NOÉ, A VINHA, A MALDIÇÃO E O NÃO ARREPENDIMENTO PELO ERRO

É indiscutível a atitude incorreta de Cam, filho de Noé, ao contemplar a nudez de
 seu pai e não tratar de forma respeitosa o Patriarca, o qual não era um beberrão,
 mas conhecido na Bíblia como homem "justo e íntegro entre os seus
 contemporâneos. Noé andava com Deus." (Gn 6.9).


Segundo o Pr. Claudionor de Andrade, "Ao invés de calar-se e, discretamente, resguardar a honra do seu pai, saiu a depreciar-lhe a imagem (Gn 9.22)"(ANDRADE, Claudionor de , Revistas Lições Bíblicas, 4º Trimestre de 2015, CPAD, p. 65).

O Pastor Altair Germano em artigo intitulado "A Síndrome de Cam", aqui, também comenta o fato e discorre sobre os possíveis motivos do filho de Noé em expor sua nudez; o pastor faz ainda um paralelo entre o fato relatado no Livro do Começo e situações envolvendo erros de lideranças atualmente, mas com enfoque na atitude reprovável de Cam.

Ao ler o trecho bíblico não desconsidero o comportamento reprovável de Cam, mas inquieto-me com alguns pensamentos:

- Noé embebeda-se inocentemente?
- Após recobrar o juízo, teve consciência de que errou?
- Deveria o Patriarca pedir perdão, demonstrar arrependimento? 

Mesmo a Bíblia não sendo clara a respeito dos pormenores que envolveram o plantio da vinha e a fermentação do fruto, há quem cogite que Noé sabia das implicações da bebida: "Vemos aqui, a primeira vez que o vinho é mencionado nas Escrituras, mas a produção de vinho já era realizada antes do dilúvio, e Noé sem dúvida sabia o que podia lhe acontecer se bebesse vinho demais."   (Comentário Bíblico Expositivo W. W. Wiersbe , Geográfica Editora, 2014, V.1, p. 71).

Prossegue ainda: "Numa tentativa de exonerar Noé de culpa, alguns estudiosos afirmam que o dilúvio causou uma transformação na atmosfera da Terra, e isso levou o suco de uva a fermentar pela primeira vez; no entanto, esse defesa não é muito sólida. Noé colheu as uvas, espremeu-as no lagar, colocou o suco em odres e esperou que fermentasse."

Caminhando na trilha do comentarista, é possível focalizar não somente Cam como um irreverente, mas também Noé como ser humano que erra; apesar de justo e íntegro, também falhou, errou, não obstante ser um dos mais notáveis santos do AT.

A Bíblia não busca descrever os grandes  homens de Sua história como infalíveis, pelo contrário, mostra suas falhas e as consequências amargas decorrentes dos erros. Sabe-se que um erro pode tomar maiores proporções dependendo de quem o comete, pois espera-se de homens de alta posição, condutas compatíveis (não desconsiderando aqui que, como já afirmado, são humanos).

Retomando Wiersbe:

"Pelo menos Noé estava em sua própria tenda quando isso aconteceu, não em algum lugar público. No entanto, quando pensamos em quem ele era (um pregador da justiça) e no que havia feito (salvo sua família da morte), seu pecado torna-se ainda mais repulsivo.
A Bíblia não apresenta desculpas para os pecados dos santos, mas sim os menciona como advertências para que não façamos como eles (1 Co10.6-13). Como disse Supurgeon: 'Deus nunca permite que seus filhos pequem com sucesso'. Há sempre um preço a ser pago.

(...)

Noé não planejou embriagar-se e expor-se vergonhosamente, mas, de qualquer modo,  foi o que aconteceu. Os japoneses têm um provérbio muito apropriado: 'Primeiro o homem toma um trago, depois o trago toma um trago e, então, o trago toma o homem." (pp. 71,72).

Volto a afirmar que o comportamento de Cam foi reprovável e há farto comentário sobre isso.

Entretanto, não podemos negar que Noé também errou. Se podemos aplicar o texto bíblico para advertência dos que expõem o erro de quem deveriam preservar e tratar de forma respeitosa, também podemos aplicá-lo no sentido de que pais e lideranças devem estar em todo o tempo atentos ao que fazem, pois nem todo "sucesso" empreendido anteriormente é capaz de amenizar um erro posterior.

Ademais, por qual motivo não vemos Noé constrangido quando lúcido? Não poderia também haver quebrantamento, perdão, reconciliação?

Adão e Eva tiveram oportunidade de demonstrar arrependimento e não fizeram. Caim, apesar de Deus travar um diálogo muito mais pedagógico do que para esclarecer dúvidas também não demonstra arrependimento.

Em tempos presentes, o reconhecimento do erro e arrependimento por parte dos que não deveriam errar (mas são humanos, não?) também é desejável e ensina. Tão somente amaldiçoar quem errou em seguida não soluciona a questão.

Se observássemos um Noé arrependido, quebrantado, constrangido pelo seu erro, isso não o diminuiria, pelo contrário, aumentaria sua grandeza.

 No NT, acho que um trecho paulino seria apropriado para as duas partes e as levaria a tomarem, ambas, a atitude correta: "Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo." Fp 2.3