Laodiceia, uma igreja morna. Subsídio para Lição Bíblica


Laodiceia, uma igreja morna. Subsídio para Lição Bíblica  - 2º Trimestre/2012
A Fundação da Igreja em Laodiceia
Laodiceia recebeu este nome em 250 a.C, após ser conquistada pelo governador sírio, Antíoco II, em homenagem a sua esposa Laodice. Em 133 a.C. os romanos fizeram da cidade um centro judicial e administrativo, investindo também em sua infra-estrutura, cooperando dessa forma para que se transformasse num rico centro comercial. Suas atividades econômicas envolviam a industria de lã negra, o manufaturamento de vestimentas comuns e caras, e a invenção e produção de um colírio eficaz para os olhos.[1][1] Essas atividades, e a riqueza material delas advindas será utilizada por Jesus como metáfora para descrever a real condição espiritual da igreja em Laodiceia.
Uma característica bem peculiar da cidade, que será também citada metaforicamente por Jesus, era a qualidade de sua água. A cidade era abastecida pela água que vinha de Heliópolis, que ficava a uma distância de aproximadamente dez kilômetros, que chegava em Laodiceia morna e saturada com carbonato de cálcio, onde bebida naquelas condições induzia ao vômito.[2][2]
O templo para o culto ao imperador ocupava um lugar central na cidade.[3][3]
Assim como no caso de Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes e Filadélfia, o Evangelho pode ter chegado em Laodiceia através da obra missionária de Paulo (At 19.10), mas não devemos descartar a hipótese de que testemunhas e convertidos no dia de Pentecostes poderiam ter sido os primeiros a levar o Evangelho para aquela região (At 2.5-11).
A Condição da Igreja em Laodiceia
Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente. Quem dera fosses frio ou quente! Assim, porque és morno e nem és quente nem frio, estou a ponto de vomitar-te da minha boca; (Ap 3.15-16)
A condição espiritual da igreja em Laodiceia se assemelhava com a mornidão da água da cidade. Laodiceia vivia um modelo de cristianismo tão apático, que as suas obras não eram sequer dignas de serem mencionadas. Pregação, ensino, evangelização, discipulado e outras realizações parecem não fazer parte da agenda da igreja em Laodiceia. É nesse ponto que encontramos na carta o primeiro sinal da manifestação da graça de Jesus operando em favor dos crentes laodicenses. Ele declara: “estou a ponto de vomitar-te da minha boca”. O tempo verbal no grego implica uma ação ainda não executada, ou seja, apesar da condição da igreja, a graça de Jesus estava dando aos crentes em Laodiceia tempo para se arrependerem após a leitura da carta.[4][4] Muitas igrejas locais ao longo da história já foram vomitadas pelo Senhor, por desprezarem ou abusarem da graça, que sempre precede o juízo de Deus.
[...] pois dizes: Estou rico e abastado e não preciso de coisa alguma, e nem sabes que tu és infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu. (Ap 3.17)
Os comentaristas estão divididos se a declaração de Jesus aqui diz respeito a um sentimento de auto-suficiência espiritual ou material da igreja em Laodiceia. Na realidade, os dois tipos de sentimento são perniciosos. Nossa Assembleia de Deus, assim como qualquer outra denominação evangélica, precisa estar alerta para esse tipo de postura.
Nenhuma igreja pode se vangloriar do poder do Espírito e dos dons que nela opera, do capital teológico e cultural que possui, de sua riqueza musical, nem de qualquer outra riqueza espiritual. O que temos e somos, temos e somos pela graça de Jesus.
E o que falar das coisas materiais? Mas uma vez temos aqui um alerta contra os perigos das ideias fomentadas pela Teologia da Prosperidade e da Vitória Financeira. Ser rico não é pecado (nem ser pobre também), mas implica em muitos perigos:
Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores. [...] Exorta aos ricos do presente século que não sejam orgulhosos, nem depositem a sua esperança na instabilidade da riqueza, mas em Deus, que tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento; que pratiquem o bem, sejam ricos de boas obras, generosos em dar e prontos a repartir; que acumulem para si mesmos tesouros, sólido fundamento para o futuro, a fim de se apoderarem da verdadeira vida. (1 Tm 6.9, 10, 17-19)
A prosperidade espiritual, ministerial, financeira e material, quando graciosamente, e não barganhosamente adquirida, não deve alimentar nossas loucas concupiscências, nem fortalecer nenhum sentimento de orgulho e auto-suficiência. A igreja em Laodiceia não apenas vivenciava, mas também verbalizava a sua aparentemente rica, mas na realidade infeliz, pobre e miserável condição.
A igreja em Laodiceia foi vitimada também pelo auto-engano, tendo uma visão equivocada de si mesma. A igreja em Laodiceia estava cega ao ponto de não perceber a sua nudez espiritual. Uma coisa é aquilo que pensamos de nós mesmos, e outra é o que Deus pensa e diz sobre nós. Precisamos nos ver como Deus nos vê. Precisamos nos perceber como Deus nos percebe. Foi percebendo tal necessidade, e se achando incapaz de ter uma visão real de sua própria condição, que o salmista orou ao Senhor:
Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno. (Sm 139.23-24)
Oremos ao Senhor, para que Ele comunique à nossa consciência o nosso real estado espiritual, para que assim possamos ser poupados do vômito divino.
Aconselho-te que de mim compres ouro refinado pelo fogo para te enriqueceres, vestiduras brancas para te vestires, a fim de que não seja manifesta a vergonha da tua nudez, e colírio para ungires os olhos, a fim de que vejas. (Ap 3.18)
Mas uma vez temos aqui a graça de Jesus agindo em favor da igreja. O texto se equipara ao que encontramos em Isaías 55.1:[5][5]
Ah! Todos vós, os que tendes sede, vinde às águas; e vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite.
Como podemos comprar alguma coisa do Senhor? Somente através da graça é possível obter dele ouro refinado, vestiduras brancas e colírio. A fala de Jesus assume o tom de um amável conselho.
Eu repreendo e disciplino a quantos amo. Sê, pois, zeloso e arrepende-te. (Ap 3.19)
O amor de Jesus não implica numa tolerância conivente. Quando se faz necessário ele nos disciplina, e faz isso ainda em amor (Hb 12.5-11). Os crentes em Laodiceia tinham abandonado o zelo pelas coisas do Senhor. O termo grego zelos em sentido figurado positivo (Jo 2.17; Rm 10.2; 1 Co 14.1; 2 Co 7.7,11; 11.2; Cl 4.13) implica em ardor, cuidado, fervor, características que deveriam ser buscadas pela igreja.
A necessidade de arrependimento é aqui também declarada. O arrependimento que possibilita novamente o perdão e aceitação de Deus é mais do que simples verbalização de frases prontas e impressionistas. O termo grego para “arrependimento” é metanoeo, que implica em mudança de pensamento ou mentalidade que resulta em mudança de sentimentos e atitudes. É uma mudança plena de uma condição que desagrada a Deus, para uma outra condição de o alegra. Arrependimento é tristeza diante do pecado, e não simples remorso (2 Co 7.10).
Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele, comigo. (Ap 3.20)
Que imagem forte. O Senhor da igreja, que pela altivez e orgulho dos crentes fora dela excluído, graciosamente e pacientemente bate à sua porta buscando oportunidade de cear, comungar e celebrar. Em congregações, lares e vidas, o quadro se repete na atualidade.
Que o alerta e a promessa de Jesus aos crentes laodicenses possa reverberar e encontrar guarida em vidas auto-suficientes, apáticas, indolentes e mornas:
Ao vencedor, dar-lhe-ei sentar-se comigo no meu trono, assim como também eu venci e me sentei com meu Pai no seu trono. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas. (Ap 3.21-22).


[1][1]KISTEMAKER, Simon. Apocalipse. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 223.
[2][2]Ibid., 224.
[3][3]Ibid.
[4][4]Ibid., 227.