Lição 4 - Alegria, fruto do espirito; inveja, hábito da velha natureza I

Lição 4 - Alegria, fruto do espirito; inveja, hábito da velha natureza I



IGREJA EVANGÉLICA ASSEMBLEIA DE DEUS - MINISTÉRIO DO BELÉM
ESTUDO PREPARATÓRIO PARA OS PROFESSORES DA ESCOLA DOMINICAL BELÉM- SEDE
PRIMEIRO TRIMESTRE DE 2017
COMENTARISTA: Osiel Gomes da Silva
COMENTÁRIO: Caramuru Afonso Francisco
O gozo resultante da salvação é um estado que, por vir do relacionamento do homem com Deus, não pode ser abalado pelas circunstâncias desta vida.Lição 4 - Alegria, fruto do espirito; inveja, hábito da velha natureza I

INTRODUÇÃO

A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América diz que é direito fundamental de todo homem “a busca da felicidade” e já houve quem dissesse que “felicidade não existe, o que existe na vida são momentos felizes”.
Estas afirmações são a prova indelével de que, entre os homens, não há condições de se obter felicidade, alegria, contentamento, isto porque, como nos ensinam as Escrituras, este estado somente pode ser alcançado para quem alcança a salvação em Cristo Jesus. O segredo da felicidade está em termos comunhão com Deus, por meio de Seu Filho.

I. A ALEGRIA SEGUNDO A BÍBLIA

A Bíblia apresenta como sendo “gozo” ou “alegria” a segunda qualidade do fruto do Espírito em Gl.5:22, palavra que, no original grego, é “chara”(χαρά), palavra que vem da mesma raiz de “charis”(χαρις), que significa “graça”, ou seja, “favor imerecido”. Já pela origem da palavra, vemos, portanto, que a alegria que tratamos neste estudo é resultante da graça, ou seja, é consequência do favor de Deus ao homem, favor este que nos permitiu retornar a ter comunhão com Ele, por meio de Jesus Cristo (Ef.2:8).
A palavra “alegria” vem de “alegre”, que os dicionaristas de nossa língua dizem ser uma palavra que vem do latim “alacer”, cujo significado primeiro era “vivo, animado, feliz, bem-disposto”. “Feliz”, por sua vez, tem sua origem em “felix”, palavra latina que vem de “foecus”, que significa “fecundo, fértil”. Observamos, portanto, que, pela própria origem da palavra, notamos que a alegria está vinculada a uma fecundação, que, como vimos no início deste trimestre, nada mais é que a figura do novo nascimento, do nascimento espiritual mediante a aceitação de Cristo como nosso único e suficiente Salvador.
Uma pessoa alegre é uma pessoa que está em um estado de viva satisfação, de vivo contentamento, dizem os dicionaristas. É a forte impressão de prazer causada pela posse de um bem, ou seja, é a consequência de alguém ter recebido a salvação, a vida eterna, quando aceita a Cristo como seu único e suficiente Salvador. Por isso, Jesus mesmo disse aos discípulos, quando eles voltavam alegres pela bem sucedida missão de pregação nas aldeias judias, que eles deveriam estar alegres ao saber que seus nomes estavam escritos nos céus (Lc.10:20).
A palavra “alegria” surge, pela primeira vez nas Escrituras (Versão Almeida Revista e Corrigida), quando Labão indaga Jacó sobre a sua saída oculta de Padã-Arã, quando o sogro enganador de Israel afirmou que, caso Jacó lhe tivesse avisado que iria embora, isto seria motivo para comemoração, para celebração, demonstrando, assim, que também era seu desejo a separação de seu genro (Gn.31:27). Desde logo, pois, vemos que a “alegria” a que se referia Labão era muito mais um “contentamento”, ou seja, uma situação cujos desejos são atendidos ou realizados, algo que depende das circunstâncias, daquilo que está à nossa volta, pois é a convergência entre os nossos desejos e a realidade que nos cerca. Labão queria que Jacó fosse embora, pois achava que estava sendo trapaceado pelo genro e que o genro era a causa de seu empobrecimento e, como Jacó decidira partir (o que, efetivamente, foi feito), isto era a concretização do desejo secreto de Labão, razão pela qual a despedida se faria com “alegria”, ou seja, com contentamento, pois os fatos vinham de encontro ao desejo do coração.
Notamos, pois, de pronto, que existem duas “alegrias”: aquela que vem de fora para dentro, ou seja, aquela manifestada como reação pela ocorrência de fatos que eram desejados pelas pessoas, que causam um sentimento de satisfação, que, no rigor da palavra, é chamada de “contentamento”. O “contentamento” é um estado passageiro, momentâneo, pois resulta da realização de um desejo, realização esta que é marcada no tempo e, como tudo que depende do tempo, passa, não sendo mais do que simples lembrança, agradável lembrança muitas vezes, mas não mais do que lembrança. Não é este “contentamento” de que tratamos neste estudo, pois este “contentamento” não é originário de Deus, mas resultado da conformidade entre os desejos humanos e a ocorrência dos fatos.
Este “contentamento” é o que se chama de “momentos felizes” no jargão mencionado na introdução deste estudo. É a conformidade dos fatos aos nossos desejos, e é a isso que o mundo sem Deus e sem salvação chama de “felicidade”, de “alegria”. São estes momentos de satisfação e de realização que são freneticamente procurados pelos homens nos nossos dias e que explicam toda a ânsia, toda a corrida por fama, posição social, dinheiro e prazer que tanto caracteriza os dias que vivemos. O apóstolo Paulo, mesmo, disse que, nos últimos dias, haveria homens amantes de si mesmos, que seriam mais amigos dos deleites, ou seja, dos prazeres, do que amigos de Deus (II Tm.3:1-4).
A psicologia, mesmo, tem definido o homem como um “ser que deseja” e entende que todas as ações dos homens são resultantes desta busca, desta procura de concretização dos desejos que nascem no coração do homem. Vemos, aliás, que isto já era anotado nas Escrituras, que confirma esta “natureza desejante” do ser humano, tanto que Tiago afirma que o homem peca quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência, que nada mais é que a cobiça, ou seja, o desejo imoderado de possuir. Quando não refreamos os nossos desejos, quando não submetemos a nossa vontade a Deus, trasbordamos os limites da equidade e da justiça e pecamos, enganados que somos pela nossa própria concupiscência, como, aliás, fizeram os nossos pais no Éden, que, desejando ser iguais a Deus, desobedeceram e pecaram (Gn.3:6). Por isso, adverte-nos o profeta de que o coração do homem é extremamente enganoso (Jr.17:9).
Esta conformidade dos fatos com os nossos desejos ocorre mesmo quando os desejos do homem não estão de acordo com a vontade de Deus. Há contentamento por parte do ímpio, embora este contentamento, diz-nos a Palavra, seja breve e momentâneo (Jó 20:4,5). A alegria que brota do coração do homem tem fim e se converte em tristeza (Pv.14:13), algo passageiro, que o próprio Salomão considerou como também sendo vaidade (Ec.2:1,2). Não nos surpreendemos, então, com o aumento da chamada “indústria do entretenimento”, que cresce assustadoramente, já que há uma grande procura no mundo de algo que promova divertimento, que promova alegria, entendida esta alegria como o “contentamento”, ou seja, a conformação dos desejos com fatos que ocorram e tragam satisfação. Muitos têm buscado estas “casas da alegria”, esquecendo-se, porém, que, como disse o pregador, são casas reservadas aos tolos (Ec.7:4), pois tudo não passa de ilusão, de engano, que não conseguirá esconder a realidade da eternidade na vida de cada um, que não resistirá ao juízo divino (Is.32:13).
Em Nm.10:10, a Bíblia torna a falar em “alegria” neste sentido de momento de satisfação, de “contentamento”. Chama de dia de “alegria” ao dia de festividades, ao dia em que todos estariam na presença do Senhor celebrando alguma festa determinada no calendário pela lei de Moisés. Era um instante em que o povo se reuniria e perceberia a bênção de Deus sobre a sua vida e, em sendo assim, veria que os seus desejos foram plenamente satisfeitos pelo Senhor, que as circunstâncias eram favoráveis. Apesar de se estar cumprindo a lei e de se estar adorando ao Senhor, aquele momento seria também de “contentamento”, de verificação dos desejos satisfeitos. Portanto, ao analisarmos este texto, vemos que a “alegria” enquanto “contentamento” não é apenas algo que ocorre quando alguém está na carne, quando alguém está pecando, mas pode ocorrer “alegria” no sentido de “contentamento” quando servimos a Deus.
Nas solenidades, nas festividades, há, sim, “contentamento”, pois vemos que os nossos desejos foram cumpridos, foram realizados. Cada festa em Israel tinha por objetivo celebrar e comemorar o cuidado de Deus para com o Seu povo, seja na manutenção da libertação do Egito (Páscoa), seja pelo início da colheita (Festa das Semanas), seja pelo término da colheita (Festa dos Tabernáculos). O ser humano foi feito por Deus um “ser desejante”, como já dissemos, e não há nada de mau em sentirmos satisfação, em termos momentos felizes, em sentirmos o prazer de vermos os nossos desejos cumpridos, notadamente quando sabemos que são eles resultado da bênção do Senhor. Em diversas passagens, a Bíblia apresenta a manifestação desta alegria por parte do povo de Israel, jamais recriminando tal sentimento (I Sm.18:6; II Sm.6:12; I Rs.1:40; I Cr.15:25; II Cr.29:30; Ed.6:22; Ne.12:27; Et.9:17).
No entanto, estes momentos não podem se constituir na base de nossa vida espiritual. As festividades, inicialmente em número de três no calendário israelita, eram dias especiais, eram solenidades em meio a todo um ano de vida cotidiana e de labor constante. Nos dias de festividade, havia este “contentamento”, mas a vida com o Senhor, a aliança de Deus com Israel não se resumia apenas a estes dias. O serviço ao Senhor, a fidelidade, o prazer e a satisfação de pertencer ao povo de Deus não era algo que deveria ser revelado apenas nestes dias mas, bem ao contrário, algo que deveria existir durante todo o tempo.
Não podemos ter nossas vidas espirituais presas a estes momentos felizes, a este contentamento decorrente de ocasiões especiais, de solenidades, de festividades. A vida com Deus tem estes momentos, mas não podemos basear nossas vidas neles. A verdadeira alegria é uma constância, porque não nasce de fora para dentro, não depende das circunstâncias, mas vem de dentro para fora, é resultado da habitação do Espírito Santo em nós. Quantos crentes não têm, nos nossos dias, dependido de festividades, de “cultos especiais”, para se alegrar, para sentir a presença de Deus? Isto não é uma conduta de um verdadeiro servo de Deus. O servo de Deus vive alegre, porque a alegria é qualidade do fruto do Espírito, é resultado de uma vida de comunhão com Deus. O profeta Isaías é bem claro ao afirmar que esta alegria momentânea, este contentamento nas suas festividades nada significava do ponto-de-vista espiritual. Não podemos ter o pensamento de “comamos, bebamos, porque amanhã morreremos” (Is.22:13 “in fine”), mas um procedimento de verdadeira comunhão com o Senhor. Que adianta pularmos de alegria num culto se, no dia seguinte, praticamos tudo aquilo que desagrada ao Senhor? Que alegria é esta? (cfr. Is.23:7). É muito bom exultarmos na presença de Deus, mas esta exultação, esta manifestação indizível de alegria deve ser um ponto alto de uma vida de alegria, de uma vida de comunhão com Deus, o verdadeiro “gozo inefável e glorioso” (I Pe.1:8).
A segunda “alegria” é a que não tem origem no coração do homem, que não é a conformidade entre os desejos humanos e os fatos da realidade, mas a “alegria” que provém de Deus, pois, como disse o apóstolo Paulo, “…o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo” (Rm.14:17). Esta alegria é um estado de viva satisfação, é a forte impressão de prazer, é demonstração de vida espiritual, vida esta que só é possível no instante em que deixamos de estar separados de Deus, mediante o perdão dos nossos pecados por Deus, por causa do sangue de Jesus Cristo derramado na cruz do Calvário.
Quando aceitamos a Cristo como nosso único e suficiente Salvador, nossos pecados são perdoados e passamos a ter comunhão com Deus. Esta restauração da comunicação de Deus conosco é a vivificação do nosso espírito pelo Espírito de Deus (I Co.15:22). Passamos da morte para a vida (I Jo.3:14a), passamos a pertencer à videira verdadeira e, por conseguinte, a dar fruto (Jo.15:4), fruto este que tem como uma de suas qualidades a alegria ou gozo (Gl.5:22).
OBS: Estamos usando indistintamente, neste estudo, as palavras “alegria” e “gozo”. A palavra “gozo” é usada na Versão Almeida Revista e Corrigida para traduzir “chara” em Gl.5:22, palavra, aliás, que foi substituída por “alegria” na Versão Almeida Revista e Atualizada. A palavra “gozo” vem de “gaudium” que, em latim, significava, também, alegria. Vemos, pois, que, etimologicamente, as palavras não têm significados distintos, embora à palavra “gozo” esteja associada, modernamente, a ideia de “prazer extremo que provém da posse de alguma coisa”, de “satisfação de uma atividade física, moral ou intelectual”.
A alegria que é uma das qualidades do fruto do Espírito, portanto, é um sentimento que somente o salvo pode sentir, pois é o resultado da salvação. É a alegria mencionada pelo salmista no Sl.4, Aqui o salmista Davi está angustiado, mostra todo um sentimento de inconformismo com a triste realidade espiritual da humanidade, que rejeita a verdade e procura a mentira. Mas, em meio a este estado, o salmista revela que não está triste, porque Deus o separou do pecado e lhe deu condições de servi-l’O, o que é possível porque o próprio Deus pôs alegria no coração, alegria esta que é maior do que nos instantes felizes da vida, que foram figurados como sendo os momentos da colheita (Sl.4:7).
A alegria que é fruto do Espírito Santo tem sua origem em Deus, é Deus quem a coloca em nosso coração e, por isso, não depende dos fatos que ocorrem à nossa volta, das circunstâncias. É uma alegria que foi derramada em nossos corações, pois é um verdadeiro óleo com o qual somos ungidos pelo Senhor (Sl.45:7). Jesus veio trazer esta alegria, este óleo de gozo para substituir a nossa tristeza do tempo em que vivíamos em pecado (Is.61:3). A alegria que sentimos não depende de nada que está ao nosso redor, nem se abala com o que pode acontecer conosco, pois esta alegria é o próprio Deus que habita em nós (Sl.43:4).
OBS: “…A alegria resulta da influência celestial sobre nosso homem interior. Jamais poderá ser equiparada com aquilo que o mundo chama erroneamente de felicidade. A felicidade depende das circunstâncias, e estas são instáveis. A alegria verdadeira consiste em um sentimento constante de bem-estar no íntimo, causado pelo ministério do Espírito de Deus, que transmite à alma o bem-estar de Cristo. E isso é para nós um tesouro inestimável.…” (SILVA, Osmar José da. Lições bíblicas dinâmicas, v.3, p.6).
Esta alegria é resultado imediato do perdão dos nossos pecados e da restauração da nossa comunhão com Deus. Davi tinha plena compreensão a respeito disto, tanto que, quando pecou, quando sentiu que não mais tinha comunicação com Deus, pediu ao Senhor que lhe tornasse a dar “a alegria da salvação” (Sl.51:12). A alegria verdadeira, permanente é consequência da salvação, da vida de comunhão com Deus por intermédio de Cristo Jesus.
OBS: Já dizia o príncipe dos pregadores britânicos, Charles Haddon Spurgeon (1834-1892): “…Quanto à alegria, se não é o primeiro produto do Espírito de Deus, está próximo ao primeiro, e podemos ter certeza que a ordem em que é colocada pelo apóstolo inspirado é para ser instrutivo. O fruto do Espírito é amor, em primeiro lugar, como abrangente do resto - então a alegria cresce fora dele. É notável que a alegria deve tomar um lugar tão eminente! Ele está entre os três primeiros e está apenas uma posição abaixo do que o primeiro. Olhe-o em sua posição elevada e se você sentiu falta dele, ou se você o depreciou, revise seu julgamento e se esforce com todo o seu coração para alcançá-lo, porque dele dependemos - este fruto do Espírito é de valor máximo!…” (Alegria – fruto do espírito. Sermão pregado na manhã de domingo de 6 de fevereiro de 1881 no Tabernáculo Metropolitano em Newington. Disponível em: http://www.spurgeongems.org/vols25-27/chs1582.pdf Acesso em 11 nov. 2016) (tradução nossa de texto em inglês).
Esta alegria não é de todos os homens, portanto, mas é restrita aos justos (Sl.68:3), para os retos de coração (Sl.97:11), para os que aconselham a paz (Pv.12:20). Quem é justo? Justo é aquele que crê em Jesus e tem, por isso, é justificado pela fé, tendo paz com Deus (Rm.5:1). Quem é reto de coração? É aquele que é direito, que é correto, cujo coração está de acordo com a Palavra de Deus, que ouve e pratica as palavras do Senhor, seguindo o caminho reto, ainda que estreito (Mt.7:13,14,24,25). Daí porque a lei do Senhor ser chamada de alegria do homem (Sl.119:92). Quem aconselha a paz? Quem aconselha a paz é o pacificador e o pacificador é o filho de Deus (Mt.5:9), ou seja, aquele em quem o Espírito Santo habita (Rm.8:9).
Por isso, não concordamos com o pensamento de João Calvino que via na alegria fruto do Espírito um “bom humor”, a “hilariedade”, “in verbis”: “…Não tomo alegria, aqui, no sentido de Romanos 14:17, mas como aquele bom humor [hilaritas] para com nossos companheiros, o qual é o oposto de melancolia…” (O fruto do Espírito. apud Comentário aos Gálatas, p.170. Disponível em: http://www.monergismo.com Acesso em 22 nov. 2016). Não resta dúvida de que o salvo irradia um “estado de espírito” diferenciado, em virtude da salvação, mas reduzir a alegria a apenas este “estado de espírito” é confundir a causa com o efeito.

II – AS FONTES DE ALEGRIA ESPIRITUAL

Já vimos que a fonte da alegria permanente, da alegria que é fruto do Espírito Santo é o próprio Deus. É Ele quem põe esta alegria no nosso coração (Sl.4:7). É dito que a alegria é do Senhor (Ne.8:10) e, quando se diz que a alegria é do Senhor, é usado o próprio nome impronunciável de Deus (Javé, Jeová), no texto bíblico, para que não haja qualquer dúvida de que é o Senhor a fonte desta alegria, que se constitui na nossa força. Mas que operações divinas trazem alegria ao homem?
OBS: Quando observamos que a salvação nos traz alegria, vemos, claramente, que Deus é um Ser alegre, pois, ao sermos salvos, passamos a ter o caráter divino e a alegria é uma das qualidades deste caráter. Como diz o saudoso missionário Eurico Bérgsten, o gozo “…faz parte da perfeição divina. Deus é bem-aventurado, 1 Tm.1:11. Jesus Se alegrou, Lc.10.21; Hb.12.2.…”(Teologia sistemática: doutrina do Espírito Santo, do homem, do pecado e da salvação, p.25), ou o pastor Osmar José da Silva, “…Deus é um ser alegre, ungiu o Filho com óleo de alegria, o Espírito Santo nos inspira alegria, a Igreja produz o fruto da alegria, e os anjos também se alegram. A alegria é uma virtude divina.…”(Lições bíblicas dinâmicas, v.3, p.7).
Em primeiro lugar, vemos que o fator a trazer alegria ao homem é a salvação. Davi fala, no salmo 51, da “alegria da salvação” e, assim, percebemos que a salvação é a fonte inicial da alegria espiritual. Nem poderia ser diferente, pois, na salvação da nossa alma, há o novo nascimento, pois não se pode entrar no reino de Deus sem que se nasça de novo (Jo.3:5).
OBS: “…O novo nascimento é um processo pelo qual o homem arrependido passa a desenvolver um novo modo de vida. Um viver com Cristo, transformado em uma nova criatura.…” (MALAFAIA, Silas. Lições da Bíblia, revista n.1, ano I, p.13).
Quando observamos o nascimento natural de um ser humano verificamos que há um instante difícil, dolorido e de perigo que é o chamado “trabalho de parto”, o instante em que a mãe inicia a dar à luz um novo ser. Nos tempos bíblicos, onde a tecnologia não era tão avançada, tratava-se de um período particularmente difícil para a mãe, com grandes dores e um sofrimento dos maiores. Entretanto, depois de todo o sofrimento, advém à mãe um sentimento de profunda alegria, que faz com que desapareça totalmente todo o sofrimento passado para que se dê à luz um novo ser (Jo.16:21).
De igual forma, quando verificamos o processo do novo nascimento, vemos que, em primeiro lugar, ocorre um instante de sofrimento, de dor, que é o arrependimento. O homem, confrontado com o seu estado pecaminoso, percebe-se um ingrato, um rebelde, merecedor da condenação por parte do seu Criador. Como disse o inspirado poeta sacro Henry Maxwell Wright, o pecador sente sobre si a espada da lei (3ª estrofe do hino 15 da Harpa Cristã). É um instante de tristeza, mas que redunda em conversão, pois este arrependimento gera uma tristeza que não é para destruição, mas para salvação (II Co.7:10). Arrependido, o pecador vai aos pés do Salvador, recebe o perdão dos seus pecados, porque crê na Palavra de Deus, no Evangelho, aceita a oferta de perdão por Jesus Cristo e, em seguida, esta tristeza é substituída pela alegria, pelo sentimento de paz com Deus e de perdão. Por isso, o mesmo inspirado poeta sacro diz que seu coração passou a ser ditoso, pois conheceu o excelso amor do Senhor (4ª estrofe do hino 15 da Harpa Cristã).
A alegria é demonstração de vida, de ânimo, de disposição. Como passamos da morte para a vida, o Espírito Santo habita em nós e, portanto, temos vida e, diz Jesus, vida com abundância (Jo.10:10b). Esta comunhão com Deus gera alegria permanente e completa (Jo.15:11), daí porque não ser possível que um verdadeiro e sincero crente não seja alegre. Ter alegria é ter vida, é estar em comunhão com Deus, é ter a sensação de que há uma comunicação ininterrupta com o Senhor, de que não estamos sós e de que já desfrutamos de todas as bênçãos nos lugares celestiais em Cristo.
O Evangelho é “novas de grande alegria”, como disseram os anjos aos pastores de Belém ao anunciar o nascimento de Jesus (Lc.2:10). Sendo “novas de grande alegria”, não é possível que evangelizemos alguém e que este alguém aceite Cristo e não se torne uma pessoa alegre. Também não se pode pregar o Evangelho de forma ameaçadora, de modo rude e carrancudo, se o Evangelho são “novas de grande alegria”. Como poderemos levar uma mensagem de alegria através de meios e instrumentos que não demonstrem esta alegria?
Esta alegria, entretanto, não tem nada a ver com o que estivermos passando nesta vida. Nada nos pode separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus (Rm.8:35-39). Assim, ainda que venham os problemas, as dificuldades, as adversidades, isto não pode roubar a nossa alegria, porque ela não é fruto de qualquer fator que esteja ao nosso redor, mas de nossa comunhão com Deus. A única coisa que tira a alegria da salvação é o pecado, como bem nos ilustra o rei Davi no Salmo 51.
É por isto que vemos, na Bíblia Sagrada, situações em que todas as circunstâncias são adversas, mas o servo de Deus continua alegre apesar de tudo o que ocorre à sua volta. Senão vejamos:
a) Jesus, indo para o Getsêmane, onde sabia que seria traído e preso, cantou um hino com Seus discípulos (Mt.26:30), prova de que estava alegre (Tg.5:13b).
b) Os discípulos, depois de serem açoitados por ordem do Sinédrio, saíram regozijando, ou seja, cheios de alegria, porque haviam sido julgados dignos de padecer afronta pelo nome de Jesus (At.5:40,41).
c) Estêvão, mesmo enfrentando uma multidão enfurecida que o haveria de matar, exultou ao ver o Filho do homem à direita de Deus, alegria esta que não diminuiu com o apedrejamento que se seguiu a esta visão (At.7:54-57).
d) Paulo e Silas, mesmo no cárcere interior (que era o compartimento mais terrível de uma prisão romana, situado no subterrâneo, sem qualquer iluminação, certamente úmido e fétido), com as mãos e pés amarrados, tendo sido açoitados, à meia-noite, cantavam hinos a Deus (At.16:24,25), prova de que toda esta situação não lhes roubara a alegria.
e) Paulo, apesar de estar preso, não só mostrou a sua alegria, mas estimulou a que os filipenses também a sentissem (Fp.3:1; 4:4). Por isso o apóstolo pôde dizer aos coríntios que, mesmo que contristado, sempre estava alegre (II Co.6:10).
A salvação gera no crente uma alegria espiritual permanente, que não se acaba e que só tende a aumentar, assim como a nossa vida com Cristo, que, sendo uma vida, impõe um crescimento contínuo. A forte impressão de prazer trazida pela regeneração, pelo novo nascimento tem de aumentar a cada passo de nossa comunhão com Cristo, pois, se buscarmos mais a Deus, certamente seremos cada vez mais ungidos com o “óleo da alegria”, ou seja, teremos cada vez mais intensa comunhão com o Senhor, numa proximidade com Deus (Tg.4:8a), que só nos fará aumentar esta alegria.
A Palavra de Deus é, deste modo, uma fonte de salvação, pois ela é o próprio Deus revelado ao homem. “Achando-se as tuas palavras, logo as comi, e a tua palavra foi para mim o gozo e alegria do meu coração; porque pelo teu nome me chamo, ó Senhor, Deus dos Exércitos.” (Jr.15:16). A Palavra do Senhor é alegria para nós, pois, através dela, compreendemos quem é o Senhor e o que representa esta comunhão que temos com Ele a partir do instante em que nos arrependemos de nossos pecados e O aceitamos como Senhor e Salvador. Por isso, a meditação na Palavra de Deus aumenta a nossa alegria espiritual, e, com alegria, como diz Isaías, tiraremos águas das fontes da salvação (Is.12:3).
Neste passo, vemos que a demonstração do poder de Deus é um fator que amplia a nossa alegria espiritual. O salmista afirma que as pragas impostas sobre o Egito tiveram como resultado o nascimento da alegria no povo de Israel, com a qual o Senhor os tirou da escravidão (Sl.105:23-43). Em Samaria, a Bíblia nos diz que Filipe pregava o Evangelho e a multidão atentamente o ouvia e via os sinais que Filipe fazia. Vemos, assim, que a multidão, em primeiro lugar, creu em Jesus, porque ouviu a Palavra de Deus, que é o meio pelo qual se manifesta a fé salvadora (Rm.10:17) e, por conseguinte, receberam a alegria da salvação, alegria que se tornou uma “grande alegria” (At.8:8), diante dos sinais que se seguiram à pregação da Palavra (At.8:5-7). Os discípulos de Cristo também muito se alegraram ao ver os sinais que faziam em nome de Cristo quando foram pregar nas aldeias judias (Lc.10:17). Assim, os sinais de demonstração do poder de Deus, que confirmam a Palavra (Mc.16:20), são um fator de ampliação, de aumento da alegria espiritual do crente.
Foi, precisamente, por causa deste aspecto da alegria que o salmista, no Salmo 106, pediu ao Senhor que visse o bem dos Seus escolhidos, para que pudesse se referir às obras poderosas de Deus, a fim de que o povo santo se alegrasse e se regozijasse (Sl.106:1,5). Quando o Senhor demonstra o Seu poder no meio do Seu povo, isto aumenta a alegria do salvo, uma vez que sentimos mais fortemente a presença do Senhor, presença esta onde há abundância de alegrias (Sl.16:11).
Por falar na presença do Senhor, é este um elemento que aumenta ainda mais a alegria do salvo. Vivemos sempre na presença do Senhor, pois o Senhor está em nós, se é que verdadeiramente somos salvos, mas há níveis diferentes de desfrute desta presença do Senhor. Quando o crente mantém uma vida devocional intensa, quando mantém uma vida de oração, uma vida de meditação na Palavra do Senhor, naturalmente que ganha maior intimidade com Deus, intimidade esta que é uma necessidade na nossa vida espiritual (Mt.6:6-8). Ora, quanto mais próximos de Deus estivermos, maior alegria desfrutaremos, pois, na presença de Deus, há abundância de alegrias (Sl.16:11).
Diante desta intimidade, basta a um crente ser convidado a ir à casa do Senhor para que a alegria se manifeste (Sl.122:1). Participar do culto a Deus, fazer a obra de Deus é outro fator que traz alegria aos salvos, daí porque Paulo e Silas cantavam hinos a Deus, apesar de terem sido açoitados, ou porque Paulo tenha dito que, mesmo contristado, estava sempre alegre.

III – O SOFRIMENTO E A ALEGRIA ESPIRITUAL

Como a alegria espiritual independe dos fatores que estão à nossa volta, surge, naturalmente, uma indagação, que, aliás, não é de hoje, é uma das mais antigas discussões teológicas de todos os tempos, já que presente no livro mais antigo das Escrituras, o livro de Jó: como explicar a alegria espiritual se, no mundo, todo ser humano sofre?
Se formos observar, o sofrimento é uma característica que acompanha todo ser humano. Vivemos num mundo onde só há uma certeza: a presença de momentos de aflição. Quem o disse foi o próprio Jesus que, ao falar sobre este mundo, disse que nós, de antemão, soubéssemos de que no mundo só teríamos aflições (Jo.16:33b) e, ao anunciar a edificação da Sua Igreja, já foi logo dizendo que ela teria de enfrentar as portas do inferno (Mt.16:18).
Ante este quadro, como falarmos em alegria espiritual, em alegria permanente, em alegria que surge no instante da conversão? O questionamento, embora legítimo, não tem razão de ser, pois é resultado da confusão que há entre as duas “alegrias” apresentadas neste estudo. A alegria humana, que preferimos denominar de “contentamento”, não é mesmo compatível com uma situação de tribulação, de angústia ou de aflição. Ela depende de não haver estes fatores para se manifestar, mas a alegria espiritual, a “alegria” ou “gozo”, como não depende de fatores externos, não se abala caso surjam estas circunstâncias adversas, circunstâncias, aliás, que Jesus já afirmou que iriam aparecer na vida do crente, como também aparecem na vida do ímpio, pois nesta vida debaixo do sol, “…tudo sucede igualmente a todos, o mesmo sucede ao justo e ao ímpio, ao bom e ao puro, como ao impuro, assim ao que sacrifica como ao que não sacrifica, assim ao bom como ao pecador, ao que jura como ao que teme o juramento.” (Ec.9:2).
Neste mundo corrompido pelo pecado, o homem passa por dificuldades e por problemas, por angústias e por aflições. Mesmo os crentes não estão livres disto, pois ainda se encontram debaixo do sol, aguardando, é bem verdade, a sua redenção, mas redenção que somente virá no arrebatamento da Igreja. Enquanto isto não ocorre, o crente deve ser consciente de que “…por muitas tribulações nos importa entrar no Reino de Deus.” (At.14:22 “in fine”).
Como a “alegria” ou “gozo” é diferente do “contentamento” (e, neste particular, mais uma vez completamente equivocados estão os defensores da confissão positiva e da teologia da prosperidade), não há qualquer abalo na alegria espiritual quando o crente sofre nesta vida. Pelo contrário, o sofrimento é um fator que amplia a nossa alegria espiritual. Mas como isto poder ser assim?
Realmente, aos olhos humanos, é um paradoxo, é um contrassenso dizer que o sofrimento do crente é um fator que amplia a alegria espiritual, pois o sofrimento traz dor, o sofrimento traz tristeza, traz abatimento, traz desânimo, traz choro, traz lágrima ao ser humano e nada disso pode ser considerado fonte de prazer, a não ser que se esteja diante de um masoquista, ou seja, de uma pessoa que sofre de um distúrbio mental, que gosta de sofrer, que sente prazer no próprio sofrimento. Ora, o crente não é um desequilibrado mental e, portanto, não pode ser um masoquista. Como, então, entender que o sofrimento traz alegria espiritual?
Por primeiro, é importante frisarmos que o sofrimento tem, basicamente, três origens, como nos ensina o Senhor Jesus no sermão do monte (Mt.7:24-27), a saber:
a) o sofrimento provocado por Deus – Ao falar sobre as intempéries da vida, ou seja, sobre as tribulações, Jesus disse que, tanto ao homem que ouvia e praticava a Sua Palavra (o sábio que edificou sobre a rocha), como ao que ouvia mas não praticava (o insensato que edificou sobre a areia), sobreveio a chuva. Ora, a chuva vem do céu e é uma figura da provação divina. Deus prova o homem (Gn.22:1) e esta prova, como tudo que Deus faz para o homem, tem o objetivo de melhorar o homem, de lhe proporcionar crescimento espiritual. Assim, quando somos provados, se estamos em comunhão com Deus, isto nos levará a ter aumento de alegria, como nos recomenda o próprio Senhor (Mt.5:11,12).
b) o sofrimento provocado pelo maligno – Aqui estamos diante da tentação, da ação destruidora do maligno, que age por permissão divina, como vemos no caso de Jó. Este sofrimento é representado, no sermão do monte, pelos rios que correm, cujas águas, ao transbordarem, atingem as casas de baixo para cima (como podem testemunhar as vítimas das enchentes, principalmente nas cidades brasileiras). É a atuação do maligno, que tem em vista não o bem-estar do homem, mas a sua destruição. Aqui há promessa de vitória por parte de Deus aos Seus servos (Mt.16:18), devendo o crente resistir, pois, assim fazendo, o diabo certamente fugirá do crente (Tg.4:7). A vitória alcançada trará, certamente, aumento de alegria ao crente, pois se mostrará, uma vez mais, o poder de Deus sobre as forças do mal (Lc.10:19).
c) o sofrimento causado pelas ações humanas – Neste particular, estamos diante de consequências dos nossos próprios atos, resultado da lei da ceifa (Gl.6:7). Este sofrimento é representado pelos ventos que assopraram, algo que atinge a casa de lado, ou seja, algo que é fruto da nossa convivência com os semelhantes. Este sofrimento tem de ser suportado pelo crente, porque decorre da própria soberania divina, mas até mesmo neste ponto vemos aumento de alegria espiritual, porquanto, ao compreendermos que se está cumprindo a Palavra do Senhor, reconhecemos que só o Senhor é Deus e, mediante esta circunstância adversa, podemos melhorar nossos caminhos e sentir a mão misericordiosa de Deus nos conduzindo não para a destruição, mas para a vida eterna com Ele. O apóstolo Paulo tinha plena consciência de que todo o seu sofrimento no ministério era resultado desta lei da ceifa e foi a primeira instrução que recebeu do Senhor a respeito de seu trabalho na obra de Deus (cfr. At.9:16), mas isto em nada abalou a sua alegria espiritual, antes era um fator que o mantinha esperançoso diante do Senhor (Fp.3:12,13). Como nos ensina Pedro, “…alegrai-vos no fato de serdes participantes das aflições de Cristo, para que, também, na revelação da Sua glória, vos regozijeis e alegreis” (I Pe.4:13).
O sofrimento é uma necessidade na vida do crente para que ele possa sentir e vivenciar que a sua alegria não provém das circunstâncias da vida debaixo do sol, mas, sim, de nossa comunhão com o Senhor. Como podemos sentir isto se não vierem adversidades sobre nós? Como podemos saber que somos alegres porque temos comunhão com Deus se não vierem problemas e dificuldades que demonstrem isto para nós mesmos? Ter alegria espiritual é muito diferente de desfrutar de momentos de contentamento e só mediante a provação é que poderemos experimentar isto. Por isso, Tiago disse para termos grande gozo quando passarmos por provação (Tg.1:2).
OBS: “…Não devemos ter em mente que o crente deve estar ‘mostrando os dentes’, sorrindo e dando risadas a todo instante, ou o fazendo sem motivo, mas seu estado de espírito deve ser de quem está contente, satisfeito, jubiloso para com Deus, mesmo quando nem tudo vai como ele gostaria.…” (SILVA, Osmar José da. Lições bíblicas dinâmicas, v.3, p.6).

IV – OS OBSTÁCULOS À ALEGRIA ESPIRITUAL

Temos visto que a alegria espiritual resulta da salvação, da vivificação do nosso espírito pelo Espírito de Deus, quando somos perdoados pelos nossos pecados. Portanto, o primeiro obstáculo à alegria espiritual é, indubitavelmente, o pecado.
Quando pecamos, surge uma divisão entre nós e Deus (Is.59:2) e, em virtude disto, ocorre a separação entre nós e Deus, que nada mais é que a morte. Havendo morte, não há vida e, se não há vida, não há alegria, pois, conforme já visto neste estudo, ser alegre é ser vivo, é ser animado, é ter viva satisfação. Por isso, quando Davi pecou, ele perdeu a alegria, tanto que orou a Deus pedindo de volta a “alegria da salvação” (Sl.51:12). Ele não mais tinha a “alegria da salvação”, porque contra Deus havia pecado (Sl.51:4). Ao negar Jesus, Pedro também pecou, pois mentiu dizendo que nem sequer conhecia Jesus e, por isso, perdeu a alegria, tanto que chorou amargamente (Mt.26:75; Lc.22:62).
Tanto assim é que, ao final de todas as maldições que foram anunciadas contra o povo de Israel, caso ele viesse a pecar, Moisés, em nome do Senhor, diz que todas estas maldições adviriam ao povo israelita pela sua desobediência, porque, caso houvesse a atitude desobediente, ela era resultado da falta de alegria com que o povo teria servido a Deus (Dt.28:47). O caminho da desobediência e do pecado, portanto, é o mesmo caminho da falta de alegria espiritual. Não é à toa que Jesus intitula os Seus discípulos de “bem-aventurados”, ou seja, mais do que felizes, i.e., espiritualmente alegres. Em todas as Escrituras, as bênçãos de Deus são denominadas de “bem-aventuranças”, ou seja, fonte de alegria espiritual. Um crente que não tem alegria é um crente que não tem comunhão com o Senhor, um crente que está em pecado.
O pecado faz perder a alegria, mas, antes que o pecado surja, alguns fatores podem gerar uma diminuição da alegria espiritual. São fatores que, embora não sejam causadoras da extinção da alegria espiritual, pois não se constituem em pecado, são verdadeiros embaraços (Hb.12:1) que atrapalham a caminhada do salvo e que podem criar condições para que o pecado apareça, matando de vez a alegria que o Senhor nos deu um dia.
O primeiro destes fatores que diminuem a alegria espiritual é o desânimo. Como vimos, ser alegre é ser animado, é ter ânimo, é ter disposição (Fp.2:2). Um dos grandes perigos para o crente é o desânimo. Ao falar das aflições desta vida, Jesus, imediatamente após anunciar que teríamos aflições, disse que éramos para ter bom ânimo (Jo.16:33), ânimo que teremos se não deixarmos de olhar para Ele, o autor e consumador da nossa fé (Hb.12:2), seguindo-Lhe o exemplo.
Ter ânimo, ter disposição é não se deixar guiar pelas circunstâncias. Nossa alegria espiritual não depende dos fatos que ocorrem à nossa volta e, por isso, não podemos nos deixar levar por eles. Quando a Bíblia nos manda olhar para Jesus, é porque é d’Ele que provém a nossa alegria. Jesus é a alegria dos homens, como intitulou o músico Johann Sebastian Bach uma das músicas sacras mais belas de todos os tempos, título que traduz uma inquebrantável verdade bíblica. A fonte da nossa alegria é Jesus e Jesus está no controle de todas as coisas, pois fez questão de nos revelar que Lhe foi dado todo o poder nos céus e na terra (M.28:18). Assim sendo, mesmo que as ondas sejam ameaçadoras, que a tempestade pareça nos levar a uma morte certa, mesmo que os ventos sejam aterrorizantes, não podemos deixar de olhar para Jesus e de confiar n’Ele (Hb.12:2), pois, assim fazendo, poderemos andar sobre as águas agitadas, mesmo que isto seja impossível para os padrões humanos. Entretanto, se deixarmos de olhar para Jesus e divisarmos as circunstâncias, com certeza começaremos a naufragar, pois o desânimo chegará inevitavelmente.
“O Senhor é o socorro bem presente na angústia, pelo que não temeremos, ainda que a terra se mude e ainda que os montes se transportem para o meio dos mares, ainda que as águas rujam e se perturbem, ainda que os montes se abalem pela sua braveza. Há um rio cujas correntes alegram a cidade de Deus, o santuário das moradas do Altíssimo. Deus está no meio dela, não será abalada, Deus a ajudará ao romper da manhã.”(Sl.46:1-5). Este deve ser o pensamento e a prática do crente nos momentos de angústia. Ele deve estar consciente de que a sua alegria provém de Deus, que ele é morada do Senhor, é templo do Espírito Santo e que, portanto, há um rio, há uma fonte de água viva que salta para a vida eterna, há uma comunhão entre o crente e o Senhor que nada pode abalar, que circunstância alguma pode retirar. O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã! (Sl.30:5 “in fine”).
Outro fator que prejudica a nossa alegria espiritual é a dúvida, ou seja, a falta de fé. Os discípulos estavam alegres, como, aliás, Jesus havia predito (Jo.16:22), depois que O viram ressuscitado (Jo.20:20). Tomé, porém, não estava com os dez quando Jesus lhes havia aparecido e, ao ser informado da aparição do Senhor, duvidou e, por isso, não ficou alegre (Jo.20:25). A dúvida, portanto, prejudica a alegria espiritual. A Bíblia diz que o que duvida é como a onda do mar, que é levada pelo vento, e lançada de uma para outra parte (Tg.1:6). Ora, já vimos que a alegria espiritual se caracteriza por independer dos fatores externos, das circunstâncias da vida e, portanto, quem duvida é levado pelas circunstâncias, o que significa afirmar que é uma pessoa que não tem a verdadeira alegria.
A falta de fé impede o fortalecimento e a consolidação da alegria espiritual, tanto que, na parábola do semeador, Jesus mencionou que aquele que O aceitar mas que não desenvolver uma fé fecunda, que tiver limitação nesta fé, acabará por se perder, não persistirá, pois a sua alegria logo cessará ante as dificuldades da vida (Mt.13:5,6,20,21). O que não tem raiz é o que duvida, o que se deixa levar pelos fatores externos, aqueles que, para crer em Jesus, para confiar n’Ele, precisam que tudo à sua volta esteja bem, que tenha o carro do ano, prosperidade financeira, posição social e fama. Caso isto não aconteça, desistem de servir ao Senhor. É a dúvida que impede o fortalecimento da alegria espiritual na vida destes, que, como disse o Senhor, na primeira dificuldade, no primeiro problema, tudo abandonam, morrendo espiritualmente.

V – OS RESULTADOS DA ALEGRIA ESPIRITUAL

O primeiro resultado da alegria espiritual é o fortalecimento do crente (Cl.1:11). “A alegria do Senhor é a vossa força” (Ne.8:10 “in fine”). O fortalecimento do crente vem da alegria espiritual. Paulo, por ser uma pessoa alegre, podia dizer “posso todas as coisas n’Aquele que me fortalece” (Fp.4:13), frase que, não por coincidência, se encontra escrita na chamada “carta da alegria”, como é conhecida a carta de Paulo aos filipenses, pela insistência com que o apóstolo se refere a esta qualidade do fruto do Espírito. O adversário sabe disto e, por isso, procura desanimar o crente, pois sabe que um crente desanimado, um crente que tenha diminuído a sua alegria, é um crente enfraquecido e, portanto, mais fácil de ser vencido.
O segundo resultado da alegria espiritual é o louvor. “Está alguém contente? Cante louvores” (Tg.5:13b). O louvor provém de Deus (Rm.2:29 “in fine”) e só será apropriado e destinado ao Senhor por um homem que tenha alegria espiritual. Quem está alegre, louva ao Senhor, como nos provam vários exemplos bíblicos, como Davi, Maria, Jesus, Paulo e Silas, entre tantos outros. O louvor é uma expressão de alegria espiritual, é consequência de uma vida de comunhão com Deus. Costumeiramente, nas Escrituras, as expressões de alegria se fazem acompanhar de louvores (I Sm.18:6; I Rs.1:40; I Cr.15:16; II Cr.23:18; II Cr.29:30; II Cr.30:21; Ne.12:27; Sl.59:16; Sl.100:2; Is.30:29; Jr.33:11). Por isso, o verdadeiro louvor é aquele que, em sua melodia e letra, exaltam a Deus, têm a Deus como centro e não buscam a agitação do corpo, pois é o resultado da alegria espiritual, uma das qualidades do fruto do Espírito que estão diretamente ligados ao relacionamento entre Deus e o homem.
O terceiro resultado da alegria espiritual é a voluntariedade na obra do Senhor. Quando o crente tem alegria espiritual, dispõe-se a cooperar na obra do Senhor, apresenta-se voluntariamente para participar, de algum modo, no trabalho que a Igreja deve realizar sobre a face da Terra. Todas as vezes que vemos o povo de Deus demonstrando alegria, vemo-lo voluntariamente participando nas coisas de Deus, seja trabalhando, seja contribuindo para a realização da obra do Senhor (I Cr.12:40; I Cr.29:9,17; Ed.6:22; II Co.9:7; Fp.1:4).
O quarto resultado da alegria espiritual é o aformoseamento do rosto. Salomão afirmou que “ o coração alegre aformoseia o rosto” (Pv.15:13a), de modo que o crente deve ser uma pessoa que tem o rosto formoso, ou seja, um rosto que demonstre a alegria interior. Não se trata aqui de aparência externa, de beleza física, mas de uma beleza sobrenatural, de um rosto radiante, de uma face que transpareça alegria do homem interior. Conhecemos uma irmã em Cristo que se interessou pelo Evangelho depois que passou a ver que uma amiga sua de faculdade retornara das férias com uma face diferente, com um brilho nos olhos que ela não possuía quando se encerrara o período letivo anterior. Intrigada, esta irmã perguntou-lhe o que havia acontecido, oportunidade em que sua amiga lhe testificou de Jesus, a quem havia aceitado durante as férias escolares. Era o rosto formoso que se apresentava e que ganhou mais uma alma para o Senhor. Por isso, não podemos, em absoluto, concordar com aqueles que confundem a santidade cristã com a carranca, com “cara feia”, demonstrando, assim, não a alegria espiritual, mas uma suposta tristeza que, certamente, afugentará muitos da vida cristã.”…Deus não é um juiz carrancudo ameaçador sentado num trono, Jesus não é um Mediador pendurado numa cruz, o Espírito Santo não trata com rancor, anjos não vivem para castigar, a Igreja não vive cheia de angústias, sofrimentos e misérias. Troque tudo isto por seres alegres, deixe a tristeza com o diabo.…” (SILVA, Osmar José da. Lições bíblicas dinâmicas, v.3, p.7).
Neste ponto, é importante mostrar que a alegria é uma qualidade que deve estar em cada crente. Muito acham que a alegria do cristão somente começará quando for atingida a eternidade e vivem apenas de momentos de alegria e, o que é pior, confundem-se a tal ponto que ficam correndo atrás de experiências místicas e sobrenaturais, para sentirem alegria espiritual, como se ainda fossem ímpios, correndo atrás de instantes de êxtase. Dentro desta perspectiva, aliás, chegam, mesmo, a serem presas fáceis de mistificações e ensinamentos sem qualquer respaldo bíblico, como a chamada "risada santa", uma das "neobobagens pentecostais" dos últimos tempos, para aqui utilizarmos uma feliz expressão do jornalista cristão Jehozadak Pereira. Não podemos admitir que pessoas que se dizem salvas sejam carrancudas, estejam, como diz o povo, "de mal com a vida", sejam mal-humoradas, pessimistas, desanimadas, murmuradoras e reclamonas. A alegria da salvação não permite dizer que pessoas com este comportamento possam ser consideradas efetivamente salvas.
Esta alegria é mostrada por Jesus no sermão do monte de um modo específico, ao dizer que " bem-aventurados os que choram, porque serão consolados." (Mt.5:4). O servo de Deus está, ainda, sujeito a ter dificuldades, dores e tristezas nesta vida. O próprio Jesus, por duas oportunidades, chorou publicamente (Lc.19:41; Jo.11:35), mas, dizem-nos as Escrituras, que sempre foi consolado nos Seus momentos mais cruciais (Lc.22:43). A alegria do crente não é roubada, porque temos conosco e em nós o Consolador (Jo.14:16,17) e, por isso mesmo, mantemos a esperança e continuamos o nosso caminho para o céu. " 'Stou andando para o céu onde os santos já estão: 'stou alegre e satisfeito ! Minha pátria é Sião, morte lá não entrará; que alegria ali será ! Oh ! Glória e aleluia! Meu desejo é estar no céu; ' stou alegre e satisfeito. Oh1 Glória e aleluia! Meu desejo é estar no céu; que alegria ali será!" (1ª estrofe e refrão do hino 485 da Harpa Cristã, de autoria de Joel Carlsson).
A certeza da consolação por parte de Deus nos momentos em que enfrentamos dissabores e contrariedades, que sempre existem pois ainda estamos na dimensão terrena e temos emoções e sentimentos como qualquer homem, é o fato pelo qual a alegria acaba gerando a esperança no cristão, que é uma das chamadas “virtudes teologais” do cristão. Nosso Deus é o Deus de toda a consolação (II Co.1:3), não só o Pai, mas tanto o Filho quanto o Espírito Santo (Jo.14:16). Não temos o que temer, nem que nos desesperar, pois sempre seremos consolados. O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã!

VI – INVEJA, HÁBITO DA VELHA NATUREZA

Fazendo um contraponto com a alegria, uma das qualidades do fruto do Espírito, quis o nosso comentarista também falar de uma das obras da carne, a inveja, apresentado aqui como “hábito da velha natureza”. Com efeito, diz Tomás de Aquino que Damasceno [Crisóstomo] já definia a inveja como sendo “a tristeza em virtude do bem do outro” (Sobre o mal, questão 10, artigo 1).
Assim como a alegria é um resultado direto e quase que imediato da “fecundação” espiritual, do novo nascimento, tem-se que a inveja é, também, um resultado direto e quase que imediato da iniquidade, do pecado. Quando se achou iniquidade em Satanás (Ez.28:15), imediatamente vemos o querubim ungido desejando a posição do Altíssimo (Is.14:14), querendo estar acima dele, aspirando uma posição que não era a sua, que nada mais é que inveja, que, como diz o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, é “sentimento em que se misturam o ódio e o desgosto, e que é provocado pela felicidade, prosperidade de outrem; desejo irrefreável de possuir ou gozar, em caráter exclusivo, o que é possuído ou gozado por outrem”.
OBS: “…Diz o livro da Sabedoria que é por causa da inveja que o demônio levou ao pecado nossos primeiros pais no início da história da humanidade. ’Ora, Deus criou o homem para a imortalidade e o fez à imagem de sua própria natureza. É por inveja do demônio que a morte entrou no mundo, e os que pertencem ao demônio prová-la-ão’ (Sb 2,23-24). Santo Agostinho dizia que ‘a inveja é o pecado diabólico por excelência’. E se referia a ela como ‘o caruncho da alma que tudo rói e reduz a pó’.…” (AQUINO, Felipe. 01 nov. 2011. O pecado da inveja. Disponível em: http://cleofas.com.br/o-pecado-da-inveja/ Acesso em 08 nov. 2016).
Entre os homens, podemos também inferir que a inveja é o primeiro subproduto do pecado, pois Eva desejou ser igual a Deus, querendo saber o bem e o mal (Gn.3:4-6), desejo que foi também compartilhado por seu marido. Na segunda geração, é também a inveja um fator que acompanhou Caim e que terminou por acabar levando-o ao homicídio de seu irmão e à saída da presença de Deus (Gn.4:5,8,16).
Desta forma, temos que, assim como a alegria é o primeiro “subproduto” da salvação, a inveja se apresenta como um dos primeiros “subprodutos” da iniquidade, do pecado, motivo pelo qual sempre está presente a perturbar os justos, a começar de Abel e que perdurará até o final dos tempos.
A inveja é um contraponto da alegria, porque é, em suma, uma tristeza. “…A inveja é a tristeza de ver o outro feliz, de ver o outro agraciado. E a tristeza também é um pecado, pois, onde existe tristeza, existe um deus morto. Diz o Catecismo da Igreja Católica que: A inveja é um vício capital. Designa a tristeza sentida diante do bem do outro e do desejo imoderado de sua apropriação, mesmo indevida. Quando deseja um mal grave ao próximo, é um pecado mortal: “Santo Agostinho via na inveja o pecado diabólico por excelência. Da inveja nascem o ódio, a maledicência, a calúnia, a alegria causada pela desgraça do próximo e o desprazer causado pela sua prosperidade.” – São Gregório Magno (CIC 2539).…” (AZEVEDO Júnior, Paulo Ricardo. O que fazer com a inveja? Q6 out. 2014. Disponível em: http://cleofas.com.br/o-que-fazer-com-a-inveja/ Acesso em 08 nov. 2016).
A primeira constatação, portanto, é que os servos do Senhor jamais estarão livres da inveja. Pelo contrário, o Senhor Jesus foi alvo dela, tanto que foi este o fator determinante para a sua entrega a Pilatos (Mt.27:18; Mc.15:10).
A segunda constatação que se faz sobre a inveja é de que ela é um caminho, uma porta de entrada para outros pecados, como, por exemplo, o homicídio. Com efeito, tanto no caso de Caim quanto no caso dos principais dos sacerdotes, a inveja serviu de alimento para o derramamento do sangue inocente. Assim como a alegria está relacionada com mais vida, como vimos supra, a inveja está relacionada com a morte. Por isso, é dito que a inveja é um “pecado capital”, porque dá origem a outros pecados, a outros vícios.
OBS: “…Como dissemos acima, vícios capitais são aqueles que, a título de causa final, geram outros vícios. Ora, o fim tem caráter de bem e, do mesmo modo, a vontade tende ao bem e à fruição do bem, que é o prazer. Por isso, assim como a vontade é movida a agir pelo bem é também movida pelo prazer. Deve-se também considerar que, assim como o bem é o fim do movimento volitivo de perseguir [prosecutio: tender a um bem para obtê-lo], assim também o mal é o fim do movimento volitivo que é o fugir: do mesmo modo como alguém que quer obter um bem, persegue-o; assim também quem quer evitar um mal, foge dele. E como o prazer é a fruição de um bem, assim também a tristeza é um certo termo do mal que oprime o ânimo. O homem que repudia a tristeza é levado a fazer muitas coisas para afastar a tristeza ou as coisas que inclinam à tristeza. Ora, sendo a inveja uma tristeza pela glória de outro, considerada como um certo mal, segue-se que, movido pela inveja, tenda a fazer coisas contra a ordem moral para atingir o próximo e, assim, a inveja é vício capital.…( AQUINO, Tomás de. Sobre o mal, questão 10, artigo 3. As filhas da inveja. Disponível em: http://www.hottopos.com/notand10/tomas.htm Acesso em 08 nov. 2016).
É interessante, aliás, observar que a palavra hebraica traduzida por “inveja” é “qana’” (קנא), palavra que significa “…forte emoção com que o sujeito deseja algum aspecto do objeto ou sua posse. Pode expressar zelo ou ciúmes, na situação em que as pessoas têm zelo por sua propriedade ou posição, com medo de que possam perdê-la; (…) ou inveja, quando as pessoas têm zelo pela propriedade ou posição dos outros, esperando poder obtê-las…” (Dicionário do Antigo Testamento, verbete 7065. In: Bíblia de Estudo Palavra Chave, p.1906).
A palavra mostra, em seu significado, que a inveja é uma “causa” originada no retorno ao “eu”, ou seja, é fruto de uma concepção egocêntrica, de um egoísmo, de uma consideração de que se está e se é o centro do universo, o centro do mundo, e que tudo gira em torno de si e precisa servir aos seus próprios interesses.
O invejoso parte da premissa de que só ele existe, só ele merece, só ele pode ter sucesso e que ninguém pode ter êxito ou bem-estar a não ser ele próprio. Por isso, o invejoso não suporta a felicidade do outro, a alegria alheia, desejando que haja o fracasso, que haja o mal do outro.
É um risco enorme quando deixamos de olhar para o Senhor ou de olhar para o outro, vendo no outro a imagem e semelhança de Deus, pois, quando passamos a olhar para nós mesmos a desconsiderar ao Criador e as suas outras criaturas, entramos num terreno pantanoso que pode nos levar à inveja. O salmista disse que não devemos ter inveja dos pecadores em nosso coração, mas ser no temor do Senhor todo o dia (Pv.23:17), ou seja, o contrário de ter inveja é temer a Deus e somente tememos a Deus quando reconhecemos a Sua autoridade e o Seu senhorio, quando negamos a nós mesmos, em suma (Mt.16:24).
A inveja é uma desconsideração de Deus, pois o invejoso acha que é o centro do universo. É o que verificamos na primeira personagem que é explicitamente apresentada como invejosa nas Escrituras, que foi Raquel, que, por ter inveja de sua irmã Leia, já que não gerava filhos, “intimou” Jacó para que este lhe desse filhos, como se o patriarca pudesse mudar os desígnios divinos (Gn.30:1,2).
OBS: “…com a inveja evidencia-se ainda um outro pecado: o da idolatria, pois o invejoso coloca-se no lugar de Deus e quer que o verdadeiro Deus esteja sujeito às suas veleidades. É por isso que enxergar em tudo a mão divina, em tudo o sustento da mão poderosa do Senhor e agradecer por isso é a melhor maneira de curar-se desse mal.…” (AZEVEDO Júnior, Paulo Ricardo. end. cit.).
É o que também se vê na geração do êxodo, mui especialmente Datã, Abirão e Coré, que acabaram por morrer no deserto sem entrar na Terra Prometida, que, voltando-se única e exclusivamente para si próprios, para os seus próprios desejos e interesses, acabaram por invejar Moisés e Arão (Sl.106:14-18).
Não é por outro motivo, aliás, que o proverbista diz que a inveja é a podridão dos ossos e sua presença denota uma doença espiritual, sendo o contrário do espírito saudável, chamado de “coração com saúde” (Pv.14:30), pois é, como já dissemos, o caminho para a instauração de um estado deplorável de morte espiritual, caminho este que não tem parada na decadência e degeneração (Pv.27:4), porquanto a inveja é o verdadeiro motor de toda sorte de pecados (At.7:9; 13:45; 17:5).
Apesar de ser uma “obra da carne” (Gl.5:21) e, portanto, algo ínsito ao velho homem, à natureza pecaminosa, por ser como que a “causa” de todo o itinerário que leva à perdição, é algo que deve ser particularmente evitado pelos servos de Deus, é um risco que sempre está presente, daí porque serem muitas as advertências bíblicas aos salvos para que não caiam na “armadilha da inveja”, para que não repitam o erro de Asafe que, por invejar os ímpios, quase que se desviou inteiramente dos caminhos do Senhor (Sl.73:2,3).
É dito para que não tenhamos inveja dos que praticam a iniquidade (Sl.27:1), dos soberbos (Sl.73:3), do homem violento (Pv.3:31), dos pecadores (Pv.23:17), dos homens malignos (Pv.24:1) e dos ímpios (Pv.24:19). Se dermos vazão a este sentimento carnal, passaremos a cobiçar as posições de pessoas que estão espiritualmente mal, de pessoas que não dariam, em sã consciência, a qualquer desejo, para vermos como é enganosa a carne. Somos levados a invejar pessoas absolutamente perdidas, como é o caso dos textos, a mostrar que a inveja é um contrassenso total para quem serve ao Senhor.
Devemos, portanto, como antídoto da inveja temer a Deus, buscar amar a Deus e ao próximo, assim como Jesus amou. Quando tomarmos tal postura, não seremos enganados pela carne e seremos atingidos pela alegria espiritual, produzindo o fruto do Espírito e jamais invejando o próximo.