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Texto base: 1 Coríntios 7.1-16
INTRODUÇÃO
Nos capítulos 5 e 6, Paulo abordou a questão do incesto, dos litígios e da fornicação. Indignado, ele censura a omissão e a tibieza dos coríntios em sanar os problemas morais existentes na igreja e, ao mesmo tempo, encoraja-os a viverem de forma piedosa, a fim de glorificar a Deus. Não obstante, Paulo ainda não havia descrito nenhuma orientação acerca do celibato, sexualidade, casamento, divórcio e novo casamento. Agora, no capítulo 7, ele responde algumas perguntas sobre estas questões através de uma carta que a igreja de Corinto havia lhe enviado. Os muitos problemas e as dúvidas que a igreja enfrentava haviam chegado ao conhecimento de Paulo por intermédio de relatos orais.
Provavelmente, os capítulos 1.11, 5.1 e 6.1, remontam a notícias pessoais que o apóstolo havia recebido de três homens enviados pelos coríntios – Estéfanas, Fortunato e Acaico, os quais supriram algumas necessidades materiais de Paulo, quando estava em Éfeso (1Co 16.17). Estes homens também levaram uma carta que os coríntios escreveram para o apóstolo, que incluía determinadas perguntas e relatava os problemas que estavam ocorrendo na igreja. Algumas destas perguntas eram sobre problemas matrimoniais (vs.1a).
No capítulo 7, especificamente na perícope que iremos analisar, Paulo responde as perguntas dos coríntios apresentando diretrizes básicas para o celibatário, para os casados, os que desejam se casar, os que no passado foram casados, para aqueles que querem permanecer solteiros e a privação sexual.
Todavia, Paulo abordou algumas questões que Jesus não ressaltou em seus ensinamentos nos evangelhos. Quando um assunto suscitado pelos coríntios já havia sido discorrido por Cristo, Paulo se dirigia às Suas palavras (vs.10-11). Entretanto, se uma pergunta dos coríntios promovia um tema que Jesus não havia abordado, Paulo respondia fazendo uso da sua autoridade apostólica. Quando Paulo escreve não recorrendo ao que o Senhor Jesus disse sobre determinado assunto, é porque ele mesmo irá tratar disso (vs.12-16, 25-40). Jesus tratou sobre casamento e divórcio em Mateus 5.31,32, 19.1-12; Marcos 10.1-12 e Lucas 16.18.
Os destinatários das orientações de Paulo sobre o casamento, divórcio e novo casamento são:
1) Cristãos casados com cristãos (7.1-11)
2) Cristãos casados com não cristãos (7.12-24)
EXPLANAÇÃO
No mundo antigo, muitos admiravam hábitos ascéticos, como o celibato. De certa forma, alguns crentes da igreja de Corinto dimidiavam dessa admiração. Tendo em vista que “o sexo era pecado” [segundo alguns radicais imaginavam], e os inúmeros problemas que há no casamento, seria melhor ficar solteiro ou aderir ao celibato, que era uma “condição mais espiritual” do que ser casado.
Esta ideia equivocada e herética poderia levar alguns falsos religiosos e falsos mestres a defender o divórcio para que a pessoa voltasse a ser solteira, a fim de obter uma condição espiritual superior. Com efeito, este trecho eleva a condição de solteiro desde que a pessoa seja celibatária, e também demonstra que o casamento não é algo inferior e menos espiritual do que o celibato.
a) Os benefícios do casamento (7.1-9)
Paulo já havia escrito uma carta à igreja de Corinto, exortando-os a não se associarem com cristãos que praticassem imoralidades (5.9-11). É bem provável que esta carta tenha se perdido e não exista mais. O apóstolo, por sua vez, também recebeu uma carta vinda dos coríntios solicitando conselhos acerca de várias questões (vs.1a). Sendo assim, a maior parte da carta que Paulo enviou aos coríntios são respostas às perguntas que eles lhe fizeram (7 – 16.12). Todavia, em um mundo que reina a lubricidade, isto é, a impureza sexual, a maior vantagem que o celibato e o casamento proporcionam é justamente a pureza sexual, a qual é formada por cinco pilares. Senão vejamos:
i. O celibatário compelido é reprovado pela Escritura (vs.1)
A primeira pergunta que os coríntios fizeram a Paulo deve ter sido se “o celibatário é mais espiritual do que o casado”. A expressão não é bom que o homem toque em mulher é um eufemismo, ou seja, é uma figura de linguagem que camufla uma ideia “desagradável” através de uma expressão mais “lene” ("ir para o céu" é um eufemismo para "morrer").
Esta expressão é um sinônimo de casar-se, e abarca todas as relações sexuais, quer dentro ou fora do casamento. Portanto, “o não tocar em mulher” aqui não se refere ao celibato, mas ao ato sexual (veja Gn 20.6; Pv 6.29). Talvez os coríntios inclinados ao ascetismo tenham recorrido à condição de Paulo para confirmarem suas posições sobre o celibato; todavia, este não era o seu entendimento acerca das relações sexuais (vs.2-5; 1Tm 2.15).
Paulo, então, escreve que o celibato é bom e permitido, mas não é obrigatório, visto que nem todos têm o dom do celibato (vs.7-9). Com esta afirmação, Paulo está dizendo que o celibato é preferível ao casamento, como alguns crentes de Corinto pensavam? Não! Paulo reconhece que há benefícios em se permanecer solteiro (vs.7-8, 26). Ele fornece algumas vantagens para que o cristão, dotado desta capacidade, possa escolher esta condição de vida.
Por outro lado, Calvino disse que Deus ordenou no princípio que o homem sem esposa era meio homem, por assim dizer, e sentia a falta de auxílio de que ele especificamente precisava; e a esposa era, por assim dizer, o complemento do homem. O pecado atingiu e poluiu a instituição divina [o casamento], pois em lugar de benção se transformou numa fonte de muitos problemas. Portanto, qualquer mal ou dificuldade que exista no casamento surge da corrupção da instituição de Deus.[1]
Com as diretrizes para o casamento (vs.2-5), que demonstra experiência e a possibilidade de ter sido casado, Paulo acentua a importância do mesmo. Em Efésios 5.22-33 e 1 Timóteo 3.2, o apóstolo descreve o casamento como algo positivo. O casamento, o sexo e a procriação fazem parte do plano de Deus (Gn 1.28-29; 2.18). Não obstante, os falsos mestres do passado proibiam o casamento, tendo-o como algo depreciável (1Tm 4.3). A intenção de Paulo, aqui, é corrigir a ideia equivocada e herética daqueles que cominavam o celibato.
ii. O celibato e o casamento impedem a fornicação (vs.2)
A imoralidade sexual imperava em Corinto. A cidade era famosa por sua promiscuidade. Por conta disso, ao escrever o capítulo 7, Paulo deveria ter em mente a questão dos cristãos que se relacionavam sexualmente com as prostitutas da cidade, um assunto que ele tratou no capítulo 6.15-20. Com a expressão mas por causa da impureza, cada um tenha a sua própria esposa, e cada uma, o seu próprio marido, Paulo descreve a incapacidade que algumas pessoas tinham em dominar-se sexualmente, o que as impeliam ao pecado. A fim de evitar que os crentes que não possuem o dom de celibato pratiquem o hábito pecaminoso da fornicação, Paulo recomenda que eles se casem.
Calvino observa apropriadamente a seguinte questão:
Mas alguém perguntará: “A cura para a incontinência é a única razão para se contrair o matrimônio? Minha resposta é que isso não é o que Paulo pretende dizer. Aos que desfrutam do dom da capacidade de suprimir o matrimônio, ele dá a liberdade de se casarem ou não. Ordena, porém, aos demais que queiram casar-se, que atentem bem para suas fraquezas. O que importa é o seguinte: o que está em jogo aqui não são as razões pelas quais o matrimônio foi instituído, e, sim, as pessoas para quem ele é indispensável. Porque, se atentarmos para o primeiro matrimônio [Adão e Eva], percebemos que ele não podia ser um remédio para uma doença a qual ainda não existia [o pecado]”.[2]
Simon Kistemaker esboça que Paulo, nessa declaração, exclui também qualquer tipo de poligamia. O apóstolo enfatiza que deve haver igualdade entre o homem e a mulher no estado de matrimônio. Cada parceiro deve ter seu próprio cônjuge, pois foi assim que Deus ordenou desde o princípio (veja Mt 19.8b).[3]
Por outro lado, é bem provável, ainda, que alguns cônjuges estivessem recusando ter relações sexuais com seus parceiros, o que levava estes últimos, a maioria homens, a buscar satisfação sexual com prostitutas. Paulo deixa implícito que o relacionamento sexual está limitado ao âmbito matrimonial; ele aconselha os crentes a se relacionarem sexualmente apenas no casamento, que, pautado nas Escrituras, restringe a imoralidade (vs.9).
iii. O casamento é heterossexual, e não homossexual (vs.2)
Quando Paulo diz que cada homem tenha a sua esposa, e cada mulher tenha o seu marido, fica evidente a ideia de um relacionamento heterossexual. Na época de Paulo, a união homossexual era algo comum. Ele define esse comportamento em Romanos 1.18-32 como algo vil, uma disposição condenável, uma abominação para Deus (veja Lv 18.22).
Hernandes Dias Lopes observa que a relação homossexual pode chegar a ser aprovada pelas leis dos homens, por causa da corrupção dos costumes, mas jamais será chancelada pelas leis de Deus. Uma decisão não é ética apenas por ser legal. Ainda que a relação homossexual se torne legal pelas leis dos homens, jamais será aprovada por Deus, pois fere frontalmente a Sua Lei.[4]
iiii. A importância das relações sexuais no casamento (vs.3-4)
Para solucionar o problema da imoralidade sexual no casamento, isto é, evitar o adultério e outros meios pecaminosos de satisfação sexual, como a pornografia, o meio de satisfação sexual mais comum hoje, Paulo orienta que o casal, unido pelo matrimônio, mantenha uma vida sexual ativa. Esta é a forma bíblica de refrear a motivação para recorrer aos meios perniciosos de satisfação sexual.
Com um profundo entendimento do relacionamento conjugal, Paulo ensina que tanto o marido quanto a esposa devem observar seus deveres matrimoniais recíprocos. Numa época em que o machismo imperava na sociedade, Paulo enfatiza a igualdade de ambos no relacionamento conjugal. Em outras palavras, Paulo destaca a mutualidade dos direitos conjugais. Senão vejamos:
1 - A obrigação do marido e da esposa (vs.3-4)
O termo conceda é um imperativo. Indica um “dever habitual”. Aqui, Paulo está se referindo ao relacionamento sexual. A Escritura condena como pecado o sexo antes do casamento, caracterizado pela fornicação, o sexo fora do casamento, caracterizado pelo adultério, e a ausência do sexo no casamento, que também é pecado. O marido deve cumprir a sua responsabilidade conjugal para com a sua esposa e, de modo semelhante, a esposa para com o marido. Por que a importância das relações sexuais no casamento?
Werner de Boor diz que em Corinto havia um perigo bem diferente: o “casamento de aparência”. As pessoas permaneciam casadas, mas rejeitavam qualquer vínculo físico mútuo, às vezes por decisão conjunta, às vezes por iniciativa de apenas uma das partes.[5] Marido e mulher possuem direitos assegurados por Deus de desfrutarem da satisfação sexual no casamento.
Adiante, Paulo dirige-se contra qualquer tipo de arbitrariedade por parte de um dos cônjuges em reivindicar como seu direito pessoal dispor do próprio corpo (vs.4). O marido ou a esposa que se recusa a entregar o seu corpo para a satisfação sexual por chantagem, egoísmo, obstinação ou por qualquer outro motivo, defrauda o outro.
Warren Wiersbe afirma que marido e mulher não devem abusar do privilégio do amor sexual que constitui parte normal do casamento. O corpo da esposa pertence ao marido, e o corpo do marido pertence à esposa, sendo que ambos devem ter consideração um para com o outro. O amor sexual é um instrumento maravilhoso de edificação, não uma arma de destruição.[6]
2 - A abstenção das relações sexuais só é permitida se houver consenso entre o casal (vs.5a)
O casamento sem sexo não é somente antinatural como é também expressamente proibido. Ele não proclama nenhuma ordem sobre ascetismo dentro dos laços do casamento. Paulo dissuade os cristãos coríntios bem-intencionados, porém mal orientados, cuja opinião era que os casados deveriam se abster de relações sexuais.[7] Paulo enuncia na parte a desse versículo que alguns casais da igreja de Corinto estavam privando um ao outro dos seus direitos conjugais. O verbo privar στερεί (stereí), traz a ideia de “subtração”. Denota “roubar algo que pertence à outra pessoa” (6.7-8). Aqui, indica “roubar os direitos de casado” (vs.3; Êx 21.10).
Paulo admoesta os casados a não usurparem o que lhes pertence por direito. Ele ensina aos coríntios que o “slogan” deles de “não tocarem em uma mulher para relação sexual” (vs.1b) não se aplica aos casados. O sexo no casamento é uma ordem apostólica. Faz parte de um casamento normal. A ausência do sexo no casamento é um pecado. O sexo é um direito sagrado do cônjuge. A abstinência sexual só é permitida se houver concordância entre o marido e a esposa e àqueles a quem isso beneficiar. A abstinência sexual não é uma prática ocasional para todos os casais.
3 - A duração da abstenção (vs.5b)
A abstinência das relações sexuais, que é algo necessário para o casamento, não deve ser unilateral, mas se o marido e a esposa concordarem que é por um tempo limitado. Hernandes Dias Lopes escreve:
Quando que um casal pode se abster do sexo? Quando ambos estão em total harmonia e sintonia a respeito da decisão. O homem não pode chegar para a esposa e dizer-lhe: “Esta semana ou este mês eu não estou disponível para a relação sexual”. Nem a mulher pode comunicar ao seu marido que ela está indisponível para ele. Se quiserem tomar essa decisão, os dois precisam estar em absoluto acordo. Às vezes, muitos casais cometem erros gravíssimos quando começam a dar desculpas infundadas para fugir da relação sexual, alegando cansaço, dor de cabeça e outras desculpas sem propósito. A Bíblia diz que essa atitude de boicote sexual no casamento é um pecado e uma desobediência a um mandamento bíblico. A abstinência sexual entre o casal não deve ser por um longo tempo. Paulo esclarece: Não vos priveis um ao outro, salvo talvez por mútuo consentimento, por algum tempo... (7.5a).[8]
Um longo período de abstinência sexual pode arruinar um casamento, podendo culminar em divórcio.
4 - A abstenção só é permitida para dedicação à oração e se houver o compromisso do retorno às relações sexuais (vs.5c,d)
Finalmente, a abstinência sexual (algo semelhante ao jejum) só é permitida se o casal usar o tempo da privação para a se dedicar a oração e, por conseguinte, retornar a prática. Simon Kistemaker elenca:
A oração diária é a marca de todo cristão sincero. Por vezes, na vida conjugal, marido e mulher enfrentam crises que pedem oração especial. Quando problemas financeiros, sociais, espirituais ou físicos aparecem para esmagá-los, eles fogem para Deus em oração. Nessas ocasiões, eles poderão voluntária e temporariamente abster-se de intimidades maritais.[9]
O cônjuge que priva o outro da relação sexual “rouba” aquilo que lhe pertence por direito. A abstenção sexual prolongada abre a “porta do casamento” para Satanás entrar e tentar o cônjuge defraudado a buscar satisfação sexual através de meios pecaminosos (vs.5d).
Hernandes Dias Lopes observa:
Quando um casal brinca com essa arma do sexo no casamento e chantageia o cônjuge, privando-o da satisfação a que tem direito, Satanás entra nessa história para colocar uma terceira pessoa na jogada e arrebentar com o casamento. Cabe aqui alertar sobre uma grande ameaça à vida sexual dos casais: a pornografia! A Palavra de Deus determina que o leito conjugal deve ser sem mácula (Hb 13.4). Há muitos homens, mesmo cristãos, que estão se tornando viciados em pornografia. São prisioneiros de um vício avassalador. Alimentam suas mentes com o lixo nauseabundo que sai dos esgotos pútridos dessa indústria pornográfica que destrói vidas e arrebenta famílias. Há muitos homens que, adoecidos por esse vício degradante, ainda aviltam sua mulher querendo importar para o leito conjugal essas práticas aviltantes.[10]
Continua nos próximos dias...
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NOTAS:
1. Calvino. 1 Coríntios, pág 199.
2. Ibid, pág 200.
3. Simon Kistemaker. 1 Coríntios, pág 299.
4. Hernandes Dias Lopes. 1 Pedro, pág 129.
5. Werner de Boor. 1 Coríntios, pág 60.
6. Warren Wiersbe. Comentário Bíblico Expositivo do Novo Testamento, volume 5, pág 772.
7. Simon Kistemaker. 1 Coríntios, pág 300-301.
8. Ibid, pág 302.
9. Hernandes Dias Lopes. 1 Coríntios, pág 131.
10. Ibid, pág 132.
Autor: Leonardo Dâmaso
Fonte: Bereianos