A Constituição é um documento jurídico a qual atribui-se um maior valor legal em um Estado Democrático. Seu conteúdo baliza desde a estruturação do Estado, a distribuição de suas competências (o que o Estado pode fazer ou o que ele não deve fazer), até os direitos, garantias e deveres dos cidadãos.
Nos dispositivos presentes na constituição brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988 (Constituição Cidadã), pode-se aferir diversos regramentos da separação entre Estado e Igreja e perceber o modelo adotado pelo Brasil de Estado Laico. No escopo dos direitos e garantias fundamentais (Art. 5º e seguintes) está elencado o direito à vida, igualdade, propriedade, segurança, liberdade, bem como o princípio de liberdade religiosa:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.
A constitucionalista Heloísa Chehoud (2012, p. 98), afirma que o inciso VI do artigo 5º em comento é o dispositivo que trata da liberdade religiosa por excelência:
o dispositivo deixa explícito a proteção à liberdade religiosa, até então extraída de outros direitos, como a igualdade, a tolerância, a solidariedade e a manifestação do pensamento. Com isto restou evidenciada a proteção constitucional à liberdade individual de crença e de culto, com status de direito fundamental.
Nesse aspecto, a liberdade religiosa exige abstenção do poder público, no sentido de não embaraçar as atividades religiosas e no sentido de atuar positivamente para garantir as condições necessárias para o exercício desse direito. Patrícia Oliveira (2010, p. 29) observa que consoante a redação do inciso VI “a Constituição buscou a proteção do aspecto interno (liberdade de crença) e externo (garantia do livre exercício dos cultos e liturgias, além da proteção aos locais respectivos) da liberdade de religião".
Nessa quadra, o constitucionalista José Afonso da Silva (2002, p. 45) afirma que o direito à liberdade religiosa subdivide-se em três formas de expressão, quais sejam: “a liberdade de crença, liberdade de culto e liberdade de organização religiosa”.
Sob essa premissa o direito de liberdade de culto não é apenas “individual”, mas também é “coletivo”. Tavares (2012, p. 98), explica que, enquanto direito fundamental, nele há de se incluir as seguintes liberdades:
i) de opção em valores transcendentais (ou não);
ii) de crença nesse sistema de valores;
iii) de seguir dogmas baseados na fé e não na racionalidade estrita;
iv) da liturgia (cerimonial), o que pressupõe a dimensão coletiva da liberdade.
Percebe-se, portanto, nos direitos e nas garantias fundamentais da Constituição que ao cidadão brasileiro está assegurado o livre exercício dos cultos e o direito de receber assistência religiosa coletiva. E ainda que ninguém poderá ser cerceado ou sancionado no uso de seus direitos de liberdade religiosa.
Destaca-se também que a liberdade religiosa é um direito humano universal, reconhecido nas Declarações, Convenções e Tratados dessa natureza. Por exemplo o Artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) afirma que "Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade, seja sozinho ou em comunidade com outros e em público ou privado, de manifestar essa religião ou crença no ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos".
Contudo, em virtude da pandemia do COVID-19 vivemos no Brasil insegurança jurídica no que diz respeito aos direitos fundamentais. Entre eles está o cerceamento do direito à liberdade de culto coletivo. Enfatiza-se que a luz da Constituição, o Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) não pode proibir a realização dos cultos. Na forma da lei, restringir a realização de cultos com normas sanitárias a fim de evitar a proliferação do vírus é perfeitamente possível. Porém, proibir a realização dos cultos é inconstitucional.
Desse modo, não está em discussão o necessário distanciamento nos locais de culto, uso de máscaras, redução de dias, horários e número de participantes no culto e a observância das demais regras sanitárias. Todos os líderes cristãos concordam com o cumprimento desses cuidados. A discussão diz respeito a inconstitucionalidade de proibir a realização de cultos e cercear o direito fundamental de liberdade religiosa.
"Sabe, porém, isto: que nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos. Porque haverá homens amantes de si mesmos [...] traidores, obstinados, orgulhosos, mais amigos dos deleites do que amigos de Deus. Tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. Destes afasta-te". (2Tm 3.1,5)
OBS: Com esse entendimento, a decisão de realizar ou não os cultos presenciais, cabe as autoridades eclesiásticas e não ao poder estatal. Nesse caso, os líderes eclesiásticos devem agir com sabedoria e prudência, e não com fanatismo ou irresponsabilidade.
Pense Nisso!
Douglas Roberto de Almeida Baptista http://www.cpadnews.com.br/