Neste artigo, quero tratar de um assunto que é muito ensinado nas igrejas, onde a imaginação humana toma o lugar da hermenêutica no que diz respeito a interpretação de alguns textos. É o caso dos gafanhotos que está registrado em Joel 1:4, que diz – “O que ficou da lagarta, o gafanhoto o comeu, e o que ficou do gafanhoto, a locusta o comeu, e o que ficou da locusta , o pulgão o comeu". Em algumas traduções os termos lagarta, gafanhoto, locusta e pulgão são substituídos por; cortador, migrador, devorador e destruidor. Estes insetos, na interpretação de alguns teólogos sofrem uma espécie de metamorfose diabólica, onde os mesmos se transformam em terríveis demônios e que só existe um meio de combatê-los, é o pagamento de indulgencias na forma de dizimo e ofertas, e quanto maior a paga maior sera sua benção.
O devorador, segundo os pastores neopentecostais e pentecostais afirmam, e também muitos cristãos influenciados e ensinados por estes pastores, é um tipo de "demônio" que devora as finanças e causa os mais variados tipos de prejuízos em diversas áreas da vida do cristão que não dizima ou é infiel nos dízimos e ofertas. Este tipo de demônio, dizem eles, nem a oração têm o poder de repreendê-lo, porém, somente o dízimo pode neutralizar o seu poder contra os cristãos. Os que creem no “demônio devorador” utilizam como base para a existência destes um texto muito conhecido de todos, a saber, Malaquias 3.10-12 em paralelo com Joel 2.25-27. Senão vejamos:
Malaquias 3.10-12 – "Trazei todos os dízimos ao tesouro do templo, para que haja mantimento “na minha casa” [“no templo” ênfase minha], e provai-me nisto, diz o Senhor dos exércitos, e vede se não vos abrirei as janelas do céu e não derramarei sobre vós tantas bênçãos, que não conseguireis guardá-las. Por vossa causa também repreenderei “a praga devoradora” [ou o devorador ARA], e ela [ou o devorador ARA] não destruirá os frutos da vossa terra, nem as vossas videiras no campo perderão o seu fruto, diz o Senhor dos exércitos. E todas as nações vos chamarão bem aventuradas; pois a vossa terra será aprazível, diz o Senhor dos exércitos." (Almeida Século 21)
Joel 2.25-27 – "Assim vos restituirei os anos consumidos pelo “gafanhoto” migrador, pelo assolador, pelo destruidor e pelo cortador, meu grande exército que enviei contra vós. Comereis à vontade e vos fartareis, e louvareis o nome do Senhor vosso Deus, que agiu em favor de vós de maneira maravilhosa; e o meu povo nunca será envergonhado. Vós sabereis que eu estou no meio de Israel e que eu sou o Senhor vosso Deus, e não há outro; e o meu povo nunca mais será envergonhado." (Almeida Século 21)
Antes, porém, de analisarmos exegeticamente estes dois textos em pauta e chegarmos celeremente à conclusão, é essencial e de suma importância para obtermos uma logre compreensão do tema entendermos, ainda que em um breve resumo, o contexto do livro de Malaquias e Joel.
O profeta Malaquias surgiu no cenário de Israel num tempo em que imperava a tepidez espiritual. Israel estava desmotivado e em profundo desânimo. E por que? Acerca disso, Augustus Nicodemus Lopes, escreve:
"Fazia cerca de 100 anos que os judeus tinham regressado do cativeiro. Deus havia mandado o povo de Israel para o exílio, por volta de 600 ou 500 a.C, em razão reiterada idolatria e falta de arrependimento. (...) Parte do povo foi para o Egito, outra se dispersou e muitos outros morreram. Durante 70 anos, o povo permaneceu cativo na Babilônia.
Tempos depois Deus trouxe de volta [o povo] à terra prometida. Esse período está registrado nos livros de Esdras e Neemias, dois homens levantados por Deus para liderar o retorno da nação à terra prometida. Porém, nem todos regressaram; parte do povo ficou na Babilônia; outra permaneceu no Egito. Mas um grande contingente voltou para a terra de Israel...
Quando regressaram, os judeus pensavam ter chegado o tempo do cumprimento das grandes promessas que os profetas de Israel haviam feito. Isaías, Ezequiel e Jeremias profetizaram um tempo maravilhoso para o povo de Deus após a restauração, e o povo acreditava que aquele seria o tempo em que essas promessas se cumpririam.
Só que cem anos se passaram desde a volta do cativeiro, e as coisas não estavam acontecendo conforme a expectativa. Promessas tinha sido feitas, mas a realidade não estava de acordo com elas. (...) Por meio dos profetas o Senhor prometera uma grande restauração de seu povo na terra, mas somente parte dele retornou da Babilônia. Os profetas haviam mencionado um período de paz, mas eles ainda estavam cercados por inimigos".[1]
Sendo assim, a dedicação e o amor para com Deus havia se esvaído do coração do povo (1.1-5). Os sacerdotes estavam corrompidos (1.6 – 2.9). O povo havia se casado com mulheres estrangeiras que cultuavam deuses pagãos (2.10-15; Ed 9 – 10; Ne 13.23-27). Estavam cometendo injustiças sociais (3.5; Ne 5.1-13). E, finalmente, vemos a infidelidade do povo para com Deus retendo os dízimos e as ofertas (3.6-12; Ne 13.10-14). Augustus Nicodemus Lopes ainda diz que os cultos a Deus viraram mero formalismo, rituais mecânicos e sem vida. O coração do povo não estava mais neles. Cada um dava prioridade a seus assuntos pessoais, em vez de se dedicar a terminar a reconstrução do templo e prestar culto a Deus.[2]
Não obstante, Joel, por sua vez, um dos mais antigos profetas do Antigo Testamento, aparece em meio a um período de seca prolongada em Judá durante o reinado do rei Joás, provavelmente por volta do ano 835-796 a.C,. Todavia, uma grande invasão de gafanhotos destruiu quase toda a plantação que havia na Terra Prometida, afetando toda a terra, resultando, assim, numa grave crise econômica (1.7-20), o que afetou o Reino do Sul deixando-o muito enfraquecido economicamente. Entretanto, esse desastre natural enviado por Deus e executado pelos gafanhotos, serviu para Joel de ilustração a despeito do cerne de sua mensagem, ou seja, o castigo de Deus em virtude dos pecados dos sacerdotes e do povo (2.1-17). Contudo, é bem possível que, assim como o povo de Israel na época de Malaquias, a causa do castigo de Deus ao povo de Judá foi também devido à tepidez espiritual. O profeta Joel convoca este povo que havia deixado de amar a Deus acima de tudo para um sincero arrependimento descrito em (2.13).
Portanto, entendido um pouco do contexto da mensagem de Malaquias e Joel, resta-nos saber, então, o que é o devorador, se é uma espécie de “demônio” que atua causando prejuízos na vida daquele que não dizima e se existe mesmo este “demônio”. O “devorador” (ARA, ARC), ou a “praga devoradora” (Almeida Século 21), ou ainda as “pragas” (NVI), é simplesmente a descrição de um inseto chamado gafanhoto! Existem alguns tipos de gafanhotos nos quais o profeta Joel descreve. Senão vejamos:
1) O Cortador (gazam) é um tipo de gafanhoto que se instala ou habita na plantação. Ele destrói uma parte dos frutos apenas. Sendo assim, o agricultor na época da colheita sofre certo prejuízo financeiro perdendo uma parte dela que fica imprópria para o consumo alimentar. 1) Gazam (traduzida como gafanhoto cortador). Essa palavra hebraica só aparece de novo em Am 4,9:
“Feri-vos com crestamento e ferrugem; a multidão das vossas hortas, e das vossas vinhas, e das vossas figueiras, e das vossas oliveiras, foi devorada pela locusta (gazam); contudo não vos convertestes a mim, diz o Senhor”.
Da raiz “gazar” – cortar. O verbo aparece em 2 Rs 6,4 – “e, chegando eles ao Jordão, cortavam [do verbo gazar] madeira”.
2) O Migrador (arbeh), diferente do cortador que habita nas plantações, é um tipo de gafanhoto que voa em bando por diferentes lugares e que aparece de repente na plantação destruindo mais a colheita aumentando mais o prejuízo do agricultor.
2) 'arbeh (traduzido como gafanhoto migrador). Ocorre mais de vinte vezes na Bíblia. É um dos insetos que o livro de Levítico (Lv 11,22) permite comer.
“Deles, comereis estes: a locusta ('arbeh), segundo a sua espécie...”.
3) O Devorador ou Infestante (jelek), por sua vez, é o tipo mais devastador de gafanhoto que, assim como o migrador, voa também em bando que chega a cobrir o céu dando o aspecto de tempo fechado. Esta nuvem, contudo, é composta de muitos gafanhotos que, quando pousa sobre uma plantação, infesta e a destrói quase que por completo em cerca de meia hora, apenas, levando o agricultor a ter mais prejuízos, pois não se dá para aproveitar muita da colheita. 3) yekeq (traduzido por devorador). Menos de dez ocorrências, como em Jr 51,14.
“Jurou o SENHOR dos Exércitos por si mesmo, dizendo: Encher-te-ei certamente de homens, como de gafanhotos (yekeq), e eles cantarão sobre ti o eia! dos que pisam as uvas”.
4) O Destruidor (chasel), por fim, é o tipo de gafanhoto que possui o maior poder de destruição. Quando uma plantação sofre o ataque destes insetos, ela é completamente destruída levando o agricultor praticamente ou quase à falência. 4) hasiyl (traduzido por destruidor). Larva de gafanhoto ou alguma praga que atingia a lavoura, cf. 1 Rs 8,37.
“Quando houver fome na terra ou peste, quando houver crestamento ou ferrugem, gafanhotos e larvas (hasiyl)...”.
O ataque de gafanhotos literais que Judá sofreu na época do profeta Joel foi o castigo de Deus! Conforme vimos anteriormente, esta nação havia pecado gravemente contra o Senhor, e o castigo que resultou numa assoladora crise econômica de toda a nação era o meio de Deus levar o povo ao arrependimento de seus pecados e a se voltar para ele. Este mesmo entendimento se aplica também no caso de Malaquias, onde o povo de Israel que sobrevivia da agricultura, pois era a profissão de praticamente todos eles, também sofreu financeiramente com a praga de gafanhotos devoradores.
Portanto, a ideia de que existe um demônio chamado devorador é uma falácia criada no laboratório das heresias!
Embora não vemos nenhuma menção que o devorador seja um demônio nos evangelhos por Jesus e nas cartas por Paulo, Pedro, João, Tiago, Judas e Hebreus, todavia, o pastor ou pregador equivocado que ensina sobre o devorador, além de ser ganancioso e um tipo de estelionatário religioso, também engana o povo de Deus ensinando eles a contribuírem financeiramente na igreja por medo do devorador e por ganância (o que é pecado) de receber de Deus bênçãos financeiras duplicadas ou outras bênçãos quaisquer (1Tm 6.6-11; Mt 6.19-21). O devorador não é um demônio que causa prejuízos financeiros na vida daquele que é infiel nos dízimos e nas ofertas, mas, simplesmente, um inseto [gafanhotos] de acordo com as Escrituras que Deus utilizou para executar o seu juízo disciplinador sobre o seu povo que estava vivendo em pecado. Deus, indubitavelmente, utiliza meios para nos disciplinar e nos levar ao arrependimento ainda hoje quando não estamos vivendo a vida que ele requer de nós, quer seja uma doença, uma crise financeira ou no casamento, a morte de um ente querido dentre outras coisas. A disciplina é simplesmente o cuidado e o amor de Deus para com os seus filhos (veja Hb 12.4-14). Portanto, não existe o devorador, mas, sim, o falso pastor enganador que é o próprio devorador financeiro dos incautos!
Mateus 7.15 - "Cuidado com os falsos profetas, que vêm a vós disfarçados em pele de ovelha, mas interiormente são lobos DEVORADORES!" (Almeida Século 21)
http://iadrn.blogspot.com.br/2014/01/existe-mesmo-o-demonio-devorador.html