Introdução
O evangelista é um precioso dom de Cristo à sua Igreja. Sem o ministério da proclamação, o evangelho teria morrido em Jerusalém. Mas, por intermédio de obreiros como Filipe, a mensagem da cruz, ultrapassando as fronteiras da Judeia, chegou a Samaria. E, desse recanto gentio tão desprezado, as Boas-Novas não demoraram a chegar aos confins da Terra.
O evangelista assemelha-se ao bandeirante que, jamais temendo o desconhecido, sai a falar de Cristo aos povoados mais remotos e estressantes. O seu retomo, porém, é jubiloso. De maneira sacrifical, apresenta preciosas almas ao Senhor. Seja falando a uma única pessoa, seja pregando às multidões, o seu amor pelos que perecem é o mesmo. Proclamar o evangelho é a sua missão.
Neste capítulo, enfocaremos o evangelista como o agente das Boas-Novas. Veremos que ele é essencial à expansão do Reino de Deus. Paulo destaca o seu ministério como um dos mais importantes da Igreja. Ele é o semeador que saiu a semear.
I. EVANGELISTA, UM DOM DE DEUS
Leighton Ford, ao descrever a chamada do evangelista, afirmou: “Devemos evangelizar não porque seja agradável, fácil, ou porque podemos ter sucesso, mas porque Cristo nos chamou. Ele é o nosso Senhor. Não temos outra escolha senão obedecer”. O ministério evangelístico não se limita a uma opção pessoal; firma-se numa intimação do próprio Cristo.
1. Evangelista, uma feliz definição. A palavra “evangelista” provém do vocábulo grego euaggelistês, e significa aquele que traz boas-novas. Trata-se de um termo que, usado na Grécia Clássica, designava o que portava uma notícia agradável. Em suma, era o mensageiro do bem. A partir da fundação da Igreja de Cristo, no Pentecostes, a palavra passou a designar aquele que proclama o evangelho.
A palavra “evangelista” é constituída por dois vocábulos gregos: eu, bom, eággelos, anjo ou mensageiro Se considerarmos a sua etimologia, concluiremos que o evangelista, sendo o “anjo” do bem, tem de estar sempre a postos a transmitir a Palavra de Deus. Eis porque, no Apocalipse, os responsáveis pelas igrejas da Ásia Menor foram assim nomeados pelo Senhor. Enquanto pastores, eram compelidos pelo Espírito Santo a fazer o trabalho de um evangelista.
2. Evolução do ministério evangelista. Se o ministério diaconal foi constituído formalmente por um concílio, o evangelístico não precisou de formalidade alguma para sobressair. Os dois primeiros evangelistas da Igreja Primitiva, a propósito, surgiram dentre os sete diáconos. Logo após ser consagrado ao diaconato, Estêvão começou a destacar-se como evangelista. Sua palavra fez-se tão irresistível, que levou o clero judaico a condená-lo à morte traiçoeiramente (At 8.1,2).
Estêvão morreu, mas a evangelização reavivou-se com as incursões de Filipe. Ao deixar Jerusalém, proclamou, entre os gentios de Samaria, um evangelho autenticamente pentecostal. Sua palavra era acompanhada de milagres, sinais e maravilhas; era simplesmente irresistível. Lucas bem que poderia ter cognominado o capítulo 8 de seu segundo livro como “Atos de Filipe”.
Mais tarde, quando da conclusão da terceira viagem missionária de Paulo, encontraremos novamente Filipe, dessa vez em Cesareia. Lucas, que fazia parte da equipe do apóstolo, reconhece-lhe o ministério, tratando-o como evangelista. Era a primeira vez na História da Igreja Cristã que um obreiro recebia semelhante distinção.
3. Mais que um título, um dom. Em algumas igrejas, o evangelista é visto mais como investidura eclesiástica do que, propriamente, como dom ministerial. Vejamos, porém, o que diz Paulo acerca desse tão importante ofício sagrado:
E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo. (Ef 4.11-13)
Conclui-se que somente deve ser reconhecido como evangelista o que foi agraciado com semelhante dom. Doutra forma, teremos um clero inflado de evangelistas que, em vez de ganhar almas para Cristo, desgastam-se emocional e espiritualmente, aguardando uma eventual promoção ao pastorado. A hierarquização eclesiástica, nesse sentido, é mais do que nociva ao crescimento saudável do corpo de Cristo; é deletéria e mortal. Que sejamos criteriosos na escolha daqueles que sairão pelo mundo a proclamar a mensagem do evangelho.
II. O EVANGELISTA NO ANTIGO TESTAMENTO
Embora constituído para apregoar o conhecimento de Deus entre os gentios, Israel recolheu-se em seu legado sacerdotal e real, descumprindo a sua missão evangelística.
1. Os patriarcas evangelizam. Abraão foi o primeiro santo do Antigo Testamento a ser agraciado com o título de profeta (Gn 20.7). Apesar de não possuir o encargo de Isaías, nem a missão de Ezequiel, o patriarca, por meio de um testemunho corajoso e monoteísta, mostrou aos cananeus a realidade do Deus Único e Verdadeiro.
Em suas peregrinações, quer entre os egípcios, quer entre os filisteus, o pai de Israel evidenciava a todos que, longe de ser um nômade aventureiro, era o amigo de Deus. Informalmente, esse mensageiro do Senhor espalhou a esperança messiânica entre os antigos. Somente a eternidade para revelar quantas almas o crente Abraão conduziu ao Reino dos céus. O mesmo diremos de Isaque e de Jacó. Quanto a José, o que acrescentar? Administrando uma das crises mais agudas de todos os tempos, mostrou a todo o Oriente que o Deus de seus pais sabe como intervir tanto na História Universal quanto na biografia de cada uma de suas criaturas morais.
2. Os profetas evangelizam. Ainda que Isaías seja cognominado o evangelista do Antigo Testamento, quem mais se aproximou do exercício desse ministério foi Jonas. Intimado por Deus a proclamar um severíssimo juízo contra Nínive, o profeta, apesar de sua relutância inicial, fez-se evangelista e missionário. Ao chegar à grande cidade, percorreu-a durante todo um dia, com uma mensagem simples, mas eficaz: “Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida” (Jn 3.4).
O sermão de Jonas não parece teológico, nem profético. Isolado, é matemático, geográfico e meteorológico. Evoca um número, uma cidade e uma situação. Mas, no contexto do juízo divino, é mais do que teológico; é intensamente profético. Em sete palavras, descreve rigorosamente a justiça divina. Apesar de não mencionar o arrependimento, leva o Império da Assíria a curvar-se diante do Deus de Israel. Em nenhum momento, exorta aqueles impenitentes a jejuar. Mas, diante da urgência e da gravidade de sua proclamação, todos, do rei ao mais humilhado dos súditos, abstêm-se de pão e de água.
Se Jonas saiu a evangelizar, Isaías evangelizou sem sair. De sua amada Jerusalém, o profeta descreveu o Messias com detalhes surpreendentes e impressionantes. Ele falou de sua concepção virginal, de sua morte vicária e de seu Reino glorioso. Se alguém pretende fazer o retrato falado de Jesus, basta ler em voz alta o capítulo 53 de Isaías. Ali, em cores fortes, está o Cristo de Deus, entregando-se por mim e por você.
3. Os reis evangelizam. Apesar de nem todos os reis de Israel serem recomendáveis, alguns deles, como Davi, Salomão e Ezequias, muito fizeram pelo anúncio da Palavra de Deus entre os gentios. Nos dias de Salomão, muitos potentados estrangeiros deixavam suas terras para ouvir o sapientíssimo rei de Israel. E, ali, na corte hebreia, glorificavam o Poderoso de Jacó. Haja vista a rainha de Sabá, que, do extremo sul do continente, veio constatar não só a glória de Salomão, mas a presença divina na terra que manava leite, mel e a sabedoria divina.
Salomão, porém, não demorou a desprezar a glória do Senhor. Em vez de comissionar sacerdotes a apregoar a verdadeira fé entre os gentios, envia sua frota mercante a trazer, de Társis, pavões e macacos (1 Rs 10.22). Apesar de tantos desencontros com a sua real vocação, Israel logrou cumprir a parte essencial de sua missão, pois legou-nos os profetas, as alianças, as Sagradas Escrituras e o Salvador do mundo.
III. A MISSÃO DO EVANGELISTA
O evangelista George Sweazey afirmou com muito acerto: “A evangelização é uma tarefa sempre perigosa, embora não seja tão perigosa como a falta de evangelização”. O que teria levado o irmão Sweazey a chegar a tal conclusão? Provavelmente, referia-se à tarefa do evangelista que, ao contrário do que muita gente supõe, é desafiadora e complexa, mas sempre gloriosa.
1. Proclamar o evangelho. Para se proclamar o evangelho de Cristo com eficácia, requer-se, antes de tudo, uma experiência real e marcante com o Cristo do evangelho. Além disso, deve o evangelista aprofundar-se no conhecimento de Deus, a fim de apresentar em sua inteireza, tanto ao mundo quanto à Igreja, todos os desígnios divinos. Foi o que Paulo declarou ao presbitério de Éfeso: “Portanto, no dia de hoje, vos protesto que estou limpo do sangue de todos; porque nunca deixei de vos anunciar todo o conselho de Deus” (At 20.26,27).
O evangelista, embora proclame uma mensagem simples e direta, não há de conformar-se com uma teologia rasa. Antes, aprofundar-se-á na Palavra da Verdade, para que venha a manuseá-la com destreza e oportunidade. Ao jovem Timóteo, recomenda Paulo: “Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” (2 Tm 2.15). Sua mensagem, portanto, será simples, mas jamais simplória, porquanto Deus o chamou a falar a judeus e a gregos, a sábios e a ignorantes, a servos e a livres.
Quem ouve Billy Graham, observa duas coisas em seus sermões: simplicidade e profundidade. Munido dessa fórmula, saiu ele a pregar nos países mais distantes e escondidos, mostrando a todos a eficácia da mensagem da cruz. Em seus livros, porém, deparamo-nos com um teólogo que nada fica a dever à academia mais exigente. À semelhança de Paulo, o evangelista americano nada se propunha saber, a não ser Cristo e este crucificado.
Então, que o evangelista se empenhe por manusear, destramente, a Palavra da Verdade, pois quem ganha almas sábio é. Não é nada fácil desconstruir as mentiras de Satanás, no coração do pecador. Mas o verdadeiro evangelista, com sabedoria e paciência, reconstrói na alma impenitente a verdade que liberta, salva e leva para o céu. O que o mensageiro de Deus obtém, nenhum filósofo, pedagogo ou psicólogo logra conseguir. Estes falam apenas à razão, mas aquele brada ao coração, à alma e até mesmo à mente menos razoável.
2. Fortalecer a Igreja. O evangelho não deve ser pregado apenas ao mundo. Às vezes, temos de anunciá-lo também à Igreja. Era o que Paulo pretendia fazer, ao anunciar a sua visita aos romanos: “E assim, quanto está em mim, estou pronto para também vos anunciar o evangelho, a vós que estais em Roma” (Rm 1.15). Depreende-se que os irmãos de Roma, apesar de sua sinceridade, ainda não haviam compreendido, plenamente, a origem, o processo e a efetivação da fé salvadora em Jesus Cristo. Por isso, era urgente que o apóstolo descesse aos alicerces do Plano da Salvação, para que eles viessem a subir aos andares mais elevados do conhecimento divino.
Assim como o pastor tem de fazer o trabalho de um evangelista, deve o evangelista, por seu turno, empenhar-se pastoralmente na edificação doutrinária das ovelhas. Hoje, mais do que ontem, os evangélicos, até mesmo os de igrejas tradicionais e históricas, carecem de fundamentos doutrinários. Ora, que firmeza terão os crentes se boa parte dos pastores acham-se firmados em teologias movediças?
É chegado o momento de evangelizarmos também os que, presumindo-se evangélicos, acham-se tão distantes do evangelho quanto os católicos. Se estes têm ídolos, aqueles possuem deuses. Não raro, nossos deuses são mais deletérios do que os ídolos. Pelo menos, os ídolos católicos têm boca, mas nada falam, ao passo que os deuses evangélicos abrem a bocarra para dizer o que Deus jamais diria. Se os ídolos romanos levam para o inferno, os deuses do evangelho midiático a ninguém conduz para o céu. Que todos saibam que somente o Senhor Jesus salva.
3. Fazer discípulos de Cristo. O trabalho de um evangelista não se resume em trazer alguém à luz de Cristo, mas também acompanhar o novo crente, até que este venha a iluminar o mundo com o seu testemunho. Se, num primeiro momento, o evangelista é o amoroso obstetra, no seguinte, ele haverá de ser o pediatra atento à evolução do convertido.
O objetivo principal do discipulado é formar autênticos seguidores de Cristo. A partir daí, teremos cristãos testemunhais e exemplares. Mas, se não dermos importância à formação espiritual dos que recebem a Cristo, encheremos a igreja de crentes vazios, deficientes e rasos na fé. É o que vem ocorrendo em muitos arraiais que, tidos como evangélicos, das ovelhas querem apenas a gordura e a lã.
A essa altura, uma pergunta ganha pertinência: “Até quando deve durar o discipulado?” Se levarmos em conta as reivindicações apostólicas, o discipulado, na vida de um crente, inicia-se com a sua conversão, e há de perdurar até que seja ele recolhido pelo Senhor. Quanto ao discipulado do novo convertido, em si, que persista até que ele venha a parecer-se em tudo com Jesus Cristo. Somente um discipulado genuinamente bíblico fará a diferença entre o cristão e o não cristão.
4. Defender o conhecimento divino. Escrevendo aos filipenses, Paulo abre-lhes o coração, e mostra-lhes ter sido chamado não somente a proclamar o evangelho, como também a defendê-lo: “Como tenho por justo sentir isto de vós todos, porque vos retenho em meu coração, pois todos vós fostes participantes da minha graça, tanto nas minhas prisões como na minha defesa e confirmação do evangelho” (Fp 1.7). De que forma, porém, o apóstolo saiu a defender as Boas-Novas no mundo greco-romano?
A apologia de Paulo era diferente da nossa; era viva, dinâmica e relevante. Ele não se afadigava a provar a existência de Deus, pois todos, de uma forma ou de outra, sabiam que o Criador existia, pois a sua presença na criação é inegável. Antes, mostrando a relevância da mensagem da cruz aos gregos e romanos, o apóstolo deixava-lhes bem patente que Deus não somente existe, mas intervém na História do universo e na biografia de cada ser humano.
Paulo também não se estressava em mostrar o Jesus Histórico, porquanto a existência do Filho de Deus já se achava, àquela altura, subscrita nas crônicas romanas. Mas, aproveitando cada oportunidade, o apóstolo realçava o Cristo Kerigmático que, ao vencer a morte, recebera do Pai todo o poder nos céus e na terra. A História a ninguém traz à vida, mas a mensagem da cruz de Cristo é suficiente para levar multidões ao novo nascimento.
Em suas cruzadas pelo Mediterrâneo, o apóstolo não se afadigou em mostrar a este sábio, ou àquele filósofo, que as Sagradas Escrituras são, de fato, a Palavra de Deus. Todavia, ao pregar na unção do Espírito Santo, convencia o incrédulo mais convicto de que havia, por exemplo, uma flagrante diferença entre Moisés e Aristóteles. O primeiro falou em nome de Deus e por Deus, trazendo esperança a Israel e ao mundo. Quanto ao segundo, não foi além de uma descoberta óbvia e esperada. Em sua ignorância, o sábio grego limitou-se a dizer que Deus é o motor imóvel que move o mundo. Mas o apóstolo demonstra que Deus, além de mover o mundo, move-se entre os seus filhos, operando o impossível.
O apóstolo não se agastou em convencer a Grécia de que o pecado é uma ofensa ao Santo de Israel, pois os gregos, mesmo não conhecendo os Dez Mandamentos, sabiam estar a violar cada uma das ordenanças divinas. Eles viviam para pecar e pecavam para viver. Por essa razão, Paulo não se limitou a denunciar-lhes o pecado; em Jesus Cristo, apontou-lhes o caminho da pureza e da justificação pela fé.
Em sua apologia, Paulo perfazia um caminho inverso do nosso. Nós defendemos o evangelho de modo raso e periférico. Ele, porém, advogava-o de forma essencial, mostrando-lhe o poder e a graça transformadora.
5. Fazer teologia. O evangelista, à semelhança do apóstolo, também foi constituído a fazer teologia, pois sem teologia a evangelização é impossível. Em sua primeira carta ao jovem Timóteo, faz-lhe Paulo um resumo de seu currículo: “Para o que (digo a verdade em Cristo, não minto) fui constituído pregador, e apóstolo, e doutor dos gentios, na fé e na verdade” (1 Tm 2.7).
Uma coisa é fazer teologia entre os teólogos. Outra, é teologizar entre os inimigos de Deus. Mas é justamente nesse ambiente hostil, e cercado de falsos silogismos e lógicas aparentes, que o evangelista é intimado a expor o tema prioritário da verdadeira teologia: Jesus Cristo e este crucificado. Foi o que Paulo fez ao evangelizar os gregos.
No Areópago, os filósofos epicureus e estoicos consideraram o discurso do apóstolo um raro despropósito. Àqueles varões intelectualmente orgulhosos, só um louco ousaria afirmar que um homem teve de morrer, numa cruz, para que os demais viessem a cruzar os portais da vida eterna. Enfim, àquele seleto grupo, o evangelho era uma loucura. Mas foi ali, entre os gregos, e, mais tarde, entre os romanos, que Paulo lavrou a mais sublime teologia do Novo Testamento.
O evangelista é o teólogo ambulante, cuja missão é proclamar o evangelho completo de Cristo. Isso significa fazer a mais alta, a mais profunda e a mais bela teologia, pois a mensagem da cruz possui todas essas características.
IV. O PREPARO DO EVANGELISTA
Paulo foi um dos homens mais cultos de seu tempo. Ele transitava com desenvoltura por três ambientes culturais: o judaico, o grego e o romano. Aliás, até mesmo entre os bárbaros foi ele bem-sucedido, pois a todos se achava devedor. Tendo em vista o seu preparo singular, o apóstolo veio a realizar um trabalho igualmente singular.
1. Bíblico-Teológico. Antes mesmo de converter-se, Paulo já era um erudito nas Sagradas Escrituras, pois fora instruído aos pés do rabino mais sábio de seu tempo. Em sua defesa perante os judeus de Jerusalém, o apóstolo fala, em língua hebreia, de sua herança judaica e de seu aprendizado na Cidade Santa: “Quanto a mim, sou varão judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas criado nesta cidade aos pés de Gamaliel, instruído conforme a verdade da lei de nossos pais, zeloso para com Deus, como todos vós hoje sois” (At 22.3).
É claro que, antes de sua conversão, Paulo estava mais preso à letra do que ao espírito do texto sagrado. Era mais erudito que teólogo; mais acadêmico que espiritual. O seu aprendizado, porém, não foi inútil. Quando do seu encontro com o Senhor Jesus, eis que o véu é retirado de seus olhos, possibilitando-lhe contemplar a glória divina no Crucificado (2 Co 3.15,16).
2. Hermenêutico e homilético. Sem Gamaliel, não teria Paulo a mínima condição de expor o evangelho com tanta maestria e profundidade aos crentes de Roma. E, assim, trazendo o Antigo Testamento ao Novo, veio a produzir a epístola mais teológica da Igreja Cristã. Afinal, tinha o alicerce hermenêutico necessário para mostrar, à luz da Lei, dos Profetas e dos Escritos, o messiado de Jesus Cristo e a sua obra vicária no Calvário.
O apóstolo não sabia apenas interpretar as Escrituras; sabia, de igual modo, aplicá-las às mais diferentes situações da Igreja. Ele demonstrava, na prática, que a Palavra de Deus era, de fato, a regra áurea e infalível do cristão.
Que o evangelista se prepare com amoroso esmero, pois a sua missão requer teologia, hermenêutica e homilética. Todas essas demandas podem ser resumidas nesta recomendação que o apóstolo encaminha a um jovem pastor, que se refinava no trabalho evangelístico: “Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” (2 Tm 2.15). Eu gostaria que os seminários e institutos bíblicos tivessem, como divisa, essa querida exortação paulina. Se levada a sério, haverá de produzir evangelistas de comprovada excelência.
3. Cultural e linguístico. Paulo, conforme já adiantamos, podia transitar com desenvoltura por três culturas distintas: a hebraica, a grega e a latina. Providencialmente, ele nascera e fora criado numa cidade que, embora romana, era dominada pela cultura helena. Naquela metrópole universitária, aprendera o grego e, mui provavelmente, o latim. Afinal, estamos falando de um cidadão romano ciente de seus direitos e consciente de seus deveres.
No livro de Atos, vemos o apóstolo comunicando-se tanto em hebraico quanto na língua grega. Ao pedir autorização ao centurião para falar aos judeus de Jerusalém, ouviu do oficial romano uma indagação que lhe questionava o preparo cultural: “Sabes o grego?” (At 21.37). Em seguida, ante os seus acusadores, pôs-se a falar no idioma sagrado dos judeus: “E, quando ouviram falar-lhes em língua hebraica, maior silêncio guardaram” (At 22.2).
Hoje, com a cosmopolização de nossas cidades, sugere-se que o evangelista, além de expressar-se com eficiência e correção em português, que também se comunique em, pelo menos, mais duas línguas: inglês e espanhol. Afinal, de vez em quando, recebemos eventos e certames internacionais. Eis uma excelente oportunidade para se falar de Cristo a um campo missionário que, mesmo sem ser convocado, vem até nós. Nem sempre a seara vem ao ceifeiro. Então, que essas oportunidades não sejam desperdiçadas.
O preparo cultural do evangelista contempla dois campos interligados: a informação acerca de outros povos e a habilidade linguística para se falar a todos, em todo o tempo e lugar, por todos os meios possíveis.
4. Psicológico e sociológico. O evangelista não precisa ser psicólogo, nem sociólogo, para anunciar Jesus Cristo. Todavia, é imprescindível que conheça o ser humano e a sociedade que o cerca. Doutra forma, será um estranho entre estranhos. O apóstolo Paulo sentia-se à vontade nos mais estranhos e variados ambientes. Entre os judeus, judeu. Falando aos gregos, grego. Doutrinando os romanos, romano. Acolhido pelos bárbaros, bárbaro. Se entre os sábios, sábio. Expondo Cristo aos ignorantes, ignorante, ainda que, em Cristo, tudo soubesse.
Na proclamação do evangelho, o apóstolo agia como amoroso psicólogo, aconselhando; e, como gentil e compreensivo sociólogo, visitando as nações mais distantes e desconhecidas. Que o evangelista conheça e ame o povo a que almeja alcançar.
V. A ÉTICA DO EVANGELISTA
Acabo de ler o testamento espiritual de Billy Graham. Pelo menos, foi a impressão que me passou o seu derradeiro livro. Em A Caminho de Casa, o evangelista americano faz um balanço de sua vida e confessa estar ansioso (e preparado) por encontrar-se com o Pai Celeste. Apesar de seus 98 anos, demonstra ele uma lucidez e discernimento singulares, e ainda reúne forças para exercer os ofícios de um amoroso pastor: aconselha os jovens, orienta os anciãos e não deixa de fazer o que sempre fez desde que o Senhor o chamou à sua Obra: evangelizar.
Ao repassar aquelas páginas, não pude ignorar a elevada ética que sempre o caracterizou. Ele conclui um ministério de quase sete décadas sem qualquer pecha moral. Por isso, a pergunta faz-se inevitável: Qual o segredo de Billy Graham?
Na verdade, não há segredo algum. O que existe é um forte comprometimento com a Palavra de Deus e um fundamento ético e moral bem sólido. Já no início de sua carreira, em 1948, ele e sua equipe, reunidos na cidade de Modesto, no Estado americano da Flórida, redigiriam um compromisso de quatro pontos, que haveria de nortear-lhes o ministério evangelístico. O documento, que ficaria conhecido como a Declaração de Modesto, trata dos seguintes assuntos: informações, dinheiro, sexo e relacionamento eclesiástico.
O protocolo, hoje, serve de modelo aos que buscam desenvolver um ministério itinerante que glorifique a Deus por sua ética e compromisso com a Bíblia Sagrada. De acordo com o referido documento, o primeiro ponto a ser observado por um pregador é a fidelidade aos relatos e informações.
1. Ética na informação. Reza o ditado velho e matreiro: “Quem conta um conto, aumenta um ponto”. Na arena evangelística, até que poderia haver um provérbio semelhante: “Quem ganha algumas ovelhas, sempre acaba se ufanando de haver conquistado um rebanho”. Buscando evitar exageros nos relatos de suas campanhas, a Associação Evangelística Billy Graham é enérgica. A primeira cláusula da Declaração de Modesto estabelece uma ética rígida sobre as informações a serem transmitidas aos órgãos eclesiásticos e à imprensa:
Fica decidido que nenhuma comunicação à mídia e à igreja será exagerada ou presunçosa. A dimensão da assistência e o número de conversões não serão alterados, a fim de nos promover.
Nos Estados Unidos, quando se quer exagerar algum fato, usa-se como exórdio este advérbio: “Evangelisticamente falando”. Em seguida, descarrega-se o exagero. Já no Brasil, utiliza-se outra expressão para alcunhar o pregador que se dá às hipérboles e às grandezas: evangelástico. Ora, por que redimensionar os resultados de uma campanha se basta a conquista de uma única alma para pôr os céus em festa? Consideremos, ainda, que a missão primordial de um evangelista não é a conversão de pecadores, mas a proclamação do evangelho. Se esta for efetuada a tempo e a fora de tempo, as colheitas não faltarão.
Quando um pregador maquia os resultados de seu trabalho, busca entre outras coisas o incremento do marketing pessoal, a seletividade da agenda e a valorização dos honorários. Esquece-se ele, porém, que a verdade aumentada jamais será verdade; será sempre mentira. O sábio americano Benjamin Franklin (1706-1790) é incisivo quanto à veracidade dos fatos: “A meia-verdade é frequentemente uma grande mentira”. Por conseguinte, como pode um pregoeiro da justiça comprometer-se com a falsidade? Se avaliarmos superficialmente os resultados do semeador da parábola, constataremos não terem sido muito bons. Apenas um quinto de suas sementes logrou germinar. Todavia, foi o suficiente para que o Reino de Deus frutificasse em toda a terra.
Em Atos dos Apóstolos, Lucas busca a precisão e a fidedignidade em todas as informações que transmite a Teófilo (At 1.1-3). No Dia de Pentecostes, por exemplo, lemos que, como resultado do sermão de Pedro, quase três mil pessoas se converteram (At 2.41). Mas, na casa de Cornélio, as conversões talvez não chegassem a uma dezena, e nem por isso o número deixou de ser expressivo ao Reino de Deus.
Não exageremos os resultados de nosso trabalho. Na exposição dos fatos, nada de retórica; a verdade basta. Então, por que inventar milagres para glorificar a Deus? Sua glória é incompatível com a mentira. Sejamos fiéis e verdadeiros nos relatórios e informações. Se fantasiarmos nossos feitos e façanhas, mais adiante seremos desmascarados. Quem ganha almas não é somente sábio; é verdadeiro e modesto.
2. Ética financeira. Se, por um lado, temos muitos pregadores que primam pela excelência do ministério, por outro, há não poucos que só demonstram uma única preocupação — o sucesso pessoal e o recebimento de seus honorários. Por isso, a Associação Evangelística Billy Graham foi objetiva e clara no segundo artigo da Declaração de Modesto:
Fica decidido que questões financeiras serão submetidas a uma comissão de diretores para revisão e simplificação dos gastos. Toda cruzada local manterá uma política de ‘livros abertos’ e publicará um registro de onde e como o dinheiro é gasto.
Nessa questão, temos de ser equilibrados e justos. De uma parte, somos obrigados a criticar os pregadores que fazem da fé um mero negócio. Mas, de outra, não podemos louvar as igrejas que não reconhecem o labor de quem lhes expõe a Palavra de Deus. Ao falar sobre o trabalho dos mestres e doutores da Igreja, recomenda Paulo a Timóteo: “Devem ser considerados merecedores de dobrados honorários os presbíteros que presidem bem, com especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino” (1 Tm 5.17, ARA). O texto é claro e não demanda maiores exegeses: o expositor da Palavra de Deus deve ser honrado não apenas com menções elogiosas, mas com um digno reconhecimento financeiro.
O pregador, por seu turno, contentando-se com o combinado, jamais fará apelos emocionais, visando angariar maiores recursos. As ofertas e dízimos são da igreja local. Se ele for realmente ético, nem falará em dinheiro durante as suas prédicas. E que não haja negociata entre o pastor e o evangelista, com vistas à divisão de oferendas especiais arrecadadas no calor das emoções e sob um clima de promessas irrealizáveis e ameaças aterrorizantes. Não espoliemos os santos; respeitemos o povo de Deus. Sejamos éticos e transparentes em todas as transações financeiras.
Evangelista, além de ético, seja precavido. Não deixe de pagar a previdência e, se possível, faça um plano de aposentadoria. O tempo passa e a velhice não demora a chegar. Aja com sabedoria e temor a Deus.
3. Ética sexual. Já na década de 1940, não eram poucos os pregadores americanos que escandalizavam a igreja devido às suas incursões sexuais.
Para que isso não viesse a ocorrer com os seus membros, a Associação Evangelística Billy Graham, na Declaração de Modesto é particularmente severa:
Fica decidido que os membros da equipe agirão com toda prudência, a fim de se resguardarem de tentações na área sexual. Por isso, jamais ficarão sozinhos com uma mulher. E, mutuamente, responsabilizar-se-ão uns pelos outros. Eles também informarão suas esposas acerca de suas atividades ao longo das viagens, para que elas sintam-se participantes das cruzadas.
O ideal seria que os pregadores itinerantes viajassem acompanhados de suas esposas. Infelizmente, não são muitas as igrejas que concordam em arcar com mais essa despesa. A maioria acha que só deve ressarcir os gastos do obreiro consigo mesmo. E se este quiser levar a esposa, que pague do próprio bolso. Tal postura é contraproducente, pois fragiliza o obreiro, expondo-o a riscos espirituais e morais. Não disse o próprio Deus que não é bom que o homem esteja só?
Caso o pregador viaje desacompanhado, deve tomar uma série de cuidados para não cair em armadilha alguma.
• Evite dar aconselhamentos a pessoas do sexo oposto. Isso é competência (e dever) do pastor local. Sua função é ministrar à congregação, e não dar clínicas pastorais. Se o fizer, que esteja acompanhado de outro obreiro.
• Não receba nenhuma mulher no saguão do hotel e muito menos no quarto. Diante do pecado, não há super-homens. A recomendação do apóstolo é taxativa: “Fugi da prostituição. Todo pecado que o homem comete é fora do corpo; mas o que se prostitui peca contra o seu próprio corpo” (1 Co 6.18). Lembre-se: homens mais fortes e mais santos do que nós caíram; portanto, tomemos muito cuidado.
• Não saia para almoçar com pessoas do sexto oposto. Como homens de Deus, devemos evitar a aparência do mal.
• Exija ser hospedado em lugares que não lhe comprometam a reputação. Recuse motéis e hotéis de alta rotatividade.
Tais cuidados são necessários, pois é muito fácil ao pregador cair nas astutas ciladas do Diabo. Por esse motivo, que a igreja zele por sua segurança espiritual e moral. E, sempre que possível, financie também a vinda da esposa do pregador. Afinal, quem ministra precisa ser devida e duplamente honrado.
4. Ética no relacionamento eclesiástico. A Declaração de Modesto também instrui os membros da Associação Evangelística Billy Graham a agirem com ética no relacionamento com pastores e igrejas:
Fica decidido que os membros de nossa equipe jamais proferirão palavras negativas a respeito de outros líderes e pregadores, independentemente de suas denominações e posições teológicas, pois a missão do evangelismo inclui fortalecer o corpo de Cristo bem como edificá-lo na Palavra de Deus.
Que jamais usemos o púlpito a fim de caluniar outros pregadores, denegrir rebanhos ou agir com indiscrição acerca de faltas alheias. Se estamos de pé, agradeçamos a Deus por sua infinita misericórdia. Quanto às igrejas de outras persuasões, por que denegri-las? Nossa igreja acha-se também num contínuo processo de aperfeiçoamento. E, até a volta de Cristo, constataremos haver muitas imperfeições em nosso rebanho. Imperfeições estas, aliás, que revelam o quanto dependemos do perfeitíssimo Deus.
Por conseguinte, que esta seja a nossa linha de conduta no púlpito:
• Que jamais venhamos a aviltar nossos líderes. No púlpito, mesmo que oficiosamente, somos os seus representantes.
• Não nos imiscuamos em política, quer eclesiástica, quer partidária. Não fomos chamados para ser homens do povo, mas homens de Deus.
• Jamais incitemos a igreja contra o seu pastor, nem busquemos seduzir rebanhos alheios. Nossa missão é transmitir com fidelidade todo o conselho divino.
• Condenemos energicamente o pecado, mas sejamos amáveis para com o pecador. O que nos teria acontecido se o Pai não nos tivesse tratado tão amorosamente?
• Não falemos mal das outras religiões, mas exponhamos com autoridade as virtudes do evangelho de Cristo.
Enfim, ajamos corretamente no púlpito. O que todos esperam de nós é uma conduta digna de um verdadeiro homem de Deus.
Não há honra tão elevada quanto proclamar o evangelho de Cristo. Todavia, grande é nossa responsabilidade. Por isso, roguemos a Deus que jamais venhamos a escandalizar-lhe o nome. Que a nossa conduta seja sempre digna do Rei dos reis. E que o exemplo de Billy Graham cale profundamente em nossa alma. A Declaração de Modesto, posto que simples, é objetiva e prática. Se lhe seguirmos as diretrizes, poderemos concluir o nosso ministério com honra tanto diante de Deus quanto diante dos homens. Que o senhor nos guarde de tropeçar.
Conclusão
Não sei quantas almas já ganhei. Mas uma coisa não deixo de fazer: evangelizar pessoalmente. Às vezes, falo de Cristo numa fila de banco; outras, num táxi; e, ainda outras, num leito hospitalar. Nem sempre tenho condições de explanar todo o Plano da Salvação. Todavia, deixo bem claro, ao meu interlocutor, que Jesus Cristo é a única esperança para esta geração confusa, deprimida e sem horizontes. Com poucas palavras, você pode livrar alguém do lago de fogo.
Então, esmere-se no exercício do ministério evangelístico, pois quem ganha almas sábio é.
Autor: Claudionor de Andrade
http://www.ensinadorcristao.com.br/2016/07/licao-04-o-trabalho-e-atributos-do.html