Putin e os neoconservadores

William Pfaff
Comentário de Julio Severo: Este artigo me foi gentilmente enviado e recomendado por um pastor pentecostal dos EUA. Seu autor, William Pfaff, disse: “A semelhança das ambições do presidente Putin para a Rússia com as ambições dos neoconservadores nos Estados Unidos atuais têm uma semelhança impressionante no desejo de ambos trazer de volta um passado romantizado.” Para os cristãos pró-família, o ponto importante é se um presidente apoia uma agenda pró-família ou agenda antifamília. Havíamos dado apoio a George W. Bush por causa de suas posturas geralmente pró-vida, ainda que sua decisão neocon de invadir o Iraque, não a Arábia Saudita (de onde vieram os terroristas que cometeram o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001), tenha resultado num desastre completo para os cristãos. Antes da invasão americana do Iraque, havia mais de 2 milhões de cristãos. Hoje, o número deles baixou para menos de 300.000. Será que Bush poderia ter se preocupado com o destino trágico dos cristãos por causa de sua invasão? Será que ele não poderia ter intervindo para ajudá-los? Políticos sempre terão interesses políticos. Mas nossos interesses são muito diferentes. Nós muito preferimos neoconos pró-vida e pró-família a neocons-pró-aborto e pró-sodomia. De forma semelhante, nós muito preferimos um Putin pró-vida e pró-família a um Putin pró-aborto e pró-sodomia. O problema é, enquanto a Rússia sob Putin tem feito oposição sistemática ao aborto e à sodomia na ONU, não existe exemplo semelhante de neocons americanos se opondo ao aborto e à sodomia na ONU. Aliás, apesar do enorme poder dos neocons americanos, os EUA se tornaram o principal exportador do aborto e sodomia no mundo inteiro. Putin e os neocons dos EUA são livres para construir seus “passados romantizados.” Mas eles deveriam se lembrar de se opor ao aborto e à sodomia na ONU e no mundo inteiro. E eles deveriam denunciar e adotar medidas contra o genocídio que os muçulmanos estão cometendo contra os cristãos. Eis o artigo de Pfaff:
A Rússia e os Estados Unidos estão envolvidos num profundo confronto ideológico — um confronto que não é amplamente compreendido na Europa Ocidental ou até mesmo na Casa Branca.
Esse confronto começou em fevereiro do ano passado. O presidente Vladimir Putin da Rússia se viu envolvido no que parecia uma simples batalha defensiva contra a intervenção americana na Ucrânia. Ele agora está sob cerco dos EUA e da OTAN. As potências ocidentais promoveram o avanço das “revoluções coloridas” nos países vizinhos da Rússia, culminando no golpe na Ucrânia e a pequena guerra que se seguiu. Os eventos não saíram conforme o Departamento de Estado e a OTAN haviam planejado, e agora eles estão buscando vingança.
A Alemanha e a França interviram em Minsk para bloquear uma intervenção americana maior com novas armas para o governo ucraniano. Por enquanto, prevalece uma trégua. No entanto, a OTAN lançou uma campanha extremamente imprudente de cercar a Rússia com demonstrações de força.
Isso inclui exibições de poder militar em dias recentes na Polônia e nos países bálticos, continuaram na semana passada na Romênia e com agenda marcada para ocorrer em futuro próximo na Bulgária e República Checa. O governo dos EUA está também fazendo contatos com a Turquia, Turcomenistão e Azerbaijão com incentivos políticos e econômicos com o objetivo de bloquear as ambições de desenvolvimento e comércio da Rússia na Eurásia.
O presidente russo afirma que sua ambição política real é restaurar a cultura, a religião e a missão histórica do passado da Rússia. O reencontro com a Crimeia foi um prêmio oferecido a ele por uma intervenção americana desastrada na Ucrânia. Não foi um convite à agressão, mas em vez disso uma oportunidade para Putin avançar sua missão às custas do governo dos EUA. Ele deseja recriar a “Nova Rússia” que existia no final da era dos czares Romanoff.
Ele restaurou a Igreja Ortodoxa à primazia que então ocupava, e curiosamente ele vem distribuindo entre suas autoridades mais elevadas as obras de filósofos cristãos do período anterior à revolução comunista (e mais tarde, dos que foram exilados), inclusive Nicholas Berdyaev, Vladimir Solovyov e Ivan Ilyin, e vem promovendo reflexões filosóficas e históricas entre essas autoridades, convocando-os para uma grande conferência no ano passado no período após a tomada da Crimeia. O assunto da conferência foi o destino da Rússia.
Putin nega que ele deseja impor uma doutrina estatal ideológica-religiosa no lugar do marxismo, mas ele deseja patrocinar a reintrodução das elites russas ao passado nacional e sua cultura histórica. Ele deseja ver uma democracia soberana que seja “qualitativa” em vez de aritmética ou quantitativa. Provavelmente, no Ocidente de hoje ninguém terá disposição de tentar entender isso.
O escritor francês Michel Eltchaninoff sugere uma comparação com o “novo Estado” criado por Antonio Salazar em Portugal entre 1933 e 1974, geralmente chamado de fascista, mas, embora autoritário, deveria ser descrito, com mais exatidão, como conservador, católico e nacionalista. É uma resposta ao que Putin vê como o moderno e decadente Ocidente “antropocêntrico,” ou egoísta e materialista.
Politicamente, Putin é movido pelo pan-eslavismo e as ligações eurasianas da Rússia histórica, e busca alianças e apoio dos europeus ocidentais de convicções politicamente incorretas, o que até certo ponto ele está achando. Tudo isso não tem nada a ver com as comparações “hitlerianas” e acusações de guerra de agressão e intenções expansionistas para o Ocidente das quais ele foi acusado pelos governos e imprensa ocidentais durante e depois da crise ucraniana.
Contra ele está o inimigo americano. A energia por trás do golpe na Ucrânia e as propostas de utilizar armas ocidentais ali e relançar a crise é geralmente (e penso que é correto avaliar assim) reconhecido como a obra da aliança neoconservadora do governo dos EUA. O presidente Obama parece ter sublocado sua política europeia para essa aliança.
Essa aliança inclui o gabinete de assuntos europeus no Departamento de Estado, autoridades de alta patente do Ministério da Defesa, certas instituições de Washington e elementos da imprensa dos EUA.
A natureza e objetivos de suas campanhas são relativamente bem conhecidas nos círculos políticos americanos, mas não na Europa. “Leo Strauss and the Politics of American Empire” (Leo Strauss e a Política do Império Americano), livro escrito por Anne Norton e publicado em 2004, fornece uma introdução esplêndida.
Intelectualmente, o neoconservadorismo é um movimento que incorpora, entre outras influências, ideias de dois filósofos alemães, Leo Strauss e Carl Schmitt. Strauss, um classicista nascido na Alemanha, emigrou para os Estados Unidos e ensinou na Universidade de Chicago nas décadas de 1950 e 1960, tendo grande influência em estudantes que iriam se tornar inimigos importantes do liberalismo secular predominante na vida intelectual e política americana.
Schmitt foi um acadêmico político influente que defendia o conceito do poder ilimitado do Estado. Ele se tornou membro do Partido Nazista em janeiro de 1933 e manteve importantes cargos acadêmicos na Alemanha durante a 2ª Guerra Mundial. Sua obra gozou de um reavivamento nos EUA durante o governo de George W. Bush e depois, influenciando os conceitos polêmicos do governo Bush de “combatentes ilegais” isentos de direitos legais internacionais, a prática de “interrogatórios avançados,” entre outros.
As ambições de política externa desse movimento têm sido expressas em várias iniciativas de se construir um movimento político para criar “um novo século americano.” Embora isso não mais seja feito de modo explícito, as campanhas dos neoconservadores em Washington visualizam os Estados Unidos se tornando um “Nova Roma,” exercendo seu poder militar incomparável “contra os inimigos da civilização” a fim de reviver valores clássicos e acabar estabelecendo uma domínio americano universal — uma Nova Roma.
A semelhança das ambições do presidente Putin para a Rússia com as ambições dos neoconservadores nos Estados Unidos atuais têm uma semelhança impressionante no desejo de ambos trazer de volta um passado romantizado. Os meios que eles estão dispostos a usar se assemelham também um ao outro. Essa é uma conclusão preocupante.
Traduzido por Julio Severo do artigo original do TruthDig: Putin and the Neoconservatives
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