Nas redes sociais, acumula dois milhões de seguidores. E prepara lançamentos de livros, documentário, camisetas...
De origem italiana, o nome Bianca significa branca, alva, cândida. No alto de uma escadaria, Bianca Toledo surge como a personificação de seu nome. Desce com elegância. Mesmo nos amplos espaços do casarão onde mora, num condomínio de classe alta no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, comunica-se sussurrando, como se revelasse segredos metafísicos. Veste-se em tons pastel, com uma camiseta regata verde coberta por uma blusa floral transparente, e calça comprida – sempre esconde as pernas, porque não as acha bonitas. Nada fala alto na cena, a não ser o par de grandes olhos azuis e Joaquim, um buldogue de dois meses. Joaquim ainda não aprendeu que a dona gosta de compostura e sobriedade, ao menos nos modos. Por isso, é retirado da sala e do ar-condicionado. Bianca se recosta no sofá e começa a explicar: “minha vida mudou quando eu morri”.
Bianca é seguidora da Igreja Batista, uma denominação cristã tradicionalmente recatada, em comparação com as igrejas neopentecostais. Apesar disso, sem pudores dogmáticos ou teológicos, ela diz ser prova viva de um milagre. Apresenta seus argumentos em livros. Foram três até maio, com mais três a ser publicados até o fim do ano. Se milagre é coisa difícil de constatar, tragédia não falta nas narrativas. Em outubro de 2010, quando estava grávida, o intestino de Bianca se rompeu. O bebê se salvou – nasceu prematuro – mas ela ficou 52 dias em coma. Passou quatro meses internada. O prontuário médico é tão chocante quanto o registro fotográfico.
Ela tinha 20% de chances de sobreviver. Talvez, por isso, exiba tudo como prêmio: 300 transfusões de sangue, dez cirurgias de abdômen, falência de órgãos. A narração da epopeia médica e a orientação espiritual se misturam em um perfil no Instagram, um canal no YouTube e duas páginas no Facebook, pilotados habilmente pela missionária evangélica. Alguns vídeos ultrapassam 400 mil visualizações. O craque Neymar é fã. Até o fim de 2015, Bianca lançará uma rede de lojas para artigos cristãos e uma coleção de roupas. A missionária, talentosa para as redes sociais mas sem traquejo na publicidade, considera bom o slogan "a dignidade é a tonalidade da moda", com que pretende apresentar suas roupas. “Sou casada e sou feliz” é uma das estampas – e tem para homem. Um documentário sobre ciência, fé e o episódio em que “ressuscitou” está em fase de produção. Bianca diz negociar os direitos com uma emissora aberta um programa de televisão. Quando questionada sobre como escolheu o slogan e como define suas estratégias de negócios e divulgação, a missionária explica, mansamente, ser orientada por Deus.
Não se trata daquela resposta divina que vem na forma de inspiração, ideias e sentimentos, um tipo de relato comum entre os crentes que dirigem a Deus suas dúvidas e aflições. Bianca, com o mesmo desprendimento com que explica sua ressurreição, afirma ouvir de Deus um discurso completo. A primeira mensagem que ela afirma ter recebido, ainda no hospital, foi “vou te restaurar por completo e te levarei a toda a Terra para você falar quem sou”. Assim surgiu o nome da empresa da missionária: Prova Viva (do milagre). "Levar por toda a Terra" significa dirigir-se aos fiéis de qualquer religião. Bianca pertence à Igreja Batista Central da Barra, no Rio, o que não a impede de fazer atividades em outras igrejas, evangélicas ou não. Já ministrou em Israel e, no mês passado, apresentou-se ao lado de Fábio de Melo, um dos padres pop da igreja Católica.
Por que todos querem Bianca? Pela força de sua história. Da cantora soprano que saiu muda do hospital em razão de uma traqueostomia; da mulher mignon que chegou a 150 quilos, tamanha a retenção de líquido pela falência dos rins; da mãe de primeira viagem que segurou o filho nos braços, pela primeira vez, quando o bebê tinha sete meses; da mulher independente que precisou de ajuda para trocar sua fralda.
Bianca exibe outro apelo para atrair fiéis: afirma ter o poder de curar. Ela diz que a habilidade sobrenatural já existia, mas aumentou “mil vezes” depois do milagre. “Saí do hospital com o poder da fé ativado.” A cura acontece ao final dos cultos. Bianca chama ao palco os que vieram em busca de um milagre. Aos pés da missionária, sempre calçados em sapatos de salto alto (ela diz se sentir mais poderosa assim), o fiel recebe a benção. Ela não pede que ninguém abandone médico ou tratamento alopata. A brasiliense Flávia Medeiros, de 31 anos, afirma ter se curado de um câncer cerebral pelas mãos de Bianca. O tumor incapacitava Flávia para atividades rotineiras. Flávia orou e afirma que as dores desapareceram. Mas o tumor, de mais de cinco centímetros, não. Parou de crescer, mas continua intocável e inoperável. Déborah Aguiar, de 36 anos, conta história quase tão impressionante. Ela e o marido tinham problemas de infertilidade. Depois que Bianca orou, colocando a mão em sua cabeça e barriga, Déborah engravidou naturalmente dos gêmeos Arthur e Gustavo, de um ano.
Se Bianca, de 35 anos, não se furta a falar de milagres, evita muito falar de enriquecimento. Nascer em uma família de empresários bem sucedidos pode ter ajudado. O bisavô de Bianca fundou, há 50 anos, os cursos Toledo. O trabalho na empresa envolveu os homens da família por gerações. Bruno, irmão mais velho de Bianca, é o atual reitor do Centro Universitário Toledo, com 5.500 alunos. “Meu pai dizia que nossa missão era fazer histórias serem mudadas”, diz Bruno. Bianca não seguiu carreira na empresa da família. Foi trabalhar em outra área, numa empresa de vendas, e mostrou aptidão para marketing. Após seis meses de emprego, recebeu uma promoção.
Como o mercado gospel, que movimenta R$ 150 milhões e cresce 6% ao ano, os números de Bianca são superlativos. Apesar do histórico, teme tanto ser vista como empreendedora gospel que não respondeu sobre vendas e cachês. Segundo a Associação Nacional da Livrarias Evangélicas, Bianca e seu testemunho de cura venderam, de forma independente, 500 mil exemplares (livros e DVDs), o que despertou , segundo Wilson Pereira Júnior, presidente da associação, interesse de editoras maiores, como a Ediouro e a Mundo Cristão. O total de vendas da missionária está próximo de um milhão. Nas redes sociais, foi alvo de questionamentos. Respondeu: “Quando Jesus fazia seus trabalhos de marcenaria, ele certamente tinha um preço correto e bem cobrado como todo judeu”. Bianca diz que não pode tirar proveito financeiro de sua história. Deus teria dito que seu “ministério seria puro como o ventre de uma virgem.” Até o final desse semestre, Bianca está com a agenda lotada no Brasil e no exterior.
Ousadia não falta à missionária – nem se apelos contrários vierem de pastores. Aos 16 anos, avisou a mãe, por telefone, que mudaria de Brasília para morar com o pai em Araçatuba, no interior de São Paulo, e ser evangélica. Quando decidiu investir publicamente na carreira de cantora, aos 20, pediu ajuda ao atual senador Magno Malta (PR), de quem era amiga, para cantar num concorrido programa de calouros da época. “Ela nunca foi desfocada”, diz Karla, filha de Malta e amiga de Bianca. Aos 25, a menina que cresceu gordinha – e que sonhava com creme de abacate escorrendo pela torneira da cozinha –, notificou a família de uma cirurgia bariátrica. Tinha 1.63 e 95 quilos. Para tornar-se candidata à operação, fez o que médicos sérios proíbem: engordou, em um mês, vinte quilos. Aos 29 – treze deles no celibato –, convenceu a família que o namorado de quatro meses era o homem de sua vida. Não foi.
Depois do milagre, Bianca se deu aval para falar sobre tudo. Contou do abuso sexual sofrido aos seis anos pelo pai de uma amiga; do uso de drogas ilícitas; da perda da virgindade aos 14 e da cirurgia para retirada de pele nas coxas (resultado do inchaço na UTI) “para não decepcionar nas núpcias” do segundo casamento.
O marido de Bianca, o mineiro e pastor Felipe Heiderech, acompanha toda a entrevista, como se Bianca precisasse do seu aval. Não precisa. Mas, na igreja batista, a mulher tem um papel submisso. “Mas as orações de quem não trata bem a esposa nem chegam a Deus”, diz Bianca, num tom de alerta que não faria cócegas em feministas.
Bianca fala bastante sobre comportamento feminino, em especial no vestuário. As mulheres que mostram o corpo, diz, são tomadas por carência. “Sei disso porque era assim”. Bianca quer retomar valores morais como se fosse evangélica da linha neopentecostal. Não é. A reportagem visitou o templo onde Bianca vai com o marido e o filho, José, em um sábado. As jovens usavam roupas curtas, transparentes e maquiagem pesada. Pecado? “Minha visão é uma, a da minha igreja é outra”.
Filha de pais católicos não praticantes, Bianca era a única da família que dizia gostar de Deus. Nas agendas da escola, a mãe diz, desenhava um coração e escrevia o nome de Jesus no centro. Ela tentava conversar com Deus desde pequena – e acredita que, agora, ouve mais claramente quando ele responde.
Publicado na Época
De origem italiana, o nome Bianca significa branca, alva, cândida. No alto de uma escadaria, Bianca Toledo surge como a personificação de seu nome. Desce com elegância. Mesmo nos amplos espaços do casarão onde mora, num condomínio de classe alta no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, comunica-se sussurrando, como se revelasse segredos metafísicos. Veste-se em tons pastel, com uma camiseta regata verde coberta por uma blusa floral transparente, e calça comprida – sempre esconde as pernas, porque não as acha bonitas. Nada fala alto na cena, a não ser o par de grandes olhos azuis e Joaquim, um buldogue de dois meses. Joaquim ainda não aprendeu que a dona gosta de compostura e sobriedade, ao menos nos modos. Por isso, é retirado da sala e do ar-condicionado. Bianca se recosta no sofá e começa a explicar: “minha vida mudou quando eu morri”.
Bianca é seguidora da Igreja Batista, uma denominação cristã tradicionalmente recatada, em comparação com as igrejas neopentecostais. Apesar disso, sem pudores dogmáticos ou teológicos, ela diz ser prova viva de um milagre. Apresenta seus argumentos em livros. Foram três até maio, com mais três a ser publicados até o fim do ano. Se milagre é coisa difícil de constatar, tragédia não falta nas narrativas. Em outubro de 2010, quando estava grávida, o intestino de Bianca se rompeu. O bebê se salvou – nasceu prematuro – mas ela ficou 52 dias em coma. Passou quatro meses internada. O prontuário médico é tão chocante quanto o registro fotográfico.
Ela tinha 20% de chances de sobreviver. Talvez, por isso, exiba tudo como prêmio: 300 transfusões de sangue, dez cirurgias de abdômen, falência de órgãos. A narração da epopeia médica e a orientação espiritual se misturam em um perfil no Instagram, um canal no YouTube e duas páginas no Facebook, pilotados habilmente pela missionária evangélica. Alguns vídeos ultrapassam 400 mil visualizações. O craque Neymar é fã. Até o fim de 2015, Bianca lançará uma rede de lojas para artigos cristãos e uma coleção de roupas. A missionária, talentosa para as redes sociais mas sem traquejo na publicidade, considera bom o slogan "a dignidade é a tonalidade da moda", com que pretende apresentar suas roupas. “Sou casada e sou feliz” é uma das estampas – e tem para homem. Um documentário sobre ciência, fé e o episódio em que “ressuscitou” está em fase de produção. Bianca diz negociar os direitos com uma emissora aberta um programa de televisão. Quando questionada sobre como escolheu o slogan e como define suas estratégias de negócios e divulgação, a missionária explica, mansamente, ser orientada por Deus.
Não se trata daquela resposta divina que vem na forma de inspiração, ideias e sentimentos, um tipo de relato comum entre os crentes que dirigem a Deus suas dúvidas e aflições. Bianca, com o mesmo desprendimento com que explica sua ressurreição, afirma ouvir de Deus um discurso completo. A primeira mensagem que ela afirma ter recebido, ainda no hospital, foi “vou te restaurar por completo e te levarei a toda a Terra para você falar quem sou”. Assim surgiu o nome da empresa da missionária: Prova Viva (do milagre). "Levar por toda a Terra" significa dirigir-se aos fiéis de qualquer religião. Bianca pertence à Igreja Batista Central da Barra, no Rio, o que não a impede de fazer atividades em outras igrejas, evangélicas ou não. Já ministrou em Israel e, no mês passado, apresentou-se ao lado de Fábio de Melo, um dos padres pop da igreja Católica.
Por que todos querem Bianca? Pela força de sua história. Da cantora soprano que saiu muda do hospital em razão de uma traqueostomia; da mulher mignon que chegou a 150 quilos, tamanha a retenção de líquido pela falência dos rins; da mãe de primeira viagem que segurou o filho nos braços, pela primeira vez, quando o bebê tinha sete meses; da mulher independente que precisou de ajuda para trocar sua fralda.
Bianca exibe outro apelo para atrair fiéis: afirma ter o poder de curar. Ela diz que a habilidade sobrenatural já existia, mas aumentou “mil vezes” depois do milagre. “Saí do hospital com o poder da fé ativado.” A cura acontece ao final dos cultos. Bianca chama ao palco os que vieram em busca de um milagre. Aos pés da missionária, sempre calçados em sapatos de salto alto (ela diz se sentir mais poderosa assim), o fiel recebe a benção. Ela não pede que ninguém abandone médico ou tratamento alopata. A brasiliense Flávia Medeiros, de 31 anos, afirma ter se curado de um câncer cerebral pelas mãos de Bianca. O tumor incapacitava Flávia para atividades rotineiras. Flávia orou e afirma que as dores desapareceram. Mas o tumor, de mais de cinco centímetros, não. Parou de crescer, mas continua intocável e inoperável. Déborah Aguiar, de 36 anos, conta história quase tão impressionante. Ela e o marido tinham problemas de infertilidade. Depois que Bianca orou, colocando a mão em sua cabeça e barriga, Déborah engravidou naturalmente dos gêmeos Arthur e Gustavo, de um ano.
Se Bianca, de 35 anos, não se furta a falar de milagres, evita muito falar de enriquecimento. Nascer em uma família de empresários bem sucedidos pode ter ajudado. O bisavô de Bianca fundou, há 50 anos, os cursos Toledo. O trabalho na empresa envolveu os homens da família por gerações. Bruno, irmão mais velho de Bianca, é o atual reitor do Centro Universitário Toledo, com 5.500 alunos. “Meu pai dizia que nossa missão era fazer histórias serem mudadas”, diz Bruno. Bianca não seguiu carreira na empresa da família. Foi trabalhar em outra área, numa empresa de vendas, e mostrou aptidão para marketing. Após seis meses de emprego, recebeu uma promoção.
Como o mercado gospel, que movimenta R$ 150 milhões e cresce 6% ao ano, os números de Bianca são superlativos. Apesar do histórico, teme tanto ser vista como empreendedora gospel que não respondeu sobre vendas e cachês. Segundo a Associação Nacional da Livrarias Evangélicas, Bianca e seu testemunho de cura venderam, de forma independente, 500 mil exemplares (livros e DVDs), o que despertou , segundo Wilson Pereira Júnior, presidente da associação, interesse de editoras maiores, como a Ediouro e a Mundo Cristão. O total de vendas da missionária está próximo de um milhão. Nas redes sociais, foi alvo de questionamentos. Respondeu: “Quando Jesus fazia seus trabalhos de marcenaria, ele certamente tinha um preço correto e bem cobrado como todo judeu”. Bianca diz que não pode tirar proveito financeiro de sua história. Deus teria dito que seu “ministério seria puro como o ventre de uma virgem.” Até o final desse semestre, Bianca está com a agenda lotada no Brasil e no exterior.
Ousadia não falta à missionária – nem se apelos contrários vierem de pastores. Aos 16 anos, avisou a mãe, por telefone, que mudaria de Brasília para morar com o pai em Araçatuba, no interior de São Paulo, e ser evangélica. Quando decidiu investir publicamente na carreira de cantora, aos 20, pediu ajuda ao atual senador Magno Malta (PR), de quem era amiga, para cantar num concorrido programa de calouros da época. “Ela nunca foi desfocada”, diz Karla, filha de Malta e amiga de Bianca. Aos 25, a menina que cresceu gordinha – e que sonhava com creme de abacate escorrendo pela torneira da cozinha –, notificou a família de uma cirurgia bariátrica. Tinha 1.63 e 95 quilos. Para tornar-se candidata à operação, fez o que médicos sérios proíbem: engordou, em um mês, vinte quilos. Aos 29 – treze deles no celibato –, convenceu a família que o namorado de quatro meses era o homem de sua vida. Não foi.
Depois do milagre, Bianca se deu aval para falar sobre tudo. Contou do abuso sexual sofrido aos seis anos pelo pai de uma amiga; do uso de drogas ilícitas; da perda da virgindade aos 14 e da cirurgia para retirada de pele nas coxas (resultado do inchaço na UTI) “para não decepcionar nas núpcias” do segundo casamento.
O marido de Bianca, o mineiro e pastor Felipe Heiderech, acompanha toda a entrevista, como se Bianca precisasse do seu aval. Não precisa. Mas, na igreja batista, a mulher tem um papel submisso. “Mas as orações de quem não trata bem a esposa nem chegam a Deus”, diz Bianca, num tom de alerta que não faria cócegas em feministas.
Bianca fala bastante sobre comportamento feminino, em especial no vestuário. As mulheres que mostram o corpo, diz, são tomadas por carência. “Sei disso porque era assim”. Bianca quer retomar valores morais como se fosse evangélica da linha neopentecostal. Não é. A reportagem visitou o templo onde Bianca vai com o marido e o filho, José, em um sábado. As jovens usavam roupas curtas, transparentes e maquiagem pesada. Pecado? “Minha visão é uma, a da minha igreja é outra”.
Filha de pais católicos não praticantes, Bianca era a única da família que dizia gostar de Deus. Nas agendas da escola, a mãe diz, desenhava um coração e escrevia o nome de Jesus no centro. Ela tentava conversar com Deus desde pequena – e acredita que, agora, ouve mais claramente quando ele responde.
Publicado na Época