Neste capítulo, o profeta descreve a parábola da vinha e nos apresenta um dos capítulos mais deprimentes de Isaías. Ele prevê toda sorte de infortúnios aos filhos desobedientes de Deus e com isto nos alerta sobre o fim que cairá sobre o infiel. Aqui, o profeta se usa do recurso parabólico para transmitir de forma ímpar a mensagem profética de repreensão e ameaça da parte do Senhor. As parábolas eram um método de linguagem largamente usado pelos escritores do Antigo Testamento, e isso atesta o poder de sua eficácia. As parábolas eram o mais perfeito exemplo de linguagem figurada para mostrar e reforçar as verdades divinas.
De acordo com Herbert Lockyer, “as parábolas eram usadas para predizer acontecimentos da história”. Quando se aproximava o cumprimento da profecia, o significado, até então pouco nítido, se tomava mais claro, até que o pleno desenrolar do que havia sido profetizado possibilitasse entender, com clareza, aquilo que vinha revestido em roupagem parabólica. O ensino por parábolas é, sem dúvida, muito produtivo. Quando completamente compreendida, a parábola é mais fácil de ser lembrada por seu estilo literário ser mais atraente.
Nesta parábola de Isaías, a vinha, apesar de todo o seu espetáculo e pretensão, era inútil. O capítulo em questão apresenta os cuidados de Deus pela vinha (v.3-6), mas o esforço divino em favor da vinha não vingam.
Por isso, o julgamento seria irrevogável (v.7). A vinha é identificada com a casa de Israel, que aqui é sinónimo da tribo de Judá, que representava toda a nação de Israel. A fim de que o povo ouvisse a voz de Deus, o profeta Isaías não somente fala, como também emprega, em suas profecias, sinais que declaravam a desgraça que estava por vir. Esses sinais eram advertências proféticas aos lares e aos corações de um povo que, em meio a muitos, foi escolhido, mas não compreendeu o seu chamado. O juízo divino estava às portas da cidade culpada, as palavras de Deus tinham sido pronunciadas em vão, e o profeta, a partir da parábola da vinha, transmite mais uma vez o alerta de iminente condenação.
Entretanto, apesar da situação trágica do povo, o profeta Isaías nos apresenta também o amor e o carinho de Deus pela sua vinha; amor e carinho que não podem ter como contrapartida frutos de egoísmo e de injustiça. O povo de Deus precisa deixar-se transformar pelo amor sempre fiel de Deus e produzir frutos bons como a justiça, o direito, o respeito pelos mandamentos e a fidelidade à Aliança. A imagem da vinha de Deus fala desse povo que aceita o desafio do amor de Deus e que se coloca ao seu serviço, porém Deus exige frutos de amor, de paz, de justiça, de bondade e de misericórdia.
I - A PARÁBOLA DA VINHA
1. Deus cultivou sua vinha
Para os judeus do Antigo Testamento, a terra e a fé eram elementos inseparáveis e, como a maioria da população era agrícola, parábolas que falavam sobre árvores, frutos e plantas eram facilmente assimiladas pelos ouvintes. Nenhum profeta do Antigo Testamento aliou tão perfeitamente quanto Isaías visão e sagacidade, coragem e convicção, diversidade de talentos e unidade de propósitos, de um lado e, por outro, amor pela retidão e um aguçado entendimento da santidade e da majestade do Senhor.
Nesta parábola retratada por Isaías, a vinha representa o povo de Israel e mais especificamente o reino de Judá e a cidade de Jerusalém. A forma como o profeta retrata o cultivo da vinha evoca técnicas agrícolas primorosas e intenso trabalho. Todas as providências foram tomadas pelo vinhateiro para assegurar que surgiria uma vinha de primeira qualidade com produção de uvas de alta qualidade.
Todos os esforços foram investidos para que a vide produzisse bons frutos. No entanto, o que ela produziu foram uvas bravas. Israel era grande em número, mas a fé que professavam não refletia a justiça que verdadeiramente engrandeceria a nação. Israel até podia estar visivelmente saudável como uma vide em toda a sua pujança, porém não havia nenhuma vida interior de piedade, não havia amor nem fé genuína, os frutos produzidos eram amargos como o fel e não ofereciam vida espiritual para quem destes frutos se alimentava.
2. A Escolha do local.
O vinhateiro escolheu um outeiro para plantar sua vinha, num lugar de terras muito férteis (Is 5.1). Outeiro é um terreno com uma pequena elevação de terra que faz com que de longe se aviste a beleza do lugar, ou seja, Deus escolheu um lugar privilegiado para a vinha, querendo que ela fosse reconhecida pelo capricho do vinhateiro, pela beleza de sua organização e, consequentemente, pelas abundantes colheitas. Com isso, ele esperava colher frutos de qualidade.
Os bons resultados almejados pelo vinhateiro eram justificáveis. Deus era o próprio lavrador, e a terra escolhida era fértil. Somente uma grande e inesperada anomalia da natureza poderia fazer seus projetos fracassarem. A vinha teria que se voltar contra o exímio agricultor e ignorar a fertilidade da terra na qual foi plantada, e foi exatamente isso que aconteceu. Judá era o Israel remanescente e levaria adiante não apenas a história de uma nação inteira, mas também a promessa feita pelo Deus que se revelou a ela. A vinha era indubitavelmente magnífica, foi cultivada pelo próprio Deus, mas seus frutos não dignificaram quem a cultivou, ou seja, o povo não era nem santo, nem justo, nem leal a Deus e muito menos tinha amor ao próximo. Ele se fundamentava numa religiosidade sem uma genuína vida espiritual.
No atual contexto religioso, existe um sem número de igrejas nas quais se destacam os números e a influência; contudo, a fé, o amor e a santidade não foram mantidos, gerando igrejas onde o Espírito Santo não está mais presente. Ele as deixou à exibição vã de uma fé que produz uvas bravas e azedas; são igrejas institucionalmente organizadas, mas que, na verdade, estão mortas e tomaram-se cada vez mais decadentes. Quando o ser humano rejeita a graça maravilhosa de Deus, a igreja pode ter um considerável número de pessoas para ouvir a Palavra e até um grupo abundante que confessa conversão autentica, mas nenhuma igreja pode gerar vida se o Espírito de vida não estiver em seu meio. Podem até mesmo obter grandes ofertas, além de muitos esforços exteriores; ainda assim, sem o espírito da oração, da fé, da graça e da consagração, qualquer boa intenção é desprovida de verdadeiros valores espirituais.
3. Deus plantou as melhores mudas
As uvas que a vide produziu foram de qualidade ruim. Embora o agricultor tivesse plantado as melhores mudas, produziu apenas uvas bravas (Is 5.2-4). Alguns estudiosos afirmam que a vide brava seria uma muda inútil da videira, a qual, como é claro, se parecia muito com uma videira cultivada, mas os frutos produzidos foram pequenos, ácidos e inúteis.
Israel era um povo escolhido entre as nações, era o povo eleito pelo Senhor, que os preservou da fome, da aniquilação, que os libertou da escravidão do Egito, que os guiou pelo deserto, providenciando-lhes maná do céu, estabelecendo-lhes numa boa terra de abundâncias, que os guiou na escolha de reis e governadores, livrando-lhes de inimigos poderosos e fazendo-lhes promessas grandiosas (Dt 8.2-3; SI 107). As promessas, no entanto, estavam condicionadas a uma atitude de obediência e devoção que não aconteceu por parte de Israel; antes, a nação desprezou a dádiva da eleição que lhe foi confiada e abandonou todos os cuidados e amor do agricultor que a cultivou com carinho.
Nos Evangelhos, Jesus retoma a imagem da vinha e, a partir dela, critica severamente os líderes judaicos que se apropriaram, em benefício próprio, da vinha de Deus e se recusaram a oferecer a Deus os frutos que lhe eram devidos. Jesus anuncia que a vinha (Mt 21.33) vai ser retirada deles e será confiada a trabalhadores que produzam e que entreguem a Deus os frutos que Ele espera. Paulo também exorta os cristãos da cidade grega de Filipos e todos os que fazem parte da vinha de Deus a viverem na alegria e na serenidade, respeitando o que é verdadeiro, nobre, justo e digno (Fp 4.8). São esses os frutos que Deus espera da sua vinha.
As pessoas podem fazer uma confissão de fé com altos brados, mas podem deixar de exibir a justiça que exalta a Deus. As nações podem ostentar, como a vide de Isaías, elementos que a definam como uma grande civilização, tais como o progresso, a tecnologia de ponta, o sucesso nas relações internacionais, porém se não houver nenhuma vida interior de piedade e nenhum fruto para a retidão, poderão até ficar em pé por algum tempo, mas depois serão destruídas.
II - DEUS CUIDOU E ESPEROU COISAS BOAS DA VINHA
1. Ele afofou a terra e tirou as pedras
Mesmo o solo da vinha sendo adequado para o cultivo, era necessário prepará-lo para receber as mudas tenras. Isso significa que Deus trabalhou no sentido de moldar o coração do povo para receber sua Palavra. Ele criou as condições propícias para que tudo que Ele lhes dissesse desse resultado positivo. Deus tirou desse solo as pedras que poderiam fazer morrer as plantas da vinha. Jesus diz, na parábola do semeador (Mt 13.21), que as pedras significam a superficialidade da raiz. Quando algo é plantado em solo pedregoso, não consegue se aprofundar e, vindo o sol, mata a planta. Ou seja, as pedras eram os inimigos de Israel, seus perseguidores, que Deus removeu daquela boa terra para que seu povo se estabelecesse num bom lugar.
Quando Israel entrou em Canaã, Josué recebeu a ordem divina de, junto com todo o povo, tomar posse da terra que Ele havia prometido a Moisés (Js 1.2-3). Depois de 40 anos de peregrinação pelo deserto, a terra de Canaã foi a pátria de Israel durante cerca de 1.500 anos até a destruição do templo no ano 70 d.C. Muitos eram os povos que habitavam essa terra - cananeus, jebuseus, amorreus, girgaseus, heveus, arqueus, sineus, arvadeus, zemareus, hamateus -, mas o Senhor prometeu que os livraria de todos eles. Bastaria a Israel obedecer e confiar no seu Deus para que este os livrasse de todos os seus inimigos tanto internos como externos. Mesmo assim, Israel não obedeceu a Deus; ao invés de se livrar dos povos que habitavam a terra de Canaã (Js 6.21), o povo tomou-os como escravos e, com isso, toda sorte de influências culturais e principalmente religiosas destes povos foi absorvida pelo povo de Israel. Além de não destruírem os inimigos de Deus, ainda concediam legalidade para que suas ideologias e valores profanos se disseminassem entre o povo escolhido.
Outra falha grave de Israel foram as alianças estabelecidas com nações pagãs na intenção de assegurar proteção à nação, favores políticos e outros benefícios. A proteção de que Israel necessitava não viria de suas alianças, mas, sim, do pacto que tinham estabelecido com Deus (Ex 19.5), depois de tantos milagres e livramentos, deveriam crer que Deus é a fonte suficiente de ajuda e proteção a todos os seus filhos, crer que YAHWEH nunca dorme e que está sempre guardando Israel de todo dano e perigo, crer que Ele nunca se mostra indiferente e que está sempre de prontidão a qualquer tempo em que um ser humano eleva suas orações ao céu. Seu cuidado não se baseia apenas em seu poder, mas primeiramente em seu amor divino que protege os seus filhos. Ele sustenta o ser humano e não os deixa tropeçar (SI 121.3 - NVI). Deus prometeu ao seu povo proteção contra todos os seus inimigos e, em contrapartida, Israel teria que obedecer e confiar em seu Deus, apesar dos muitos perigos potenciais.
2. Edificou uma torre e construiu um lagar
A torre remete à vigilância constante que Deus tinha de sua vinha. Na antiguidade, as torres eram divididas de acordo com a função de cada uma: uma para guardar seus conteúdos (Is 5.2), e outra torre para defesa. Mais uma afirmação do profeta que remete ao cuidado absoluto de Deus para com aqueles que Ele escolheu para ser seu povo. Ninguém invadiria Israel se Deus assim não o permitisse, pois Ele estava sempre olhando tudo à volta do seu povo. Nos dias do Antigo Testamento, era comum a invasão de saqueadores para roubar ou destruir as plantações. Isso trazia muito sofrimento para os moradores das cidades que, sem comida, enfrentavam tempos de privação ou eram obrigados a deixar sua terra em busca de outra que lhes oferecesse as condições básicas para sobrevivência, e esse êxodo poderia trazer alegria ou muita tristeza, como no caso de Noemi e sua família.
A qualquer sinal de aproximação amigável ou hostil, o vigia da torre de vigia tinha a função de avisar toda a cidade, e era extremamente necessário manter vigilância sobre as plantações para que todo o povo não fosse alvo de saqueadores. O êxito da plantação significava a sobrevivência não apenas de uma família, mas também de cidades inteiras.
O próprio Deus era o vigia de sua vinha. Ele não dorme nem se cansa. Está sempre alerta para proteger e guardar o seu povo. A invasão de povos inimigos que destruíram o Reino do Norte e, dentro em breve, destruiriam o Reino do Sul não aconteceram por falta de atenção do vigia, e sim por permissão dEle, que se usou dessas nações como vara de sua ira para ensinar ao seu povo o que eles não foram capazes de aprender, apesar de todas as demonstrações de amor do seu Deus em ensinar seu povo.
O lagar era o local onde as uvas eram espremidas, geralmente com os pés (Is 63.3), depois da colheita; era o lugar de processamento da safra, que depois resultava em suco de uva ou vinho. Construir um lagar antecipadamente é sinônimo de muita esperança para com a colheita.
O profeta afirma que o Senhor esperava que sua vinha desse uvas de excelente qualidade. Depois de todo o cuidado e capricho de Deus ao cultivar a vinha, era justamente essa a consequência óbvia. Se o fracasso do empreendimento não foi por falha do agricultor, resta então saber que anomalia de fato aconteceu com a videira, pois, de alguma forma, ela se virou contra a própria natureza e corrompeu a si mesma. Prova disso são as uvas bravas e inúteis que produziu. Deus não condena a vide por seu próprio capricho, mas a condena, sim, com base nos frutos que ela mesma produziu. Da mesma forma, Israel seria condenado com base nos frutos que eles próprios haviam produzido (ver Dt 32.6; Jó 15.6; Lc 19.22; Rm 3.4).
Deus esperava de seu povo obediência a sua Lei e ordenanças, a prática da justiça e submissão ao seu senhorio, mas tudo o que ele colheu foram roubos, injustiças, corrupção, idolatria, opressão e toda sorte de males. Sendo desobediente e insubordinado, o povo agora luta contra a Lei de Deus que uma vez fora estabelecida, dando lugar às leis de seu coração corrompido pelo pecado. A rebeldia do povo se revestiu de uma violência que foi capaz de cegá-los, tornando-os insensíveis à percepção do bem e do mal.
A maioria das acusações pecaminosas que Deus faz ao povo se refere aos relacionamentos interpessoais, pois Ele busca, através de seu trabalho de amor, que o povo respeite e ame seu próximo, mas isso não estava mais acontecendo. A única forma de ter a fé justificada diante de Deus é produzindo belos e bons frutos em honra e gratidão a todo o trabalho árduo e amoroso de Deus pelos seus filhos. Uma confissão de fé divorciada de uma vida cristã que produza frutos de santidade é uma mentira, uma abominação a Deus e aos homens, um ultraje contra a verdade, uma desonra à religião e uma porta aberta para uma vida de maldição. O nome de santo precisa ser justificado pela vida de santidade; a aparência de santidade, desprovida dos frutos que ela naturalmente produz, é uma ofensa a pessoas honestas, e muito mais que isso, é uma ofensa à santidade absoluta de Deus.
III - O CASTIGO E O EXÍLIO DA VINHA
1. A frustração divina
Deus se aborreceu com seu povo, pois, diante de tantos cuidados, somente poderia haver boas colheitas. Ele mesmo disse que fez de tudo pela vinha (Is 5.4), mas, como os resultados foram frustrantes, Ele elegeu o próprio povo para julgar (Is 5.3), e o resultado do julgamento seria óbvio. Suas palavras demonstram o que aconteceria: “Agora, pois, vos farei saber o que eu hei de fazer à minha vinha: tirarei a sua sebe, para que sirva de pasto; derribarei a sua parede, para que seja pisada; e a tomarei em deserto; não será podada, nem cavada; mas crescerão nela sarças e espinheiros; e às nuvens darei ordem que não derramem chuva sobre ela” (Is 5.5,6). Deus a abandonaria a seu próprio destino, afastaria dela seu amor e cuidado, ela viraria pasto, seria pisada, se tomaria desertificada, cresceriam nela plantas que a sufocariam, faltaria chuva para ela, ou seja, tudo isso era o destino natural daqueles que se rebelaram contra o cuidado de Deus.
A vinha de uvas azedas tinha perdido a razão de existir. Ela não merecia continuar ocupando a terra. Todas as obras protetoras seriam removidas, as cercas ou as muralhas seriam deitadas abaixo. Dessa maneira, qualquer saqueador, animal ou humano facilmente atacariam a propriedade, e os babilónios cuidariam para que isso acontecesse (SI 80.12-13). Judá precisava cair. O exílio era iminente. Nenhuma força terrena poderia impedi-lo, e nenhuma força divina queria impedi-lo. Deus removeria sua glória do meio deles, suas casas e santuários seriam derrubados e se tomariam despojo nas mãos dos inimigos.
Deus não poupou esforços no cuidado com sua vinha. Assim, é mais do que justo que se aproxime à procura de frutos dignos de seu cuidado. Ele perscruta nosso caráter em busca de fé genuína e amor verdadeiro. Ele busca esperança, alegria, paciência, abnegação e outros frutos que caracterizem a presença do Espírito Santo no homem e, caso não encontre tais coisas, não ficará satisfeito, e medidas severas podem ser tomadas diante do descaso para com o seu grande amor.
2. Os “ais” aos desobedientes
Deus profere seis “ais” contra o povo de Israel, divididos em sete classes, cujo foco central é a inversão de valores que era praticada, subvertendo a ordem natural das coisas, afirmando que eles estavam chamando o mal de bem e vice-versa, transformando trevas em luz e vice-versa e chamando o amargo de doce e vice-versa (Is 5.20). Essas três afirmações colocam palavras negativas na frente das positivas. Estas últimas é que eram as esperadas por Deus, mostrando que a cegueira espiritual, a falta de discernimento das coisas corretas e a falência da moral e da ética levaram o povo a confundir e a trocar a obediência pelo pecado, sem nem perceberem o que estavam fazendo. O povo havia perdido o senso de moralidade e tomou-se especialista em perverter as coisas. A Lei mosaica era o guia dos homens, mas aquele povo há muito já tinha abandonado a Lei. Tomaram-se cínicos quanto ao que realmente era bom. Para eles, o que funcionava era bom. Em suas vidas, havia lugar para tudo, menos para Deus e suas orientações. Suas consciências estavam longe da influencia divina. O profeta, usando uma forte ironia, os chama de “heróis para beber vinho” (v.22-23 - ARA). Eram homens fortes e entendidos, não em assuntos de fé e obediência, mas sim em aceitarem suborno, em seus juízes e príncipes viverem em festas e bebedeiras, em seus governantes fazerem parte da classe dos alcoólatras, sem condição alguma de governar com justiça. De povo escolhido tomaram-se uma vergonha entre as nações, pois tinham recebido a revelação de Deus, que, em tese, os faria diferentes dos outros povos e com isso atrairiam o mundo para o Deus que havia se revelado a eles.
Eles se achavam privilegiados, no sentido de estar em vantagem com Deus, devido à eleição. Contudo, ser o povo escolhido de Deus não significa ter privilégios acima dos demais. A eleição, na verdade, mais do que privilégios, acarreta responsabilidades seriíssimas para Israel. Sim, Deus estava no meio deles, e isso era um privilégio, mas a responsabilidade de Israel se tomara muito maior que o privilégio, visto que essa nação tinha agora o encargo de refletir para o resto do mundo o Deus que a eles se revelou. Se Israel tivesse compreendido seu chamado, teria experimentado abundância de vida e comunhão íntima com Deus. Porém, como não foram capazes de compreender, sofreram mais do que todos os povos as consequências de tratarem a eleição com irresponsabilidade, de modo que, durante a sua história, foram sempre subjugados por outras nações, a tal ponto de, após a destruição do templo em 70 d.C., serem expulsos de vez de suas terras e viverem espalhados pelas outras nações por quase 2 mil anos. Apenas em 1948, sete anos após terem sobrevivido ao holocausto, eles voltaram novamente à sua terra com a criação do Estado de Israel.
Deus é pai, mas Ele não age baseado em sentimentos paternalistas e parciais. Sua natureza não permite que seja injusto. O Senhor sempre julgará e agirá em retidão. Por isso, Ele não poupa nem mesmo seus filhos se estes se tomarem rebeldes e indiferentes ao seu amor e cuidado. Deus ama sem medida, mas seu compromisso não é primeiramente com seus filhos, e sim com sua Palavra e com a promessa de vida para esses filhos (Is 55.11).
3. O Poder do exército inimigo
Isaías prevê com extrema exatidão várias invasões que Judá e Jerusalém sofreriam, primeiramente pelos Assírios, sob o comando de Senaqueribe, em 701 a.C., e, finalmente, várias invasões pelo exército Babilônico, culminando no cativeiro final e destruição de Jerusalém em 587 a.C., sob o comando de Nabucodonosor, cumprindo-se, assim, a profecia de Isaías. O inimigo era poderoso, e Deus era a única razão de a nação ainda estar de pé. Judá estava prestes a receber o veredito final, a ira de Deus se derramaria sobre seu povo, e o agente divino seria a Babilônia.
Esse não era o propósito inicial de Deus para o seu povo. O que o Senhor tinha em mente para a nação era uma vida de liberdade nEle. O povo já tinha vivido mais de 400 anos como escravo no Egito, e o desejo de Deus era que seus filhos aprendessem a servi-lo voluntariamente, que renunciassem a mentalidade de escravos para, a partir de então, viverem livres de qualquer cativeiro e produzissem frutos que refletissem essa liberdade. Deus anseia por receber bons frutos de seus filhos. Ele sente fome de eles terem santidade. Ele almeja que a sua presença esteja em nós, para que a nossa alegria seja completa. Ele se aproxima de cada um à procura de coisas em que a sua alma venha se deleitar.
4. Uma advertência aos dias atuais
O capítulo em questão nos mostra que Deus abandonou a sua vinha; porém, mesmo essa atitude aparentemente extremista acabou tendo um bom proveito, pois, quando a abandonou, ela se tomou um farol de advertência para todos os demais que se achegam a Ele com vãs pretensões. Quando o fruto produzido não se harmoniza com a qualidade da vinha que foi cultivada, a vinha se torna inútil. Quando estamos em Cristo e não produzimos os frutos que sua presença pode gerar, somos abatidos por Ele, para que outras pessoas vejam o perigo de se viver uma confissão falsa de fé. O fruto que a vinha produziu foi apenas a confirmação de seu real estado. O mau fruto só reflete a opção que já foi feita pelo ser humano, de resistir à graça de Deus.
Quando Cristo se aproxima de nossa alma, Ele a examina com discernimento agudo. Dele não se zomba. Não é possível enganá-lo. As exterioridades podem nos enganar, mas nosso Senhor não comete nenhum engano assim. Ele está atento ao fruto que sua vinha está produzindo. Ele conhece o fruto, seja qual for o estágio em que este se achar. Ele nunca confunde uma expressão puramente religiosa com o fluir real do Espírito no coração. Jamais confunde graça autêntica com mero emocionalismo. Ele sabe exatamente quem somos, onde estamos e o que nos motiva, nunca julgando segundo a aparência, mas segundo a verdade.
Como um Deus que cuida e ama, o Senhor quer ver em nós amor a Ele, amor ao nosso próximo, uma fé forte que uma vez foi entregue aos santos, bem como o viver cuidadoso em todas as áreas da nossa existência. O Senhor espera de nós ações que estejam de acordo com a sua Lei e com a mente do seu Espírito Santo. E, se Ele não as receber, estará sendo privado daquilo que lhe é devido, pois Ele morreu para tomar santo o seu povo. Ele entregou-se para santificar para si um povo zeloso e de boas obras. A recompensa do suor sangrento das suas feridas e da agonia de sua morte é nosso voluntário sentimento de gratidão e serviço eternos, que externam uma vida zelosa e piedosa.
O cuidado de Deus a favor do seu povo é perfeito, nada lhes falta (SI 23). Ele os esconde debaixo de suas asas (SI 91). Portanto, provê tudo e tem grande esperança que nós frutifiquemos abundantemente. “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o lavrador. Toda a vara em mim que não dá fruto, a tira; e limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto. Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado” (Jo 15.1-3).
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Autor: Ivan Pommerening