O LIVRE-ARBÍTRIO: PERSPECTIVA CALVINISTA E ARMINIANA

O que é o livre-arbítrio? O ser humano tem plena liberdade de escolha e responsabilidade moral por seus atos? O poder de escolher o que é bodo homem? O homem caído pode crer e se arrepender de seus pecadosm foi perdido de forma plena e absoluta com a queda  sem que Deus mude a sua vontade? A Teologia Calvinista diverge da Teologia Arminiana em alguns desses pontos.

O QUE É O LIVRE-ARBÍTRIO

O teólogo calvinista/reformado R.C. Sproul, com base em alguns pensadores cristãos, como o caso de Jonathan Edwards, afirma que duas definições sobre livre-arbítrio precisam ser consideradas: “Livre-arbítrio é a escolha da mente, e a capacidade de escolher o que queremos. Ter livre-arbítrio é ser capaz de escolher de acordo com nossos desejos”.[1]

Os nossos desejos promovem a motivação ou a razão para se tomar uma decisão. Nossas Escolhas são determinadas por nossos desejos. Isso pode ser definido como autodeterminação que é a essência da liberdade.[2]

Como somos criaturas com muitos e diversos desejos, nossas motivações podem gerar conflitos interiores (Rm 7.14-25).[3]

Mesmo quando somos coagidos a agir, como no caso do roubo a mão armada, nossa escolha é livre. Sempre escolhemos o que queremos. Somos livres e autodeterminados. As forças externas podem limitar nossas opções de escolhas, mas não podem destruir completamente a escolha.[4]

Desejos justos produzem escolhas justas e maus desejos resultam em escolhas más.[5]

Os eruditos cristãos a partir do 2º século definiram o livre-arbítrio como: “A capacidade de escolher todas as opções morais que uma situação oferece.”[6]

Norman Geisler, teólogo americano, afirma que o poder da livre-escolha moral nos concede a capacidade tanto de escolher o bem que Deus designou para nós quanto de rejeitá-lo. A origem do mal está no uso indevido da liberdade.[7]

Deus fez o fato da liberdade, enquanto nós somos responsáveis pelos atos da liberdade.[8]

Conforme Bruce Reichenbach, dizer que uma pessoa é livre é a mesma coisa que declarar que, diante de determinadas situações, tal pessoa poderia ter agido de maneira diferente daquela como agiu. Ela não teria sido compelida a agir assim por causas internas próprias (estrutura genética ou compulsões irresistíveis), nem externas (outra pessoa, Deus). O indivíduo é a condição suficiente para o curso da ação escolhido.[9]

Há dois tipos de evidência que sustentam o livre-arbítrio humano: A evidência universal introspectiva e a filosófica.[10]

- Evidência Universal Introspectiva: Sentimos que podemos tomar decisões. Tomar decisões só faz sentido se pudermos escolher entre duas ou mais opções, se pudermos agir de maneiras diferentes.

- Evidência Filosófica: As pessoas são essencialmente capazes de desempenhar atos que são certos ou errados (são chamados atos moralmente significativos), e tais pessoas são responsáveis moralmente por seus atos. Contudo, para que as pessoas possam ser responsabilizadas moralmente por suas ações, precisam ser capazes de agir livremente, tomando decisões diferentes.

A ARGUMENTAÇÃO CALVINISTA/REFORMADA SOBRE O LIVRE-ARBÍTRIO

A Teologia Reformada sustenta a ideia de que o homem caído ficou impossibilitado de desejar e fazer o bem.

Na Confissão de Fé de Westminster, a última das confissões formuladas durante o período da Reforma, em Londres, entre julho de 1643 e fevereiro de 1649, lemos:

O homem, ao cair no estado de pecado, perdeu inteiramente todo o poder de vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação; de sorte que um homem natural, inteiramente avesso a esse bem e morto no pecado, é incapaz de, pelo seu próprio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para isso (Rm 3.9, 10, 12, 23; 5.6; 8.7,8; Jo 6.44, 65; 15.5; Ef 2.1, 5; Cl 2.13; 1 Co 2.14; Tt 3.3-5).[11]

Quando Deus converte um pecador e o transfere para o estado de graça, ele o liberta de sua natural escravidão ao pecado e, somente por sua graça, o habilita a querer e fazer com toda a liberdade o que é espiritualmente bom, mas isso de tal modo que, por causa da corrupção ainda existente nele, o pecador não faz o bem perfeitamente, nem deseja somente o que é bom, mas também o que é mau (Cl 1.13; Jo 8. 34, 36; Fp 2.13; Rm 6.18, 22; Gl 5.17; Rm 7.15.21-23; 1 Jo 1.8, 10)[12]

Alinhado ao pensamento calvinista/reformado, Sproul afirma:

Antes de escolhermos Cristo, precisamos primeiro ter um desejo por Cristo [...]. O homem decaído, em si mesmo e de si mesmo, tem um desejo natural para Cristo? Edwards responde a essa questão com um enfático “Não!” Ele insiste que, na queda, o homem perdeu seu desejo original por Deus. Quando ele perdeu esse desejo, alguma coisa aconteceu a sua liberdade. Ele perdeu a capacidade moral de escolher a Cristo. Ou ele tem esse desejo dentro dele, ou precisa receber esse desejo de Deus. Edwards e todos que abraçaram a visão reformada da predestinação concordam que, se Deus não plantar esse desejo no coração humano, ninguém, deixado a si mesmo, jamais escolherá Cristo. Os homens sempre e em todo o lugar rejeitarão Cristo porque eles não o desejam. Eles livremente rejeitarão Cristo porque eles não o desejam. Eles livremente rejeitarão Cristo no sentido de que sempre agirão de acordo com os seus desejos [...]. Não está dentro da capacidade natural do homem decaído vir a Cristo por si próprio.[13]

Para Packer, o pecado original nos tirou a capacidade de escolher todas as opções morais que uma situação oferece. Não temos capacidade natural de discernir e escolher os caminhos de Deus. Porque não temos inclinação natural em direção a Deus.[14]

A ARGUMENTAÇÃO ARMINIANA

O pensamento teológico arminiano percebe nas Escrituras o fato de que elas estão repletas de exemplos de decisões que pressupõem o livre-arbítrio do homem caído, e a possibilidade de decidir pelo bem, e isso sem precisar que Deus interfira mudando a sua vontade.

Como exemplo, pode-se citar o famoso discurso de Josué (Js 24.14-25), a exortação e os convites de Jesus (Mt 7.13-14; 11.28-30; 16.24-26) e o apelo de Pedro (At 2.37-40).

Como seríamos exortados e convidados a mudar de vida em relação a Deus, se não houvesse em nós a possibilidade do livre desejo por isso?

Norman Geisler argumenta de forma convincente que do começo ao fim da Bíblia nos é dito que os seres humanos possuem livre-escolha. Seres humanos caídos podem livremente aceitar o dom da salvação de Deus:[15]

Responderam-lhe: Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa. (At 16.31)

Ora, não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam; (At 17.30)

Os não salvos possuem livre-arbítrio tanto para receber quanto para rejeitar o dom da salvação que vem de Deus (Mt 23.37; Jo 1.12). A fé é um dom oferecido a todos, e todos têm a responsabilidade de crer, e quem quer que decida crer pode crer (Jo 3.16, 18; 6.37; Ap 22.17)

O pastor e teólogo pentecostal Antônio Gilberto escreve que:

Na Bíblia temos tanto a predestinação divina como a livre-escolha humana, em relação à salvação; mas não uma predestinação em que uns são destinados à vida eterna, e outros, à perdição eterna. Mas a Palavra de Deus não apresenta uma livre-escolha humana como se a salvação dependesse de obras, esforço e méritos humanos. Os extremos nesse assunto (e noutros) é que são maléficos, propalando ensinos que a Bíblia não contém. A ênfase inconsequente à soberania de Deus no tocante à salvação leva a pessoa a crer que a sua conduta e procedimento nada tem com a salvação. Por outro lado, a ênfase inconsequente à livre-vontade (livre-arbítrio) do homem conduz ao engano de uma salvação dependente de obras, conduta e obediência humana. [...] Na realidade, parece incoerente e incompreensível que algo predestinado por Deus admitida livre-escolha ou livre-vontade. Mas, só porque não entendemos algo, ou entendemo-lo apenas em parte, deixa de existir?[16]

Na questão que envolve a soberania de Deus e o livre-arbítrio, pensadores arminianos como Roger Olson afirmam que o arminianismo abraça a ideia de que Deus dirige as escolhas humanas ao fazê-las se encaixarem em seu plano mestre para a história.

A única coisa que o arminianismo rejeita nesta área específica, é que Deus controla todas as escolhas e ações humanas, ou seja, ele limita o seu próprio poder, pois fazendo assim permite ao homem que livremente o ame, que assuma as responsabilidades por seus erros morais, e que seja devidamente recompensado por suas decisões corretas à luz dos princípios éticos e da vontade de Deus revelada nas Escrituras Sagradas. Se Deus controlasse toda escolha e ação humana isto o faria autor do pecado e do mal.[17]

É importante lembrar que há algumas variantes do conceito de livre-arbítrio e da soberania de Deus entre arminianos e calvinistas, que não temos condições de tratar nessa breve e abordagem.

Olson ainda nos lembra que o tema condutor do arminianismo não é a crença no livre-arbítrio, mas o compromisso com certa visão da bondade de Deus; qualquer leitura imparcial de Armínio ou de qualquer um de seus seguidores revelará que este é o caso.[18]

Sobre isso, Wall e Dongel afirmam que:

Embora concordemos que parte da disputa gire em torno do assunto da soberania e liberdade humana, argumentamos que a verdadeira e principal disputa não seja acerca de poder, mas, antes, sobre o caráter de Deus.[19]

O arminianismo, diferente do calvinismo, nos apresenta a figura do Deus bíblico de maneira mais adequada, pois preserva a realidade de um Deus cuja natureza é o amor santo, e que concede o livre-arbítrio ao ser humano para que uma relação de amor recíproco entre criador e criatura seja possível. [20]

Para um maior entendimento sobre a questão do livre-arbítrio humano no contexto do calvinismo e arminianismo, favor consultar as obras aqui citadas.

Altair Germano – Pastor, teólogo, pedagogo, escritor e conferencista. Atualmente é o 1º Vice-Presidente da Assembleia de Deus em Abreu e Lima-PE (COMADALPE), Vice-Presidente do Conselho de Educação e Cultura da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil – CGADB, e membro da Diretoria da Assembleia Administrativa da Sociedade Bíblica do Brasil –SBB.




[1] SPROUL, R. C. Eleitos de Deus. 3. Ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 41.
[2] Ibid., p. 43
[3] Ibid., p. 44-45..
[4] Ibid.
[5] Ibid.
[6][6] PACKER, J. I. Teologia Concisa. 2. Ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 79.
[7] GEISLER, Norman. Eleitos, mas livres. 2. Ed. São Paulo: Editora Vida, 2005, p. 24.
[8] Ibid.
[9] BASSINGER, David (Org.). Predestinação e Livre-Arbítrio. 2. Ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1996, p. 130-131.
[10] Ibid., 132.
[11] Confissão de Fé de Westminster. 18. Ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 88-89.
[12] Ibid., p. 90.
[13] SPROUL, R. C. Ibid., p. 46, 47 e 51.
[14] PACKER, J. I. Ibid., p. 80.
[15] GEISLER, Norman. Ibid., p. 37.
[16] GILBETO, Antônio et al. Teologia Sistemática Pentecostal. 2. Ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2008, p. 368-369.
[17] OLSON, Roger. Teologia Arminiana. Teologia Arminiana: mitos e realidades. São Paulo: Editora Reflexão, 2013, p. 127.
[18] Ibid., p. 131.
[19] WALLS, Jerry L.; DONGEL, Joseph R. Por que não sou calvinista. São Paulo: Editora Reflexão, 2014, p. 11.
[20] Ibid., p. 12.
http://www.altairgermano.net/2015/01/o-livre-arbitrio-perspectiva-calvinista_18.html