amor « ascendente » e amor « descendente ». Existem outras classificações afins como, por exemplo, a distinção entre amor possessivo e amor oblativo (amor concupiscentiæ –amor benevolentiæ), à qual, às vezes, se acrescenta ainda o amor que procura o próprio interesse.
No debate filosófico e teológico, estas distinções foram muitas vezes radicalizadas até ao ponto de as colocar em contraposição: tipicamente cristão seria o amor descendente, oblativo, ou seja, aagape; ao invés, a cultura não cristã, especialmente a grega, caracterizar-se-ia pelo amor ascendente, ambicioso e possessivo, ou seja, peloeros. Se se quisesse levar ao extremo esta antítese, a essência do cristianismo terminaria desarticulada das relações básicas e vitais da existência humana e constituiria um mundo independente, considerado talvez admirável, mas decididamente separado do conjunto da existência humana. Na realidade,eros eagape — amor ascendente e amor descendente — nunca se deixam separar completamente um do outro. Quanto mais os dois encontrarem a justa unidade, embora em distintas dimensões, na única realidade do amor, tanto mais se realiza a verdadeira natureza do amor em geral. Embora oeros seja inicialmente sobretudo ambicioso, ascendente — fascinação pela grande promessa de felicidade — depois, à medida que se aproxima do outro, far-se-á cada vez menos perguntas sobre si próprio, procurará sempre mais a felicidade do outro, preocupar-se-á cada vez mais dele, doar-se-á e desejará « existir para » o outro. Assim se insere nele o momento da agape; caso contrário, o eros decai e perde mesmo a sua própria natureza. Por outro lado, o homem também não pode viver exclusivamente no amor oblativo, descendente. Não pode limitar-se sempre a dar, deve também receber. Quem quer dar amor, deve ele mesmo recebê-lo em dom. Certamente, o homem pode — como nos diz o Senhor — tornar-se uma fonte donde correm rios de água viva (cf. Jo 7, 37-38); mas, para se tornar semelhante fonte, deve ele mesmo beber incessantemente da fonte primeira e originária que é Jesus Cristo, de cujo coração trespassado brota o amor de Deus (cf. Jo 19, 34).
Os Padres viram simbolizada de várias maneiras, na narração da escada de Jacob, esta conexão indivisível entre subida e descida, entre oeros que procura Deus e aagape que transmite o dom recebido. Naquele texto bíblico refere-se que o patriarca Jacob num sonho viu, assente na pedra que lhe servia de travesseiro, uma escada que chegava até ao céu, pela qual subiam e desciam os anjos de Deus (cf. Gn 28, 12;Jo 1, 51). Particularmente interessante é a interpretação que dá o Papa Gregório Magno desta visão, na suaRegra pastoral. O bom pastor — diz ele — deve estar radicado na contemplação. De facto, só assim lhe será possível acolher de tal modo no seu íntimo as necessidades dos outros, que estas se tornem suas: « per pietatis viscera in se infirmitatem cæterorum transferat ». [4] Neste contexto, São Gregório alude a São Paulo que foi arrebatado para as alturas até aos maiores mistérios de Deus e precisamente desta forma, quando desce, é capaz de fazer-se tudo para todos (cf. 2 Cor 12, 2-4;1 Cor 9, 22). Além disso, indica o exemplo de Moisés que repetidamente entra na tenda sagrada, permanecendo em diálogo com Deus para poder assim, a partir de Deus, estar à disposição do seu povo. « Dentro [da tenda] arrebatado até às alturas mediante a contemplação, fora [da tenda] deixa-se encalçar pelo peso dos que sofrem: Intus in contemplationem rapitur, foris infirmantium negotiis urgetur ». [5]
8. Encontramos, assim, uma primeira resposta, ainda bastante genérica, para as duas questões atrás expostas: no fundo, o « amor » é uma única realidade, embora com distintas dimensões; caso a caso, pode uma ou outra dimensão sobressair mais. Mas, quando as duas dimensões se separam completamente uma da outra, surge uma caricatura ou, de qualquer modo, uma forma redutiva do amor. E vimos sinteticamente também que a fé bíblica não constrói um mundo paralelo ou um mundo contraposto àquele fenómeno humano originário que é o amor, mas aceita o homem por inteiro intervindo na sua busca de amor para purificá-la, desvendando-lhe ao mesmo tempo novas dimensões. Esta novidade da fé bíblica manifesta-se sobretudo em dois pontos que merecem ser sublinhados: a imagem de Deus e a imagem do homem...” (BENTO XVI. Deus caritas est. Disponível em:
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20051225_deus-caritas-est_po.html Acesso em 12 fev. 2011.
- O amor de Deus Se manifesta ao homem através de uma atração, de um desejo ardente do Senhor de nos salvar. Há um lado atrativo no amor divino e a resposta a esta atração de Deus a nós é o “primeiro amor” de que nos fala o Senhor nesta carta à igreja de Éfeso.
- John Wesley (1703-1791), fundador da Igreja Metodista e um dos principais responsáveis por um dos maiores avivamentos da história da Igreja, dizia que este “primeiro amor” é “o primeiro amor carinhoso em seu vigor e ardor”. É a resposta do salvo à atração promovida pelo amor de Deus que o levou ao arrependimento dos pecados e à fé em Cristo Jesus.
- Entre os pagãos, o “eros” era identificado como uma “loucura divina”, um “êxtase” que levava o homem a um “contato com a divindade”. Esta ideia não é de todo desarrazoada, visto que revela que nosso relacionamento com Deus tem de transpor os limites da razão, da racionalidade, é algo que tem de se dar de modo “misterioso”. É por isso que o apóstolo Paulo, falando aos efésios, diz que somente habitando Cristo pela fé em nossos corações e estando arraigados e fundados em amor, poderemos compreender perfeitamente a largura, o comprimento, a altura e a profundidade do amor de Cristo (Ef.3:17,18).
- Este “primeiro amor”, que é a resposta a esta atração a Deus, é que nos permite entrar em contato com o Senhor Jesus, que nos permite amá-l’O, recebê-l’O como Nosso Senhor e Salvador. Por isso, Paulo diz que o que nos leva a Cristo é a “loucura da pregação” (I Co.1:21).
- Ao contrário dos pagãos, porém, esta “loucura divina” não nos vem por intermédio das paixões carnais, da sensualidade, da superação de limites na satisfação de nossos instintos, mas, sim, pela comunhão que se dá entre o nosso espírito e o Espírito de Deus, entre nosso homem interior e o Senhor.
- Para que nos aproximemos de Deus, o que para nós é bom (Sl.73:28), temos de ser atraídos por Ele e de nos mantermos por Ele atraídos e esta atração ao Senhor nada mais é que o “primeiro amor” de que fala o Senhor Jesus aqui. É amar a Jesus como amamos no princípio da nossa fé, para aqui nos utilizarmos da expressão usada pela Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH).
- A igreja em Éfeso começou com este primeiro amor. Ao vermos o início da obra do Senhor Jesus naquela cidade, como nos descreve o livro de Atos, verificamos a presença deste “primeiro amor”.
- Quando os crentes de Éfeso tinham o primeiro amor, tinham interesse em saber quem era o Espírito Santo e, por isso, foram batizados nas águas e no Espírito Santo como também receberam dons espirituais (At.19:1-7). Agora, não havia mais este interesse, não havia mais este ardor. Até parece que se trata das Assembleias de Deus em seu centenário…
- Quando os crentes de Éfeso tinham o primeiro amor, acompanharam Paulo para a escola de Tirano depois que os judeus da sinagoga endureceram seus corações, rejeitando o Evangelho (At.19:8,9). Agora, não havia mais este interesse e, certamente, somente compareciam às reuniões previamente designadas, tal como os “crentes domingueiros” da atualidade.
- Quando os crentes de Éfeso tinham o primeiro amor, não cessavam de cultuar a Deus, fazendo-o por ininterruptos dois anos (At.19:10). Agora, faziam apenas o que lhes era determinado, nada além da primeira milha, a chamada “milha do dever” (Mt.5:41), como se estivessem a fazer um favor para Deus e a realidade não fosse exatamente o contrário.
- Quando os crentes de Éfeso tinham o primeiro amor, tinham interesse em que as pessoas fossem alcançadas pelo poder de Deus, tendo bom testemunho para tanto (At.19:11-17). Agora, limitavam-se a cumprir os seus deveres eclesiásticos, sem qualquer interesse em se sobressair como cristãos na cidade, máxime em momento de perseguição como o que estavam vivendo sob o reinado do imperador romano Domiciano.
- Quando os crentes de Éfeso tinham o primeiro amor, havia confissão e abandono dos pecados, inclusive do envolvimento com a feitiçaria e o paganismo em geral (At.19:18,19). Agora, apenas cumpriam suas obrigações eclesiásticas, buscando não se mostrar muito diante de um ambiente e clima hostil à fé, ainda mais que se estava na capital de uma província romana, onde as ordens imperiais chegavam por primeiro.
- Quando os crentes de Éfeso tinham o primeiro amor, havia prevalência da Palavra de Deus (At.19:20). Os efésios ainda primavam pela Palavra de Deus, como nos dá conta o Senhor Jesus no exame das qualidades do anjo da igreja efésia, mas a ortodoxia doutrinária estava se deixando dominar por um racionalismo, já não era acompanhada de um ardor.
- Esta falta do primeiro amor tem sido uma característica encontradiça em muitas igrejas locais na atualidade. São igrejas que estão em “piloto automático”, que cumprem uma rotina no serviço a Deus, mas onde já não se sente mais atração pelo Senhor Jesus, onde não mais interesse em buscá-l’O e invocá-l’O. Tudo é feito mecanicamente e um comportamento desta natureza é assaz perigoso, porquanto leva ao “esfriamento do amor”, algo que, com a multiplicação da iniquidade de nossos dias, junta “o inútil com o desagradável”, criando um ambiente extremamente propício para a perda da salvação.
- Quando deixamos de sentir o primeiro amor, quando deixamos de ter a atração pelas coisas de Deus, inevitavelmente seremos atraídos pelas coisas do mundo e, quando passamos a amar o mundo, o próximo passo depois de deixarmos o primeiro amor, acabaremos por perder o amor do Pai, pois quem ama o mundo e o que no mundo há, não tem mais o amor de Deus em seu coração (I Jo.2:15). “Quando uma pedra começa a cair, ela cai com uma velocidade crescente; quando uma alma começa a perder seu primeiro amor, ela o deixa mais e mais, mais e mais, até que, por fim, ela cai terrivelmente” (Charles Spurgeon).
OBS: “…A falta do primeiro amor poderia ser um extremismo nas aplicações das disciplinas, pois não toleravam o mal(…). Poderia estar vinculada a este pensamento, a falta de recursos para fazer a obra de missão e evangelismo(…). Esta falta de amor poderia ser o atendimento social aos necessitados. Quando estavam no primeiro amor era prioridade socorrer aos carentes, (…) mas este primeiro amor esfriou e caíram desta graça…” (SILVA, Osmar José da. op.cit., p.41).
- A perda do amor de Deus em nossos corações é a morte espiritual, pois, quando deixamos o primeiro amor e partimos rumo à atração pelo mundo, acabamos atraídos e engodados pela nossa própria concupiscência, ou seja, pela nossa natureza pecaminosa e o resultado disto é a morte como consequência do pecado (Tg.1:14,15).
V – A RECEITA DE JESUS PARA A IGREJA DE ÉFESO
- O Senhor Jesus, porém, ao apontar a falha da igreja de Éfeso, não fica apenas no diagnóstico, mas, como “Médico dos médicos”, também ministra a receita que soluciona o problema. Jesus, amados irmãos, não é como alguns irmãos que são muito rápidos na diagnose, mas que não trazem qualquer solução para o problema espiritual de alguém. Só sabem apontar a doença e predizer a morte, nada mais, mas Jesus é a vida, a luz dos homens (Jo.1:4), iluminando nossos passos e nos dando condição de sermos restaurados para vivermos eternamente com Ele nas mansões celestiais.
- Após ter dado o diagnóstico, o Senhor diz ao anjo da igreja de Éfeso que se lembrasse de onde caíra e que voltasse a praticar as primeiras obras. Não tinha ocorrido ainda a morte espiritual, mas, tão somente, uma queda, um deslize. Não se perdera, ainda, o amor de Deus, mas tão somente o “primeiro amor”, algo muito importante, essencial, mas que ainda não significava o rompimento definitivo com o Senhor.
- O caminho preconizado pelo Senhor Jesus era o do arrependimento, o da mudança de mentalidade. O pastor de Éfeso deveria verificar onde havia caído, ou seja, a partir de que atitude, de que gesto ele havia deixado o primeiro amor e, então, a partir de então, deveria voltar a praticar as primeiras obras, ou seja, deveria retornar a fazer tudo com amor, com ardor, com vontade de aproximação contínua ao Senhor Jesus.
- Não existe outro modo de nos restaurarmos espiritualmente senão pelo caminho do arrependimento, do retorno ao local de nossa queda para que, ali, recomeçamos tudo. Muitos tentam se enganar, na atualidade, querendo “consertar” sua vida espiritual a partir de um dado instante, sem que retorne onde tudo começou a desandar. Quantos que querem voltar para Cristo Jesus a partir de um instante sem consertar as coisas que ficaram pendentes quando do desvio espiritual? Não há outro remédio. O Senhor Jesus é enfático: “lembra-te pois donde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras”.
- Não era caso de se criar “novidades”, de se descobrir “novas estratégias”, “novas formas de servir a Deus”, como se faz hoje em dia, mas, sim, de “praticar as primeiras obras”, de voltar a se fazer o que se fazia quando o primeiro amor estava presente. Estamos dispostos a retornar aos primeiros dias de fervor espiritual do movimento pentecostal em nosso país?
- Caso não houvesse este arrependimento, o Senhor Jesus, que é a verdade (Jo.14:6), anuncia que haveria a morte espiritual. Se não houvesse arrependimento, o Senhor viria até o pastor de Éfeso e tiraria do seu lugar o castiçal dele, ou seja, o pastor perderia a igreja. Jesus é misericordioso, é bom, dava a solução para aquele ministro mas, caso ele não se arrependesse, ele perderia a igreja, ele perderia o seu ministério (Ap.2:5).
- Quantos ministros que não temos visto o Senhor retirar as igrejas que lhes havia dado? Notemos que não se está aqui a falar de perda de título, nem tampouco de perda de função, mas da perda da igreja. Quantos ministros que caíram, não se arrependeram e hoje não têm mais igrejas a dirigir, mas tão somente organizações religiosas frias e sem a presença do Senhor… Que Deus nos guarde!
- Mesmo diante desta solene advertência, o Senhor Jesus mostra toda a Sua bondade e mansidão, ao tecer mais um elogio para aquele ministro, ao dizer que ele aborrecia as obras dos nicolaítas, obras que o Senhor Jesus também aborrecia (Ap.2:6).
- “…Não podemos determinar com certeza serem estes ‘nicolaítas’ discípulos de ‘Nicolau’, o sétimo diácono (At.6:5). O texto divino escrito por São Lucas, afirma ser Nicolau um homem de ‘boa reputação, cheio do Espírito Santo e de sabedoria’ (At.6:3). O apóstolo João conhecia bem pessoalmente a Nicolau e, sem dúvida, no dia de sua separação para o diaconato (…) pôs as mãos sobre ele (At.6:2,6), é esta razão, além de muitas outras, motivo para não infligirmos na conduta deste servo de Deus aquilo que ele não foi(…). Tudo indica que ‘nicolaítas’ refere-se ao começo da noção de uma ordem sacerdotal na igreja: ‘clero’ e ‘leigos’. Tudos nos faz crer que esta seita denominada de ‘nicolaítas’ faz parte de um ‘sistema’ gnóstico existente naqueles dias…” (SILVA, Severino Pedro da. Apocalipse versículo por versículo. 3.ed., p.33).
- Os nicolaítas eram pessoas que passavam a defender a tese de que “o corpo não prestava”, somente o homem interior (alma e espírito), como defendiam os gnósticos e, que, por isso, não havia nada de errado de usar o corpo para a prática de ações consideradas pecaminosas, como a prostituição, a glutonaria, a bebedice, pois o corpo não tinha nada de bom em si e não poderia prejudicar a alma. “…As obras dos nicolaitas eram heresias ensinadas por hereges impuros, que condenavam o matrimônio e liberavam o sexo desordenado; promoviam discórdia e divisão entre os irmãos, lançando-os contra o pastor da igreja…” (SILVA, Osmar José da. Reflexões filosóficas de eternidade a eternidade, v.7, p.41).
- Na atualidade, temos muitos “nicolaítas” introduzidos no meio do povo de Deus, aqueles que dizem que “Deus só quer o coração” e que não importa o que se faça com o corpo. Jesus, porém, aborrece as obras de quem assim pensa e age!
- Para sermos restaurados em nossa vida espiritual, precisamos aborrecer as obras dos nicolaítas, ou seja, não permitir que nossos corpos sejam instrumentos de iniquidade (Rm.6:12-18). É com grande preocupação que temos observado que, paulatinamente, tem ingressado em nossas igrejas locais uma mentalidade nicolaíta que tem levado muitos que cristãos se dizem ser a serem totalmente descuidados com o seu corpo que passa a ser objeto de todo tipo de profanação, inclusive com uso de vestimentas indecorosas, de enfeites e adereços totalmente incompatíveis com a santificação como o uso de joias, penteados, piercings e tatuagens. Aborreçamos as obras dos nicolaítas, amados irmãos!
- Neste ponto, aliás, tem-se como oportuno verificar o que representa a igreja de Éfeso dentro da perspectiva futurista do livro do Apocalipse. Esta é a igreja onde estava o apóstolo João, a igreja que se localizava mais próxima de Patmos. Tem-se, pois, que estamos diante do período imediatamente posterior aos tempos apostólicos, uma igreja que ainda era “desejável”, que não permitia que houvesse a separação entre “clero” e “leigos”, uma igreja que continuava a evangelizar, mas que, infelizmente, já tinha perdido o ardor dos dias dos apóstolos, que caminhava rumo a um perigoso esfriamento espiritual, que só não seria sentido no período imediatamente seguinte por causa das perseguições permitidas pelo Senhor, com a finalidade precípua de manter a evangelização do mundo conhecido de então.
VI – A PROMESSA DE VITÓRIA FEITA A IGREJA DE ÉFESO
- Após ter apontado a solução para que a igreja de Éfeso fosse restaurada, o Senhor Jesus, mostrando que vale a pena servi-l’O e que todos os que perseverarem até o fim além da salvação, serão devidamente recompensados, manda que a igreja ouvisse o que o Espírito Santo estava a dizer, prova de que, embora destinada ao anjo da igreja, a mensagem era para todos os crentes efésios.
- Jesus faz uma promessa aos vencedores, aos crentes que perseverassem servindo a Ele até o fim, aos crentes que retornassem ao primeiro amor e praticassem as primeiras obras, atendendo à admoestação do Senhor. “Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da árvore da vida, que está no meio do paraíso de Deus” (Ap.2:7).
- O Senhor Jesus mostra-nos, com esta promessa, que a salvação significa a retomada da comunhão que se tinha entre Deus e o homem antes do pecado, quando o acesso à árvore da vida era pleno (Gn.2:9; 3:22-24), ao mesmo tempo em que mostra que está a dar a Sua revelação final aos homens, na medida em que temos aqui um dentre tantos outros episódios no livro do Apocalipse em que se conclui o que se iniciou no livro do Gênesis.
- Quem perseverar até o fim, que resistir ao pecado e ao mundo, comerá da árvore da vida, voltará a ter pleno acesso a esta árvore, ou seja, terá comunhão com o Senhor e uma comunhão que não poderá jamais ser quebrada. A vida eterna é o que nos dá o Senhor Jesus e a salvação tem como finalidade nos levar para o céu, para “o paraíso de Deus”, onde agora está a árvore da vida e não mais no Éden, que ficava na Terra.
- A salvação na pessoa bendita de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo levar-nos-á para novos céus e nova terra, onde habita a justiça (II Pe.3:13, motivo pelo qual não temos que nos preocupar com as coisas desta vida, não temos que estar focados única e exclusivamente nas coisas passageiras desta Terra que há de perecer (II Pr.3:11).
- Somente quem voltar ao primeiro amor, somente quem se sentir atraído por Cristo Jesus e por estes novos céus e terra poderá alcançar esta recompensa, poderá vencer o mal. Muitos que cristãos se dizem ser, na atualidade, estão total e completamente alheios desta realidade, não almejam comer da árvore da vida, mas querem desfrutar dos prazeres e deleites proposta pela sua natureza pecaminosa neste mundo. Amam este mundo e, por isso, não só não se sentem atraídos pelas coisas espirituais, como não têm sequer mais o amor de Deus em seus corações.
- Qual é a nossa situação? Temos desejado o céu? Temos querido comer da árvore da vida no meio do paraíso de Deus, ou estamos tão atraídos pelas coisas deste mundo que estamos totalmente indiferentes a esta promessa de Jesus? Tomemos cuidado, amados irmãos, pois, por mais operosos que sejamos na obra de Deus, se não temos esta atração pelo céu, brevemente estaremos mortos. Cuidado!
- Que nosso coração não deixe o primeiro amor para que, naquele dia, estejamos prontos a comer da árvore da vida no meio do paraíso de Deus. Que nosso anelo seja o que bem escreveu o poeta sacro, o pastor sueco Joel Carlson (1889-1942), um dos pioneiros das Assembleias de Deus no Brasil: “Oh! Glória! Aleluia! Meu desejo é estar no céu, ‘stou alegre e satisfeito. Que alegria ali será!” (estrofe do hino 485 da Harpa Cristã).
Colaboração para o Portal Escola Dominical – Ev. Prof. Dr.Caramuru Afonso Francisco