Maio é considerado o mês da Família. Muitas igrejas cristãs promovem reflexões, encontros, congressos e afins com o objetivo de auxiliar os cristãos a construírem relacionamentos familiares sólidos, à luz da Palavra de Deus. Muitos são os temas pertinentes à família que podem e devem ser levados aos púlpitos das igrejas em tais ocasiões.
Um destes, sem dúvida, é a sexualidade. Contudo, percebo uma falha: geralmente a reflexão visa instruir os casais casados quanto às bênçãos e a finalidade do sexo no contexto conjugal. Nada ou pouco é dito aos jovens solteiros, namorados e aos noivos quanto ao tema. Quando se diz algo, é apenas quanto à advertência de que esperem pelo casamento para desfrutarem do sexo, sem embasar solidamente, à Luz das Escrituras Sagradas, a orientação da castidade pré-matrimonial.
O resultado disso é que os jovens cristãos, pelo menos os que procuraram a agradar a Deus, decidem esperar pelo grande dia da “lua de mel”, mas não sabem bem a razão. Aprenderam que sexo antes do casamento é pecado, mas não sabem o porquê e, muito menos, argumentar biblicamente de tal forma quando inquiridos pelos amigos, colegas de trabalho ou do colégio/ universidade. Não são poucas as moças cristãs que até se envergonham da própria virgindade e se constrangem até mesmo nas consultas ginecológicas. Em meu ministério já me deparei com jovens cristãs dizendo que não se relacionavam sexualmente com seus namorados e noivos mais por respeito ou medo dos pais do que por uma consciência de que a prática é errada diante de Deus. Muitas não estavam convencidas de que houvesse algum problema. Consideravam mais uma tradição da igreja. Um hábito conservador que não faz mais sentido diante dos novos tempos. Por outro lado, como pastores, presbíteros, mestres da Palavra, professores de Escola Dominical e, principalmente, pais, ajudamos pouco quando não apresentamos uma razoável fundamentação bíblica e teológica quanto à questão e, principalmente, quando citamos textos bíblicos, com intuitos proibitivos, mas que, na verdade, não tratam ou, ao menos, não tocam o problema da sexualidade pré-matrimonial dos jovens namorados/ noivos.
Já me deparei com jovens cristãs dizendo que não se relacionavam sexualmente com seus namorados e noivos mais por respeito ou medo dos pais do que por uma consciência de que a prática é errada diante de Deus.
Os conhecidos textos da primeira carta do apóstolo Paulo aos coríntios, nos capítulos 6 e 7, quando mencionam o problema da sexualidade o fazem levando em conta a promiscuidade típica e tão praticada na cidade portuária de Corinto. Sabe-se hoje, que os cristãos da polêmica cidade lidavam com a prostituição quase que diariamente, pois a mesma era, à época, um famoso reduto de perversões sexuais, onde, até mesmo, um verbo jocoso fora criado: ‘corintianizar’, que significava “ocupar-se de algum excesso ou aberração sexual”[1].
Isto devia ao fato de que Corinto era uma cidade cosmopolitana e, como tal, populosa (talvez com mais de seiscentos mil habitantes). Sendo uma zona portuária, com intenso comércio e fluxo permanente de turistas, a prática da prostituição se desenvolveu enormemente. E, além disso, mais gravemente, foi o fato de que na cidade, promovia-se a prática de rituais religiosos com prostitutas cultuais no templo construído e dedicado a Afrodite[2]. A preocupação paulina com o tema da prostituição em uma carta direcionada aos cristãos indica - nos que muitos entre os mesmos ainda estavam com dificuldades de superar a carnalidade viciante com que foram acostumados durante toda a vida antes da conversão a Jesus Cristo. Paulo, então, expõe suas orientações mencionando o famoso caso de incesto (5.1-2), aconselhando os cristãos a tomarem as devidas providências disciplinares (5. 3-13). Destarte, o apóstolo, ampliando suas conclusões, orienta quanto à pureza do corpo, a fuga da prostituição e os valores do matrimônio (6. 12-7.39). Contudo, permanece a questão: tais textos podem ser usados conclusivamente como proibitivos à relação sexual de namorados e noivos? Não estaria Paulo mais preocupado em tratar da prostituição desenfreada dos cristãos que viviam em Corinto? É justo chamar de prostituição um relacionamento entre jovens cristãos que se amam e desejam se casar, mas que, por alguma razão, não podem e decidem antecipar a experiência sexual? Chamar de prostituição o sexo antes do casamento não seria mais uma inferência lógica do que uma conclusão solidamente bíblica e teológica? Estas são indagações que muitos jovens sinceros e que amam ao Senhor fazem e parece que não estamos respondendo adequadamente.
Estou convencido de que a fundamentação bíblica sólida para nossos jovens não transarem antes de seus casamentos não está na carta de Paulo aos Coríntios. Embora, possamos usá-la na ampliação de nossa construção teológica sobre a santidade do corpo que é templo do Espírito Santo (1 Co 6.19-20).
Creio que o fundamento lançado por Deus para a questão encontra-se em Gênesis 2.24. Leiamos e vejamos as conclusões que poderemos chegar:
“Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tonando-se os dois uma só carne”.
Lamentavelmente usamos este texto apenas e na maioria das vezes, diante dos noivos na cerimônia de casamento. Sem percebermos que nossos adolescentes e jovens e até mesmo os adultos que estejam solteiros, namorando ou noivos podem aprender com o mesmo.
Na passagem lemos que a mulher acabara de ser criada por Deus (2.18-23) para ser correspondente ao homem. Uma vez criados, à imagem e semelhança de Deus, Adão e Eva, como patriarcas da humanidade e ele, especialmente, o “cabeça federal” da raça humana, reconhecem o princípio e matriz permanente do núcleo social fundamental. Que núcleo é esse? Trata-se da família (Pai, mãe e filho e/ou filha). E qual o princípio e matriz permanente para a constituição deste núcleo? O filho “deixa pai e mãe” e “se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne”. Ou seja, desde o início da história da humanidade, a união de um homem com uma mulher, obedece a certa ordem sequencial. Primeiro, se deixa os pais e, somente depois, então, homem e mulher se unem, tornando-se, através da experiência sexual, “uma só carne”. Portanto, há na passagem uma âncora teológica que firma permanentemente as relações entre os gêneros masculino e feminino.
O que podemos aprender sobre sexualidade com a passagem?
1 – O sexo é para quem está emancipado dos pais
Muitos adolescentes e jovens cristãos querem iniciar a vida sexual, mas ao tempo em que continuam morando na casa dos pais, sendo sustentados por eles. De acordo com a Escritura Sagrada, para se desfrutar da sexualidade (o se tornar uma só carne), é necessário que se “deixe pai e mãe”. Percebamos que este é o primeiro princípio extraído do verso 24. Adolescentes e jovens dependentes de seus pais, não estão autorizados por Deus para a experiência sexual. É necessária, pois, a emancipação, ou seja, a capacidade de deixar seus pais em direção a uma vida adulta e de responsabilidades. Tal emancipação se dá em quatro níveis pelo menos:
a) Emancipação Cronológica – É obvio que para se emancipar dos pais o indivíduo deve ter uma idade cronológica mínima. Implica disso diretamente que sem tal condição ninguém poderá iniciar sua vida sexual. Como a sexualidade saudável sempre estará na Bíblia vinculada à conjugalidade, expressa por sua vez no casamento, é mister o alcance de uma idade cronológica mínima, onde as partes poderão ser consideradas minimamente capazes e responsáveis perante às leis e demais convenções sociais.
b) Emancipação Psicológica – Há muitos jovens que até possuem idade cronológica para deixar os pais. Afinal, já atingiram a maioridade ou, ao menos, a idade mínima. Contudo, permanecem infantilizados e dependentes psicologicamente da presença e proteção paternas, não estando aptos para as plenas responsabilidades que a vida adulta exige e, muito menos, para a sexualidade responsável, implicada e comprometida.
c) Emancipação Econômica – Sexualidade no contexto bíblico requer capacidade econômica para administrar a vida de casado, pois como é somente em tal estado civil que o sexo é aconselhado, a independência financeira se torna elemento fundamental. É extremamente importante consideramos que na ordem sequencial da criação, a atividade laboriosa e empreendedora aparece antes da constituição familiar. Deus, antes de criar a mulher, concedendo-a como companheira do homem, ordenou a este que trabalhasse, cultivando e guardando o jardim no Éden (Gn 2.15). Além disso, o homem dispende também energia criativa na nomeação dos animais (2. 19-20). Trabalho, portanto, que traz emancipação financeira é expediente absolutamente necessário ao casamento, contexto único do sexo aprovado por Deus. Jovens praticantes da experiência sexual, mas que são dependentes financeiramente de seus pais e incapazes de assumir as rédeas de um casamento ofendem a Deus.
d) Emancipação Geográfica – Deixar pai e mãe para viver a sexualidade com o conjugue implica em sair definitivamente da casa dos mesmos, tendo o seu próprio lar, constituindo sua própria família.
2 – O sexo é para quem possui o vínculo da conjugalidade
Este é o segundo grande princípio deste verso. Perceba que o verso 24 diz que o homem se unirá à sua mulher. Sexo, portanto, deve ser praticado por quem desfruta de tal vinculação. Casais de namorados ou noivos (assim como àqueles que não estão comprometidos com ninguém) não devem enquanto tais, uma vez que ainda não são pertencentes um ao outro; não foram reconhecidos / declarados com “marido e mulher”. O namorado / noivo ainda não pertence à moça e vice-versa. É uma relação ainda em construção. Não sabendo ainda se chegarão, de fato, ao casamento. Um não pode ainda chamar o outro de seu, como se houvesse uma relação definitiva e, logo, permanente. Namoro e noivado não são estágios conclusivos de uma relação, mas sim intermediários. E o sexo está reservado para o estágio de maior entrega e intimidade de um casal que acontece somente no contexto do casamento.
3 – O Sexo é para o desfrute da experiência heteroafetiva
O Texto é claro: “deixa o HOMEM pai e mãe e se une à sua MULHER e serão os dois uma só carne”. Casamento, família e sexualidade são expressões e desdobramentos da união entre um homem e uma mulher. É o padrão estabelecido por Deus para toda a humanidade, sendo ordem natural da criação.
4- O Sexo Matrimonial não possui nenhuma relação com o pecado
O sexo conjugal é indicado no capítulo dois do livro de Gênesis e, logo, antes do evento da queda no Éden (que ocorre na sequência narrada do capítulo três). Portanto, não há nenhuma relação do sexo com o pecado que entra no mundo, através da tentação sugerida pela serpente à Eva e, em seguida, a Adão. É caricata e anti-bíblica a imagem construída na Idade Média em que se associa a tentação no Éden com os desejos sexuais. Na verdade, a tentação foi outra: “... e sereis, como Deus, conhecedores do bem e do mal” (3.5). Nada haver com o sexo, portanto. A compreensão deste ponto é por demais importante, porquanto não poucos casais cristãos sofrem com culpa relacionada ao sexo, mesmo o marital. Muitos se perguntam com que frequência devem praticar sexo ou em quais ocasiões deve ser restrito. Há casos, inclusive, de casais cristãos que se recusam a fazer sexo na semana (ou dia) da eucaristia (celebração da Santa Ceia). Para tais, a prática ainda é alvo de suspeição e dúvidas. Há outros perdem a atração pelo conjugue quando nascem os filhos, pois tudo o que veem à frente é “a mãe ou o pai das crianças” e não mais a pessoa desejada, atraente e apaixonante que um dia a levou para o altar. Em tais casos, as noites tórridas experimentadas dentro das quatro paredes com a pessoa amada, tornaram-se tão somente e apenas lembranças. Tudo isso torna importante aos pastores, presbíteros, professores de ED e demais conselheiros familiares auxiliarem os que sofrem com tais crises de consciência. A igreja pode, em muito, ajudar nesta área.
Um legítimo casal pode se entregar à beleza, à criatividade e ao prazer proporcionado pelo sexo. Sem culpa, com liberdade e alegria, pois é dádiva de Deus para o nosso deleite e não apenas para procriação. A celebração festiva do amor conjugal é narrada pelas Escrituras Sagradas de forma clara e inequívoca no livro de Cantares de Salomão. Sexo, assim, no contexto do amor e compromisso conjugais, é bíblico, santo, espiritual, prazeroso e, assim como muitas outras coisas criadas por Deus, muito bom!
Soli Deo Gloria!!!
* Idauro Campos é pastor congregacional e mestre em Ciências da Religião.
Artigo enviado para o Genizah pelo autor.
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