Meninas do Rajastão: uma campanha contra o casamento infantil na Índia

 Campanha já soma 1,2 meninas pelo fim do casamento infantil após aumento de casos devido à crise econômica

Cerca de 1,2 mil meninas decidiram unir forças no Rajastão, Estado no norte da Índia. Todas compartilham de um inimigo em comum: o casamento infantil, cultura que se intensificou em meio à crise causada pela pandemia de Covid-19.

Na cidade de Karauli, meninas iniciaram uma campanha para desestimular os pais que pretendem casar suas filhas antes da maioridade, registrou a agência catari Al-Jazeera.

As ativistas visitam comunidades marginalizadas e explicam as desvantagens do casamento infantil. Elas também firmaram um convênio com o governo indiano para conceder bolsas de estudos para que meninas não abandonem a escola.

Meninas de Rajasthan: uma campanha contra o casamento infantil na Índia
Meninas em aula online durante a pandemia em Hindloa Fadia, Gujarat, Índia, em junho de 2020 (Foto: Unicef/Vinay Panjwani)

Quem lidera a iniciativa é Priyanka Berwa, de 18 anos. Depois de convencer os próprios pais de que não queria se casar, em outubro do ano passado, reuniu outras nove meninas e deu início ao Movimento para a Educação de Meninas de Grupos Tribais Retrógrados Dalit, em tradução literal.

Tidos como “intocáveis”, os dalits estão na base da hierarquia de castas da Índia – um sistema proibido, mas generalizado. Diferente de outras etnias e chamados de “grupos retrógrados”, os dalits não recebem proteção especial da constituição indiana, o que dá margem a crimes como o casamento infantil.

“Quase todas as meninas passam pelo mesmo”, disse Priyanka. “Ninguém quer educar meninas depois do ensino médio, e a pandemia piorou tudo. Com as escolas fechadas, poucos têm celulares ou acesso à internet”. A ativista diz que “teve sorte” e conseguiu convencer os pais, eles próprios casados desde os 14 anos.

Com os índices de desemprego galopantes, muitas famílias da região se viram sem renda fixa desde o início de 2020. O casamento, geralmente com homens mais velhos, se tornou uma chance de consertar as finanças, pois rendem um dote à família da noiva.

Um passo de cada vez

A iniciativa de Priyanka demonstra coragem para lutar contra a maré de casamentos infantis no Rajastão. Apesar de ilegal, 35,4% das mulheres entre 20 e 24 anos já haviam se casado antes de completar 18 anos, em 2016. A média nacional, à época, era de 27%, apontou a Pesquisa Nacional de Saúde da Família da Índia.

Em todo o mundo, anualmente, pelo menos 12 milhões de meninas se casam antes de completar 18 anos. A prevalência é maior no sul da Ásia, apontou a ONU (Organização das Nações Unidas). Quase 30% de todas as mulheres entre 20 e 24 anos da região continental se casaram antes de alcançar a maioridade.

O casamento infantil já é um dos principais efeitos colaterais da pandemia. Ainda em junho de 2020, a organização ChildLine, agência governamental que protege crianças em perigo na Índia, registrou 92,2 mil intervenções – 35% sobre casamentos precoces.

Meninas de Rajasthan: uma campanha contra o casamento infantil na Índia
Menina acompanha as aulas online no único aparelho eletrônico da família em Nova Délhi, Índia, julho de 2020 (Foto: Unicef/Vinay Panjwani)

Meninas mais confiantes

Enquanto isso, a iniciativa de Priyanka aposta na paciência para mudar a visão das comunidades. Se antes eram apenas ela e mais nove amigas, hoje são mais de 1,2 mil jovens entre 13 e 18 anos unidas pela causa.

O movimento, que se popularizou nas ruas de Kirali, já bate à porta de idosos e líderes comunitários para convencê-los sobre os riscos e prejuízos do casamento precoce. As meninas do Rajastão já enviaram e-mails ao primeiro-ministro Narendra Modi, um início de pressão política que vai além do Estado.

O movimento tornou as meninas mais confiantes, relatou Neelam Mahavar, de 17 anos. “Eu quero ser professora, e minha irmã, colecionadora [espécie de burocrata distrital]. Somos trabalhadoras e temos fé em nós mesmas”, afirmou.

“Ninguém pensa nos meninos como um fardo. Os mais velhos pensam que as meninas ficam rebeldes se estudarem mais. Eu quero mudar essa mentalidade”, disse ela.

fonte https://areferencia.com