Introdução
Já se passaram alguns anos, mas ainda me recordo daquela noite de quinta-feira, no verão de 2010, quando senti a face enrubescer ante a acusação de apatia evangelística. Eu estava participando de um simpósio de evangelização, na cidade de São Paulo. Já era tarde e o último conferencista estava concluindo a sua palestra. Após um dia de plenárias, todos requeríamos uma noite de sono, pois na manhã seguinte outra sequência de aulas nos aguardava. A última palestra era sobre a evangelização de grupos desafiadores. Nós ouvimos e aceitamos o desafio que nos era proposto. E teríamos aplaudido o orador para, em seguida, correr às nossas camas e dormir satisfeitos com o nosso desempenho acadêmico, não fosse a audácia de um pastor anglicano presente naquele auditório. O homem de um metro e sessenta centímetros de altura foi o maior de nós naquela noite. Em pé, e com uma coragem que não era sua, disse: “Este hotel fica a dez quadras da cracolândia. Depois de nos cumprimentarmos, que tal irmos até lá falar de Cristo àquelas pessoas? Algumas delas irão para o inferno ainda esta noite!".
Assentado três cadeiras à sua direita, eu tive a sensação de encarar um arranha-céu. 0 convite daquele homem de barba branca e voz enrouquecida fez-me ver a incontornável verdade: após tantas aulas e discursos, nenhum de nós desceria para casa justificado.
- Gunar Berg
Dentre seus muitos efeitos, a evangelização tem a propriedade de constranger-nos. Afinal, ela é o nosso maior compromisso com Deus, a principal das nossas obrigações, o mais elevado dos nossos deveres. Evangelizar é o chamado, a grande comissão das nossas vidas. Falar de Jesus ao pecador é a tarefa pessoal e intransferível que recebemos do próprio Cristo, e, se temos em nós o Espírito Santo, é o que faremos incansavelmente, por maiores que sejam os desafios a vencer.
I. GALHOS SECOS, O DESAFIO DE PREGAR AOS VICIADOS
A evangelização de viciados começou a desvendar-se para mim em 2004. Com apenas alguns meses de casados, minha esposa Ana e eu aceitamos o convite, de uma família da igreja, para ajudar nos cultos de um centro de recuperação de dependentes químicos. Na época, residíamos na cidade de Cosmópolis, no interior paulista, e nossa casa ficava a cinco minutos de uma unidade do Desafio Jovem.
Chegando lá, procurei absorver tudo o que pude sobre o lugar. Era a primeira vez que falaria de Jesus nesse contexto, e não sabia como me portar. Logo na entrada, algo me libertou de meus melindres: uma faixa muito grande anunciava, sem cerimónias, que as drogas matam. Infantil, eu imaginava que os tóxicos fossem um assunto sensível, abordado apenas em situações controladas. Mas não era assim. Para minha surpresa, ao sermos apresentados, os internos declaravam os seus nome e as drogas das quais estavam sendo libertados. O meu desconhecimento dessa realidade fez-me ser atropelado pelo óbvio: o que liberta essas almas é a verdade.
- Gunar Berg
1. O desafio de todos nós. O envolvimento das Assembleias de Deus na evangelização de dependentes químicos é bem recente. Salvo casos excepcionais, passamos a cuidar desse problema espiritual e social somente a partir dos anos 1970.
Uma das primeiras reportagens sobre o tema chegou aos leitores do jornalO Mensageiro da Paz em 1989, quando o pastor Nemuel Kessler visitou o Desafio Jovem de Piracicaba, no interior paulista, para noticiar o milagre ocorrido na vida da jovem Leia de Oliveira. A moça fora um dos primeiros casos de cura da AIDS em nossa igreja — comprovando o imenso interesse de Deus na alma dos viciados.
O responsável por aquele trabalho era o evangelista Vanderlei Guidelli, que já tivera a sua própria experiência de libertação. Uma vez liberto, ele abraçou como poucos o desafio e, amorosamente, tem-se dedicado a cuidar das almas destruídas pelos vícios. Depois de Piracicaba, o pastor Vanderlei foi transferido para Cravinhos, e agora se acha em Sertãozinho. Por onde passou, ele fundou trabalhos para a recuperação de dependentes químicos. Eu gostaria de poder dizer que a dedicação desse servo de Deus levou toda a igreja a interessar-se e envolver-se nesta causa, mas, infelizmente, testemunhos como o dele são pontos fora da curva, exceções que confirmam uma triste regra: como Noiva do Cordeiro, reconhecemos o valor da alma dos viciados; como instituição, escolhemos concentrar-nos em irrelevâncias.
2. Encarando com amor esse grupo desafiador. O maior desafio para evangelizar os grupos desafiadores está em nós mesmos. Nossa agenda está sempre repleta de eventos extenuantes e onerosos, enquanto famílias perdem tudo, inclusive a si mesmas, para as drogas. Embora o vício, para alguns, não seja contagioso, a sua destruição o é. Parecem-lhe fortes e provocativas estas palavras? Eu alertei, no início do capítulo, que a evangelização tem a peculiaridade de constranger-nos em virtude de sua prioridade e urgência.
Clássicos como A cruz e o punhal, do saudoso evangelista David Wilkerson, ou Foge, Nick,foge, de Nick Cruz, deixam claro que somente a salvação em Cristo, incluindo a experiência pentecostal, possibilita uma vitória retumbante sobre o vício.
Nas casas de desintoxicação particulares e estatais, os internos são tratados apenas clinicamente; espiritualmente, não recebem qualquer assistência. Seus curadores acham que qualquer tratamento para a alma serve. Dessa forma, igualam o evangelho de Cristo ao espiritismo, ao islamismo ou a outra manifestação religiosa qualquer. Conclui-se, pois, que não podemos ausentar-nos das clínicas onde são tratados os viciados em drogas.
Em 2014, visitei o Grupo de Apoio à Recuperação de Vidas, fundado pelo pastor Vanderlei, em Sertãozinho (SP). Enquanto andávamos pela chácara que serve de internato, ouvi dele uma frase que, posteriormente, veio a repetir-me noutra conversa: “O viciado tem uma alma”. Ao ouvi-lo, fui novamente surpreendido pelo óbvio: não basta tentar recuperar o corpo, se a alma e o espírito acham-se atormentados pelo pecado. É por isso que os trabalhos nos centros de recuperação evangélicos têm as taxas mais elevadas de êxito: nós cuidamos dos viciados como eles são, e eles são espírito, alma e corpo.
- Gunar Berg
3. Galhos secos à procura de vida. Nos anos 1970, ainda adolescentes, os irmãos Osny (falecido em 2007) e Osvary Agreste compuseram uma canção chamada “Galhos Secos”. Por algum motivo, o hino tornou-se o cântico das casas evangélicas de recuperação de drogados. De norte a sul, onde houver um centro cristão de recuperação de viciados, a música é entoada pelos internos com a pouca força que lhes restou após anos de destruição. Diz a inspirada e doce composição:
Nos galhos secos de uma árvore qualquer
Onde ninguém jamais pudesse imaginar
O Criador vê uma flor a brotar
Olhai, olhai, olhai
Os lírios cresceram no campo
E o Senhor, nosso Deus, os tem alimentado
Para nossa alegria
Os irmãos Agreste não sabiam que a experimentação musical da sua puberdade era quase profética, pois descreve o sentimento de homens e mulheres que, num último ato de coragem e lucidez, buscam reaver o que Satanás lhes roubou pelo vício. Nas UTIs espirituais, que são as casas cristãs de reabilitação, os dependentes passam os dias entre cultos, recreações e crises de abstinência, sentindo-se lenhos secos, onde só o Criador consegue enxergar vida. Mas as flores têm brotado, para nossa alegria. E, também, para nossa vergonha, pois as libertações ocorridas nesses lugares fazem lembrar algo que muitos crentes já esqueceram: a Palavra tem poder para transformar o pior dos pecadores, o mais destruído dos seres humanos.
É desafiador falar de Cristo aos drogados? Sem dúvida. Mas é também surpreendentemente recompensador, porque onde o pecado abundou, a graça superabundou. Para nossa alegria.
II. TEMPOS TRABALHOSOS, A EVANGELIZAÇÃO DE HOMOSSEXUAIS
Tenho lembranças fortes e bem claras dos cultos domésticos; meus pais eram incansáveis no ministério doméstico. Em nossas reuniões, tratávamos de muitos assuntos, alguns empolgantes e agradáveis; outros severos, mas necessários. E foi assim que minha irmã e eu crescemos conscientes dos perigos que nos rodeavam. Lembro-me dos alertas contra as drogas e os molestadores de crianças. Jamais esquecerei os conselhos sobre namoro. Se houve algum tipo de conversa sobre o homossexualismo, não me recordo. Talvez porque, há 20 ou 30 anos, esse não fosse um perigo tão significativo. Não que os anos 1980 estivessem livres das iniciativas gays, mas porque o tema era pouco comentado. Esse era o tempo de minha infância.
- Gunar Berg
1. Um tempo de grandes provações. Na década de 1980 — anos que conduziram meus filhos à adolescência, havia uma doce inocência nos jovens. Nas palestras sobre namoro, noivado e casamento, não se falava em homossexualismo. Não era necessário. Mas o tempo passou, levando consigo toda a ingenuidade. Um novo tempo chegou e, com ele, veio a primeira geração da história a querer fazer da exceção a regra, do esdrúxulo a norma, do estranho a lei.
O homossexualismo, que a pós-modernidade teima em taxar de homossexualidade, tem uma história tão longa quanto a queda do ser humano. Haja vista as cidades de Sodoma e Gomorra. Homossexuais são contados entre filósofos e soldados da civilização greco-romana. Tal prática, porém, nunca foi considerada digna de ser equiparada ao matrimônio, pois ninguém jamais duvidou de que o casamento tem a ver com espécie, gênero e número. Só há casamento entre seres humanos (espécie). Bichos formam pares; seres humanos, casais. E só se forma casal com homem e mulher (gênero), pois é do que se precisa: um macho e uma fêmea. Exatamente dois; este é o número. Basta dizer “casal” para que, instintivamente, nosso cérebro visualize um homem e uma mulher. Portanto, a lógica gay é contrária ao casamento instituído pelo Criador.
2. O pior dos tempos. O movimento gay assumiu uma tática que vai muito além da tradicional “luta pelos direitos dos homossexuais”. Nessa guerra contra a família tradicional, eles querem homossexualizar a sociedade à força.
Um dos melhores trabalhos já escritos a respeito do assunto é o do pastor Louis Sheldon. No livro The Agenda, ele conta como os líderes gays têm atiçado suas hostes contra as famílias, as igrejas e as crianças (as vítimas mais vulneráveis dessa investida satânica). Em nosso país, o alvoroço homossexual é incontrolável. Vivemos o pior dos tempos. No entanto, a Igreja de Cristo não ficará impassível ante o desafio da evangelização dos homossexuais, porque Jesus também morreu por eles. Em vez de os olharmos com ódio e rancor, devemos expor-lhes o plano da salvação, porque eles não são piores nem melhores do que os demais pecadores. Deus os ama e quer trazê-los ao seu Reino, libertando-os do pecado e da escravidão do Diabo.
3. O desafio da evangelização dos homossexuais. Muitos crentes acreditam que os homossexuais estão sendo usados pelo Diabo para capitanear uma perseguição sistemática contra a Igreja. Essa, porém, é apenas uma causa secundária. Na verdade, os homossexuais buscam impedir a ação evangelizadora da Igreja, porque não ignoram o evangelho, que é o poder de Deus para a salvação de todo o que crê, seja ele heterossexual, seja ele homossexual. A verdade liberta o homem de todo e qualquer pecado.
Recentemente, uma das líderes do Círculo de Oração de nossa igreja contou-nos que, enquanto estava no mercado com afilha de apenas 11 anos, deparou-se com um par homossexual (sim, par; casal é uma palavra que só uso para homem e mulher). Ao identificá-las como cristãs, eles começaram a trocar carícias, numa provocação rasteira e desnecessária. Ao relatar-nos o ocorrido, a irmã fez-me a pergunta, cuja resposta é a chave para a evangelização desse grupo: “Por que os homossexuais tornam-se tão ostensivos quando estão perto de nós?".
- Gunar Berg
A televisão mostra os heróis do universo gay discursando inflamadamente nas comissões do Congresso Nacional. Mas, ao fim de seus pronunciamentos, deixam rapidamente o plenário, pois recusam ouvir as verdades que tanto os incomodam. Eles fogem dos debates, principalmente quando notam, entre os debatedores, a presença de algum pastor. Isso significa que temem ouvir o evangelho de Cristo, pois diante da mensagem da cruz ninguém há de ficar indiferente.
Por conseguinte, a solução para ganhar os homossexuais para Cristo é uma só: o amor de Deus em nós e por meio de nós. Deus nos ordena que os amemos e que oremos por eles. É... Como tenho dito, a evangelização constrange, pois exige coisas que nem sempre estamos dispostos a dar ou a fazer. Não somos inimigos dos gays. Eles, todavia, nos veem como adversários. Por isso mesmo, devemos mostrar-lhes nosso amor, falando-lhes aberta e francamente do evangelho de Cristo. Eles precisam saber que Jesus também morreu por eles.
III. A MENTIRA MAIS ANTIGA DO MUNDO E O DESAFIO DE EVANGELIZAR QUEM SE PROSTITUI
Você já deve ter ouvido alguém dizer que a prostituição é o ofício mais antigo do mundo. Jazem aí duas mentiras. A primeira é factual: o trabalho mais antigo do mundo é a agropecuária, seguida pela indústria de transformação. O segundo erro, pior que o primeiro, é conceituai: prostituição não é profissão, mas ofensa contra Deus.
1. Quem vende sexo não resiste ao amor. No município de Itaperuna, no interior fluminense, havia um prostíbulo explorado por uma cafetina bem folclórica. Numa contingência sofrida por uma família de uma igreja recentemente aberta, o pastor viu-se obrigado a entrar naquele local de pecado, transgressão e medo. A cena que ele descreveu, ao contar a história, foi de um realismo impressionante. No ambiente sujo e promíscuo, homens e mulheres, seminus, deitavam-se por todos os cantos. Finalmente, alguém observou que ele, definitivamente, não pertencia àquele lugar.
Depois de um reboliço, aparece diante dele uma mulher envelhecida pelo pecado e tornada feia pelo “negócio” que geria. Era a Valesca, a dona do prostíbulo. De cara fechada, e com um ódio que lhe acentuava ainda mais as bochechas pronunciadas, ela lhe perguntou: “Você veio aqui por quê?” A resposta do pastor foi divina e certeira: “Estou aqui por causa da sua alma!”. Aquelas palavras penetraram fundo no coração da mulher. A raiva de seus olhos cedeu lugar às lágrimas. O rancor de seus lábios foi substituído pelos pedidos de desculpas, repetidos à exaustão. Valesca foi tocada pelo evangelho.
Ainda foi necessária alguma insistência e muita oração, até que a velha cafetina se convertesse a Cristo. Mas, enfim, chegou o dia em que ela foi intimada a decidir o que faria de Jesus. O pastor lhe disse: “Eu a quero em nossa igreja, no próximo domingo”. “Não”, retrucou a mulher. “Não posso ir. O que as pessoas vão dizer?” A resposta do amoroso pastor que invadira o prostíbulo fê-la estremecer: “Se a senhora não for, trarei os irmãos aqui para fazer o culto!” Não foi preciso. A dona do bordel compareceu à igreja e aceitou Cristo como Salvador. Naquela noite, a cidade descobriu que o verdadeiro nome de Valesca era Maria de Jesus.
2. O desafio de falar de Cristo às prostitutas. O desconforto de falar de Cristo aos que se prostituem é patente e até compreensível, porque nem todos estão aptos a levar adiante tal ministério. Há, porém, várias associações dedicadas a evangelizar prostitutas e prostitutos. Os melhores exemplos vêm da Europa, onde, em alguns países, os que vivem da prostituição moram todos no mesmo setor da cidade. As organizações cristãs procuram marcar presença nessas localidades, com apoio médico, psicológico e, claro, espiritual. Trata-se de um trabalho evangelístico difícil e que exige amor e muita coragem. Boa parte desses obreiros é composta por homens e mulheres que já estiveram na prostituição e foram resgatados por Jesus.
Na região de Campinas, onde resido, há um ministério dedicado a ganhar prostitutas para Cristo. Certa ocasião, fui pregar numa igreja e, por uma feliz coincidência, estava presente a líder dessa obra. Com ela, viera uma comitiva formada por colaboradores da sua casa de amparo e algumas das internas. Eles tinham vindo partilhar com a igreja a melhor parte do seu trabalho para o Reino de Deus: reintegrar as internas às famílias que as perderam. Nunca pensei que veria algo assim: naquela noite, uma ex-prostituta foi entregue novamente ao marido que, um dia, ela tivera e aos filhos que já considerava perdidos. Prezado leitor, este é o poder do evangelho! Afinal, o Senhor Jesus não veio para os saudáveis, mas para os enfermos.
- Gunar Berg
Conclusão
Quando falamos na evangelização de grupos desafiadores, imaginamos que o desafio são os grupos. Não é verdade, o desafio está em nós e em nossa resistência em falar-lhes de Cristo. Nós os evitamos, mas nem sempre eles nos rejeitam. Fugimos dos drogados, desprezamos os gays e repudiamos os que se prostituem. Mas, por favor, não apequene meus argumentos concluindo que estou nos autoacusando de preconceito. Isso não é verdade, nem sobre o que digo e nem a respeito de nós. Não temos preconceito; temos, sim, um conceito muito bem estabelecido do que é certo e do que é errado. Do que é pecado e do que não é. Entretanto, ainda não dominamos a arte espiritual, na qual Cristo era Mestre: separar o pecado do pecador. E este nem é o maior dos nossos desafios. Pior que este é a apatia em que vivemos.
Achamo-nos mergulhados na mesmice. Não nos esforçamos o bastante para fugir à rotina, a fim de ganhar uma pessoa para Cristo. A situação complica-se quando essa pessoa é drogada, homossexual ou vive da prostituição. Evangelizar tais grupos é um trabalho solitário e desafiador. Leva-nos às ruas vazias e aos becos assustadores. Não é tarefa que requeira igrejas suntuosas, mas demanda instalações adequadas e adaptadas. Definitivamente, tal missão não é para obreiros engravatados e com anéis de doutores; é obra para quem não se importa de sujar as roupas e as mãos com o pecador caído na sarjeta. O desafio de ganhar esses grupos para Cristo não será vencido por pregadores de multidões, mas por pescadores de homens.
Este é o nosso trabalho.
http://www.ensinadorcristao.com.br/Autor: Claudionor de Andrade