Em minhas palestras de Escatologia Bíblica, tenho notado que uma das passagens das Escrituras que mais tem gerado questionamentos é Mateus 24 e 25. Isso, em grande parte, porque os eventos escatológicos mencionados nesses dois capítulos não foram apresentados por Jesus em ordem cronológica.
Muitos perguntam, por exemplo: “Se em Mateus 24.37-39 Jesus trata do Arrebatamento, como dizem os dispensacionalistas, por que esse evento é mencionado depois da Grande Tribulação? Isso não seria uma indicação clara de que a Igreja passará por esse período?” Em primeiro lugar, não se deve ignorar que a Bíblia é análoga: as Escrituras interpretam as Escrituras. Segundo: Jesus apresentou as verdades contidas em Mateus 24 e 25 a seus discípulos, que ali representavam a Igreja e também Israel, haja vista serem, ao mesmo tempo, os primeiros membros da Igreja e israelitas. Terceiro: Ele respondeu a uma pergunta tripartida, e a sua resposta, conquanto igualmente tripartida, não está, necessariamente, em ordem cronológica.
Mateus 24.1,2 — a invasão de Jerusalém. Ao sair do Templo, o Senhor Jesus foi abordado por seus discípulos, que começaram a lhe mostrar a estrutura daquele edifício. No versículo 2 temos, então, o início do seu sermão profético, com a predição da invasão de Jerusalém pelos romanos no ano 70: “não ficará pedra sobre pedra que não seja derribada”. As profecias do Senhor sobre o futuro terminam em Mateus 25.46.
Mateus 24.3 — a pergunta tripartida dos discípulos.Ao fazer menção da invasão de Jerusalém e da destruição do Templo, o Senhor ouviu dos discípulos uma pergunta tripartida, abarcando questões alusivas a sinais para “estas coisas”, “tua vinda” e “fim do mundo”. Aqui está uma importante chave para se entender as profecias do Senhor. Ele, como veremos, responde aos discípulos de modo tripartido e faz menção de profecias veterotestamentárias, direta ou indiretamente, reforçando a necessidade de se considerar a analogia bíblica.
Mateus 24.4-14 — sinais escatológicos gerais. Diante da pergunta tripartida dos discípulos, o Senhor faz inicialmente uma abordagem panorâmica dos sinais sobre o futuro, desde aqueles dias até o fim do mundo. Ele, por enquanto, não menciona nenhum evento específico, mas chama a atenção dos discípulos — que também eram israelitas — para sinais escatológicos gerais, como surgimento de enganadores (vv. 4,5,11), guerras e rumores de guerras, fomes, pestes, terremotos (vv. 6-8), perseguições aos cristãos (v. 9), escândalos, traições, aumento da iniquidade e esfriamento do amor etc. (vv. 10-12).
Jesus termina essa seção discorrendo sobre a pregação do Evangelho do Reino até “o fim” (v. 14). Os termos “Evangelho do Reino” e “fim” indicam, à luz de Apocalipse, que o Senhor se referiu ao Evangelho que será pregado durante a Grande Tribulação, especialmente pelas duas testemunhas e os 144 mil judeus selados por Deus, e por ocasião do Milênio, quando toda a terra se encherá do conhecimento do Senhor, de modo intuitivo e também por meio da pregação (cf. Hc 2.4; Jr 31.33,34; Is 2.3; 54.13). Tudo isso que Ele disse teve como objetivo incentivar os salvos a serem perseverantes em qualquer época ou circunstância (Mt 24.13).
Mateus 24.15-28 — predições e advertências para Israel sobre a Grande Tribulação. A partir do versículo 15, com a menção da “abominação da desolação, de que falou o profeta Daniel” (no Templo), fica claro que o Senhor Jesus passa a tratar especificamente de predições relativas ao que acontecerá em/com Israel — haja vista estar falando também a israelitas — na Grande Tribulação, antes da Manifestação do Senhor. Até o versículo 28 não há dúvida de que Ele está tratando do que acontecerá em/com Israel durante a Grande Tribulação. Jesus faz predições e advertências específicas para Israel, como o alerta de que surgirão falsos cristos (vv. 23-26). E sabemos que os israelitas tementes a Deus também creem na vinda do Messias; mas estão esperando ainda a sua primeira vinda, enquanto nós já esperamos a sua volta ou Segunda Vinda (Jo 14.1-3; Hb 9.28).
Quem pensa que nessa seção Jesus se refere à invasão de Jerusalém, no ano 70, precisa ler com atenção o versículo 21: “nesse tempo haverá grande tribulação, como desde o princípio do mundo até agora não tem havido e nem haverá jamais” (ARA). A Segunda Guerra Mundial, por exemplo, foi muito pior para os israelitas que a invasão de Jerusalém. O Mestre conclui essa seção afirmando que, “assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até ao ocidente, assim será também a vinda do Filho do Homem” (v. 27), numa alusão clara à sua Manifestação em poder e grande glória, com a sua Igreja, no fim da Grande Tribulação (cf. Zc 14.1-11; Jd vv. 14,15; Ap 19.11-21).
Mateus 24.29-35 — a Manifestação do Senhor em poder e grande glória. A partir do versículo 29 o Senhor Jesus passa a fazer menção da sua aludida Manifestação, “logo depois da aflição daqueles dias”, quando “o sol escurecerá, e a lua não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu, e as potências dos céus serão abaladas”. Observe que todas as tribos da terra se lamentarão (v. 30), pois Ele então se manifestará para julgar os adoradores da Besta — reunidos na “grande Babilônia”, cidade de Jerusalém tomada pelos inimigos de Israel —, pondo fim ao império do Anticristo (cf. Ap 18.9-24). Segundo Apocalipse 19, a Igreja já estará com o Senhor, por ocasião de sua Manifestação em poder e grande glória.
Nesse caso, quem são os escolhidos, ajuntados por anjos “desde os quatro ventos, de uma à outra extremidade dos céus” (Mt 24.31)? Não há dúvida, com base na analogia geral da Bíblia e no que o Senhor dissera anteriormente, no sermão profético em apreço, que se trata de uma referência ao remanescente dos israelitas tementes a Deus. Estes serão reunidos para o Julgamento das Nações, mencionado pelos profetas do Antigo Testamento, como em Joel 2.30-32; 3.1,2:
“E mostrarei prodígios no céu e na terra, sangue e fogo, e colunas de fumaça. O sol se converterá em trevas, e a lua, em sangue, antes que venha o grande e terrível dia do SENHOR. E há de ser que todo aquele que invocar o nome do SENHOR será salvo; porque no monte Sião e em Jerusalém haverá livramento, assim como o SENHOR tem dito, e nos restantes que o SENHOR chamar. Porquanto eis que, naqueles dias e naquele tempo, em que removerei o cativeiro de Judá e de Jerusalém, congregarei todas as nações, e as farei descer ao vale de Josafá; e ali entrarei em juízo, por causa do meu povo e da minha herança, Israel, a quem eles espalharam entre as nações, repartindo a minha terra”.
O Senhor Jesus faz menção desse grande acontecimento em Mateus 25.31,32: “quando o Filho do Homem vier em sua glória, [...] se assentará no trono da sua glória; e todas as nações serão reunidas diante dele”. O remanescente israelita (cf. Rm 9.27; 11.26) não participará do aludido julgamento na qualidade de réu, pois, “naqueles dias e naquele tempo”, Deus removerá “o cativeiro de Judá e de Jerusalém” (Jl 3.1). Em seguida, será instaurado o Milênio, e “o SENHOR será rei sobre toda a terra; naquele dia, um será o SENHOR, e um será o seu nome” (Zc 14.9).
Mateus 24.36-51; 25.1-13 — o Arrebatamento da Igreja. Jesus conclui a seção pela qual trata do futuro de Israel e começa outra. A transição está clara em 24.34-36 (leia com atenção). De 24.36 até 25.13 o Mestre fala especificamente à sua Igreja e discorre sobre o Arrebatamento, fazendo menção, também, do Tribunal de Cristo (24.45-51), das Bodas do Cordeiro (25.10) e do Inferno (24.51). Quem diz que a parábola das dez virgens alude a Israel precisa observar que ela começa com o conectivo “Então”, que liga o início do capítulo 25 ao que o Senhor já vinha abordando anteriormente: sua iminente vinda e a importância de estarmos prontos para ela (24.36-51).
Mateus 25.14-30 — o Tribunal de Cristo. Após concluir a parábola das dez virgens dando ênfase à iminência do Arrebatamento da Igreja: “Vigiai, pois, porque não sabeis o Dia nem a hora em que o Filho do Homem há de vir” (v. 13), o Senhor Jesus passa a discorrer sobre o Tribunal de Cristo, que é melhor compreendido à luz das explicações do apóstolo Paulo (Rm 14; 1 Co 3; 2 Co 5 etc.). Mas observe que, ao tratar do julgamento dos salvos para efeito de galardão, o Senhor também faz menção do Inferno (Mt 25.30), deixando claro que muitos que estão entre nós sequer comparecerão ante o Tribunal de Cristo (cf. Mt 7.21-23), visto que este será destinado apenas aos santos arrebatados (1 Ts 4.16,17; Ap 22.12).
Mateus 25.31-46 — o Julgamento das Nações. O último assunto apresentado pelo Senhor Jesus em seu sermão profético é o Julgamento das Nações, o qual se dará durante toda a Grande Tribulação (Zc 12-14; Jr 50.20), tendo a sua consumação com a Manifestação do Senhor. Quem não considera a analogia geral da Bíblia terá grande dificuldade de entender essa parte da revelação apresentada por Jesus. Ele compara as nações reunidas a bodes e ovelhas, postas à esquerda e à direita do Justo Juiz. Fica claro, à luz de Joel 3, que as nações-bodes e nações-ovelhas são as que, respectivamente, fizeram mal e bem a Israel.
Jesus conclui a presente seção — e também o seu sermão profético — dizendo: “E irão estes para o tormento eterno, mas os justos, para a vida eterna” (Mt 25.46). Isoladamente, os termos “tormento eterno” e “vida eterna” poderiam ser grosso modo chamados de Inferno e Céu, mas, como a Bíblia é análoga, não podemos deixar de conferir outras passagens escatológicas e o próprio contexto imediato do versículo em apreço. À luz de Mateus 10.28 e Apocalipse 20.15, o primeiro termo, “fogo eterno”, equivale a “tormento eterno” (gr. kolasin aiõnion), Geena e Lago de Fogo (gr.limnem ton purós).
Quanto ao segundo termo, “vida eterna”, está claramente associado ao que o Senhor havia dito a respeito do Reino, isto é, o Milênio: “Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo” (Mt 25.34). Ou seja, os representantes de países absolvidos no Julgamento das Nações irão para a vida eterna no sentido de que, ao ingressarem como povos naturais no Reino de mil anos previamente preparado por Deus, terão a oportunidade de receber a salvação eterna por meio de Jesus Cristo e permanecer nEle, assim como ocorre hoje, antes do Arrebatamento da Igreja (cf. Jo 3.16; Mt 24.13).
Maranata!
Ciro Sanches Zibordi