A narrativa a seguir foi escrita por C.S. Lewis, em seu livro “O Grande Abismo”. Ele conta a história de Pâmela, uma mulher que perdera seu filho Miguel, o qual ela amava mais do que ao próprio Deus e, por isso, não podia entrar no céu. Com a mente prodigiosa do escritor, muitos detalhes são apresentados. Entretanto, aqui só será narrado o essencial. O diálogo a seguir é travado entre Pâmela e um ser Espiritual fictício. Nessa altura, a mulher queria ver seu filho na eternidade, mas não era possível:
PAMELA — "(...) O que quer de mim? Vamos. Quanto mais cedo começarmos, melhor. E então poderei ver o meu menino. Estou pronta!”
SER — "(...) Você não vê que não pode começar nada enquanto estiver nessa condição mental? Está tratando Deus apenas como um meio de alcançar Miguel. Mas todo o tratamento de solidificação consiste em aprender a desejar Deus por Ele mesmo. (...) Você existe como mãe de Miguel somente porque existe em primeiro lugar como uma criatura de Deus. Esse relacionamento é mais antigo e mais próximo”.
PAMELA — "(...) Mas, estou certa de que fiz Miguel feliz. Empenhei toda a minha vida...”.
SER — "Os seres humanos não podem fazer uns aos outros felizes por muito tempo. (...) Ele (Deus) queria que o seu amor puramente instintivo pelo seu filho (...) se transformasse em algo superior. Queria que você amasse Miguel como Ele compreende o amor. Não é possível amar um semelhante perfeitamente até que se ame a Deus. (...) O (seu) instinto era incontrolável, selvagem e monomaníaco. (...) O único remédio era remover o objeto desse sentimento. Era um caso cirúrgico. Quando esse primeiro tipo de amor fosse contrariado, haveria então uma pequena possibilidade de que na solidão, no silêncio, alguma outra coisa pudesse começar a desenvolver-se”.
PAMELA — "(...) Meu amor por Miguel jamais se perverteria. Nem que vivêssemos juntos um milhão de anos. (...) Se Miguel estivesse comigo, eu seria perfeitamente feliz. (...) Como poderia alguém amar mais a seu filho do que eu? (...) Dê-me o meu filho. Ouviu bem? Não me importo com todas as suas regras e regulamentos. Não creio num Deus que separa mãe e filho. Acredito num Deus de amor. Ninguém tem o direito de se colocar entre mim e meu filho. Nem mesmo Deus. Diga isso a Ele diretamente. Quero meu menino, e vou ficar com ele. Ele é meu, está entendendo? Meu, meu, meu, para sempre e sempre. (...) Odeio a sua religião e odeio e desprezo o seu Deus. Acredito num Deus de Amor”.
(O “visitante celestial” [o próprio Lewis] pergunta ao seu "Professor”, que o acompanhava na viagem) — "Há qualquer esperança para ela, Senhor?"
PROFESSOR — “Existe alguma. O que chama de amor pelo filho se transformou em algo pobre, espinhoso. Mas existe ainda uma pequenina centelha que não é apenas o seu próprio ‘eu’, e ela pode crescer, virando uma chama. (...) o amor, como os mortais entendem a palavra, não basta. Todo amor natural ressuscitará e viverá para sempre neste país, mas nenhum irá ressuscitar se não tiver sido sepultado. (...) Só existe um único ser bom, e esse é Deus. Tudo o mais é bom quando olha para Ele e mau quando se afasta dEle. E quanto mais alto e poderoso estiver ele na ordem natural, tanto mais demoníaco será se rebelar-se. Não é de ratos ou pulgas perversos que se fazem demônios, mas dos maus arcanjos (...)”.
A história do egoísmo de Pâmela por Miguel, que ela pensava ser amor, será bastante útil para se analisar o mandamento da individuação (deixar pai e mãe), que foi a primeira ordem dada pelo Criador à família. Esta questão se encontra no âmago do mandamento, porque alguns pais, como a fictícia Pâmela, não querem deixar seus filhos partirem, muito menos formarem um novo lar, não porque os amem sobremaneira, e sim por amarem a si próprios mais do que aos filhos e ao Altíssimo.
Abraão estava em grande perigo espiritual quando o Eterno pediu para sacrificar Isaque (Gn 22.1,2). O amor de Abraão por Isaque era algo descomunal, com tanta intensidade, que o Todo-Poderoso precisou prová-lo. Abraão somente provou seu amor pelo Senhor quando, figuradamente, pela fé, usou o cutelo para matar e o fogo para queimar o holocausto do seu filho (Gn 22.12).
Tanto Pâmela, quanto o velho patriarca Abraão, tinham algo em comum: um filho para adorar! O mandamento do Altíssimo, todavia, sobre a proibição de ter outros deuses diante do Senhor, obstruía tal sentimento. Isso foi válido para aquela época e também para os dias hodiernos.
Na verdade, a raiz deste mal é o orgulho em possuir algo do qual não se quer abrir mão: os filhos. (Será esse o motivo pelo qual algumas sogras não se relacionam bem com as noras? Será que as sogras entendem que as noras roubaram algo de propriedade exclusiva delas? Fica a pergunta). O fato é que há, frequentemente, muito orgulho envolvido nisso tudo. O Todo-Poderoso, para confrontar esse sentimento diabólico e estabelecer os alicerces de uma nova família, brada desde a eternidade: deixará o homem seu pai e sua mãe (Gn 2.24).
I. O PRIMEIRO MANDAMENTO
1. Requisito para a perfeita união
Certos começos possuem como requisito principal o término de determinados estágios. Por exemplo, a primavera somente se manifesta quando o inverno vai embora. O mesmo acontece com dia e noite. Igualmente acontece com a criação de uma nova família! A anterior, que acompanha o filho ou a filha desde o nascimento, cederá espaço para uma nova composição. Não se trata, aqui, da família anterior ser esquecida, claro que não. Mas, apenas deixada em “segundo plano”. Nunca desprezada, que são coisas bem distintas. A intenção do Eterno aponta para a necessidade de toda nova família possuir características sui generis, para existir uma união perfeita. Isso é impreterível para haver uma identidade familiar própria e crescimento. Dessa forma, o novo casal precisa ter suas experiências pessoais e resolver seus problemas, sem haver intromissão de nenhuma outra pessoa.
Esse mandamento mencionado no Éden foi reiterado para Abraão (Gn 12.1-3). O amigo de Deus colocou em prática a ordem de sair do meio da sua parentela e da casa do seu pai, embora não completamente, pois levou consigo seu sobrinho Ló, causando embaraços à sua própria família. O Senhor, toda vez que nos recomenda algo, visa, em primeiro lugar, o nosso próprio bem. Deus nunca é egoísta, mas sempre altruísta. Quando o Eterno pede algo ao homem, não é que Ele precise daquilo. O Senhor não precisa de nada. Os seres humanos, naturalmente orgulhosos e individualistas, são quem carecem, para a sua felicidade, abandonar as coisas indevidas. Por isso, o Altíssimo as pede! Como exemplo, observe que Abraão necessitava ficar livre de toda influência de sua família anterior, inclusive de Ló, o qual só lhe trouxe dificuldades. Quando, por fim, tio e sobrinho se separaram, o Todo-Poderoso fez a Abraão grandes promessas (Gn 13.11,14-17).
Com a lição aprendida, Abraão ensinou tudo isso a Isaque e a Jacó, os quais, mesmo habitando em tendas, juntos, no clã (Hb 11.9), não perdiam a individualidade, pois cada um tinha a sua própria habitação (Gn 24.67; 31.34)! Eles sabiam conservar a cultura familiar, sem deixar de atender a esse importante mandamento.
2. Individuação
Deus é muito criativo. Ele sempre faz coisas novas, sem precisar utilizar um modelo anterior. Os evolucionistas não entendem isso e, por tal razão, minimizam o grande milagre da Criação, atribuindo-o ao acaso, a partir da evolução de um ser unicelular (são pessoas de muita fé!). Eles confundem adaptação (uma espécie mudar suas características de acordo com as condições do ecossistema) com evolução (migração para novas espécies, mesmo não existindo nenhuma prova científica de que isso aconteceu alguma vez).
Deus, na verdade, criou os seres viventes de maneira peculiar, para constituí-los únicos. A individuação, portanto, é o fenômeno através do qual um organismo se singulariza dentro da espécie, sem abandonar as características comuns dos seus pares. É uma forma, portanto, de adaptação. Usando a mesma lei que atua na natureza, o Senhor criou o mandamento para os nubentes deixarem pai e mãe, para poderem desenvolver suas idiossincrasias enquanto nova família.
O verbo hebraico usado na ordem de Gn 2.24, aqui analisada, é 'ãzabh, que significa partir, abandonar, desamparar, soltar. Esse verbo também é utilizado frequentemente quando se muda para um novo lugar (2 Rs 8.6), existindo separação entre pessoas (Gn 44.22; Rt 1.16), ou ao se abandonar alguém (Ex 2.20). Dessa forma, o Altíssimo determinou ao casal partir para novas experiências, abandonando a casa dos pais, soltando os grilhões e traumas psicológicos da família paterna. E necessário ressaltar, porém, que permanecer junto dos familiares é um compromisso perene da nova família (SI 128), a qual não deve se excluir das celebrações familiares — aniversários, Natal, dia dos pais, das mães, etc. Entretanto, a singularização do ente familiar formado é imperiosa. Foi Deus quem pensou assim.
É bom ressaltar, todavia, que, enquanto estiverem em casa, os filhos deverão ser totalmente obedientes aos pais, no Senhor. Quando se casarem, porém, “deixarão pai e mãe”. Isso não significa abandoná-los. Mas, com o casamento, os filhos devem sair da casa (afastamento geográfico), construir seu próprio patrimônio (afastamento financeiro) e tomar suas próprias decisões na vida (autonomia e afastamento psicológico ou emocional). Isso se denomina na filosofia de individuação; ou seja, o indivíduo isola-se para adquirir sua própria personalidade, dentro da nova família.
O filho casado, por consequência, receberá autoridade para exercer a liderança, em amor, no seu novo lar. E a filha casada, até então submissa aos pais, agora será submissa exclusivamente ao marido, no Senhor. Aliás, é muito comum observar pessoas com sérios conflitos familiares, quando os pais continuam se intrometendo nas decisões dos filhos casados. Os bons conselhos dos pais sempre serão necessários, mas as decisões devem ser tomadas, em conjunto, pelo novo casal. Deus quer, desse modo, cada um com sua própria história. Muitos divórcios ocorrem porque pais e filhos não compreendem a extensão e a duração do princípio da autoridade e da submissão.
3. Menção na Bíblia
Na Bíblia, Deus fala de individuação em Jó 39, mencionando como esse fenômeno acontece na família das cabras monteses (vv. 1-4), cujos filhos, quando crescem e ficam fortes, partem e “nunca mais tornam para elas”. As montanhas escarpadas nas quais esses “alpinistas” extraordinários estabelecem sua morada, talvez não devam ser divididas com todos. Não se sabe o motivo; entretanto, é imperativo, para elas e para Deus, que cada nova família animal tenha sua própria montanha. Quando os filhos das cabras monteses crescem, precisam viver sua própria história, identificando-se como indivíduos, sem abrir mão dos ensinamentos recebidos dos pais (indispensáveis à sobrevivência). Assim, à sombra dos seus pais, elas certamente não poderiam, jamais, cumprir integralmente o projeto do Criador.
Deus cita para Jó esse exemplo da natureza juntamente com o de outros animais, como o jumento selvagem, o cavalo, a avestruz, tudo isso para mostrar como são variadas as obras de suas mãos. E é exatamente por essa variedade das obras do Senhor que Ele exige ao homem, como requisito para casar, deixar seus pais.
Na vida selvagem, há casos onde animais permanecem no mesmo grupo familiar até o fim dos seus dias. Entretanto, como lhes falta entendimento, isso é perfeitamente compreensível, mas não no caso da raça humana (Pv 24.3,4), onde Deus dotou cada pessoa com uma personalidade diferente.
II. ALCANCE DO MANDAMENTO
1. Afastamento geográfico
Toda família precisa de “espaço" para crescer. Para isso, Deus mandou o novo casal, antes de se unir, deixar pai e mãe. Observe uma planta. Ela precisa de um espaço só dela: veja quando o trigo divide um pequeno espaço geográfico com o joio — Mt 13.28-30 — é um problema. A grande dificuldade é que as raízes do joio e do trigo podem se entrelaçar, diante da proximidade territorial. Isso significa a necessidade do trigo por um espaço individual, próprio. A mesma coisa acontece com o novo lar.
Moisés prosperou no deserto, Davi foi vitorioso na caverna de Adulão, Elias deu fruto na casa da viúva em Sidom, João Batista frutificou às margens do Jordão, e o apóstolo João teve a mais extraordinária revelação numa ilha inóspita. Assim, fica claro que a geografia, ou seja, o lugar onde se vive, tem tudo a ver com a bênção do servo do Senhor.
O apóstolo Paulo, enquanto estava em Jerusalém, onde lhe era cômodo e estratégico, trouxe muita confusão para todos, a tal ponto de os judeus procurarem matá-lo. Mas quando os irmãos souberam disso “(...) o acompanharam até Cesareia e o enviaram a Tarso. Assim, pois, as Igrejas (...) tinham paz e eram edificadas; e se multiplicavam” (At 9.30,31).
A conversão de Paulo, num primeiro momento, acarretou mais problemas, ao invés de alegrias para a igreja da Judeia, Galileia e Samaria. Que coisa interessante! O maior missionário de todos os tempos, em certo momento, foi um empecilho à Obra do Altíssimo. Por qual motivo? Ao que tudo indica, ele estava pregando na hora certa, porém no lugar errado. O Eterno iria ensinar-lhe sobre a bênção da geografia.
Paulo estava sendo um estorvo para a Igreja Primitiva daquela região. Mesmo assim, quando foi enviado para Tarso (mandaram-no de volta para a sua própria casa), a igreja teve paz, foi edificada e se multiplicou.
Paulo não frutificou, mesmo fazendo o certo, pois estava distante da geografia adequada. Este fato mostra que, embora todos sejam insubstituíveis (pois não existem duas pessoas iguais), não há indivíduos indispensáveis (nem mesmo Paulo), e o projeto do Soberano só será realizado integralmente se os agentes do Senhor estiverem no local certo, o melhor lugar do mundo — o centro da vontade de Deus.
Dessa forma, a casa dos pais pode ser um lugar cheio de amor, carinho, conforto e compreensão, porém nunca será o melhor lugar para construir uma nova família. É preciso deixar tudo o que prende o novo casal ao passado! Não é fácil, mas é preciso.
2. Afastamento psicológico
A planta precisa de luz solar para fazer a fotossíntese e crescer. Entretanto, essa radiação trará certo incômodo a ela nos horários mais quentes do dia. Isso, porém, é necessário. Utilizando o mesmo raciocínio, pode-se dizer que os pais não devem privar seus filhos dos eventuais desafios psicológicos — exposição ao sol. É preciso que cada nova família adquira individualidade, tomando suas próprias decisões. Por mais que "doa” ver os filhos passarem por certos "percalços” no novo contexto familiar, o bloqueio emocional ao novo casal, pelos pais, (impedir que deixe psicologicamente os genitores) ensejará prejuízo. Um escritor antigo dizia que "em mar calmo, todo barco navega bem". As lutas e as dificuldades surgirão para que possam despontar a nova liderança do lar: o marido.
A formação da nova identidade familiar apresenta-se, pois, como algo indispensável. O rapaz e a moça precisam saber quem, de fato, eles são. Essa será a mais emocionante viagem possível a um indivíduo na companhia de quem se ama e do Altíssimo. Nessa viagem introspectiva, cada um encontrará muitas respostas para perguntas importantes, dentre as quais: Quem somos nós? Como o Senhor nos vê? Assim, cada cônjuge compreenderá qual é a sua verdadeira identidade. Na Bíblia, em várias ocasiões, antes de o Senhor se fazer conhecido a alguém, Ele fazia questão que a pessoa entendesse quem, de fato, ela era, certamente para resolver uma crise de identidade. Isso era fundamental para a pessoa seguir em frente, porque quem não consegue enxergar a si mesmo tampouco conseguirá enxergar a Deus.
Muitos homens e mulheres, instrumentos do Soberano, na Bíblia, passaram por essa experiência. Eles conheceram, previamente, a identidade que Deus atribuiu-lhes, para depois serem usados pelo Senhor. Eles precisavam conhecer sua nova identidade familiar, para recomeçar o relacionamento com Deus.
Foi assim, por exemplo, com Moisés, que era filho de escravos hebreus, no entanto criado como um herdeiro do trono egípcio. Aos quarenta anos, decidiu assumir a defesa de seus irmãos, porém com a arrogância de um senhor egípcio. Essa crise de identidade fez Deus encaminhar Moisés ao deserto. Ele precisava conhecer a si mesmo, saber quem ele era. Depois de quarenta anos de tratamento no deserto, Moisés reconheceu sua identidade. A arrogância faraônica fora embora. Nesse momento, Deus, de uma sarça ardente, revelou-se a ele e mandou libertar o povo da escravidão. O novo casal, igualmente, precisa desse tratamento exclusivo do Soberano, a sós, em seu lar.
3. Afastamento financeiro
A ordem de "deixar pai e mãe” também atinge a parte financeira, porém o dever dos pais ajudarem financeiramente os filhos (2 Co 12.14) e vice-versa (Mc 7.10-13) nunca terminará diante de Deus, bem como perante a lei civil, a qual usa como parâmetro para definir o valor da "pensão alimentícia” o trinômio "necessidade-possibilidade-proporcionalidade”. Ou seja, o dever de pagar reciprocamente alcança pais e filhos, na medida da necessidade e possibilidade de cada um, aplicando o critério da proporcionalidade para achar o valor justo. Há, porém, pais que possuem renda suficiente, mas exigem, para comprar supérfluos, aportes financeiros mensais do filho casado. Por outro lado, existem filhos casados que, irresponsavelmente, querem viver à custa dos pais. Os dois extremos estão errados e causam sérios conflitos no lar. É bom frisar, por fim, que nenhuma ajuda que inviabilize a administração do lar de quem contribui vem de Deus, porque isso não tem origem no amor, mas sim em um sentimento indevido de posse dos pais sobre o (a) filho (a) recém-casado (a), ou vice-versa.
Neste aspecto, podem acontecer três problemas: a) os pais com renda suficiente exigirem do filho casado contribuição financeira, para comprar coisas supérfluas, de maneira indefinida, obstruindo a consolidação da nova família, b) Os filhos casados, de maneira irresponsável, sobrecarregarem seus pais financeiramente, inclusive indo morar com eles, tirando-lhes a privacidade e fazendo-lhes passar, ocasionalmente, privações, c) Os pais fazerem questão de pagar todas as despesas dos filhos casados, impedindo-lhes de ter suas próprias experiências financeiras! Esses três casos podem dar origem a inúmeros conflitos dentro da nova família, fazendo a situação do casal ficar insustentável. Nenhuma escravidão (inclusive a financeira) vem de Deus, pois isso não provém do amor, e sim de um sentimento indevido de posse dos pais sobre o filho recém-casado, ou vice-versa.
Assim, é preciso tomar bastante cuidado para isso não fragilizar o casamento. Tenho visto, com muita frequência, divórcios por questões de natureza pecuniária (relativo ao dinheiro). O fato de cada família viver em sua própria casa, pagando, em regra, suas despesas, diminuirá sensivelmente esses atritos.
Talvez, em um primeiro instante, morar com um dos pais seja uma ideia interessante, pois haverá diminuição de despesas para quem está começando a vida. Entretanto, os dias amargos, de “vacas magras” no aspecto emocional, virão, e eles podem ser mais abundantes que os inicialmente agradáveis. Está escrito: “E as vacas magras e feias comiam as primeiras sete vacas gordas...” (Gn 41.20).
Buscando a orientação do Espírito Santo, essas questões serão resolvidas para a glória do Altíssimo, gerando unidade e felicidade nas famílias. O amor consciente e responsável, que deve existir entre pais e filhos, será uma bússola a guiar as gerações futuras no caminho da vida, um tipo de "bênção hereditária”. O Altíssimo guarde as famílias que o amam!
III. CONFLITO ENTRE MANDAMENTOS
Há, na Bíblia, dois mandamentos aparentemente contraditórios: deixar e também honrar pai e mãe.
1. Honrando pai e mãe
Na Bíblia, temos um belo exemplo de subordinação entre filho e pai: o caso de Isaque e Abraão (Gn 22). Ao ler o texto mencionado, pode-se observar um filho permitindo ao pai matá-lo! Isso é submissão! E preciso que os filhos primeiramente obedeçam e, só depois, entendam, para aprender a verdadeira obediência e não condicionem suas ações à compreensão. Caso contrário, não seria obediência, e sim rebelião, pois a submissão à autoridade, no Senhor, deve ser incondicional. Honrar pai e mãe, como mencionado, é o primeiro mandamento com promessa (Ef 6.2).
Quando Golias apareceu para desafiar Israel (1 Sm 17), não encontrou ninguém que quisesse ir ao confronto. Saul era detentor de armadura e armas para enfrentá-lo, porém não tinha autoridade espiritual. O Todo-Poderoso já o havia rejeitado. Depois de quarenta dias de humilhação, apareceu Davi, que não possuía armadura, no entanto o Altíssimo lhe conferiu autoridade espiritual, pois, além da unção feita por Samuel, o desprezado pastor de ovelhas estava cumprindo uma ordem do seu pai, Jessé, o qual o mandara levar um lanche a seus irmãos! Com a bênção paterna, e também atendendo ao mover do Espírito Santo, o submisso Davi foi ao campo de batalha e, no fim, o gigante Golias veio ao chão (1 Sm 17). Honrar aos pais traz bênçãos sem medida.
Inclusive, mesmo com o casamento dos filhos, o mandamento de honrar pai e mãe ainda persistirá, e isso inclui ajudá-los, quiçá financeiramente, no momento das dificuldades, conforme ensinou Jesus (Mc 7.10-13).
2. Deixando pai e mãe
Não existe nenhuma contradição entre os mandamentos do Senhor, pois eles são puros e alumiam os olhos (SI 19.7,8). Honrar pai e mãe, assim, não entra em contradição com o mandamento que determina deixar pai e mãe, por ocasião do casamento. Como mencionado, esse "deixar” restringe-se, tão somente, aos aspectos geográfico, emocional e financeiro, mas em relação ao dever de honrá-los permanecerá enquanto os filhos estiverem vivos. Jesus, por exemplo, até na hora da morte honrou sua mãe, provendo-lhe uma casa para morar - a de João.
Quando a Bíblia ordena o “deixar” geográfico, não implica dizer que os filhos não devem visitar os pais. Ora, o SI 128.3 relata que os filhos serão como plantas de oliveira à roda da mesa daquele que teme ao Senhor! O significado de tal expressão é que os filhos sempre estarão presentes na casa dos pais, sentados à mesa, participando de reuniões e refeições, inclusive com os netos, pois adiante diz que os pais dedicados ao Senhor verão os filhos dos filhos (v.6). Isso é comunhão profunda! O Altíssimo simplesmente deseja cada filho casado morando em sua própria casa, assumindo a liderança de sua família. Dessa forma, o filho casado, portanto, receberá autoridade para exercer a liderança, em amor, no seu novo lar, e a filha casada, outrora sujeita aos pais, agora será submissa exclusivamente ao marido, no Senhor.
Também não há nenhum problema em participar das emoções paternais, de ter uma interação psicológica com aqueles que outorgaram tantos cuidados e carinho ao longo da vida. De modo algum. O importante é que todos envolvidos saibam os novos limites impostos.
É um completo absurdo o sogro ou a sogra repreender o filho (ou a nora) sobre uma conduta tomada pela nova família. Essa fase já passou. Cabe aos pais orarem pelos filhos e aconselhá-los sempre, mas a decisão deve ser tomada em comum pelo casal. Isso se chama ser uma só carne. Intimidade e cumplicidade! Dali em diante, os filhos, entretanto, ainda devem honrar grandemente seus genitores.
E, finalmente, o “deixar” financeiro não significa a ausência de auxílio pecuniário aos pais, como já foi mencionado. Contudo, essas ajudas não devem inviabilizar patrimonialmente o novo casal. Cada um deve ter liberdade para construir seu próprio patrimônio. Afinal, a Bíblia diz que os pais entesouram para os filhos, e não o contrário (2 Co 12.14)!
Interessante que, logo após Jesus e Paulo, respectivamente, falarem sobre o dever de o novo casal deixar pai e mãe, eles acrescentam igualmente a obrigação de honrá-los (Mt 19.5,19; Mc 10.7,19 e Ef 5.31; 6.2). Ou seja, um mandamento não invalida o outro.
3. Filhos que podem morrer cedo
O Senhor estabeleceu uma ordem natural maravilhosa no mundo, colocando a relação entre pais e filhos no centro desse sistema. Isto tocou tanto o coração do Eterno, que, quando Jesus ensinou seus discípulos a orar, determinou que chamassem a Deus de “paizinho” (nossa tradução bíblica é "Pai Nosso”), um termo que realça intimidade, relacionamento próximo entre duas pessoas ligadas por laços de sangue e que se amam.
Assim, o padrão do Soberano para a família é muito alto. O Senhor espera muito dos pais e dos filhos. No Antigo Testamento, foi ordenado aos pais o dever de serem sacerdotes no lar, ensinando a seus filhos constantemente a palavra do Senhor, em um interminável culto doméstico. Que grande responsabilidade! A ordem de honrar seus pais foi expedida aos filhos, sob pena de serem apedrejados.
No Novo Testamento, o princípio bíblico para a família não foi alterado. Jesus e os apóstolos foram firmes na manutenção do dever dos pais ensinarem aos filhos a Bíblia e que os filhos honrem seus pais.
Conheci um homem rico que, um dia, deu uma grande surra em seu pai. Algum tempo depois, quando esse filho tinha quarenta ou cinquenta anos, morreu repentinamente. Então, pensei: a palavra do Altíssimo se cumpre. É certo que alguns homens honram seus pais e podem morrer cedo. Deus é soberano para fazer como quiser. Entretanto, em minhas observações ao longo da existência, tenho visto esse padrão bíblico invariavelmente funcionando. Por outro lado, vejo pessoas que honram seus pais e os tratam com muito amor sempre vivendo acima da média. Coincidência? Creio que não. Então, eu penso: o Senhor cumpre com sua palavra.
http://www.ensinadorcristao.com.br/ Autor: Reynaldo Odilo