Nada tem despertado mais a imaginação dos cristãos ao longo da história do que a promessa de novos céus e nova terra. Como será viver lá? Que ocupação teremos?
Pelas descrições de alguns, a impressão que se tem é que a vida lá seria um tédio. Imagine passar a eternidade tocando harpas, saltando de nuvem em nuvem... Ou gastar o tempo declarando incessantemente “santo, santo, santo é o Senhor!” Talvez por isso, alguns descrentes afirmem que o inferno pareça bem mais divertido, pelo menos, a julgar por aqueles que temos enviado para lá em comparação aos que acreditamos estarem no céu. Brincadeiras à parte, o que as Escrituras realmente dizem sobre “novos céus e nova terra”? Será que coincide com que temos ouvidos dos púlpitos?
A primeira vez que o tema aparece nas Escrituras é em Isaías 65. Mas devo adiantar que as promessas contidas nesta passagem são surpreendentes e detonam muitas das crendices que têm sido alimentadas ao longo do tempo.
Nos versos 17 e 18 lemos:
“Vede, eu crio novos céus e nova terra. Não haverá lembrança das coisas passadas, nem mais se recordarão. Mas vós folgareis e exultareis perpetuamente no que eu crio, pois crio para Jerusalém alegria, e para o seu povo gozo.”
Repare que o verbo usado está no presente e não no futuro. Ele não diz que criará, mas que cria, ficando subentendido que se trata de uma obra que já está em andamento. Uma espécie de gestação. E de fato, os novos céus e a nova terra são frutos de uma gestação que começou no momento em que terra e céu contraíram núpcias em Cristo na Cruz. Paulo se refere a este fato como “o mistério da sua vontade” em que Deus fez convergir em Cristo todas as coisas, “tanto as que estão nos céus como as que estão na terra” (Ef.1:9-10). É desta união entre céu e terra que surge a nova criação. A cruz foi o lugar de encontro. O abismo que os separava foi transposto. Por isso, na visão narrada por João em Apocalipse, nesta nova criação “o mar já não existe” (Ap.21:1). Na simbologia bíblica, “mar” representa separação.
Como já disse num ensaio anterior, o termo “céu” representa o aspecto subjetivo da realidade, ou mais precisamente a consciência. Enquanto “terra” aponta para o aspecto objetivo da realidade, isto é, aquilo que é palpável, concreto, a criação como um todo. Portanto, “novos céus” são novos níveis de consciência alcançados pela humanidade através da atuação direta do Espírito Santo (Falo mais sobre isso aqui)
Observe que fala-se de “novos céus” no plural, enquanto “nova terra” no singular. Podemos inferir daí que haverá níveis diferentes de consciência. Daí se dizer que o Espírito nos conduz de “glória em glória”(2 Co.3:18). A cada nova glória, uma compreensão mais abrangente e profunda dos propósitos divinos e de nosso lugar no universo.
Retornando a Isaías 65, lemos que nesta nova criação não haveria lembrança das coisas passadas. Longe de sugerir uma espécie de amnésia, o que o texto parece indicar é que não seremos prisioneiros da nostalgia. Sem nossa memória, não seríamos nós mesmos. Nossas ações de graça não teriam qualquer valor. Imagine agradecer a Deus pelo que não lembramos. Não faria qualquer sentido. Apesar de termos nossa memória intacta, não sentiremos saudade do que passou.
Apocalipse 21 traz vários paralelos com Isaías 65 em sua descrição desta surpreendente realidade. No verso 4, lemos que “e Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas.”
A maioria dos cristãos contemporâneos faz uma leitura futurista das profecias contidas em Apocalipse. Porém, devemos nos lembrar que antes que Jesus começasse a descortinar tais coisas aos olhos de João, Ele o instruiu: “Escreve, pois, as coisas que tens visto, e as que são, e as que depois destas hão de suceder”(Ap.1:19). Portanto, o livro mais temido da Bíblia contém profecias que já haviam se cumprido, que estavam se cumprindo naquele momento, e que se cumpririam logo após. Creio piamente que a profecia relativa aos novos céus e à nova terra já estão em pleno andamento. Basta ler os versos 5 e 6 do capítulo 21 para se dar conta disso:
“E o que estava assentado sobre o trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E disse-me: Escreve; porque estas palavras são verdadeiras e fiéis. E disse-me mais: Está cumprido.” Apocalipse 21:5-6a
Ele não disse que aquilo se cumpriria num futuro longínquo, e sim que está cumprido. Da mesma maneira que Ele disse através de Isaías “eu crio novos céus e nova terra” e não “eu criarei...”, em Apocalipse Ele declara “Eis que faço novas todas as coisas” e não “Eis que farei...” O que combina perfeitamente com a declaração de Paulo: “Se alguém está em Cristo, nova criação é: as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo” (2 Coríntios 5:17).
Portanto, Ele já tem limpado dos nossos olhos toda lágrima e a morte foi abolida. Alguém poderá objetar: Mas não é isso que temos visto. Ainda choramos e morremos. Todavia, a tristeza que nos atinge não é mais a tristeza segundo o mundo, capaz de nos empurrar para o abismo, mas a tristeza segundo Deus que nos conduz à salvação (2 Co. 7:10). Trata-se daquela tristeza a que Jesus Se refere em João 16:20-22 e que estaria destinada a converter-se em alegria perene. Esta tristeza é, por assim dizer, a própria semente da alegria. Repare que o texto não diz que as lágrimas deixariam de ser vertidas, e sim que seriam limpas, isto é, enxugadas. Para isso, Ele nos derramou o Seu Espírito Consolador. As lágrimas até podem rolar, mas são aparadas pelas mãos d’Aquele que nos ama e consola. Por isso que Paulo diz que apesar de “entristecidos, estamos sempre alegres” (2 Co. 6:10). Ele cria alegria para o Seu povo! E isso, através de uma consciência apaziguada e convencida de que todas as coisas cooperam para o bem dos Seus amados. Afinal, o reino de Deus é, entre outras coisas, alegria (Rm.14:17)!
E quanto à morte? Teria sido banida? Para os que creem, a resposta é SIM. Paulo nos informa em sua segunda epístola a Timóteo, que Cristo Jesus “destruiu a morte, e trouxe à luz a vida e a imortalidade pelo evangelho” (2 Tm.1:10). João ecoa esta mesma verdade ao afirmar que “sabemos que já passamos da morte para a vida” (1 Jo.3:14). E o próprio Jesus afirmou que se alguém guardar a Sua Palavra, “jamais verá a morte” (Jo.8:51).
O que chamamos erroneamente de morte, na verdade não passa de uma passagem do cronos para o kairós, do tempo linear para a eternidade. Deixamos este corpo mortal para receber imediatamente um corpo incorruptível, sem intervalo, sem estado intermediário (Falo mais sobre isso aqui).
Voltando para Isaías 65, deparamo-nos com as mais fascinantes promessas acerca desta nova realidade vislumbrada em Cristo. Lemos nos versos 19-20 que “não haverá mais nela criança que viva poucos dias, nem velho que não cumpra os seus dias; aquele que morrer com cem anos, será tido por jovem; o pecador que não conseguir alcançar cem anos será considerado amaldiçoado.”
Quanta informação importante aí, não? Todas elas revelam que os novos céus e a nova terra não devem ser confundidos com a eternidade, mas que é uma realidade que se processa e se concretiza dentro da História e não para além dela. Se não, vejamos: na eternidade não haverá natalidade, enquanto que nos novos céus e a nova terra ainda haverá crianças.A diferença é que o índice de mortalidade infantil será zerada. É nesta direção que estamos caminhando. A cada dia, este índice vai caindo. Perceba também que haverá diferentes faixas etárias, incluindo idosos. De acordo com pesquisas recentes, em breve a expectativa de vida vai ultrapassar os cem anos. Atualmente, gira em torno dos oitenta. No início do século passado era de trinta e oito anos, a mesma do tempo em que Jesus caminhou entre nós.
Nestes “novos céus e nova terra” ainda haverá morte. Porém, ela não será vista como um bicho papão, mas como um inimigo vencido. A morte biológica continuará até que Cristo venha em glória e nos revista de corpos incorruptíveis.
E ainda: nesta nova configuração da realidade ainda haveria pecadores. Enquanto não recebermos nossos novos corpos, o pecado nos importunará. Estamos livres do seu poder, da sua condenação, mas ainda não nos tornamos livres de sua presença.
O texto também afirma que os habitantes desses novos céus e nova terra, “edificarão casas, e nelas habitarão; plantarão vinhas, e comerão o seu fruto. Não edificarão para que outros nelas habitem, nem plantarão para que outros comam. Pois os dias do meu povo serão como os dias da árvore, e os meus eleitos gozarão das obras das suas mãos até a sua velhice”(vv.21-22).
Então, esqueça aquela estória de que ficaremos tocando harpinha e cantando sem parar num coral regido pelo arcanjo Miguel. Casas serão edificadas. Pomares serão cultivados. Portanto, haverá atividades profissionais e econômicas. O que não haverá mais é exploração. Ninguém vai se enriquecer à custa do trabalho alheio. É nesta direção que caminhamos. Em vez de o capital, o que será valorizado é o trabalho. Em vez de o patrimônio, o que será valorizado é o ser humano.
Haverá trabalho, mas não escravidão. Por isso, lemos que ninguém vai trabalhar debalde, isto é, além do necessário, “nem terão filhos para a calamidade, pois serão um povo bendito do Senhor, eles e os seus descendentes com eles. Antes que clamem, responderei; estando eles ainda falando, os ouvirei” (vv.23-24). Fica subentendido que além de trabalho, haverá tempo para o laser. Pais e filhos brincarão juntos. A provisão de Deus os alcançará em todo o tempo. A propósito, se haverá filhos, também haverá relação sexual. Ou haveria outra maneira de procriar?
E agora, a mais surpreendente das promessas:
“O lobo e o cordeiro se apascentarão juntos, e o leão comerá palha como o boi, mas o pó será a comida da serpente. Não farão mal nem dano algum em todo o meu santo monte, diz o Senhor.” Isaías 65:25
Além de família, trabalho, lazer, também haverá diversidade. Não haverá animosidade entre os que pensam diferentemente. O que antes nos soava ameaçador, agora será visto como inofensivo e motivo de celebração. A paz terá sido estabelecida entre os homens. Todos se acolherão mutuamente, sem se importar com as diferentes opiniões acerca de questões secundárias. Quando a comunhão plena não for possível, ao menos, se esforçarão para que haja coexistência pacífica e respeitosa. Ninguém vai mudar por imposição de outrem.
Obviamente, o evangelho é poderoso para transformar o caráter de quem quer que seja, de modo que o seu comportamento seja alterado. Quem poderia esperar que um leão pastasse? Porém, isso não lhe dá o direito de exigir que a serpente também mude sua dieta. Se fosse propósito de Deus, isso certamente aconteceria. Quem foi transformado, não deve julgar quem foi mantido em sua natureza, e quem permaneceu como era não pode julgar quem foi transformado. O importante que ambos aprendam a conviver harmoniosamente. Que o cordeiro não se sinta ameaçada pelo lobo, nem o lobo o enxergue como petisco.
Há coisas que podem e devem ser mudadas, porque afetam a terceiros, interferem na convivência harmoniosa entre os seres. Que ótima notícia para as gazelas e zebras! Os leões agora comem capim! Na terra sonhada pelos profetas não haveria vítimas nem algozes. Todos aprenderiam a arte da coexistência. Mas na mesma passagem que fala da inusitada transformação da natureza leonina, diz que as serpentes continuariam sendo o que sempre foram. Sua dieta alimentar seguiria a mesma: o pó. Não veja na figura usada uma representação do demônio. Trata-se, antes, de uma alusão à natureza humana e suas idiossincrasias. Há, portanto, fortes indícios de que Deus esteja bem mais interessado em mudar o que afeta o bem comum e traz prejuízos ou sofrimentos a terceiros. Todavia, Ele conhece a nossa estrutura e sabe que somos pó. O pó não é apenas de onde viermos e para onde voltaremos. É aquilo de que somos constituídos. Somos frutos de contingências históricas. Cada qual é filho de seu próprio tempo. Ele jamais exigirá de nós o que não temos para dar. O profeta não diz que nasceriam plumas na serpente, ou que lhe cresceriam pernas. Como também não diz que o leão teria sua juba substituída por chifres. O foco principal da atuação divina são os relacionamentos. Conforme a profecia, o propósito de Deus é que ninguém sofra dano algum, nem deixe um rastro de vítimas por onde passar. A religião é que se preocupa com externalidades, impondo aos fiéis uma mudança superficial e aparente. Contudo, continuam devorando-se uns aos outros, num famigerado canibalismo cujo apetite é estimulado pelo egoísmo.
Se o leão passar a se comportar como um boi, que tal mudança seja fruto de uma conscientização e não de uma imposição. E o que não for passível de mudança, não seja visto como insulto. Fica a cargo do Espírito Santo transformar a quem Ele quiser. E quem somos nós para questionar? Nosso papel se limita a amar. Talvez, nem todos sejam transformados como gostaríamos justamente para que nossos preconceitos e escrúpulos sejam desafiados pelo dom do amor.
Obviamente, o evangelho é poderoso para transformar o caráter de quem quer que seja, de modo que o seu comportamento seja alterado. Quem poderia esperar que um leão pastasse? Porém, isso não lhe dá o direito de exigir que a serpente também mude sua dieta. Se fosse propósito de Deus, isso certamente aconteceria. Quem foi transformado, não deve julgar quem foi mantido em sua natureza, e quem permaneceu como era não pode julgar quem foi transformado. O importante que ambos aprendam a conviver harmoniosamente. Que o cordeiro não se sinta ameaçada pelo lobo, nem o lobo o enxergue como petisco.
Há coisas que podem e devem ser mudadas, porque afetam a terceiros, interferem na convivência harmoniosa entre os seres. Que ótima notícia para as gazelas e zebras! Os leões agora comem capim! Na terra sonhada pelos profetas não haveria vítimas nem algozes. Todos aprenderiam a arte da coexistência. Mas na mesma passagem que fala da inusitada transformação da natureza leonina, diz que as serpentes continuariam sendo o que sempre foram. Sua dieta alimentar seguiria a mesma: o pó. Não veja na figura usada uma representação do demônio. Trata-se, antes, de uma alusão à natureza humana e suas idiossincrasias. Há, portanto, fortes indícios de que Deus esteja bem mais interessado em mudar o que afeta o bem comum e traz prejuízos ou sofrimentos a terceiros. Todavia, Ele conhece a nossa estrutura e sabe que somos pó. O pó não é apenas de onde viermos e para onde voltaremos. É aquilo de que somos constituídos. Somos frutos de contingências históricas. Cada qual é filho de seu próprio tempo. Ele jamais exigirá de nós o que não temos para dar. O profeta não diz que nasceriam plumas na serpente, ou que lhe cresceriam pernas. Como também não diz que o leão teria sua juba substituída por chifres. O foco principal da atuação divina são os relacionamentos. Conforme a profecia, o propósito de Deus é que ninguém sofra dano algum, nem deixe um rastro de vítimas por onde passar. A religião é que se preocupa com externalidades, impondo aos fiéis uma mudança superficial e aparente. Contudo, continuam devorando-se uns aos outros, num famigerado canibalismo cujo apetite é estimulado pelo egoísmo.
Se o leão passar a se comportar como um boi, que tal mudança seja fruto de uma conscientização e não de uma imposição. E o que não for passível de mudança, não seja visto como insulto. Fica a cargo do Espírito Santo transformar a quem Ele quiser. E quem somos nós para questionar? Nosso papel se limita a amar. Talvez, nem todos sejam transformados como gostaríamos justamente para que nossos preconceitos e escrúpulos sejam desafiados pelo dom do amor.
A palavra-chave para o que ocorre a partir da concepção dos novos céus e da nova terra é reconciliação. Assim como o céu foi reconciliado com a terra, o subjetivo com o objetivo, o visível com o invisível, Deus com os homens, assim também, todos os seres, de todas as dimensões existentes, estarão reconciliados sob os auspícios da cruz. Nas palavras de Paulo, o apóstolo, “aprouve a Deus que nele (em Cristo) habitasse toda a plenitude, e que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra como as que estão nos céus” (Col.1:19-20).
Resumindo: na Cruz, céu e terra se uniram para dar início à gestação de “novos céus e nova terra”. Em breve, Cristo, o Supremo Obstetra virá para fazer o parto. O que hoje já é real, porém, oculto aos nossos sentidos, finalmente se manifestará, de modo que todo olho verá. Para os que estão em Cristo, que aprenderam a viver por fé e não por vista, esta realidade já é presente. As promessas feitas em Isaías 65 vão se cumprindo paulatinamente, na medida em que avançamos de glória em glória, de modo que se cumpra o que diz Provérbios: “A vereda dos justos é como a luz da aurora que vai brilhando cada vez mais até ser dia perfeito” (Pv. 4:18).
Enquanto não chega o Dia Perfeito, o dia do parto, devemos cuidar da criação como quem cuida de uma gestante. Tanto a terra está grávida de uma nova terra, quanto a igreja formada por aqueles cuja consciência foi transformada está grávida de uma nova humanidade (Leia mais sobre isso aqui).http://www.hermesfernandes.com/Por Hermes C. Fernandes