Nesta segunda postagem procurarei mostrar as bases bíblicas pelas quais a igreja não pode furtar-se de tratar da política, não em sentido partidário, mas como instrumento que não se dissocia da vida comunitária e pessoal e que tem os seus fundamentos no próprio Deus, desde que olhada em seu significado básico como a arte de governar. É óbvio que a abordagem, aqui, não será aprofundada até para não tornar a leitura cansativa. O propósito e mostrar da forma mais simples possível que certa aversão existente ao tema é mais fruto da forma como o homem lida com a política, a partir de sua natureza caída, pecaminosa, do que da própria política em si.
Como defendido por Charles Colson e Nancy Pearcey em sua obra: "E agora, como viveremos?", a primeira grande comissão dada por Deus ao homem foi a de governar e fazer cultura. A de governo aparece no primeiro capítulo de Gênesis, onde a expressão "sujeitai-a" (v. 28), referindo-se à Terra, não quer dizer outra coisa, senão administrá-la, governá-la, tornar-se responsável por cuidar do lugar que seria a sua habitação. Uma espécie de mordomo sobre a terra criada. A que se refere à cultura, aparece no capítulo dois (vv. 19,20), quando Deus transfere a Adão a responsabilidade de dar nomes a todos os animais, tarefa que envolvia inteligência, capacidade e domínio de conhecimento.
Olhada sob essa perspectiva, a política nada mais é do que cumprir este propósito estabelecido por Deus logo no início da existência humana. Claro está que estamos falando de um tempo antes da Queda, que interferiu de forma nociva na forma como o homem, posteriormente, passou a exercer o governo. Mas ainda assim no pacto de Deus com Noé (Gênesis 9), após o dilúvio, estava também implícita a ideia de administrar ou governar. Em outras palavras, Deus não tinha como propósito a anarquia, a casa desarrumada e largada às traças, mas que ela fosse cuidada e bem administrada, embora, agora, houvesse a interferência direta dos efeitos do pecado nas maquinações humanas.
O mesmo princípio aparece em Romanos 13, onde Paulo aponta a autoridade como instituída por Deus para o bem da sociedade. Isso não é nada mais nada menos do que política. Digamos que o contexto não favorecesse nenhuma defesa nesse sentido pela simples razão de o Cristianismo ter começado a sofrer duras perseguições naquele período. Se fosse influenciado pelo ambiente, Paulo poderia usar subterfúgios para negar a autoridade como instituída por Deus, já que, de forma injusta, os cristãos sofriam pela má ação dos governantes de Roma. Mas ele não deixou de reconhecer que, como instituição, a autoridade era uma espécie de freio para o mal e para organizar a vida em comum.
O próprio Jesus, ao responder aos fariseus que lhe inquiriam sobre os impostos pagos pelos judeus a Roma, vaticinou a política de forma indireta como algo indispensável para a vida em sociedade. O seu primeiro ato foi lhes pedir uma moeda. Com isto demonstrou que havia um meio circulante para as transações comerciais determinado por algum poder. O seu segundo passo foi perguntar de quem era a esfíngie que aparecia do outro lado do valor de face. Era de César. Quis ele dizer que era sob essa autoridade que eles estavam vivendo. Por fim, parafraseando, concluiu: "Cumpram os seus deveres como cidadãos sob o domínio de Roma e não deixem também de cumprir os seus deveres para com Deus". Ou como na paráfrase de Eugene Peterson: "Deem a César o que lhe pertence e a Deus o que lhe é devido", Lucas 20.25.
Nestas poucas palavras procurei mostrar que não podemos olhar a política como algo essencialmente mau. Como a arte de governar, ela foi instituída pelo próprio Deus. O que a torna nociva é o mau uso que se faz dela decorrente da natureza caída do homem. Mas isso não nos pode levar a estigmatizá-la. Mesmo após a Queda, ela foi o instrumento para tentar pôr ordem na vida em comum, como vemos, inclusive, na própria legislação dada por Deus a Israel. Portanto, política é um assunto altamente espiritual e bíblico, que precisa ser tratado com coerência e seriedade para que formemos bons cidadãos para o mundo até que o Reino de Deus se manifeste em plenitude.
Na próxima postagem, falarei sobre a relação do cristão com a política e o que se espera daqueles que se sentem vocacionados para exercê-la, seja em cargos eletivos, seja em outras funções, que, embora não dependam do voto, implicam em fazer política porque têm a ver com a vida em comum na sociedade.
fonte http://geremiasdocouto.blogspot.com.br/