1.5 ... que sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo.
Em virtude da falta de conhecimento e “do conhecimento correto” da soteriologia (doutrina da salvação), muitos cristãos podem perguntar: Como podemos ter certeza que a salvação não pode ser perdida? Podemos perder a salvação se não perseverarmos em Deus? Outros, por sua vez, podem “refutar” de modo enfático, dizendo: A salvação pode ser perdida sim! “Várias passagens na Bíblia” afirmam “essa verdade”! Não obstante, senão vejamos a resposta para estas perguntas e argumentos em três pontos:
No grego, a palavra guardados φρουρουμενους (frurumenus), é um termo militar que indica “a guarda feita por soldados”46. O particípio presente indica algo em andamento, um princípio contínuo de proteção”,47 podendo, assim, ser traduzido como “estão sendo guardados”. Via de regra, Deus não guarda apenas a salvação dos eleitos (vs.4), mas também o eleito salvo pelo seu poder soberano. A salvação é assegurada por Deus e não pode jamais ser “perdida”. Certamente Deus guarda os seus! Vejamos alguns textos na Escritura (dentre tantos) que merecem destaque, pois afirmam categoricamente que o crente não pode perder a sua salvação. Observe atentamente:
Salmo 37.28-29 – “Pois o Senhor ama a justiça e não desampara os seus santos, serão preservados para sempre, mas a descendência dos ímpios será exterminada.” (ARA)
Jeremias 32.40 – “Farei com eles aliança eterna, segundo a qual não deixarei de lhes fazer o bem;e porei o meu temor no seu coração, para que nunca se apartem de mim.” (ARA)
João 6.37-40, 48 – “Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora. Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. E a vontade do Pai que me enviou é esta: Que nenhum de todos aqueles que me deu se perca, mas que o ressuscite no último dia. Porquanto a vontade daquele que me enviou é esta: Que todo aquele que vê o Filho, e crê nele, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim tem a vida eterna.” (ARC)
João 10.27-29 – “As minhas ovelhas ouvem a minha voz, eu as conheço, e elas me seguem. E lhes dou a vida eterna, jamais perecerão (ou serão condenadas podendo perder a salvação), e ninguém as arrebatará da minha mão. Aquilo que meu Meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar(as ovelhas, ou os crentes).” (ARA)
João 13.18 – “Não falo a respeito de todos vós, pois eu conheço aqueles que escolhi; é, antes, para que se cumpra a Escritura ...” (veja Sl 41.9). (ARA)
Romanos 8.29-30 – “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou, e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou.” (ARA)
Romanos 8.38-39 – “Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem o porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.” (ARA)
1 Coríntios 1.8 – “.... o qual também vos confirmará até o fim, para serdes irrepreensíveis no Dia de nosso Senhor Jesus Cristo.” (ARA)
Filipenses 1.6 – “Estou plenamente certo de que aquele que começou a boa obra (a obra da salvação) em vós há de completá-la até o dia de Cristo Jesus.” (ARA)
Efésios 1.13-14 – “Nele, quando vocês ouviram e creram na palavra da verdade, o evangelho que os salvou, vocês foram selados com o Espírito Santo da promessa, que é a garantia da nossa herança até a redenção daqueles que pertencem a Deus, para o louvor da sua glória.” (NVI)
Podemos chamar o ato de Deus “guardar” todo aquele pelo qual Cristo morreu e ressuscitou de perecer eternamente de “preservação dos eleitos”. O cristão, em si mesmo, não tem o poder de se manter firme em perseverança a vida toda, haja vista que este possui debilidades em seu caráter e, todavia, está sujeito a cair em desânimo, em fraqueza espiritual e em pecado, assim como Davi e Pedro caíram, mas, contudo, foram restaurados por Deus (veja 1 Cor 10.12; Mt 26.41; 2 Cor 12.9-10; Hb 7.28a). Portanto, Deus é quem age no processo da preservação preservando os seus da apostasia, fazendo com que eles perseverem até o fim na sua presença (veja Jo 17.12, 15, 20, 24).
2 Coríntios 1.21-22 – “Ora, é Deus que faz que nós e vocês permaneçamos firmes em Cristo. Ele nos ungiu, nos selou como sua propriedade e pôs o seu Espírito em nossos corações como garantia do que está por vir.” (NVI)
Ronald Hanko atesta que Deus preserva a nova vida da regeneração que está nos eleitos, como a semente de toda a sua salvação (1 Jo 3:9). Ao preservar isso, ele também preserva a fé e obediência deles, de forma que continuem a crer e a guardar os mandamentos de Deus, embora imperfeitamente. Colocando de uma forma simples: Deus preserva a sua obra de graça em seu povo (Sl 90.17; Sl 138.8).48
Por outro lado, o eleito também age nesse processo de preservação de modo responsável, sem nenhuma coerção da parte de Deus fazendo a parte que lhe cabe, ou seja, “perseverar”. A Escritura nos exorta acerca da responsabilidade que temos de perseverar na fé, na obediência aos mandamentos de Deus e na comunhão da igreja. Senão vejamos:
1 Coríntios 16.33 – “Vigiai, permanecei firmes na fé, portai-vos corajosamente, sede fortes.” (Almeida Século 21)
João 8.31 – “Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos...” (ARA)
Hebreus 10.25, 35; 2.1 – “Não deixemos de congregar-nos como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o dia (a segunda vinda de Cristo) se aproxima. Não abandoneis, portanto, a vossa confiança, ela tem grande galardão. Por esta razão,importa que nos apeguemos, com mais firmeza, às verdades ouvidas, para que delas jamais nos desviemos.” (ARA)
Todavia, o cristão é quem persevera, e não Deus quem persevera para o cristão. Deus preserva o cristão em perseverança pelo seu poder e graça enquanto o cristão persevera! Estas duas verdades, vistas de modo separado, podem até se contradizer, mas, unidas, formam o preâmbulo entre a Soberania de Deus e a responsabilidade humana [uma vez que o cristão não é “livre” nas suas atitudes, mas responsável de acordo com os propósitos de Deus, e nunca fora do seu controle Soberano; ou seja, daquilo que foi determinado por Ele que aconteça] que jamais se contradizem. Observe um exemplo desse preâmbulo enfatizado por Paulo em (Fp 2.13).
A Confissão de Westminster, no capítulo 17, ressalta:
Os que Deus aceitou em seu Bem-amado, eficazmente chamados e santificados, pelo seu Espírito, não podem cair do estado de graça, nem total nem finalmente; mas com toda certeza, hão de perseverar nesse estado até o fim e estarão eternamente salvos.
Aplicação
Dizer que o cristão pode perder a sua salvação, além de ser uma falácia, seria o mesmo que dizer que a obra redentora de Cristo foi imperfeita e ineficaz, visto que o crente pelo qual Cristo morreu e ressuscitou, é passível de perder a sua salvação, caso não persevere em obediência a Deus até o fim. Entretanto, mesmo diante de todo o conteúdo em pauta, muitos cristãos ainda podem contestar, isso devido à falta de entendimento da questão da preservação dos eleitos, ou por serem obstinados, com o seguinte argumento: E quanto aquele “crente” que esteve na comunhão da igreja com os irmãos durante um tempo e foi embora, se desviando da fé cristã e retornando a vida de antes, ou seja, uma vida na prática deliberada do pecado? Este “cristão” que se desviou perdeu a sua salvação!
A resposta para esta objeção é bem simples. Não há em toda a Escritura, tanto no AT como no NT, um texto sequer que mostre, ainda que implicitamente, que o crente pode perder a sua salvação. Os que tentam provar o contrário, se baseiam numa hermenêutica equivocada dos textos que destacam a soteriologia (doutrina da salvação). Contudo, o que vemos tanto no AT como no NT, são exemplos de “falsos crentes” que não perderam a sua salvação, mas que nunca foram salvos. Estes aparentavam serem pessoas convertidas, porém nunca se converteram! Dentre estes, temos no AT os filhos de Eli – Hofni e Fineias, que eram sacerdotes, ou, melhor dizendo, “falsos sacerdotes”, assim como vemos hoje muitos “falsos pastores” (1 Sm 2.12-17, 22) e Saul (1 Sm 13.13-14; 15.10-11, 22-23; 16.14). No NT, temos dois grandes exemplos de falsos crentes, a saber, Judas Iscariotes (Jo 6.70-71; 13.10-11; 18) e Himineu e Alexandre, que apostataram da fé (1 Tm 1.18-20). Portanto, concluímos que, uma vez salvo (o verdadeiro cristão), salvo para sempre!
b) Os eleitos são guardados pelo poder de Deus através da fé.
Se os eleitos são guardados pelo poder de Deus de perderem a salvação, todavia, é pela fé que eles são guardados. Não obstante a fé salvadora é um dom de Deus (Ef 2.8), e este dom não é dado a todos (2 Ts 3.2), somente aos eleitos destinados para a vida eterna como o fruto da eleição (At 13.48; Tt 1.1) e como o resultado da regeneração operada pelo Espírito Santo (1 Jo 5.1). Aqueles que crêem em Cristo como Filho de Deus, Deus e salvador, só creem porque primeiro foram eleitos por Deus para a salvação, chamados pelo evangelho e, em seguida, regenerados antes de crer. É impossível crer antes da regeneração devido ao estado de morte espiritual e de incapacidade em que o homem se encontra para buscar a Deus (Rm 3.10-12; um Cor 2.14).49 Desse modo, entendemos que a regeneração precede a fé, ou seja, a fé é a resposta da regeneração.
Via de regra, a fé não é a causa meritória da salvação, como se a pessoa, a parte de Deus, decidisse em si mesma crer. Absolutamente não! A fé é o agente da salvação; ou seja, é o meio para a salvação dos eleitos. Deus, o Pai, nos habilita a irmos até Jesus através do ouvir a pregação do evangelho, tanto na igreja como pela TV, pelo rádio, pela internet ou pela própria leitura das Escrituras. Sendo assim, a capacidade de crer em Cristo vem de Deus, conforme o próprio Jesus disse:
João 6.65 – “...ninguém pode vir a mim, a não ser que isto (a capacidade pela fé vs.64) lhe seja dado pelo Pai.” (NVI)
Apesar de ser Deus que capacita o homem a crer em Cristo, dando-lhe o dom da fé mediante a regeneração do espírito que produz a fé através da pregação ou leitura do evangelho, contudo, o homem tem a sua tarefa a cumprir, isto é – crer! Deus concede o dom da fé para o homem crer. Não é Deus quem crê para o homem, mas o homem é quem age exercendo a sua responsabilidade que é administrada por Deus após a regeneração (2 Cor 3.17; Rm 6.6, 18, 22) crendo em Cristo Jesus. Portanto, concluímos que não somos salvos pela fé, antes, somos salvos por Cristo mediante a fé (vs.21). Não obtemos a salvação pela fé, mas a fé é o meio pelo qual Deus aplica os benefícios da salvação em nós.
Aplicação
A perseverança do cristão na fé é a evidência do poder de Deus guardando-o não somente de ser sucumbido pelo diabo, da permanência no pecado, mas, sobretudo, da apostasia. “No momento da salvação, Deus ativa a fé e continua a preservá-la. A fé salvadora é permanente; nunca morre (Mt 24.13; Hb 3.14)”.50
c) Os eleitos são guardados pelo poder de Deus através da fé para a consumação da salvação.
No passado, fomos salvos da condenação do pecado pela justificação (veja Rm 3.24-25; 5.1; 2 Tm 1.9; Tt 3.5). No presente, somos salvos do poder do pecado pela santificação (veja Rm 8.1; 1 Cor 1.18; Fp 2.12-13; Hb 2.11; 10.10). No futuro, seremos salvos da presença do pecado pela glorificação (veja Rm 8.17-23; 13.11; Fp 1.8; 2; Hb 10.36-37; 2 Pe 3.13; Mc 10.28-30). Estes, portanto, são os três aspectos do tempo da salvação descritos na Escritura.
Visto e entendido a salvação desta maneira, por qual motivo então, os eleitos são guardados pelo poder de Deus mediante a fé? Para a consumação da salvação que se dará na segunda vinda de Cristo. O termo salvação aqui é sinônimo de herança (vs.4). Ambas as palavras ressaltam a salvação que está guardada e que ainda há de ser revelada no futuro. Simon Kistemaker acentua que estamos na expectativa exultante de tomar posse da nossa salvação. Mesmo quando experimentamos a bondade de Deus por meio da salvação em princípio, sabemos que a plenitude de nossa herança será conhecida a seu tempo (Hb 1.14).51
Não obstante, o termo preparada enfatiza a salvação que foi planejada na eternidade no conselho trinitariano (das três pessoas da trindade) e executada por Cristo mediante a sua obra de redenção. O verbo grego revelar αποκαλύπτω (apokaluptõ), significa tirar o véu, mostrar, fazer conhecer. Este verbo está no uso acusativo, e refere-se à salvação futura que o crente aguarda (Rm 8.18; 1 Pe 5.1). Certamente este véu será tirado quando Jesus retornar em glória para nos dar a salvação em toda a sua plenitude. Todos verão a herança da salvação quando esta se manifestar, porém, somente os eleitos tomarão posse dela (Mt 25.32-46). A expressão último tempo denota o tempo do fim que se dará com a segunda vinda de Cristo onde a nossa salvação será consumada.
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Notas:
46 - Fritz Rienecker e Cleon Rogers. Chave Linguística do Novo Testamento Grego, pág 552.
47 - Vicent. Estudo no Vocabulário Grego do Novo Testamento, pág 548.
48 - Ronald Hanko. Doctrine according to Godliness. Reformed Free Publishing Association, pág. 210-211.
49 - Para mais detalhes sobre esta questão, veja o meu comentário do (vs.1b).
50 - Bíblia de Estudo Macarthur. Notas de rodapé, pág 1729.
51 - Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 63.
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Fonte: Trecho extraído do Comentário Expositivo de 1 Pedro do autor.
Divulgação: Bereianos
46 - Fritz Rienecker e Cleon Rogers. Chave Linguística do Novo Testamento Grego, pág 552.
47 - Vicent. Estudo no Vocabulário Grego do Novo Testamento, pág 548.
48 - Ronald Hanko. Doctrine according to Godliness. Reformed Free Publishing Association, pág. 210-211.
49 - Para mais detalhes sobre esta questão, veja o meu comentário do (vs.1b).
50 - Bíblia de Estudo Macarthur. Notas de rodapé, pág 1729.
51 - Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 63.
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Fonte: Trecho extraído do Comentário Expositivo de 1 Pedro do autor.
Divulgação: Bereianos