Milagre pode ser entendido como o ato especial de Deus que interrompe o curso natural dos eventos, na definição de Norman Geisler, em sua Enciclopédia de apologética (Editora Vida). Podemos afirmar que a crença em milagres está estritamente relacionada com a convicção da inerrância e da absoluta inspiração das Sagradas Escrituras. Em outras palavras, não crer em milagres é não crer na autenticidade e verdade da narrativa bíblica. Ora, os eventos miraculosos não apenas são possíveis, mais reais e atuais.
A fé no Deus que cria o universo a partir do nada faz da criação não apenas o primeiro ato miraculoso registrado na história, mas também, o maior evento sobrenatural já ocorrido. A partir dali, e ao longo de todo o Antigo Testamento, uma sucessão de milagres, intervenções divinas sobrenaturais e sinais operados por servos do Senhor se sucedem, numa maravilhosa mostra do poder absoluto de Deus sobre a natureza e a vida humana. Temos, no Gênesis, relatos sobre eventos espantosos, como o Dilúvio; a confusão de línguas na torre de Babel; e a interpretação dos sonhos do faraó, através de José, para citar apenas alguns.
O livro do Êxodo também está repleto de testemunhos fidedignos acerca de milagres operados pelo Todo-poderoso – as pragas do Egito, a passagem dos israelitas em fuga pelo meio do mar, a transformação das águas de Mara e o fornecimento, ao povo hebreu, de alimentação em pleno deserto, na forma do maná e das codornizes. Tudo, é bom que se diga, contrariando completamente a ordem natural das coisas, de modo que não há explicação plausível para tais eventos senão o poder do Deus de Israel.
A passagem do Jordão, narrada no livro de Josué, assim como a queda dos muros de Jericó, são outros fatos miraculosos que entraram para a história. Da mesma forma, temos a descida do fogo divino no Monte Carmelo (I Reis 18); a cura de Naamã (II Reis 5) e de Ezequias (Isaías 38); e o livramento dos jovens hebreus fiéis a Deus da fornalha de Nabucodonosor e de Daniel da cova dos leões. Todos esses fatos, resultantes da intervenção consciente e sobrenatural de Deus, apontam para a sua soberania sobre todas as coisas, e sobre todos os seres humanos.
IMPORTÂNCIA FUNDAMENTAL
Em continuidade ao testemunho das Sagradas Escrituras sobre a realidade dos milagres, encontramos nas páginas do Novo Testamento outra sucessão de eventos espetaculares, muitos deles protagonizados pelo próprio Filho de Deus. Já a concepção do Messias, gerado pelo Espírito Santo no ventre de uma virgem, é um fato sem paralelo na história da humanidade. Já no ministério terreno do Salvador, os sinais se sucederam: transformação de água em vinho, cura de enfermos, ressurreição de mortos e, por fim, a vitória do Cordeiro sobre a morte, consolidando o plano de salvação.
Mais tarde, houve o derramamento do Espírito Santo, no dia de Pentecostes (Atos 2); a cura do coxo, pelas mãos dos apóstolos (Atos 3), a conversão de Saulo, após uma aparição do próprio Cristo que o derrubou do cavalo e deixou-o cego por uns dias; a ressurreição de Dorcas – relatada em Atos 9 –; a libertação de Paulo e Silas da prisão, em Filipos etc.
Pelo destaque que as Escrituras dão a tais acontecimentos, é possível perceber a importância fundamental dos milagres para o teísmo e para a fé cristã, sem os quais a criação de todas as coisas a partir do nada, e a esperança da vida eterna mediante a ressurreição dos corpos ficariam seriamente comprometidos. Contudo, com o processo de institucionalização da Igreja, que se inicia na Patrística, fica evidente a diminuição dos eventos miraculosos. A ação poderosa e miraculosa do Espírito Santo foi praticamente extinta; a ausência da manifestação do falar em línguas na comunidade cristã, visto que as pessoas não sabiam mais do que se tratava, pois há muito que o dom de falar em línguas havia deixado de ser normal nas comunidades cristãs, foi uma realidade.
A deterioração que estava surgindo na Igreja data de anos anteriores a 130-140, quando o entusiasmo do Cristianismo primitivo estava desaparecendo. A fé cristã passava a assumir formas mais concretas, através do processo de institucionalização. Lado a lado com formas mais rígidas e hierarquizadas na organização das comunidades, o surgimento de uma teologia cessacionista é notório nos escritos de João Crisóstomo (347-407) e de Agostinho de Hipona (354-430).
É após o período da Reforma Protestante do século 16, mais especificamente nos denominados grandes despertamentos – séculos 18 e 19 –, que a história começa a mudar. Nomes como os de John Wesley, George Whitefield, Jonathan Edwards, Charles Finney e D.L. Moody ganham destaque, e com eles se evidenciam em crescente escala os eventos sobrenaturais. No diário de Wesley encontra-se a seguinte narrativa: "Tive a oportunidade de falar-lhe a respeito desses sinais externos que tão frequentemente têm acompanhado a obra interior de Deus. Na verdade, achei que suas objeções eram fundamentadas, principalmente, em rudes deturpações do assunto. Mas, no dia seguinte, ele teve a oportunidade de se informar melhor: porque não muito antes dele começar (na aplicação do seu sermão) a convidar todos os pecadores a crerem em Cristo, quatro pessoas se prostraram diante dele, quase no mesmo momento. Uma delas, estendida, sem sentido e movimento. A segunda, tremendo excessivamente; a terceira teve convulsões fortes por todo o corpo, mas não fez nenhum ruído, a não ser através de gemidos. A quarta, igualmente convulsionou, invocando a Deus com gritos fortes e lágrimas. Desde este dia, creio eu, todos permitiremos que Deus leve adiante sua obra da maneira como lhe agradar".
Jonathan Edwards, considerado o maior teólogo do primeiro grande despertamento, descreve alguns acontecimentos dignos de nota em suas reuniões na América do Norte: "O contágio propagou-se rapidamente por todo o salão. Muitos jovens e crianças (...) pareciam vencidos pelo senso de grandeza e glória das coisas divinas. Portavam-se com admiração, amor, alegria, louvor e compaixão para com os que se consideravam perdidos. Outros achavam-se vencidos pela agonia em razão de seu estado pecaminoso. Enfim, no salão não havia senão choros, desmaios e coisas parecidas. (...) Era mui frequente ver uma casa repleta de clamores, desmaios, convulsões, tanto em meio à agonia quanto em meio à admiração e à alegria (...) Isso acontecia com tanta frequência que alguns, nem conseguiam voltar para casa, mas permaneciam a noite inteira onde estavam.
O Movimento de Santidade, nascido com a ida dos metodistas ingleses para a América do Norte em 1766, de onde se originaram as igrejas independentes que enfatizavam, dentre outras questões, as curas sobrenaturais – conforme nos lembra Isael de Araújo em seu Dicionário do movimento pentecostal (CPAD), contribuiu para o nascimento do pentecostalismo norte-americano na virada dos séculos 19 para 20. Ali começou o desabrochar de uma era onde os milagres ganhariam grande importância na vida cotidiana da Igreja. Nem o cessacionismo, disseminado entre as várias denominações evangélicas existentes, nem o liberalismo teológico, como o defendido por Rudolf Bultmann (1884-1976), foram capazes de refrear o avanço na crença, na pregação e na crescente manifestação de milagres.
Os pentecostais priorizaram a conversão radical, manifesta através da separação do mundo (vida santa), o batismo com o Espírito Santo com a evidência do falar em línguas, a atualidade dos dons do Espírito, a cura divina e a segunda vinda de Cristo. Frank Bartleman, ao escrever sobra a história do avivamento na Rua Azusa, expressa bem a ênfase pentecostal na possibilidade e realidade dos milagres: "Qualquer pessoa com a menor sensibilidade espiritual possível sentia logo no ambiente que algo maravilhoso estava prestes a ocorrer. Um misterioso e poderoso transtorno no mundo espiritual está às portas. A reunião dá a sensação de 'céu aqui na terra' com a certeza que o sobrenatural existe e em um sentido muito real. (...) Os demônios estão sendo expulsos, os doentes, curados, muitos abençoados com salvação, restaurados e batizados com o Espírito Santo e poder. Deus está conosco com grande autenticidade. Não ousamos pensar em ninharias. Homens fortes ficam durante horas prostrados sob o poder de Deus, cortados como grama. O avivamento será mundial sem dúvida."
CONTEMPORANEIDADE
No Brasil, o movimento pentecostal é geralmente compreendido como "três ondas" de implantação de igrejas, onde a primeira seria a década de 1910, com a chegada da Congregação Cristã e da Assembleia de Deus; a segunda envolve os anos 1950 e início de 60, com o surgimento, principalmente, da Igreja do Evangelho Quadrangular, O Brasil para Cristo e a Deus é Amor. Segundo tal perspectiva, a terceira onda, que se inicia no final dos anos 70, ganhando força na década de 80, tem a sua maior representação na Igreja Universal do Reino de Deus, de acordo com Paul Freston. Essa terceira onda logo passaria a ser denominada de movimento neopentecostal.
Em meio a tantas abordagens e alguns evidentes exageros, a resistência ao fenômeno miraculoso, ou a dúvida quanto a sua autenticidade no atual contexto evangélico brasileiro, dá-se por alguns fatores. Um deles é a manutenção das ideias tradicionais cessacionistas em algumas denominações; outro, e na direção oposta, a extravagância dos métodos, associada ao exibicionismo midiático e ao utilitarismo mercadológico bem presentes no movimento neopentecostal, que já começa a seduzir outros grupos evangélicos – processo de neopentecostalização das igrejas históricas e pentecostais clássicas – por seu grande poder de atrair e mobilizar multidões.
Tenho a certeza da atualidade e da autenticidade de milagres, mesmo diante da possibilidade de sua "fabricação" mentirosa, através do uso de técnicas de manipulação psicológica, e de outros artifícios humanos ou diabólicos. É preciso, também, saber diferenciar entre o milagre genuíno e o falso profeta, que prega o verdadeiro Evangelho e que ora pelas pessoas, movido por interesses espúrios, pela ganância, e pelo egoísmo. Sobre estes, disse Jesus: "Nem todo o que me diz: 'Senhor, Senhor!' entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: 'Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres?' Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade (Mateus 7.21-23)."
Creio em milagres, sinais e maravilhas autênticos, na atualidade, por convicção bíblica e teológica, fundamentada em textos como Marcos 16.15-18; Atos 2.37-40; I Coríntios 12.4-11, e por experiência pessoal. Já fui curado de enfermidades de forma miraculosa; recebi livramentos de morte por intervenção divina, inclusive prenunciada em sonhos e por percepções espirituais. Por outro lado, já orei por pessoas que também foram curadas de suas enfermidades e por outras que foram libertas da opressão e possessão demoníaca.
Nenhuma posição teológica, quer institucional ou pessoal, deveria ser classificada ou qualificada de "equilibrada" pelo simples fato de excluir a possibilidade da contemporaneidade dos milagres. Ser equilibrado teologicamente é ser coerentemente bíblico; é considerar ortodoxia, ortopraxia e ortopatia, pois uma destas condições não anula necessariamente a outra. O milagre não deve ser considerado pela Igreja como um fim em si mesmo – antes, precisa ser entendido como fenômeno consequente da pregação do Evangelho, na autoridade do nome de Jesus, no poder do Espírito Santo, e para a glória de Deus Pai.
Altair Germano é mestre em Teologia com especialização em Ministério pelo Seminário Teológico Pentecostal do Nordeste. Escritor e conferencista, é pastor auxiliar na Igreja Assembleia de Deus em Abreu Lima (PE)
Fonte: Cristianismo Hoje
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