4º Trimestre de 2020 - 20/12/2020
INTRODUÇÃO
Lembro-me de que, em minha infância, na semana da Páscoa, algumas pessoas da comunidade onde fui criado faziam uma coleta e montavam um boneco. Ele era do tamanho de uma pessoa normal, vestido com roupas e enchimento, e era trazido à rua e espancado até que os seus pedaços pudessem ser espalhados. Era a representação do Judas, aquele famigerado discípulo que traiu Jesus. As pessoas reuniam-se e batiam no boneco até não poder mais. Na percepção dessas pessoas, o Judas não merecia sequer ter o seu corpo preservado. Ele deveria ser linchado por ter traído o seu Mestre. Quem traiu o Salvador trairia qualquer outra pessoa. É possível pensarmos que todas as pessoas que andaram próximas a grandes líderes tenham sido grandemente influenciadas por eles. Pregadores experientes servem de modelo para pregadores que estão começando. Gestores que fizeram carreiras de sucesso são estudados por pessoas que estão começando a interessar-se por processos de gestão. Com o Senhor Jesus não foi diferente. Ele serviu e serve de exemplo como mestre, amigo e servo. Entretanto, nem todos os discípulos seguiram o exemplo de Jesus. Neste capítulo, trataremos sobre Judas Iscariotes.
I – JUDAS, UM DOS DOZE ESCOLHIDOS
Um Discípulo de Jesus Dentro da perspectiva deste estudo, a história de Judas inicia-se quando ele é chamado por Jesus para ser um discípulo. Lucas 6.12,13 diz: “E aconteceu que, naqueles dias, subiu ao monte a orar e passou a noite em oração a Deus. E, quando já era dia, chamou a si os seus discípulos, e escolheu doze deles, a quem também deu o nome de apóstolos”. O nome Iscariotes pode ter, segundo se entende, dois significados: um referindo-se à possibilidade de Judas ser oriundo de um lugar chamado Queriote, situado na parte sul da Judeia. Outra possibilidade seria que Judas faria parte de um grupo de homens que portavam adagas, os chamados sicários. A primeira opção parece-nos mais razoável, pois os relatos sobre Judas não nos mostram um homem com tendências violentas ou portando qualquer arma. O Senhor precisava de pessoas que estivessem próximas dEle a fim de que, aprendendo com o seu exemplo e as suas palavras, fossem os seus seguidores e dessem prosseguimento ao seu ministério. Ele orou para escolher esses discípulos e não observou somente o jeito de cada um, mas também agiu de acordo com a orientação do Espírito Santo. É provável que, uma vez sabendo daquilo que Judas faria se tivesse oportunidade, não o deixaríamos participar de qualquer grupo em nossas igrejas. Entretanto, ele foi escolhido e teve permissão da parte de Cristo. Judas andou com Jesus, ouviu os seus ensinos, viu os milagres operados e demônios sendo expulsos. Cremos que ele estava no grupo de discípulos que voltou com alegria após terem sido enviados por Jesus de dois em dois e presenciarem até a libertação de pessoas oprimidas (Lc 11). Ele teve a honra de ser uma das pessoas mais próximas do Senhor — uma oportunidade sem precedentes para nossos dias.
O Evangelho segundo escreveu João informa-nos que Judas tinha uma incumbência específica: lidar com recursos financeiros no ministério. Era o que, em nossos dias, chamamos de “tesoureiro” do grupo das pessoas que andavam com Jesus (Jo 12.6). Isso nos mostra que, de alguma forma, ele tratava com questões financeiras no ministério terreno de Jesus, guardando as ofertas e doações que chegavam. Jesus recebia doações. Entendemos que o dinheiro tem um poder de sedução muito forte para pessoas que desejam ter ao invés de ser; entretanto, não podemos jamais Judas – Quando a Proximidade com Jesus não Faz a Diferença | 139 dizer que quem lida com recursos financeiros será como Judas, que era desonesto. Há pessoas sérias e comprometidas com o Reino de Deus que lidam com o dinheiro e não se deixam levar por ele. E por que entendemos que o dinheiro tem um forte apelo a nossos corações? O dinheiro nunca é neutro. Ele tem o poder de atrair o coração do homem (ver Ec 5.10). O próprio Jesus personificou o dinheiro quando o chamou de Mamom, o “senhor” que tenta disputar nossa fidelidade com Deus.
Em um determinado momento no ministério de Jesus, Maria ofertou ao Senhor um unguento, com o qual ungiu os pés do Senhor. Judas, vendo a cena, ficou indignado com o que considerou um “desperdício”. A ocasião faz a oportunidade para que se manifeste um ladrão. João 12.4-6 diz: “Então, um dos seus discípulos, Judas Iscariotes, filho de Simão, o que havia de traí-lo, disse: Por que não se vendeu este unguento por trezentos dinheiros, e não se deu aos pobres? Ora, ele disse isso não pelo cuidado que tivesse dos pobres, mas porque era ladrão, e tinha a bolsa, e tirava o que ali se lançava”. Para Judas, não bastava amar o dinheiro. Ele roubava valores do ministério de Jesus. O amor ao dinheiro deturpa até a missão mais nobre, que é a pregação e o ensino da Palavra de Deus e a conversão de perdidos. Entendemos que todo ministério necessita de recursos financeiros para subsistir, mas o dinheiro é um meio para chegar-se a certas realizações, e não a finalidade da obra de Deus. Portanto, repito: entendemos que o dinheiro tem um poder de sedução muito forte para pessoas que desejam ter ao invés de ser; entretanto, não podemos jamais dizer que quem lida com recursos financeiros será como Judas, que era desonesto. Na fala de Judas, há três pontos que precisamos destacar. (1) A oferta de Maria foi um desejo dela. A gratidão de Maria, que foi manifesta no perfume de nardo, é um reconhecimento da parte dela para o Senhor. Não havia qualquer impedimento para ela oferecer algo de valor para Jesus, e ela assim o fez. (2) Judas queria usufruir parte do dinheiro se o perfume fosse vendido. O argumento de que aquela especiaria aromática para angariar fundos deveria ser vendida não moveu Judas à generosidade, mas à cobiça. (3) As suas palavras mostram que ele não honrava Jesus — diferentemente da postura de Maria, que decidiu entregar a Cristo algo que foi fruto do seu trabalho.
II – JUDAS, O TRAIDOR
A traição pode ser considerada como um pecado cometido contra quem está próximo. É uma demonstração de falta de lealdade, de uma ruptura na fidelidade. Soldados de unidades especiais chegam a passar por treinamentos físicos e psicológicos que provam duramente a sua fidelidade à pátria e ao grupo, de tal forma que, se um deles deixa-se levar pela dor, pela privação do sono, pela fome ou cansaço e deixa patente a todos a sua tendência à falta de fidelidade para com a sua unidade, ele é logo tirado do grupo. A verdade é que não costumamos tratar bem pessoas traidoras. Elas perdem não somente nosso respeito, como também nossa confiança.
Nenhuma traição é feita contra pessoas inimigas, mas, sim, contra amigos. Por estar no círculo de Jesus, ele testemunhou coisas que nós, em pleno século XXI, gostaríamos de ver, como, por exemplo, a libertação do Gadareno, a multiplicação dos pães, a ressurreição de Lázaro, o mar acalmando-se ou as muitas curas e milagres que Jesus realizou. Judas também era um homem que poderia ser comprado. Os sacerdotes e doutores da Lei procuravam uma chance de prender e matar Jesus. Eles detestavam os ensinos do Mestre, que eram transmitidos com autoridade. Eles viam as multidões seguindo ao Senhor, tinham conhecimento dos milagres realizados por Ele e acabaram achando em Judas a pessoa ideal para quebrar as barreiras que impediam os seus planos de serem executados. O preço de Judas foi 30 moedas de prata.
A Palavra de Deus mostra-nos que o Filho de Deus seria traído. Essa situação havia sido registrada pelo profeta Davi no Salmo 42.9 “Até o meu 4 BARROS, Aramis de. Doze Homens e uma Missão, pp. 91,92. 144 | Os Bons e Maus Exemplos próprio amigo íntimo, em quem eu tanto confiava, que comia do meu pão, levantou contra mim o seu calcanhar.” O salmo registra uma traição realizada por uma pessoa próxima a Davi, e esse texto tem sido aplicado também à forma como Judas tratou o Senhor. De forma lamentável, Judas cumpriu o que havia sido predito contra o Senhor Jesus. A profecia diz que o Messias seria alvo de traição, mas não diz que o seu traidor deveria tirar a própria vida. Entendemos que Judas poderia ter um destino diferente, ainda que tenha sido instrumento de Satanás para entregar Jesus à morte. Outros discípulos, quando Jesus foi preso, afastaram-se do Senhor. Eles não o entregaram aos sacerdotes para ser torturado, mas ficaram preocupados com a sua própria segurança e de não serem reconhecidos como seus seguidores. Entretanto, todos eles foram restaurados, porque, após a ressurreição do Senhor, estavam vivos. Mesmo tendo-se escondido, não deram cabo das suas vidas. Há pessoas que, assim como Judas, se deixam levar pelo desgosto dos seus atos e, então, encerram não apenas a própria vida, como também a possibilidade de serem restauradas por Deus. O caso de Pedro foi diferente. Ele negou a Jesus, mas foi restaurado. Tomé duvidou da ressurreição do Filho de Deus, mas creu depois. Sempre há oportunidade em Cristo para que venha a restauração. 3. Judas, um Homem Dominado por Satanás Judas foi chamado de “filho da perdição” (Jo 17.12). Mesmo andando com Jesus, Satanás entrou em Judas em duas ocasiões. A primeira está registrada em Lucas 22.1-5. Já a segunda vez ocorreu por ocasião da Santa Ceia (Jo 13.21-27) Em ambas as ocasiões, Judas estava bem próximo do Senhor. Ele não estava à margem de comunhão ou passando por um processo de disciplina eclesiástica. Ele estava em plena comunhão com o grupo, tanto que nem mesmo os discípulos desconfiaram das intenções dele.
III – COMO JESUS TRATOU JUDAS
A declaração registrada em João 13.1 mostra que Jesus não fez acepção de pessoas mesmo sabendo que Judas iria traí-lo. Ele não tratou Judas diferentemente da forma como tratou os demais discípulos naquela noite. A traição de Judas não mudou a atitude do Senhor em relação a ele, nem Judas – Quando a Proximidade com Jesus não Faz a Diferença | 145 fez de Jesus um traidor. Jesus foi coerente com o plano de Deus, que era demonstrar amor por aqueles que não o amavam. 2. Jesus Deu a Ceia a ele “E, acabada a ceia, tendo já o diabo posto no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, que o traísse” (Jo 13.2). É quase impensável que uma pessoa como Judas pudesse participar da comunhão, mas Jesus ceou com ele e com todos os discípulos. É preciso deixar claro que Jesus deu, com o seu exemplo, oportunidades para que Judas arrependesse-se. A forma como Jesus tratou o seu discípulo deve desafiar-nos como exemplo. A Ceia era um momento de comunhão entre os participantes e, apesar de Judas ter mostrado que não queria comunhão com Jesus, que iria traí-lo, o Senhor não excluiu Judas da mesa e deu-lhe lugar à mesa para cear. A traição de Judas não fez diminuir a misericórdia de Jesus, nem fez dEle um traidor. 3. Jesus Lavou os Pés dele “Depois [...] lhes lavou os pés, e tomou as suas vestes, e se assentou outra vez à mesa [...]” (Jo 13.12). Jesus não deixou de fora o seu traidor, dando, com isso, uma lição de humildade e de liderança servil. Ele sabia que Judas iria traí-lo e, por isso, disse: “[...] vós estais limpos, mas não todos” (Jo 13.10). Judas, consumido pelo seu desejo de dinheiro, teve os seus pés lavados, mas a sua alma ainda estava contaminada. Somente o servo de menor importância lavava os pés das pessoas que chegavam na casa. As estradas poeirentas da Palestina deixavam os pés sujos e, junto com o cansaço natural da caminhada, com um aspecto ruim para os viajantes. Ter os seus pés lavados trazia alívio da caminhada e limpeza para os pés. A oportunidade que Jesus estendeu a Judas foi ímpar, mas também obscurecida pela ganância do discípulo ladrão. Judas foi consumar a traição somente após ter ceado e ter os seus pés lavados por Jesus. As devidas oportunidades que lhe foram dadas poderiam ser suficientes para que mover o coração do traidor, mas este já estava dominado por Satanás. 4. O Apostolado Entregue a outra Pessoa Morto Judas, o grupo dos Doze precisava de uma reposição. Há quem defenda que Paulo, o apóstolo dos gentios, deveria ter sido escolhido no lugar de Matias como apóstolo, em substituição de Judas Iscariotes. Tal postura beira ao que considero uma “idolatria paulina”, tendo em vista que Paulo não conheceu Jesus segundo a carne, nem esteve com o Senhor no seu ministério terreno, fatores necessários para que se destacasse como um dos Doze Apóstolos. Paulo tem o seu lugar na História da Igreja e nas Sagradas Escrituras. Os seus trabalhos evangelísticos e literários jamais foram desprezados. Entretanto, atribuir uma posição a Paulo que nem mesmo ele atribuiu a si é perigoso e beira à parcialidade. Paulo não foi um dos Doze, e isso nunca foi um demérito. Ele mesmo disse que era o menor dos apóstolos, pois havia perseguido a Igreja de Cristo. Ele fez muitas coisas em prol do Reino de Deus, chegando a dizer que fez mais do que todos os que estiveram com ele juntos, com uma ressalva: “Não eu, mas a graça” (1 Co 15.10).
CONCLUSÃO
Judas poderia figurar entre os apóstolos na História da Igreja. Poderia ter visto o Senhor ressurreto. Poderia ter sido batizado no Espírito Santo no dia de Pentecostes, mas entrou para a história como um traidor, e o seu nome representa, ainda hoje, essa imagem. Os demais discípulos também deixaram a desejar quando abandonaram Jesus nos seus últimos momentos de vida, mas foram trazidos de volta à comunhão pelo próprio Messias ressuscitado. Apenas Judas perdeu tais oportunidades não apenas por ter traído Jesus, mas também por ter dado fim à sua vida. Que possamos entender que sempre há restauração em Deus, desde que tenhamos fé para crer no perdão que Ele concede a todos e abandonar aquilo que desagrada ao Senhor. http://www.escoladominical.com.br/